sábado, 27 de maio de 2017

O Músculo Cardíaco; o Coração como uma Bomba

Fonte : Tratado de Fisiologia Médica - Guyton, Arthur C. / Hall, John E. Décima Edição 


Fisiologia do músculo cardíaco 



 O coração é formado por três tipos principais de músculos cardíaco: músculo atrial, músculo ventricular e fibras musculares especializadas excitatórias e condutoras. Os músculos do tipo atrial e ventricular contraem-se de forma muito semelhante à do músculo esquelético, exceto que a duração da contração é bem maior . Por outro lado, as fibras excitatórias e condutoras contraem-se muito fracamente, porque têm poucas fibrilas contráteis; ao contrário, exibem ritmicidade e velocidade de condução variável, formando um sistema excitatório que controla a ritmicidade da contração cardíaca.

Anatomia Funcional do Músculo Cardíaco 


 A Fig. 9.2 mostra imagem histológica típica do músculo cardíaco, mostrando fibras musculares cardíacas dispostas em treliça, com fibras se dividindo, depois se juntando e, de novo, se separando. Nota-se, imediatamente, a partir dessa figura, que o músculo cardíaco é estriado, como o músculo esquelético típico. Além disso, o músculo cardíaco tem miofribrilas típicas, que contém filamentos de actina e de  miosina, quase idênticos aos encontrados no músculo esquelético; esses filamentos situam-se lado a lado e deslizam uns sobre os outros durante a contração. Do mesmo modo que ocorre no músculo esquelético. Em outros aspectos, o músculo cardíaco é muito diferente do músculo esquelético, como veremos adiante.

O Músculo Cardíaco como um Sincício

 

 As áreas escuras transversais das fibras musculares cardíacas na Fig. 9.2 são chamadas de discos intercalares; na verdade, são membranas celulares que separam células musculares cardíacas individuais umas das outras. Isto é, as fibras musculares cardíacas são formadas por muitas células individuais, conectadas em série umas às outras. Contudo, a resistência elétrica através do disco intercalar é de somente 1/400 da resistência, através da membrana externa da fibra muscular cardíaca, porque as membranas celulares fundem-se entre si, de modo a formar junções "comunicantes" permeáveis (junções abertas), que permitem a difusão, quase totalmente livre, de íons. Portanto, sob o ponto de vista funcional, os íons movem-se com facilidade pelo líquido intercelular, ao longo dos eixos longitudinais das fibras musculares cardíacas, de modo que o potencial de ação trafega de uma célula muscular cardíaca para a próxima, passando pelos discos intercalares, com restrição muito pequena. Assim, o músculo cardíaco é um sincício, formado por muitas células musculares cardíacas, no qual as células cardíacas estão interconectadas de tal modo que, quando uma dessas células é excitada, o potencial de ação se propaga para todas as demais, passando de célula para célula por toda a treliça de interconexões.
 O coração, na verdade, é formado por dois sincícios: o sincício atrial, que forma as paredes dos dois átrios, e o sincício ventricular, que forma a parede dos dois ventrículos. Os átrios estão separados dos ventrículos por um tecido fibroso que circunda as aberturas das válvulas atrioventriculares (A -V) entre os átrios e os ventrículos. Normalmente, os potenciais não são conduzidos do sincício atrial para o ventricular, diretamente por esse tecido fibroso. Ao contrario, somente são conduzidos por meio do sistema especializado de condução chamado feixe A - V, um feixe de fibras condutoras com vários milímetros de diâmetro. Essa divisão do músculo cardíaco em dois sincícios funcionais permite que os átrios se contraiam pouco antes da contração ventricular, o que é importante para a eficiência do bombeamento cardíaco.



Potenciais de Ação no Músculo Cardíaco



 O potencial de ação  registrado no músculo ventricular, mostrado no traçado inferior da Fig. 9.3, tem cerca de 105 mV, o que significa que o potencial de membrana, normalmente negativo, entre os batimentos, por cerca de -85 mV, tem sem valor aumentado para um valor positivo, de cerca de +
 20 mV, durante cada batimento. Após a ponta (spike) inicial, a membrana permanece despolarizada por cerca de 0,2 s no músculo atrial e cerca de 0,3 s no músculo ventricular, apresentando platô, como mostra na Fig. 9.3, seguindo, ao final do platô, por abrupta repolarização. A presença desse platô no potencial de ação faz com que a contração muscular dure 15 vezes mais no músculo cardíaco que no músculo esquelético. 




 Fig. 9.3 Potencial de ação rítmicos (em milivolts) da fibra de Purkinje e de uma fibra muscular ventricular, registrados por meio de microeletrodos.

O que Provoca o Longo Potencial de Ação e o Platô ?

 Neste ponto, devemos levantar a questão: por que o potencial de ação do músculo cardíaco é tão longo, e porque apresenta o platô, enquanto no músculo esquelético isso não ocorre? As repostas, com bases biofísicas, para essas questões são pelo menos duas diferenças importantes entre as propriedades de membrana dos músculos cardíacos e esquelético apontam para o potencial de ação prolongado e o platô no músculo cardíaco.
 Primeiro, o potencial de ação do músculo esquelético é provocado, quase inteiramente, pela abertura repentina de grande número dos chamados canais rápidos de sódio, que permitem a entrada de imensa quantidade de íons sódio para a fibra muscular esquelética. Esses canais são chamados canais "rápidos", porque somente permanecem abertos durante poucos décimos de milésimos de segundo, fechando-se, em seguida, abruptamente. Ao final desse fechamento, ocorre a repolarização, e o potencial de ação termina dentro de cerca de um décimo de milésimo de segundo ou pouco mais.
 Por outro lado, no músculo cardíaco, o potencial de ação é provocado pela abertura de dois tipos de canais:(1) os mesmos canais rápidos de sódio, como no músculo esquelético, e (2) outra população, inteiramente diferente, de canais lentos de cálcio, também chamados canais cálcio-sódio. Essa segunda população de canais difere dos canais rápidos de sódio por terem abertura mais lenta, e, o que é mais importante, permanecem abertos por vários décimos de segundos. Durante esse tempo, grande quantidade de íons cálcio e sódio flui, por esses canais, para o interior da fibra muscular cardíaca, o que mantém o período prolongado de despolarização, causando o platô no potencial de ação. Além disso, os íons cálcio que entram durante esse potencial de ação têm participação importante na excitação do processo contrátil da fibra muscular, que é outra diferença entre o músculo cardíaco e o músculo esquelético.
 A segunda diferença funcional mais importante entre o músculo cardíaco e o músculo esquelético que ajuda a explicar o potencial de ação prolongado de seu platô é : imediatamente após o início do potencial de ação, a permeabilidade da membrana do músculo cardíaco para os íons potássio diminui por cerca de cinco vezes, efeito que não ocorre no músculo esquelético. Essa redução da permeabilidade ao potássio pode ser provocada pelo influxo excessivo de cálcio pelos canais de cálcio, como já descrito. Independente de sua causa, a permeabilidade reduzida ao potássio diminui acentuadamente o efluxo de íons potássio durante o platô do potencial de ação, impedindo o retorno precoce da voltagem do potencial de ação para seu valor de repouso. Quando os canais lentos de cálcio e de sódio fecham ao término de 0,2 a 0,3 s, e o influxo de íons cálcio e sódio cessa, a permeabilidade da membrana para os íons potássio aumenta rapidamente; essa perda rápida de potássio, pela fibra, retorna o potencial de ação para o seu valor de repouso, dando fim ao potencial de ação.

 

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