Fonte: Livro Imunologia Celular e Molecular - 8ª Ed.
Autores: Abul Lichtman, Andrew Abbas
VISÃO GERAL DA TOLERÂNCIA IMUNOLÓGICA
TOLERÂNCIA DOS LINFÓCITOS T
Tolerância Central da Célula T
Tolerância Periférica da Célula T
Fatores que Determinam a Tolerogenicidade de Autoantígenos
TOLERÂNCIA DOS LINFÓCITOS B
Tolerância Central da Célula B
Tolerância Periférica da Célula B
TOLERÂNCIA INDUZIDA POR ANTÍGENOS PROTEICOS EXTERNOS
MECANISMOS DE AUTOIMUNIDADE
Características Gerais das Doenças Autoimunes
Anormalidades Imunológicas que Levam à Autoimunidade
Bases Genéticas da Autoimunidade
Papel das Infecções na Autoimunidade
Outros Fatores na Autoimunidade
RESUMO
Define-se tolerância imunológica como a não responsividade a um antígeno,
conseguida por meio da exposição prévia ao mesmo. O termo “tolerância imunológica”
surgiu a partir de observações experimentais de que animais que já haviam entrado em
contato com um antígeno (em condições particulares) tolerariam, ou seja, não
responderiam às exposições subsequentes ao mesmo antígeno. Quando linfócitos
específicos encontram antígenos, estes podem ser ativados, induzindo respostas
imunológicas; esses linfócitos também podem ser inativados ou eliminados, levando à
tolerância. Formas diferentes de um mesmo antígeno podem levar à resposta
imunológica ou à tolerância. Os antígenos que induzem a tolerância são chamados de
tolerógenos, ou antígenos tolerogênicos, a fim de distingui-los dos imunógenos, que
geram imunidade. Um único antígeno pode ser um imunógeno ou um tolerógeno,
dependendo da forma como é apresentado aos linfócitos específicos, seja na presença ou
na ausência, respectivamente, de inflamação e respostas imunológicas inatas. A
tolerância aos autoantígenos, também chamada de autotolerância, é uma propriedade
fundamental do sistema imunológico normal; a falha na autotolerância resulta em
reações imunológicas contra antígenos próprios (autoantígenos ou antígenos autólogos).
Essas reações são conhecidas pelo nome de “autoimunidade”, e as doenças causadas
pelas mesmas são denominadas doenças autoimunes. A importância da autotolerância
para a saúde dos indivíduos foi investigada desde os primórdios da Imunologia. No
Capítulo 1, introduziu-se o conceito de discriminação própria e não própria, que consiste
na habilidade do sistema imunológico em reconhecer e responder a antígenos estranhos,
mas não aos antígenos do próprio corpo. Macfarlane Burnet adicionou à sua hipótese de
seleção clonal o corolário de que linfócitos específicos para autoantígenos são eliminados
a fim de prevenir reações imunológicas do indivíduo contra seus próprios tecidos. A
elucidação dos mecanismos de autotolerância é a chave para compreender a patogênese
da autoimunidade.
Neste capítulo, será discutida a tolerância imunológica, principalmente no contexto da
autotolerância, e como a autotolerância pode falhar, resultando em autoimunidade.
Também serão considerados a tolerância a agentes externos e o potencial de indução à
tolerância como uma estratégia terapêutica para as doenças alérgicas e autoimunes, bem
como na prevenção da rejeição de células e órgãos transplantados.
Visão geral da tolerância imunológica
Há diversas características de tolerância nas populações de linfócitos T e B. É importante
explorar os princípios gerais antes de discutir os mecanismos específicos de tolerância
nesses linfócitos.
• Indivíduos normais são tolerantes aos seus próprios antígenos porque os linfócitos
responsáveis pelo reconhecimento dos autoantígenos estão eliminados ou inativados, ou
a especificidade destes linfócitos encontra-se alterada. Essencialmente, todos os
indivíduos herdam os mesmos segmentos gênicos de receptor de antígeno, e estes são
recombinados e expressos pelos linfócitos quando essas células surgem a partir de
suas células precursoras. As especificidades dos receptores codificados pelos genes
recombinados são aleatórias e não são influenciadas pelo que é externo ou próprio no
organismo de cada indivíduo (Cap. 8). Não é de surpreender que, durante o processo
de geração de um repertório grande e diversificado, algumas células T e B em
desenvolvimento em todo indivíduo possam expressar receptores capazes de
reconhecer moléculas normais daquele indivíduo (p. ex., autoantígenos). Portanto,
existe um risco de os linfócitos reagirem contra as células e tecidos daquele indivíduo,
causando doença. Os mecanismos de tolerância imunológica evoluíram para prevenir
essas reações.
• A tolerância resulta do reconhecimento dos antígenos por linfócitos específicos. Em
outras palavras, a tolerância, por definição, é antígeno-específica. Isso contrasta com a
imunossupressão terapêutica, que afeta linfócitos com muitas especificidades. O
principal avanço que permitiu o estudo da tolerância pelos imunologistas foi a
habilidade de induzir esse fenômeno em animais, mediante exposição a antígenos
definidos sob condições variadas, para depois analisar a sobrevivência e o
funcionamento dos linfócitos que encontraram seus antígenos. Peter Medawar e
colaboradores mostraram, na década de 1950, que camundongos neonatos de uma
determinada cepa, quando expostos às células de outras cepas, tornaram-se não
responsivos a subsequentes enxertos de pele oriundos da cepa dos doadores. Estudos
posteriores mostraram que a tolerância poderia ser induzida não somente por células
externas, mas também por proteínas e outros antígenos.
• A autotolerância pode ser induzida em linfócitos autorreativos imaturos nos órgãos
linfoides centrais (tolerância central) ou em linfócitos maduros em locais periféricos
(tolerância periférica) (Fig. 15-1). A tolerância central certifica-se de que o repertório de
linfócitos maduros se torne incapaz de responder a autoantígenos que são expressos
nos órgãos linfoides centrais (timo – para as células T; medula óssea – para os
linfócitos B). Entretanto, a tolerância central não é perfeita e alguns linfócitos
autorreativos acabam por completar sua maturação. Dessa maneira, os mecanismos de
tolerância periférica são necessários para prevenir a ativação desses linfócitos
potencialmente perigosos.
FIGURA 15-1 Tolerância central e periférica a autoantígenos.
Linfócitos imaturos específicos para autoantígenos podem encontrar tais antígenos nos órgãos
linfoides centrais e são deletados, mudam sua especificidade (somente células B) ou (no caso das
células T CD4
+
) diferenciam-se em linfócitos regulatórios (tolerância central). Alguns linfócitos
autorreativos podem amadurecer e entrar nos tecidos periféricos, onde podem ser inativados ou
deletados ao encontrarem autoantígenos nesses tecidos, ou podem ser suprimidos pelas células T
regulatórias (tolerância periférica). Observe que as células T reconhecem antígenos apresentados
por células apresentadoras de antígenos (não mostrado).
• A tolerância central ocorre durante um estágio de maturação dos linfócitos, no qual o
encontro com um antígeno pode levar à morte celular ou à substituição de um receptor
de antígeno autorreativo por outro que não apresente esta condição. Os órgãos linfoides
centrais contêm, principalmente, autoantígenos e antígenos internos, porque os
antígenos estranhos (p. ex., microrganismos) que entram a partir do ambiente externo
costumam ser capturados e levados para os órgãos linfoides periféricos, como
linfonodos, baço e tecidos linfoides associados às mucosas (não ficam concentrados no
timo ou na medula óssea). Os antígenos normalmente presentes no timo e na medula
óssea incluem autoantígenos amplamente disseminados, inclusive aqueles adquiridos
através do sangue. Além disso, muitos antígenos periféricos tecido-específicos são
expressos no timo através de um mecanismo especial que será descrito
posteriormente. Portanto, nos órgãos linfoides centrais, os linfócitos imaturos que
reconhecem especificamente antígenos são, tipicamente, células específicas para
autoantígenos (e não para antígenos externos/estranhos). Os destinos dos linfócitos
imaturos que reconhecem autoantígenos com alta afinidade serão descritos a seguir
(Fig. 15-1).
• A tolerância periférica desencadeia-se quando linfócitos maduros reconhecem
autoantígenos e morrem por apoptose ou quando se tornam incapazes de serem ativados
pela reexposição àquele antígeno. A tolerância periférica é importante para a
manutenção da não responsividade a autoantígenos que são expressos em tecidos
periféricos (e não nos órgãos linfoides centrais) e para a tolerância a autoantígenos que
somente são expressos na vida adulta, após a produção de muitos linfócitos maduros
específicos para este antígeno. Conforme mencionado anteriormente, os mecanismos
periféricos também podem servir como um suporte para os mecanismos centrais, caso
não eliminem todos os linfócitos autorreativos.
• A tolerância periférica também é mantida pelas células T regulatórias (Treg
) que suprimem
ativamente os linfócitos autoantígeno-específicos. A supressão pelas células Treg ocorre
nos órgãos linfoides secundários e nos tecidos não linfoides.
• Alguns autoantígenos são sequestrados do sistema imunológico e outros antígenos são
ignorados. Antígenos podem ser capturados do sistema imunológico por barreiras
anatômicas, como nos testículos e nos olhos, e assim, não podem encontrar seus
receptores (Cap. 14). Em modelos experimentais, alguns autoantígenos encontram-se
disponíveis para o reconhecimento pelos linfócitos, mas, por motivos desconhecidos,
falham em suscitar qualquer resposta e são funcionalmente ignorados. A importância
deste fenômeno de ignorar o antígeno a fim de manter a autotolerância ainda não foi
estabelecida.
• Antígenos externos, na ausência de sinais coestimulatórios, podem inibir as respostas
imunológicas por meio da indução da tolerância em linfócitos específicos. Muitos dos
mecanismos de tolerância a antígenos externos são similares àqueles da autotolerância
em linfócitos maduros (tolerância periférica). Alguns microrganismos e tumores
também escapam do ataque imunológico, induzindo a não responsividade em
linfócitos específicos.
• A indução da tolerância imunológica foi explorada como abordagem terapêutica para a
prevenção de respostas imunológicas prejudiciais. Grandes esforços estão sendo
realizados no sentido de desenvolver estratégias para induzir a tolerância e ajudar no
tratamento de doenças alérgicas e autoimunes, bem como para prevenir a rejeição nos
transplantes de órgãos. A indução da tolerância também pode ser útil para prevenir
reações imunológicas contra os produtos de novos genes expressos em protocolos de
terapia gênica, para prevenir reações a proteínas injetadas em pacientes com
deficiências proteicas (p. ex., hemofílicos tratados com fator VIII) e para promover a
aceitação em transplantes de células-tronco.
Abordagens experimentais, em especial as que envolvem a criação de camundongos
modificados geneticamente, forneceram modelos valiosos para a análise da
autotolerância; muitos dos nossos conceitos atuais baseiam-se nos estudos com esses
modelos. Além disso, por meio da identificação dos genes que podem estar associados à
autoimunidade em camundongos e humanos, passou a ser possível deduzir alguns dos
mecanismos críticos da autotolerância. Contudo, ainda não se sabe quais autoantígenos
induzem tolerância central ou periférica (ou quais são ignorados). E mais importante,
ainda não se sabe quais mecanismos de tolerância podem falhar nas doenças autoimunes
humanas mais comuns; isso permanece como um desafio principal no entendimento da
autoimunidade.
Nas seções a seguir, serão discutidas as tolerâncias central e periférica, primeiramente
nas células T e depois nos linfócitos B, porém muitos aspectos desses processos são
comuns a ambas as linhagens.
Tolerância dos linfócitos T
A tolerância dos linfócitos T auxiliares CD4
+ é uma forma eficaz de prevenir tanto as
respostas imunológicas mediadas por células quanto as respostas imunológicas
humorais a antígenos proteicos, uma vez que as células T auxiliares são indutores
necessários a todas essas respostas. Essa constatação serviu de ímpeto para uma grande
quantidade de trabalhos a respeito dos mecanismos de tolerância nas células T CD4
+
.
Imunologistas desenvolveram modelos experimentais para estudar a tolerância em
células T CD4
+ que mostraram ser instrutivos. Além disso, muitas estratégias
terapêuticas que estão sendo desenvolvidas a fim de induzir a tolerância a transplantes e
autoantígenos têm como foco principal a inativação ou eliminação dessas células T. Por
isso, a maior parte da discussão a seguir, especialmente sobre tolerância periférica,
prioriza as células T CD4
+
. Sabe-se menos sobre tolerância periférica em células T CD8
+
, e
o que já é senso comum encontra-se resumido ao final desta seção.
Tolerância Central da Célula T
Durante sua maturação no timo, muitas células T imaturas que reconhecem antígenos com
grande avidez são deletadas e algumas das células sobreviventes na linhagem CD4
+
transformam-se em células T regulatórias (Fig. 15-2). O processo de deleção (ou seleção
negativa) de linfócitos T no timo foi descrito anteriormente (Cap. 8), na discussão sobre
maturação da célula T. Este processo afeta células T restritas ao compartimento MHC de
classes I e II, sendo importante para a tolerância nas populações de linfócitos CD8
+ e
CD4
+
. A seleção negativa de timócitos é responsável pelo fato de que o repertório de
células T maduras que deixam o timo e povoam os tecidos linfoides periféricos não
responde a muitos autoantígenos que estão presentes no timo. Os dois principais fatores
que determinam se um autoantígeno particular induzirá a seleção negativa de timócitos
autorreativos são: (1) a presença daquele antígeno no timo (por expressão local ou
chegada através da corrente sanguínea) e (2) a afinidade dos receptores de célula T dos
timócitos (RCTs) que reconhecem o antígeno. Portanto, as questões que realmente são
relevantes para a seleção negativa são: (1) quais são os autoantígenos presentes no timo e
(2) de que forma as células T imaturas que reconhecem esses antígenos são deletadas.
FIGURA 15-2 Tolerância central da célula T.
O reconhecimento de autoantígenos por células T imaturas no timo leva à morte dessas células
(seleção negativa ou deleção) ou ao desenvolvimento de células T regulatórias que entram nos
tecidos periféricos.
A seleção negativa ocorre em células T duplamente positivas no córtex tímico e em
células T unicamente positivas produzidas na medula. Em ambas as localizações,
timócitos imaturos com receptores de alta afinidade para autoantígenos, que encontram
estes antígenos, morrem por apoptose. A sinalização por receptor de célula T (TCR) em
células T imaturas dispara a via mitocondrial da apoptose. Os mecanismos de apoptose
serão descritos mais adiante neste capítulo, quando discutirmos sobre a deleção
enquanto mecanismo de tolerância de célula T periférica. Claramente, linfócitos imaturos
e maduros interpretam de maneiras diferentes os sinais dos receptores de antígenos – os
linfócitos imaturos morrem e os maduros são ativados. Não se sabe a base bioquímica
dessa diferença.
Os antígenos que estão presentes no timo incluem muitas proteínas circulantes e
proteínas associadas a células que estão amplamente distribuídas nos tecidos. O timo
ainda conta com um mecanismo especial para expressar muitos antígenos de proteínas
que, em geral, estão presentes somente em determinados tecidos periféricos, de modo
que células T imaturas específicas para esses antígenos podem ser deletadas do
repertório de células T em desenvolvimento. Esses antígenos de tecidos periféricos são
expressos nas células epiteliais medulares tímicas sob o controle da proteína reguladora
autoimune (AIRE, do inglês autoimune regulator). Mutações no gene AIRE são a causa de
uma doença autoimune que afeta diversos órgãos, chamada de síndrome poliglandular
autoimune tipo 1 (APS1, do inglês autoimmune polyendocrine syndrome type 1). Este grupo
de doenças caracteriza-se por lesões causadas por anticorpos e lesões mediadas por
linfócitos que atingem diversos órgãos endócrinos, incluindo paratireoides, adrenais e
ilhotas pancreáticas. Desenvolveu-se um modelo de camundongo para APS1 através da
deleção do gene AIRE, recapitulando muitas características da doença humana. Estudos
em camundongos mostraram que várias proteínas que são produzidas em órgãos
periféricos (assim como a insulina pancreática) também são expressas em níveis baixos
nas células epiteliais da medula tímica; além disso, células T imaturas que reconhecem
esses antígenos são deletadas no timo. Na ausência de AIRE funcional (como em
pacientes com APS1 e camundongos deficientes), esses antígenos não são exibidos no
timo e as células T específicas para tais antígenos escapam da deleção, sofrem maturação
e dirigem-se para a periferia, onde atacam os tecidos-alvo (nos quais os antígenos são
expressos independentemente de AIRE) (Fig. 15-3). A proteína AIRE pode funcionar
como um regulador transcricional para promover a expressão de antígenos restritos a
tecidos selecionados, no timo. É um componente de um complexo multiproteico que está
envolvido no alongamento transcricional e desdobramento e remodelagem da cromatina.
Ainda não se sabe de que forma a AIRE dirige a expressão de uma vasta gama de
antígenos de tecidos em uma única população celular no timo.
FIGURA 15-3 Função de AIRE na deleção de células T no timo.
A, Aproteína AIRE é parte de um complexo que regula a expressão de antígenos restritos a tecidos
(TRAs, do inglês tissue-restricted antigens) nas células epiteliais da medula do timo (MTEC).
Peptídios derivados desses antígenos são mostrados nas MTEC e reconhecidos por células T
antígeno-específicas imaturas, levando à deleção de muitas células T autorreativas. B, Na ausência
de AIRE funcional, essas células T autorreativas não são eliminadas; elas podem entrar nos tecidos
onde os antígenos continuam a ser produzidos e causar danos.
Algumas células T CD4+ autorreativas que encontram autoantígenos no timo não são
deletadas, mas, ao contrário disso, diferenciam-se em células T regulatórias específicas
para esses antígenos (Fig. 15-2). As células regulatórias deixam o timo e inibem as
respostas contra autoantígenos na periferia. Também ainda não se sabe o que determina
a escolha entre a deleção e o desenvolvimento das células T regulatórias. Possíveis fatores
incluem a afinidade de reconhecimento do antígeno, os tipos de células apresentadoras
de antígenos (APCs, do inglês antigen presenting cells) que apresentam o antígeno e a
disponibilidade de certas citocinas localmente no timo. As funções e características das
células T regulatórias serão descritas posteriormente, no contexto da tolerância
periférica, porque essas células suprimem as respostas imunológicas na periferia.
Tolerância Periférica da Célula T
Os mecanismos de tolerância periférica são (1) anergia (não responsividade funcional), (2)
supressão pelas células T regulatórias e (3) deleção (morte celular) (Fig. 15-4). Esses
mecanismos podem ser responsáveis pela tolerância da célula T a autoantígenos tecidoespecíficos,
especialmente aqueles que não são abundantes no timo. Não se sabe se a
tolerância a diferentes autoantígenos é mantida por um ou outro mecanismo ou se todos
esses mecanismos funcionam cooperativamente para prevenir a autoimunidade. Os
mesmos mecanismos podem induzir não responsividade a formas tolerogênicas de
antígenos externos.
FIGURA 15-4 Mecanismos de tolerância periférica da célula T.
Os sinais envolvidos em uma resposta imunológica normal (A) e os três principais mecanismos de
tolerância periférica da célula T (B) encontram-se ilustrados.
Anergia (Não Responsividade Funcional)
A exposição de células T CD4
+ maduras a um antígeno, na ausência de coestimulação ou
imunidade inata, pode tornar as células incapazes de responder àquele antígeno. Neste
processo, conhecido como anergia, as células autorreativas não morrem, mas tornam-se
não responsivas a um antígeno. Anteriormente, introduziu-se o conceito de que a
ativação total das células T requer o reconhecimento do antígeno pelo TCR (que fornece o
sinal 1) e dos coestimuladores, principalmente B7-1 e B7-2, pelo CD28 (sinal 2) (Cap. 9). O
sinal 1 prolongado, quando sozinho (p. ex., reconhecimento de antígeno), pode levar à
anergia. Parece que os autoantígenos são exibidos continuamente às células T específicas,
na ausência de imunidade inata e forte coestimulação. A anergia induzida por alérgeno
foi demonstrada em uma grande variedade de modelos experimentais, incluindo (1)
estudos com clones de células T expostos a antígenos in vitro (o que serviu de base para a
definição original de anergia), (2) estudos nos quais antígenos foram administrados sem
adjuvantes aos camundongos e (3) estudos com camundongos transgênicos, nos quais
antígenos de proteínas específicas são expressos ao longo da vida e reconhecidos pelas
células T na ausência de inflamação e de respostas imunológicas inatas que normalmente
acompanham a exposição aos microrganismos. Em muitas destas situações, as células T
que reconhecem os antígenos tornam-se funcionalmente não responsivas e sobrevivem
por dias ou semanas em estado quiescente.
A anergia resulta de alterações bioquímicas que reduzem a habilidade dos linfócitos
em responder aos sinais de seus receptores de antígenos (Fig. 15-5). Acredita-se que
diversas vias bioquímicas cooperam para a manutenção desse estado não responsivo.
FIGURA 15-5 Mecanismos de anergia da célula T.
As respostas das células T são induzidas quando as células reconhecem um antígeno apresentado
por uma célula apresentadora de antígeno profissional (APC) e os receptores de ativação nas
células T (como o CD28) reconhecem coestimuladores nas APCs (como o B7). Se a célula T
reconhece um autoantígeno sem coestimulação, a célula T torna-se não responsiva ao antígeno, por
causa de um bloqueio na sinalização do complexo TCR ou do envolvimento de receptores inibitórios
(como o CTLA-4 e o PD-1). O sinal de bloqueio pode ser resultado do recrutamento de fosfatases
para o complexo TCR ou da ativação de ubiquitina ligases que degradam proteínas de sinalização. A
célula T permanece viável, mas não é capaz de responder ao autoantígeno. CD, célula dendrítica.
• A transdução de sinal induzida pelo TCR é bloqueada em células anérgicas. Os
mecanismos deste sinal de bloqueio não são completamente conhecidos. Em
diferentes modelos experimentais, atribui-se esse sinal à expressão diminuída de TCR
(talvez em virtude da degradação aumentada; ver posteriormente) e ao recrutamento
de moléculas inibitórias, como as tirosinofosfatases, para o complexo TCR.
• O reconhecimento de autoantígenos pode ativar as ubiquitinas ligases celulares, que
ubiquitinam as proteínas associadas ao TCR e as direcionam para a degradação
proteolítica nos proteossomos ou lisossomos. O resultado final é a perda dessas
moléculas de sinalização e ativação defeituosa das células T (Cap. 7, Fig. 7-22). Uma
ubiquitina ligase importante para as células T é chamada de Cbl-b. Camundongos
deficientes para a proteína Cbl-b mostram proliferação espontânea de células T e
manifestações de autoimunidade, sugerindo que essa enzima está envolvida na
manutenção da não responsividade da célula T aos autoantígenos. Ainda não se sabe
por que o reconhecimento de autoantígenos (que ocorre tipicamente sem forte
coestimulação) ativa essas ubiquitina ligases, enquanto antígenos externos que são
reconhecidos com coestimulação as ativam muito menos, ou simplesmente não o
fazem.
• Quando as células T reconhecem autoantígenos, estas podem engajar receptores
inibitórios da família CD28, cuja função é inibir as respostas da célula T. As funções dos
receptores inibitórios de células T mais conhecidos encontram-se descritas na seção
adiante.
Regulação das Respostas das Células T por Receptores Inibitórios
Introduziu-se anteriormente o conceito geral de que o resultado do reconhecimento do
antígeno pelas células T, particularmente as células CD4 + , é determinado por um
equilíbrio entre a atividade de receptores de ativação e de inibição. Embora tenham sido
descritos muitos receptores de inibição, há dois destes cujos papéis fisiológicos estão
mais bem estabelecidos na autotolerância: o CTLA-4 e o PD-1. Estudos sobre esses
receptores inibitórios aumentaram o entendimento a respeito dos mecanismos de
tolerância, levando a novas abordagens terapêuticas para a manipulação das respostas
imunológicas. As funções e os mecanismos de ação desses receptores serão discutidos
adiante.
CTLA-4. O CTLA-4 é um membro da família de receptores CD28 (Fig. 9-5) e, assim
como o receptor de ativação CD28, liga-se às moléculas B7. Explica-se a importância do
CTLA-4 na indução da tolerância através do achado de que camundongos deficientes
para CTLA-4 desenvolvem ativação descontrolada dos linfócitos, com linfonodos e baço
maciçamente aumentados, além de infiltrados linfocíticos fatais em órgãos múltiplos
(sugestivos de autoimunidade sistêmica). Em outras palavras, a eliminação deste único
mecanismo de controle resulta na falha da tolerância periférica e em doença grave
mediada por célula T. O bloqueio do CTLA-4 com anticorpos também potencializa as
doenças autoimunes em modelos animais, tais como (1) a encefalomielite induzida por
imunização com antígenos de mielina e (2) o diabetes induzido por células T reativas a
antígenos das células β das ilhotas pancreáticas. Os polimorfismos do gene CTLA4 estão
associados a diversas doenças autoimunes em humanos, incluindo diabetes tipo 1 e
doença de Graves. Todos esses achados, bem como resultados de ensaios clínicos
discutidos adiante, indicam que o CTLA-4 funciona continuamente para manter as
células T autorreativas sob controle.
O CTLA-4 apresenta duas ações importantes:
• A expressão do CTLA-4 é baixa na maioria das células T até que as mesmas sejam
ativadas por um antígeno; uma vez expresso, o CTLA-4 termina a ativação contínua
dessas células T responsivas.
• O CTLA-4 é expresso nas células T regulatórias, descritas posteriormente, mediando a
função supressiva dessas células por meio da inibição da ativação de células imaturas.
Acredita-se que o CTLA-4 seja capaz de mediar sua atividade inibitória por dois
mecanismos principais (Fig. 15-6):
FIGURA 15-6 Mecanismos de ação do CTLA-4.
A, Aativação do CTLA-4 em uma célula T pode transmitir sinais inibitórios que extinguem ativações
posteriores desta célula (função intrínseca celular do CTLA-4). B, O CTLA-4, em células T
regulatórias ou células T responsivas, liga-se às moléculas B7 nas APCs ou remove essas
moléculas da superfície das APCs, fazendo com que os coestimuladores B7 fiquem indisponíveis
para o CD28, bloqueando a ativação da célula T. Ainibição mediada por CTLA-4 através de células T
regulatórias é uma ação deste receptor inibitório, extrínseca à célula (a partir do momento em que
células T responsivas são suprimidas por outra célula).
• Bloqueio de sinalização. A ligação do CTLA-4 ao B7 (coestimulador) ativa a fosfatase,
que remove fosfatos das moléculas de sinalização associadas ao TCR e ao CD28,
terminando então as respostas.
• Redução da disponibilidade de B7. O CTLA-4, especialmente nas células T regulatórias,
liga-se às moléculas B7 das APCs, impedindo-as de se ligarem ao CD28. O CTLA-4
também captura e faz endocitose das moléculas B7, reduzindo a expressão destas nas
APCs. O resultado final é que se reduz o nível de B7 nas APCs disponíveis para se
ligarem ao CD28 e a deficiência de coestimulação leva à resposta diminuída da célula T.
Ainda não está claro o que determina se (1) o CD28 vai se ligar às moléculas B7 para
ativar as células T (p. ex., tendo infecções ou imunizações como adjuvantes) ou se (2) o
CTLA-4 vai se ligar a B7 para bloquear as respostas das células T (p. ex., quando
autoantígenos são apresentados). No Capítulo 9, discutiu-se a hipótese de que o CTLA-4
(que tem maior afinidade por B7 do que o CD28) está preferencialmente envolvido
quando as APCs estão apresentando autoantígenos e manifestando baixa expressão de
B7. Ao contrário, microrganismos aumentam a expressão de B7 e inclinam o equilíbrio da
balança em direção ao recrutamento de CD28 e ativação de célula T. Outras
possibilidades são de que o CD28 (expresso em células imaturas) se ligue a B7 no início
da resposta da célula T e o CTLA-4 (expresso após a ativação das células T) contribua
para o encerramento dessas respostas.
A percepção de que o CTLA-4 define pontos de controle nas respostas imunológicas
levou à ideia de que a ativação do linfócito pode ser feita ao reduzir-se a inibição,
processo conhecido como bloqueio de pontos de controle. O bloqueio de CTLA-4 com
anticorpos resulta em respostas imunológicas aumentadas aos tumores (Cap. 18).
Atualmente, o anticorpo anti-CTLA-4 está aprovado para o tratamento de melanomas
avançados, sendo eficaz também em outros tipos de câncer. De forma previsível, alguns
dos pacientes tratados desenvolvem manifestações de autoimunidade com inflamação
em vários órgãos.
PD-1. O PD-1 é outro receptor inibitório da família CD28 (morte celular programada 1,
do inglês programmed cell death 1; o PD-1 tem esse nome porque originalmente
acreditava-se que estava envolvido na morte celular programada, mas agora já se sabe
que o mesmo não tem nenhum papel na apoptose da célula T). O PD-1 reconhece dois
ligantes, conhecidos como PD-L1 e PD-L2. O PD-L1 é expresso nas APCs e em muitas
células de outros tecidos, ao passo que o PD-L2 se expressa principalmente nas APCs. O
acoplamento de PD-1 com qualquer um dos seus ligantes leva à inativação das células T.
Camundongos deficientes para PD-1 desenvolvem doenças autoimunes, incluindo
doença renal semelhante ao lúpus e artrite em diferentes cepas puras. As doenças
autoimunes em camundongos deficientes para PD-1 são menos graves que em animais
deficientes para CTLA-4. O PD-1 inibe as respostas das células T à estimulação por
antígeno, provavelmente mediante indução de sinais inibitórios nas células T. O bloqueio
de pontos de controle com anticorpos anti-PD-1 e anti-PD-L1 vem mostrando ainda mais
eficiência e menor toxicidade do que o anti-CTLA-4 em diversos tipos de câncer (Cap. 18).
Embora o CTLA-4 e o PD-1 sejam receptores inibitórios da mesma família, suas
funções não se sobrepõem. O CTLA-4 pode ser mais importante no controle da ativação
inicial das células CD4
+ em órgãos linfoides, além de ser um mediador da função
supressiva das células T regulatórias; por sua vez, o PD-1 é claramente importante no
término das respostas periféricas das células T efetoras, especialmente as células CD8 + ,
podendo não ser necessário para a função de células T regulatórias. Além do mais,
muitos outros receptores inibitórios já foram identificados, incluindo alguns que
pertencem à família de receptores TNF e outros que pertencem à família TIM. Há grande
interesse em definir o papel desses receptores na autotolerância e na regulação das
respostas imunológicas, com o potencial de transformar essas moléculas em alvos
terapêuticos.
Supressão pelas Células T Regulatórias
O conceito de que alguns linfócitos poderiam controlar as respostas de outros linfócitos
foi proposta há vários anos atrás e, rapidamente, seguiram-se demonstrações
experimentais de populações de linfócitos T que suprimiam respostas imunológicas.
Esses resultados iniciais levaram a um grande interesse no assunto, fazendo com que as
células T supressoras se tornassem um dos tópicos dominantes na área de pesquisa em
Imunologia na década de 1970. Entretanto, esse campo de estudo teve uma história um
tanto confusa, principalmente porque as tentativas iniciais de definir as populações de
células supressoras e seus mecanismos de ação foram muito malsucedidas. Mais de 20
anos depois, a ideia renasceu de uma forma impressionante, com a aplicação de
melhores abordagens para definir, purificar e analisar populações de linfócitos T que
inibiam respostas imunológicas. Estas células são chamadas de linfócitos T regulatórios;
suas propriedades e funções encontram-se descritas adiante.
Linfócitos T regulatórios são um subconjunto de células T CD4
+ cuja função é suprimir
as respostas imunológicas e manter a autotolerância (Fig. 15-7). A maioria desses
linfócitos T regulatórios CD4
+ expressam altos níveis da cadeia α do receptor de
interleucina-2 (IL-2), denominada CD25. Um fator de transcrição chamado FoxP3
(membro da família de fatores de transcrição forkhead) é crítico para o desenvolvimento e
função da maioria das células T regulatórias. Camundongos com mutações espontâneas
ou induzidas experimentalmente no gene foxp3 desenvolvem uma doença autoimune
multissistêmica associada à ausência de células T regulatórias CD25
+
. Uma doença
autoimune rara em humanos, chamada síndrome de IPEX (desregulação imunológica,
poliendocrinopatia e enteropatia ligada ao X), é causada por mutações no gene FOXP3 e
está associada à deficiência das células T regulatórias. Essas observações estabeleceram a
importância das células T regulatórias na manutenção da autotolerância. O aumento
recente do interesse nas células T regulatórias ocorre em virtude da avaliação crescente
de seus papéis fisiológicos, bem como da possibilidade de que defeitos nestas células
possam resultar em várias doenças autoimunes; em contrapartida, as células T
regulatórias podem ser usadas para tratar doenças inflamatórias.
FIGURA 15-7 Células T regulatórias.
As células T regulatórias são geradas a partir do reconhecimento de autoantígeno no timo (às vezes
chamadas de células regulatórias naturais) e (talvez em menor extensão) pelo reconhecimento de
antígeno nos órgãos linfoides periféricos (chamadas de células regulatórias indutíveis ou
adaptativas). O desenvolvimento e a sobrevivência dessas células T regulatórias requerem IL-2 e o
fator de transcrição FoxP3. Em tecidos periféricos, as células T regulatórias suprimem a ativação e
as funções efetoras de outros linfócitos autorreativos e potencialmente patogênicos.
Marcadores Fenotípicos e Heterogeneidade das Células T Regulatórias
Embora muitas populações de células T tenham sido descritas como tendo atividade
supressora, o tipo celular cujo papel regulatório está mais bem estabelecido é o CD4
+
FoxP3
+ CD25
high
. Tanto FoxP3 quanto CD25 são essenciais para a produção, manutenção e
função dessas células. Tipicamente, essas células apresentam baixos níveis de expressão
de receptores de IL-7 (CD127) e, conforme previsto a partir do padrão de expressão de
receptores, elas usam IL-2 (mas não IL-7) como fator de crescimento e sobrevivência. As
células regulatórias FoxP3
+ normalmente expressam níveis altos de CTLA-4, o que
também é necessário para o seu funcionamento (conforme discutido anteriormente). A
desmetilação do lócus do gene FOXP3, bem como de outros loci que contêm genes que
são expressos nessas células, serve para manter um fenótipo estável de célula T
regulatória. Atualmente, essas alterações epigenéticas são utilizadas para identificar
células T regulatórias em pesquisa básica e pesquisa clínica.
Produção e Manutenção de Células T Regulatórias
Células T regulatórias são produzidas principalmente através do reconhecimento de
autoantígenos no timo e através do reconhecimento de autoantígenos e antígenos externos
em órgãos linfoides periféricos. No timo, o desenvolvimento das células T regulatórias é
um dos destinos das células T comprometidas com a linhagem CD4 que reconhece
autoantígenos; essas células T regulatórias tímicas (tTreg) também vêm sendo chamadas
de células T regulatórias naturais. Em órgãos linfoides periféricos, o reconhecimento do
antígeno na ausência de fortes respostas imunológicas inatas favorece a produção de
células regulatórias a partir de linfócitos T CD4
+
imaturos; células T regulatórias também
podem se desenvolver depois de reações inflamatórias. Essas células T regulatórias
periféricas (pTreg) vêm sendo chamadas de adaptativas ou induzidas, porque podem ser
induzidas a se desenvolverem a partir de células T CD4
+
imaturas nos tecidos linfoides
periféricos, como uma adaptação do sistema imunológico em resposta a certos tipos de
exposição antigênica. Previsivelmente, as células regulatórias tímicas são específicas para
autoantígenos porque estes são os antígenos mais encontrados no timo. As células
regulatórias periféricas podem ser específicas para autoantígenos ou antígenos externos.
A produção de algumas células T regulatórias necessita da citocina TGF-β. A cultura de
células T imaturas com anticorpos ativadores anti-TCR, juntamente aTGF-β (e IL-2,
conforme explicado adiante), pode promover o desenvolvimento de células regulatórias
in vitro. Em camundongos, a eliminação do TGF-β ou o bloqueio da sinalização mediada
por TGF-β em células T levam a uma doença inflamatória sistêmica atribuída a ativação
leucocitária descontrolada e deficiência de células T regulatórias funcionais. O TGF-β
estimula a expressão de FoxP3, o fator de transcrição necessário para o desenvolvimento
e função das células T regulatórias.
A sobrevivência e a competência funcional das células T regulatórias dependem da
citocina IL-2. Camundongos deficientes para o gene da IL-2 ou para a cadeia α ou β do
receptor de IL-2 desenvolvem autoimunidade manifestada por doença inflamatória
intestinal, anemia hemolítica autoimune e múltiplos autoanticorpos (incluindo
anticorpos antieritrócitos e anti-DNA). Esses camundongos carecem de um conjunto
inteiro de células T regulatórias CD25
+ FoxP3
+
; suas doenças podem ser corrigidas por
meio da restauração dessas células. A IL-2 promove a diferenciação de células T em um
subtipo regulatório, sendo também necessária para a manutenção dessa população
celular. A IL-2 ativa o fator de transcrição STAT5, que pode aumentar a expressão de
FoxP3, assim como outros genes que estão envolvidos na função das células T
regulatórias. Esses resultados são a base para os ensaios clínicos em andamento, que
testam a habilidade da IL-2 em estimular as células T regulatórias em humanos, para o
controle de doença transplante versus hospedeiro, inflamação autoimune e rejeição ao
transplante.
Populações particulares ou subtipos de células dendríticas podem ser especialmente
importantes para estimular o desenvolvimento de células T regulatórias em tecidos
periféricos. Há alguma evidência de que células dendríticas expostas ao ácido retinoico (o
análogo da vitamina A) são indutoras das células T regulatórias, especialmente em
tecidos linfoides associados às mucosas (Cap. 14).
Mecanismos de Ação das Células T Regulatórias
As células T regulatórias parecem suprimir respostas imunológicas em múltiplos
estágios – na indução da ativação da célula T nos órgãos linfoides, assim como na fase
efetora dessas respostas nos tecidos. Elas também podem suprimir diretamente a
ativação das células B e inibir a proliferação e diferenciação de células assassinas naturais
(NK, do inglês natural killer). Embora diversos mecanismos de supressão tenham sido
propostos, os mecanismos discutidos adiante são os que apresentam maior suporte de
acordo com os dados disponíveis.
• Produção das citocinas imunossupressoras IL-10 e TGF-β. A biologia dessas citocinas
será descrita com mais detalhes adiante.
• Habilidade reduzida das APCs em estimularem as células T. Um mecanismo proposto
que pode levar a essa ação depende da ligação do CTLA-4 (nas células regulatórias) às
moléculas B7 (nas APCs), conforme descrito anteriormente (Fig. 15-6).
• Consumo de IL-2. Em virtude do alto nível de expressão do receptor de IL-2, essas
células podem consumir IL-2, privando outras populações de células desse fator de
crescimento, o que resulta na redução da proliferação e diferenciação de outras células
dependentes de IL-2.
Ainda não está bem estabelecido se as células regulatórias trabalham por meio de
todos esses mecanismos ou se há subpopulações que utilizam mecanismos diferentes
para controlar as respostas imunológicas. De fato, existe alguma evidência (em humanos)
de que duas diferentes populações de células T regulatórias podem ser distinguidas pela
expressão de FoxP3 ou produção de IL-10, mas essa separação pode não ser absoluta.
Citocinas Inibitórias Produzidas por Células T Regulatórias
O TGF-β e a IL-10 estão envolvidos na produção e nas funções das células T regulatórias.
Estas citocinas são produzidas e agem em muitos outros tipos celulares além das células
regulatórias. Aqui serão descritas as propriedades e ações destas citocinas.
Fator de Crescimento Transformador-β. O TGF-β foi descoberto como um produto de
tumor que promovia a sobrevivência das células tumorais in vitro. Na verdade, o TGF-β
constitui uma família de moléculas muito relacionadas codificadas por genes distintos,
comumente designadas por TGF-β1, TGF-β2 e TGF-β3. As células do sistema
imunológico sintetizam principalmente TGF-β1. O TGF-β1 é produzido por células T
regulatórias CD4
+
, macrófagos ativados e muitos outros tipos de células. O TGF-β1 é
sintetizado sob a forma de um precursor inativo que é clivado proteoliticamente no
complexo de Golgi, a fim de formar um homodímero. O TGF-β1 maduro é secretado em
uma forma latente associado a outros polipeptídios, que devem ser removidos
extracelularmente através de digestão enzimática antes que a citocina possa se ligar aos
receptores e exercer seus efeitos biológicos. O receptor de TGF-β1 consiste em duas
proteínas diferentes (TGF-βRI e TGF-βRII), ambas as quais fosforilam fatores de
transcrição chamados de SMADs. Durante a ligação da citocina, um domínio quinase
serina/treonina do TGF-βRI fosforila o SMAD2 e o SMAD3 que, juntos ao SMAD4,
formam um complexo que transloca para o núcleo, liga-se aos promotores dos genes alvo
e regula a transcrição dos mesmos.
O TGF-β tem muitos papéis importantes e bastante diversos no sistema imunológico.
• O TGF-β inibe a proliferação e as funções efetoras das células T e a ativação dos
macrófagos. O TGF-β inibe a ativação clássica dos macrófagos, porém é uma das
citocinas secretadas por macrófagos ativados (Cap. 10). O TGF-β também suprime a
ativação de outras células como neutrófilos e células endoteliais. Por meio dessas ações
inibitórias, o TGF-β atua no controle das respostas imunológica e inflamatória.
• O TGF-β regula a diferenciação de diferentes subtipos funcionais de células T. Conforme
descrito anteriormente, o TGF-β estimula o desenvolvimento de células T regulatórias
FoxP3
+ periféricas. Em combinação com citocinas produzidas durante respostas
imunológicas inatas (como IL-1 e IL-6), o TGF-β promove o desenvolvimento do
subtipo TH17 de células T CD4
+
, em virtude de sua habilidade de induzir a transcrição
do fator RORγt (Cap. 10). A habilidade do TGF-β de suprimir as respostas
imunológicas e inflamatórias (em parte por meio da produção de células T
regulatórias) e também de promover o desenvolvimento de células TH17 pró-
inflamatórias, na presença de outras citocinas, é um exemplo interessante de como
uma única citocina pode ter diversas ações (às vezes opostas), dependendo do contexto
na qual é produzida. O TGF-β também pode inibir o desenvolvimento dos subtipos TH1
e TH2.
• O TGF-β estimula a produção de anticorpos IgA, induzindo as células B a fazerem a
troca para este isotipo. A IgA é o principal isotipo de anticorpo necessário para a
imunidade de mucosas (Cap. 14).
• O TGF-β promove o reparo tecidual após o término da reação imunológica local e da
reação inflamatória. Esta função é mediada, principalmente, pela habilidade do TGF-β
em estimular a síntese de colágeno e a produção de enzimas de modificação da matriz
(por macrófagos e fibroblastos) e pela promoção da angiogênese. Esta citocina pode
desempenhar um papel patológico em doenças nas quais a fibrose é um componente
importante, como fibrose pulmonar e esclerose sistêmica.
Interleucina-10. A IL-10 é um inibidor de macrófagos ativados e células dendríticas,
estando envolvida no controle das reações imunológicas inatas e da imunidade mediada
por célula. É um membro da família de citocinas heterodiméricas que incluem IL-22, IL-
27 e outras. O receptor de IL-10 pertence à família de receptores de citocina tipo II
(similar aos receptores para interferons); consiste em duas cadeias que se associam às
quinases da família Janus (JAK1 e TYK2) e ativam a STAT3. A IL-10 é produzida por
muitas populações de células imunológicas, incluindo macrófagos ativados e células
dendríticas, células T regulatórias e células TH1 e TH2. A IL-10 atua como um regulador de
retroalimentação negativa, já que é produzida por macrófagos e células dendríticas e
também inibe a função dos mesmos. A IL-10 também é produzida por alguns linfócitos
B, que já mostraram ter funções de supressão imunológica, sendo chamados de células B
regulatórias.
Os efeitos biológicos da IL-10 resultam de sua habilidade em inibir muitas das funções
dos macrófagos ativados e células dendríticas.
• A IL-10 inibe a produção de IL-12 por células dendríticas ativadas e macrófagos. Já que a
IL-12 é um estímulo crítico para a secreção de IFN-γ, que desempenha um papel
importante nas reações imunológicas inatas e adaptativas mediadas por células contra
microrganismos intracelulares, a IL-10 atua no sentido de suprimir todas essas reações.
Inicialmente, a IL-10 foi identificada como uma proteína que inibia a produção de IFN-
γ.
• A IL-10 inibe a expressão de coestimuladores e moléculas de MHC classe II em células
dendríticas e macrófagos. Por causa dessas ações, a IL-10 serve para inibir a ativação de
células T e terminar as reações imunológicas mediadas por células.
Já foi descrita uma doença autoimune hereditária rara, na qual mutações no receptor
de IL-10 levam à colite grave que se desenvolve precocemente (antes de 1 ano de idade).
Camundongos deficientes para IL-10 (tanto em todas as células quanto somente nas
células T regulatórias) também desenvolvem colite, provavelmente como resultado da
ativação descontrolada dos linfócitos e macrófagos que reagem aos microrganismos
entéricos. Por causa desses resultados, acredita-se que essa citocina seja especialmente
importante para o controle de reações inflamatórias em mucosas de tecidos,
particularmente no trato gastrintestinal (Cap. 14).
O vírus Epstein-Barr contém um gene homólogo à IL-10 humana; a IL-10 viral tem as
mesmas atividades que a citocina natural. Isso aumenta a intrigante possibilidade de que
a aquisição do gene semelhante à IL-10 durante a evolução do vírus tenha dado ao
mesmo a habilidade de inibir a imunidade do hospedeiro, concedendo a ele a vantagem
da sobrevivência nas pessoas infectadas.
Papéis das Células T Regulatórias na Autotolerância e Autoimunidade
A elucidação das bases genéticas da síndrome IPEX e a doença similar em camundongos
(causadas por mutações no gene Foxp3, descrito anteriormente) são provas convincentes
da importância das células T regulatórias na manutenção da autotolerância e homeostase
no sistema imunológico. Várias tentativas vêm sendo feitas para identificar defeitos no
desenvolvimento ou função das células T regulatórias nas doenças autoimunes mais
comuns em humanos, tais como doença inflamatória intestinal, diabetes tipo 1 e
esclerose múltipla, bem como nas doenças alérgicas. Parece provável que defeitos nas
células T regulatórias ou resistência das células efetoras à supressão contribuam para a
patogênese das doenças autoimunes e alérgicas. Estudos também apontam que há
potencial no processo de expansão do número de células regulatórias em cultura com
posterior injeção das mesmas nos pacientes, a fim de controlar respostas imunológicas
patológicas. Já existem ensaios clínicos de transferência de células T regulatórias em
andamento, na tentativa de tratar a rejeição ao transplante, doença transplante versus
hospedeiro e outras doenças autoimunes e inflamatórias. Outras tentativas também
estão em andamento para induzir essas células em pacientes por meio da administração
(1) de autopeptídios que são alvos da autoimunidade ou (2) de baixas doses da citocina
IL-2, separadamente ou em combinação.
Deleção de Células T Via Morte Celular por Apoptose
Linfócitos T que reconhecem autoantígenos com alta afinidade ou que são estimulados
repetidamente por antígenos podem morrer por apoptose. Essas são duas vias principais
da apoptose em diversos tipos celulares (Fig. 15-8), ambas as quais encontram-se
implicadas na deleção periférica das células T maduras.
FIGURA 15-8 Vias de apoptose.
Aapoptose é induzida pelas vias mitocondrial e de receptores de morte celular, descritas no texto,
que culminam na fragmentação da célula morta e fagocitose de corpos apoptóticos.
• A via mitocondrial (ou intrínseca) é regulada pela família de proteínas Bcl-2, que foi
descoberta como um oncogene em um linfoma de célula B e mostrou inibir a apoptose.
Alguns membros dessa família são pró-apoptóticos e outros são antiapoptóticos. Esta
via inicia-se quando as proteínas citoplasmáticas da família Bcl-2, que pertencem à
subfamília BH3 (assim chamadas porque contêm um domínio que é homólogo ao
terceiro domínio conservado da Bcl-2), são ativadas em reposta à privação de fator de
crescimento, estímulos nocivos, dano ao DNA ou certos tipos de sinalização mediada
por receptor (p. ex., sinais fortes gerados por autoantígenos em linfócitos imaturos). As
proteínas BH3 são sensores de estresse celular que se ligam a efetores e reguladores do
processo de morte celular. Em linfócitos, o mais importante desses sensores é uma
proteína chamada Bim. A Bim ativada liga-se a duas proteínas efetoras pró-apoptóticas
da família Bcl-2, chamadas Bax e Bak, que se oligomerizam e se inserem na membrana
mitocondrial externa, levando a um aumento da permeabilidade mitocondrial. Fatores
de crescimento e outros sinais de sobrevivência induzem a expressão de membros
antiapoptóticos da família Bcl-2, como a Bcl-2 e a Bcl-XL
, que funcionam como
inibidores da apoptose ao bloquearem as proteínas Bax e Bak; a inibição dessas
proteínas mantém a mitocôndria intacta. As proteínas BH-3 também antagonizam a
Bcl-2 e a Bcl-XL
. Quando as células são privadas de sinais de sobrevivência, a
mitocôndria deixa extravasar material interno, por causa das ações das proteínas
sensoras BH-3 e das proteínas efetoras Bax e Bak, além da deficiência relativa de
proteínas antiapoptóticas como a Bcl-2 e a Bcl-XL
. Como resultado, muitos
componentes mitocondriais (incluindo o citocromo c) vazam da mitocôndria para
dentro do citosol. Essas proteínas ativam as enzimas citossólicas chamadas caspases,
inicialmente a caspase-9, que, por sua vez, cliva as caspases que estão abaixo na cascata;
essas caspases levam à fragmentação do DNA e a outras alterações que culminam na
morte celular por apoptose.
• Na via do receptor de morte celular (ou extrínseca), os receptores de superfície da
célula (homólogos aos receptores de fator de necrose tumoral – TNF) são ativados por
seus ligantes, que são homólogos à citocina TNF. Os receptores oligomerizam e ativam
proteínas adaptadoras citoplasmáticas que recrutam a pró-caspase-8;, quando
oligomerizada, a pró-caspase-8 sofre autoclivagem, produzindo caspase-8 ativa. A
caspase-8 ativa cliva outras caspases da cascata, resultando novamente em apoptose.
Em muitos tipos celulares, a caspase-8 cliva e ativa uma proteína BH3, chamada Bid,
que se liga às proteínas Bax e Bak, induzindo apoptose pela via mitocondrial. Portanto,
a via mitocondrial pode servir para amplificar a sinalização da via do receptor de morte
celular.
Células que estão em apoptose desenvolvem bolhas na membrana; fragmentos do
núcleo e do citoplasma são segregados em estruturas ligadas à membrana, chamadas de
corpos apoptóticos. Também há alterações bioquímicas na membrana plasmática,
incluindo a exposição de lipídios como fosfatidilserina (que normalmente encontra-se na
face interna da membrana plasmática). Essas alterações são reconhecidas por receptores
nos fagócitos, e os corpos apoptóticos e células são engolfados e eliminados
rapidamente, sem que tenham sequer suscitado qualquer resposta inflamatória.
A melhor evidência para o envolvimento de duas vias apoptóticas na eliminação de
linfócitos maduros autorreativos é o fato de que, em camundongos, a ablação genética de
ambas as vias resulta em autoimunidade sistêmica. Essas duas vias de morte celular
podem funcionar de diferentes formas para manter a autotolerância.
• Células T que reconhecem autoantígenos na ausência de coestimulação podem ativar a
proteína Bim, resultando em apoptose pela via mitocondrial. Nas respostas
imunológicas normais, os linfócitos responsivos recebem sinais dos TCR,
coestimuladores e fatores de crescimento. Estes sinais estimulam a expressão de
proteínas antiapoptóticas da família Bcl-2 (Bcl-2, Bcl-XL
) e, assim, previnem a apoptose
e promovem a sobrevivência das células, prelúdio necessário para a proliferação.
Quando as células T reconhecem autoantígenos avidamente, elas podem ativar a Bim
diretamente, o que dispara a morte celular pela via mitocondrial, conforme descrito
anteriormente. Ao mesmo tempo, por causa da relativa falta de coestimulação e fatores
de crescimento, os membros antiapoptóticos da família Bcl-2 (Bcl-2 e Bcl-XL
) são
expressos em níveis baixos; dessa maneira, as ações das proteínas Bim, Bax e Bak não
são combatidas.
A via mitocondrial de apoptose Bim-dependente também está envolvida na seleção
negativa de células T autorreativas no timo (descrito anteriormente) e na fase de
declínio das respostas imunológicas depois de o antígeno inicial ter sido eliminado
(Cap. 9).
• A estimulação repetida das células T resulta na coexpressão de receptores de morte
celular e seus ligantes, e a ativação dos receptores de morte celular leva à morte por
apoptose. Em células T CD4
+
, o receptor de morte mais importante é o Fas (CD95),
sendo seu ligante denominado ligante de Fas (FasL). O Fas é um membro da família de
receptores TNF. O FasL é homólogo ao TNF. Quando as células T são ativadas
repetidamente, o FasL é expresso na superfície celular, ligando-se ao Fas de superfície
na mesma célula ou em outras células T adjacentes. Isso ativa uma cascata de caspases,
que, por fim, causa a apoptose das células. A mesma via de apoptose pode estar
envolvida na eliminação de linfócitos B autorreativos também na periferia (discutido
adiante).
Camundongos com mutações nos genes que codificam o Fas ou o ligante de Fas
forneceram a primeira evidência clara de que a falha da morte celular por apoptose
resulta em autoimunidade. Esses camundongos desenvolvem uma doença autoimune
sistêmica com múltiplos autoanticorpos e nefrite, lembrando o lúpus eritematoso
sistêmico humano (Cap. 19). A linhagem de camundongos lpr (para linfoproliferação)
produz níveis baixos da proteína Fas, enquanto a linhagem gld (para doença
linfoproliferativa generalizada) produz FasL com uma mutação pontual que interfere
na sua sinalização. A causa da autoimunidade parece ser a deleção periférica
defeituosa e o acúmulo de células B e células T auxiliares autorreativas. Já se
identificaram crianças com doença fenotipicamente similar; elas carregam mutações
no gene que codifica o Fas ou em genes que codificam proteínas na via de morte
celular mediada por Fas. Esta doença é chamada de síndrome linfoproliferativa
autoimune (ALPS, do inglês autoimmune lymphoproliferative syndrome).
Tolerância Periférica em Linfócitos T CD8 +
Grande parte de nosso conhecimento a respeito de tolerância periférica de célula T
limita-se às células CD4
+ e pouco se sabe acerca de mecanismos de tolerância em células
T CD8
+ maduras. Parece que, se as células T CD8
+ reconhecerem peptídios associados à
MHC de classe I sem coestimulação ou ajuda da célula T, as células CD8
+
tornam-se
anérgicas. Nesta situação, as células CD8
+ encontrariam o sinal 1 (antígeno) sem sinais
secundários, e o mecanismo de anergia seria essencialmente o mesmo dos linfócitos T
CD4
+
. Receptores inibitórios como o PD-1 suprimem a ativação das células CD8
+ e podem
estar envolvidos no término das respostas das mesmas em um fenômeno chamado de
exaustão (Cap. 11). Células T regulatórias CD25
+ podem inibir diretamente a ativação de
células T CD8
+ ou suprimir células auxiliares CD4
+
, que são necessárias para respostas
completas das células T CD8
+
. Células CD8+ que são expostas a elevadas concentrações
de autoantígenos também podem sofrer morte celular por apoptose.
Fatores que Determinam a Tolerogenicidade de Autoantígenos
Estudos com uma variedade de modelos experimentais mostraram que muitas
características dos antígenos proteicos determinam se tais antígenos induzirão a ativação
da célula T ou se levarão à tolerância (Tabela 15-1). Os autoantígenos apresentam diversas
propriedades que os tornam tolerogênicos. Esses antígenos são expressos em órgãos
linfoides centrais, onde são reconhecidos por linfócitos imaturos. Em tecidos periféricos,
os autoantígenos ligam-se aos receptores de antígenos de linfócitos específicos por
períodos prolongados, sem inflamação ou imunidade inata.
Tabela 15-1
Fatores que Determinam a Imunogenicidade e a Tolerogenicidade de Antígenos
Proteicos
Fonte: Livro Imunologia Celular e Molecular - 8ª Ed.
Autores: Abul Lichtman, Andrew Abbas
A natureza da célula dendrítica que apresenta antígenos para os linfócitos T é um
determinante importante da resposta subsequente. Células dendríticas que residem em
órgãos linfoides e tecidos não linfoides podem apresentar autoantígenos para linfócitos T
e manter a tolerância. Células dendríticas teciduais normalmente ficam em um estado de
repouso (imaturo), com baixa ou nenhuma expressão de moléculas coestimulatórias. Tais
APCs podem apresentar autoantígenos constantemente sem fornecerem sinais de
ativação, e as células T que reconhecem esses antígenos se tornam anérgicas ou se
diferenciam em linfócitos T regulatórios, em vez de se diferenciarem em linfócitos
efetores e de memória. Em contrapartida, células dendríticas que são ativadas por
microrganismos constituem as principais APCs para iniciarem as respostas das células T
(Cap. 6). Conforme discutiremos adiante, infecções locais e inflamação podem ativar
células dendríticas residentes, levando à expressão aumentada de coestimuladores, falha
da tolerância e reações autoimunes contra antígenos teciduais. As características das
células dendríticas que as tornam tolerogênicas ainda não estão definidas, mas
presumivelmente incluem baixa expressão de coestimuladores. Há grande interesse em
manipular as propriedades das células dendríticas como forma de potencializar ou inibir
as respostas imunológicas para fins terapêuticos.
Ainda é incompleto o nosso entendimento sobre os mecanismos que ligam os sinais
recebidos por uma célula T no momento do reconhecimento do antígeno com o destino
desta célula T. Esses conceitos baseiam-se amplamente em modelos experimentais, nos
quais antígenos são administrados aos camundongos ou são produzidos por transgenes
expressos nesses animais. Um dos desafios contínuos neste campo é definir os
mecanismos por meio dos quais vários autoantígenos expressos normalmente induzem
tolerância, especialmente em humanos.
Tolerância dos linfócitos B
A tolerância dos linfócitos B é necessária para manter a não responsividade dos
autoantígenos timo-independentes, como polissacarídios e lipídios. A tolerância dos
linfócitos B também desempenha papel na prevenção de respostas dos anticorpos a
antígenos de proteínas. Estudos experimentais revelaram múltiplos mecanismos pelos
quais o encontro com os autoantígenos pode abortar a maturação e ativação da célula B.
Tolerância Central da Célula B
Linfócitos B imaturos que reconhecem autoantígenos na medula óssea com alta afinidade
mudam sua especificidade ou são deletados. Os mecanismos da tolerância central da
célula B já são bem descritos em modelos experimentais (Fig. 15-9).
FIGURA 15-9 Tolerância central da célula B.
Células B imaturas que reconhecem autoantígenos na medula óssea com alta avidez (p. ex.,
matrizes polivalentes de antígenos nas células), morrem por apoptose ou alteram a especificidade
de seus receptores de antígenos (edição de receptores). Um fraco reconhecimento de
autoantígenos na medula óssea pode levar à anergia (inativação funcional) das células B.
• Edição de receptores. Se células B maduras reconhecem autoantígenos que estão
presentes em alta concentração na medula óssea – especialmente se o antígeno é
apresentado em forma multivalente (p. ex., superfícies celulares) –, muitos receptores
de antígenos em cada célula B fazem ligações cruzadas, transmitindo fortes sinais para
as células. Conforme discutido no Capítulo 8, uma consequência desta sinalização é
que as células B reativam seus genes RAG1 e RAG2 e iniciam uma nova rodada de
recombinação VJ no lócus do gene da cadeia leve da imunoglobulina (Ig) κ. Um
segmento Vk acima da cascata da unidade Vk
Jk
já rearranjada junta-se a um Jk abaixo na
cascata. Como resultado, o éxon Vk
Jk reorganizado previamente na célula B imatura
autorreativa é deletado e uma nova cadeia leve de Ig é expressa, criando, assim, um
receptor de célula B com uma nova especificidade. Este processo chama-se edição de
receptor (Cap. 8) e consiste em um importante mecanismo para eliminação da
autorreatividade do repertório de células B maduras. Se a reorganização da cadeia leve
editada não for produtiva, rearranjos podem acontecer no lócus κ em outro
cromossomo; caso esta segunda reorganização não seja produtiva, podem ocorrer
reorganizações subsequentes nos loci da cadeia leve λ⋅ Uma célula B expressando uma
cadeia leve λ frequentemente é uma célula que já passou pela edição de receptor.
• Deleção. Se a edição falhar, as células B imaturas podem morrer por apoptose. Os
mecanismos de deleção não estão bem estabelecidos ainda.
• Anergia. Se células B em desenvolvimento reconhecerem autoantígenos fracamente
(p. ex., se o antígeno é solúvel e não apresenta muitas ligações cruzadas com receptores
de antígenos ou se os receptores da célula B reconhecem o antígeno com baixa
afinidade), as células tornam-se funcionalmente não responsivas (anérgicas) e saem da
medula óssea nesse estado de não responsividade. A anergia deve-se à regulação
negativa da expressão do receptor de antígeno, assim como a um bloqueio na
sinalização do mesmo.
Tolerância Periférica da Célula B
Linfócitos B maduros que reconhecem autoantígenos em tecidos periféricos na ausência de
células T auxiliares específicas podem ser considerados funcionalmente não responsivos ou
podem morrer por apoptose (Fig. 15-10). Os sinais das células T auxiliares podem estar
ausentes se estas células T são deletadas ou estão anérgicas, ou se os autoantígenos são
antígenos não proteicos. Uma vez que autoantígenos geralmente não suscitam respostas
imunológicas inatas, as células B também não serão ativadas via receptores de
complemento ou receptores de reconhecimento de padrões moleculares. Desse modo,
assim como nas células T, o reconhecimento de antígeno sem estímulos adicionais
resulta em tolerância. Os mecanismos de tolerância periférica também eliminam clones
de células B autorreativos que podem ser gerados como uma consequência não
intencional da mutação somática em centros germinativos.
FIGURA 15-10 Tolerância periférica da célula B.
Células B que encontram autoantígenos em tecidos periféricos tornam-se anérgicas ou morrem por
apoptose. Em algumas situações, o reconhecimento de autoantígenos pode disparar receptores
inibitórios que impedem a ativação da célula B.
• Anergia e deleção. Algumas células B autorreativas que são estimuladas repetidamente
por autoantígenos tornam-se não responsivas a ativações subsequentes. Estas células
requerem níveis altos de fator de crescimento BAFF/BLys para sua sobrevivência
(Cap. 11); por esse motivo, não podem competir eficientemente pela sobrevivência com
células B imaturas normais (menos dependentes de BAFF) nos folículos linfoides.
Como resultado, as células B que já encontraram autoantígenos têm sobrevida menor e
são eliminadas mais rapidamente do que células que ainda não reconheceram
autoantígenos. Células B que se ligam com grande avidez aos autoantígenos na
periferia também podem morrer por apoptose através da via mitocondrial.
A alta taxa de mutação somática dos genes Ig que ocorre em centros germinativos
apresenta o risco de produzir células B autorreativas (Cap. 12). Essas células B podem
ser eliminadas ativamente por meio da interação do FasL de células T auxiliares com o
Fas de células B ativadas. A mesma interação foi descrita anteriormente como um
mecanismo para a morte de células T autorreativas. A falha desta via de tolerância
periférica da célula B pode contribuir para a autoimunidade causada por mutações nos
genes Fas e FasL em camundongos, assim como em pacientes com ALPS, conforme
discutido anteriormente.
• Sinalização através de receptores inibitórios. Células B que reconhecem autoantígenos
com baixa afinidade podem ser impedidas de responder através do acoplamento de
vários receptores inibitórios. A função desses receptores inibitórios é definir um limiar
para ativação da célula B, o que permite respostas a antígenos externos com ajuda da
célula T, mas não respostas a autoantígenos. Esse mecanismo de tolerância periférica
foi revelado por estudos que mostravam que camundongos com defeitos na
tirosinofosfatase SHP-1, na Lyn tirosinoquinase e no receptor inibitório CD22
desenvolviam autoimunidade. Domínios ITIM localizados na cauda citoplasmática do
CD22 são fosforilados pela Lyn e, em seguida, esse receptor inibitório recruta a SHP-1,
atenuando a sinalização do receptor de célula B. Entretanto, ainda não se sabe quando
receptores inibitórios como o CD22 são envolvidos e quais ligantes eles reconhecem.
Muito se tem aprendido acerca dos mecanismos de tolerância em linfócitos T e B,
principalmente pelo uso de modelos animais como camundongos geneticamente
modificados. A utilização dessa ferramenta para compreender os mecanismos de
tolerância a diferentes autoantígenos em indivíduos normais e para definir por que a
tolerância falha, dando início a doenças autoimunes, é uma área de investigação ativa.
Tolerância induzida por antígenos proteicos externos
Antígenos externos podem ser administrados de maneira que induzam, preferencialmente, a
tolerância em detrimento das respostas imunológicas. Entender como induzir a tolerância
por meio da administração de antígeno é a chave para desenvolver a tolerância antígenoespecífica
como uma estratégia de tratamento para doenças imunológicas. Em geral,
antígenos proteicos administrados por via cutânea com adjuvantes favorecem a
imunidade, ao passo que doses altas de antígenos administradas sem adjuvantes tendem
a induzir tolerância. A provável razão para isso é que os adjuvantes estimulam respostas
imunológicas inatas e a expressão de coestimuladores nas APCs; na ausência desses
sinais secundários, as células T que reconhecem o antígeno podem tornar-se anérgicas,
morrer ou diferenciar-se em células regulatórias. Muitas outras características dos
antígenos e a forma como são administrados podem influenciar o equilíbrio entre a
imunidade e a tolerância (Tabela 15-1).
Frequentemente, a administração oral de um antígeno proteico leva à supressão das
respostas imunológicas humorais e mediadas por célula para a imunização com esse
mesmo antígeno. Este fenômeno, chamado de tolerância oral, foi discutido no
Capítulo 14.
Mecanismos de autoimunidade
A possibilidade de que o sistema imunológico de um indivíduo pudesse reagir contra
antígenos autólogos e causar dano tecidual foi observada por imunologistas ao mesmo
tempo que estes reconheceram a especificidade do sistema imunológico para antígenos
estranhos. No início da década de 1990, Paul Ehrlich cunhou a expressão melodramática
“horror autotóxico” para as reações imunológicas prejudiciais ao próprio indivíduo. A
autoimunidade é uma causa importante de doenças em humanos, e estima-se que estas
afetam, no mínimo, 2% a 5% da população dos Estados Unidos. Frequentemente, usa-se
erroneamente o termo autoimunidade para qualquer doença na qual as reações
imunológicas acompanham dano tecidual, embora seja muito difícil (ou quase
impossível) estabelecer um papel para as respostas imunológicas contra autoantígenos
como causa para esses distúrbios. Já que a inflamação é um componente importante
nessas doenças, costuma-se agrupá-las como doenças inflamatórias mediadas pela
imunidade, o que não implica que a resposta patológica seja direcionada contra
autoantígenos (Cap. 19).
As questões fundamentais a respeito da autoimunidade são (1) como a autotolerância
falha e (2) de que forma os linfócitos autorreativos são ativados. Precisa-se de respostas
para essas perguntas, a fim de compreender a etiologia e a patogênese das doenças
autoimunes, que consistem no desafio principal da Imunologia. Nosso entendimento
sobre autoimunidade melhorou bastante durante as duas últimas décadas,
principalmente por causa do desenvolvimento de modelos animais informativos dessas
doenças, da identificação dos genes que podem predispor à autoimunidade e de métodos
mais aprimorados para a análise das respostas imunológicas em humanos. Diversos
conceitos gerais importantes surgiram a partir de estudos sobre autoimunidade.
Os fatores que contribuem para o desenvolvimento da autoimunidade são a
suscetibilidade genética e os gatilhos ambientais, como infecções e lesão local no tecido.
Genes de suscetibilidade podem prejudicar os mecanismos de autotolerância; a infecção
ou necrose nos tecidos promovem o influxo de linfócitos autorreativos e a ativação dessas
células, resultando em lesão tecidual (Fig. 15-11). Infecções e lesão tecidual também
podem alterar a forma como os autoantígenos são apresentados para o sistema
imunológico, levando à falha da autotolerância e à ativação dos linfócitos autorreativos.
Os papéis desses fatores no desenvolvimento da autoimunidade serão discutidos
posteriormente. Outros fatores como mudanças na microbiota do indivíduo e alterações
epigenéticas nas células imunológicas podem desempenhar papéis importantes na
patogênese, mas os estudos nesses tópicos ainda estão muito no início.
FIGURA 15-11 Mecanismos propostos de autoimunidade.
Neste modelo proposto de uma doença autoimune mediada por célula T órgão-específica, vários loci
genéticos podem causar suscetibilidade à autoimunidade, em parte por influenciarem a manutenção
da autotolerância. Fatores ambientais, como infecções e outros estímulos inflamatórios, promovem
o influxo de linfócitos para dentro dos tecidos e a ativação de células T autorreativas, resultando em
lesão tecidual.
Características Gerais das Doenças Autoimunes
Doenças autoimunes apresentam diversas características gerais que são relevantes para a
definição de seus mecanismos subjacentes.
• Doenças autoimunes podem ser sistêmicas ou órgão-específicas, dependendo da
distribuição dos autoantígenos que são reconhecidos. Por exemplo, a formação de
complexos imunológicos circulantes (compostos de autonucleoproteínas e anticorpos
específicos) produz tipicamente doenças sistêmicas, como o lúpus eritematoso
sistêmico (SLE, do inglês systemic lupus erythematosus). Ao contrário, respostas de
autoanticorpos ou células T contra autoantígenos com distribuição tecidual restrita
levam a doenças específicas dos órgãos, como miastenia grave, diabetes tipo 1 e
esclerose múltipla.
• Vários mecanismos efetores são responsáveis pela lesão do tecido em diferentes doenças
autoimunes. Esses mecanismos incluem complexos imunológicos, autoanticorpos
circulantes e linfócitos T autorreativos e serão discutidos no Capítulo 19. As
características clínicas e patológicas da doença geralmente são determinadas pela
natureza da resposta autoimune dominante.
• Doenças autoimunes tendem a ser crônicas, progressivas e de autoperpetuação. As
razões para essas características são: (1) os autoantígenos que disparam essas reações
são persistentes e, uma vez que a resposta imunológica se inicia, muitos mecanismos
amplificadores que são ativados perpetuam essa resposta; (2) uma resposta iniciada
contra um autoantígeno que lesiona tecidos pode resultar na liberação e alteração de
outros antígenos teciduais, na ativação de linfócitos específicos para esses outros
antígenos e na exacerbação da doença. Este fenômeno, conhecido como propagação de
epítopo, pode explicar por que uma vez desenvolvida a doença autoimune, esta pode se
prolongar ou se autoperpetuar.
Anormalidades Imunológicas que Levam à Autoimunidade
A autoimunidade resulta da combinação de algumas das três aberrações imunológicas
principais.
• Tolerância ou regulação defeituosas. A falha dos mecanismos de autotolerância em
células T ou B, levando ao desequilíbrio entre ativação e controle de linfócitos, é a causa
subjacente de todas as doenças autoimunes. O potencial para autoimunidade existe em
todos os indivíduos, porque algumas especificidades de clones de linfócitos em
desenvolvimento geradas aleatoriamente podem ser para autoantígenos, e muitos
autoantígenos estão prontamente acessíveis aos linfócitos. Conforme discutido
anteriormente, a tolerância a autoantígenos normalmente é mantida por meio de
processos de seleção que previnem a maturação de alguns linfócitos específicos para
autoantígenos e de mecanismos que inativam ou deletam linfócitos autorreativos que
amadurecem. A perda da autotolerância pode ocorrer se linfócitos autorreativos não
forem deletados ou inativados durante ou após a sua maturação; também pode ocorrer
se as APCs forem ativadas, de modo que autoantígenos sejam apresentados ao sistema
imunológico de forma imunogênica. Modelos experimentais e estudos limitados em
humanos mostram que qualquer um dos mecanismos a seguir pode contribuir para a
falência da autotolerância:
Defeitos na deleção (seleção negativa) de células T ou B ou na edição de receptores
em células B durante a maturação dessas células nos órgãos linfoides centrais.
Defeitos no número e função de linfócitos T regulatórios
Apoptose defeituosa de linfócitos autorreativos maduros
Função inadequada de receptores inibitórios
• Apresentação anormal de autoantígenos. Essas anormalidades podem incluir expressão
aumentada e persistência de autoantígenos que são normalmente degradados ou
alterações estruturais nesses antígenos, resultantes de modificações enzimáticas ou de
estresse ou lesão celular. Caso essas mudanças levem à apresentação de epítopos
antigênicos que normalmente não estão presentes, o sistema imunológico não pode ser
tolerante com esses epítopos, permitindo o desenvolvimento de autorrespostas.
• Inflamação ou resposta imunológica inata inicial. Conforme abordado em capítulos
anteriores, a resposta imunológica inata é um forte estímulo para a ativação
subsequente de linfócitos e para a geração de respostas imunológicas adaptativas.
Infecções ou danos à célula podem suscitar reações imunológicas inatas locais com
inflamação. Essas reações podem contribuir para o desenvolvimento de doença
autoimune, talvez pela ativação das APCs, que se sobrepõem aos mecanismos
regulatórios, resultando em ativação excessiva da célula T.
Recentemente, grande foco tem sido colocado no papel das células T na
autoimunidade por duas razões principais. A primeira razão é que as células T auxiliares
são reguladores-chave de todas as respostas imunológicas às proteínas e muitos
autoantígenos implicados nas doenças autoimunes são proteínas. A segunda razão é que
diversas doenças autoimunes estão geneticamente ligadas ao MHC (o complexo HLA, em
humanos), e a função das moléculas do MHC é a apresentação de antígenos peptídios
para as células T. A falha da autotolerância em linfócitos T pode resultar em doenças
autoimunes, nas quais o dano ao tecido é causado por reações imunológicas mediadas
por células. Anormalidades nas células T auxiliares também podem levar à produção de
autoanticorpo, porque essas células são necessárias para a produção de anticorpos de alta
afinidade contra antígenos proteicos.
Serão descritos adiante os princípios gerais da patogênese das doenças autoimunes,
com ênfase em suscetibilidade gênica, infecções e outros fatores que contribuem para o
desenvolvimento da autoimunidade. No Capítulo 19, serão abordadas a patogênese e as
características de algumas doenças autoimunes ilustrativas.
Bases Genéticas da Autoimunidade
A partir dos primeiros estudos de doenças autoimunes em pacientes e animais
experimentais, observou-se que essas doenças têm um componente genético muito forte.
Por exemplo, o diabetes tipo 1 mostra uma concordância de 35% a 50% em gêmeos
monozigóticos e de 5% a 6% em gêmeos dizigóticos; outras doenças autoimunes
mostram evidência similar de uma contribuição genética. Análise de histórico familiar,
estudos de associação genômica e esforços de sequenciamento em grande escala estão
revelando novas informações sobre os genes que podem estar na base do
desenvolvimento da autoimunidade e de distúrbios inflamatórios crônicos. Vários
aspectos gerais da suscetibilidade genética tornaram-se aparentes a partir desses
estudos.
A maioria das doenças autoimunes é consequência de características poligênicas
complexas, nas quais os indivíduos afetados herdam polimorfismos genéticos múltiplos
que contribuem para a suscetibilidade da doença. Estes genes agem em conjunto com os
fatores ambientais para causarem as doenças. Alguns destes polimorfismos estão
associados a diversas doenças autoimunes, sugerindo que os genes causadores
influenciam mecanismos gerais de regulação imunológica e autotolerância. Outros loci
associam-se a doenças particulares, sugerindo que estes podem afetar o dano ao órgão ou
linfócitos autorreativos de especificidades particulares. Cada polimorfismo genético faz
uma pequena contribuição para o desenvolvimento de doenças autoimunes particulares.
Esses polimorfismos também são encontrados em indivíduos saudáveis, porém em uma
frequência mais baixa do que em pacientes que desenvolvem doenças. Sustenta-se a
opinião de que, em pacientes individuais, tais polimorfismos múltiplos são co-herdados
e, juntos, contribuem para o desenvolvimento da doença. Um dos desafios contínuos
neste campo de estudo é compreender a interação dos múltiplos genes, uns com os
outros e em conjunto com fatores ambientais.
A seguir, encontram-se os genes mais bem caracterizados associados às doenças
autoimunes, assim como o entendimento atual sobre a forma como podem contribuir
para a perda da autotolerância.
Associação de Alelos de MHC com Autoimunidade
Dentre os genes que estão associados à autoimunidade, as associações mais fortes são com
os genes MHC. De fato, em muitas doenças autoimunes (como o diabetes tipo 1), 20 a 30
genes associados à doença já foram identificados; na maioria dessas doenças, o lócus do
HLA sozinho contribui com metade ou mais da suscetibilidade genética. A genotipagem
de HLA de grandes grupos de pacientes, com diversas doenças autoimunes, mostra que
alguns alelos HLA ocorrem com maior frequência nesses pacientes do que na população
geral. A partir destes estudos, pode-se calcular a probabilidade de desenvolvimento de
uma doença em indivíduos que herdam alelos HLA variados (frequentemente refere-se a
essa chance como risco relativo) (Tabela 15-2). A associação mais forte ocorre entre a
espondilite anquilosante (uma doença inflamatória nas articulações vertebrais,
presumivelmente autoimune) e o alelo B27 HLA classe I. Indivíduos HLA-B27 positivos
são 100 vezes mais propensos a desenvolverem espondilite anquilosante do que
indivíduos HLA-B27 negativos. Não se sabe o mecanismo desta doença nem tampouco a
base de sua associação com o HLA-B27. A associação dos alelos HLA-DR e HLA-DQ
classe II com doenças autoimunes tem recebido muita atenção, principalmente porque as
moléculas MHC classe II estão envolvidas na seleção e ativação das células T CD4
+
. As
células T CD4
+ regulam as respostas imunológicas humorais e mediadas por célula a
antígenos proteicos.
Tabela 15-2
Associação dos Alelos HLA com Doença Autoimune
1 As razões de chances (odds ratio) aproximam valores de risco aumentados de doença, associados à hereditariedade de
alelos HLAparticulares. Os dados são de populações europeias ancestrais. Alelos de genes MHC individuais (p. ex., DRB1)
são indicados por 4 números (p. ex.. 0301), com base na tipagem sorológica e molecular.
2 Ab anti-CCP, anticorpos direcionados contra peptídios citrulinados cíclicos. Os dados são de pacientes que foram positivos
para esses anticorpos no soro.
3 SE refere-se a epítopo compartilhado (do inglês shared epitope), assim chamado porque consiste em uma sequência
consensual na proteína DRB1 (posições 70-74), presente em múltiplos alelos DRB1.
(Cortesia de Dra Michelle Fernando, Kings College, London.)
Diversas características da associação dos alelos HLA com doenças autoimunes são
dignas de nota.
• Uma associação doença-HLA pode ser identificada pela tipagem sorológica de um lócus
de HLA, mas a associação real pode ocorrer com outros alelos que estão ligados ao
alelo genotipado e que foram herdados juntos. Por exemplo, indivíduos com um alelo
HLA-DR particular (hipoteticamente DR1) podem mostrar maior probabilidade de
herdar um alelo HLA-DQ particular (hipoteticamente DQ2) do que estes alelos
separados e aleatoriamente (p. ex., em equilíbrio) na população. Tal hereditariedade é
um exemplo de desequilíbrio de ligação. Pode-se achar que uma doença está associada
ao DR1 pela tipagem do HLA, mas a associação causal pode ser, na verdade, com o
DQ2 co-herdado. Esta compreensão enfatizou o conceito de haplótipos de HLA
estendidos, que se refere a conjuntos de genes ligados (tanto genes HLA-clássicos
quanto genes adjacentes não HLA) que tendem a ser herdados juntos, como uma única
unidade.
• Em muitas doenças autoimunes, os polimorfismos de nucleotídios associados à doença
codificam aminoácidos nas fendas de ligação de peptídios das moléculas MHC. Esta
observação não é de surpreender, porque os resíduos polimórficos das moléculas MHC
localizam-se dentro e ao redor das fendas, e a estrutura das fendas é o determinantechave
de ambas as funções das moléculas MHC, que são a apresentação de antígeno e
o reconhecimento pelas células T (Cap. 6).
• Sequências HLA associadas a doenças são encontradas em indivíduos saudáveis. De
fato, se todos os indivíduos que carregam um alelo HLA particular associado à doença
forem monitorados prospectivamente, a maioria deles nunca desenvolverá a doença.
Portanto, a expressão de um gene HLA particular não é, por si só, a causa de qualquer
doença autoimune, mas pode ser um dos diversos fatores que contribuem para a
autoimunidade.
Os mecanismos subjacentes à associação de diferentes alelos HLA com várias doenças
autoimunes ainda não estão claros. Nas doenças em que alelos MHC particulares
aumentam o risco de doença, a molécula MHC associada à doença pode apresentar um
autopeptídio e ativar células T patogênicas, o que parece ter sido estabelecido em alguns
casos. Quando um alelo em particular mostra ser protetor, a hipótese é que este alelo
pode induzir seleção negativa de algumas células T potencialmente patogênicas ou que
pode promover o desenvolvimento de células T regulatórias.
Polimorfismos em Genes Não HLA Associados à Autoimunidade
Análises de ligação de doenças autoimunes identificaram poucos genes associados à
doença e muitas regiões cromossômicas nas quais a identidade dos genes associados foi
especulada, mas não estabelecida. Os estudos associativos de mapeamento genômico
levaram à suposta identificação de polimorfismos de nucleotídios (variantes) de diversos
genes que estão associados a doenças autoimunes; essa identificação vem ampliando-se
bastante por meio dos recentes esforços no sequenciamento do genoma (Tabela 15-3).
Antes de discutir sobre os genes que são mais claramente validados, é importante
resumir algumas das características gerais desses genes.
Tabela 15-3
Polimorfismos Genéticos Não HLA Selecionados Associados às Doenças
Autoimunes
EA, espondilite anquilosante; DCe, doença celíaca; DII, doença inflamatória intestinal; EM, esclerose múltipla; PS, psoríase;
AR, artrite reumatoide; SLE, lúpus eritematoso sistêmico; DM1, diabetes tipo 1.
Dados de Zenewicz L, Abraham C, Flavell RA, Cho J: Unraveling the genetics of autoimmunity, Cell 140:791-797, 2010, com
permissão do editor.
• Parece que combinações de múltiplos polimorfismos genéticos herdados, em interação
com fatores ambientais, induzem as anormalidades imunológicas que levam à
autoimunidade. Entretanto, há exemplos de variações genéticas raras que fazem
contribuições individuais muito maiores para doenças particulares.
• Muitos dos polimorfismos associados a várias doenças autoimunes estão em genes que
influenciam o desenvolvimento e a regulação das respostas imunológicas. Embora essa
conclusão pareça previsível, ela serve para reforçar a utilidade das abordagens que
estão sendo utilizadas na identificação de genes associados a doenças.
• Polimorfismos diferentes tanto podem proteger contra o desenvolvimento de uma
doença quanto aumentar a incidência da mesma. Os métodos estatísticos usados nos
estudos de associação genômica revelaram ambos os tipos de associações.
• Frequentemente, os polimorfismos associados a doenças localizam-se em regiões não
codificáveis dos genes. Isso sugere que muitos dos polimorfismos podem afetar a
expressão de proteínas codificadas.
Alguns dos genes associados a doenças autoimunes humanas, que foram definidos por
análise de ligação, estudos associativos de mapeamento do genoma e sequenciamento
genômico completo, encontram-se descritos adiante.
• PTPN22. Uma variante da proteína tirosinofosfatase PTPN22, em que a arginina na
posição 620 é substituída por um triptofano, está associada a artrite reumatoide,
diabetes tipo 1, tireoidite autoimune e outras doenças autoimunes. A variante
associada à doença causa complexas alterações de sinalização em múltiplas populações
de células imunológicas. Ainda não se sabe, precisamente, de que forma essas
alterações levam à autoimunidade.
• NOD2. Polimorfismos neste gene associam-se à doença de Crohn, um tipo de doença
inflamatória intestinal. O NOD2 é um sensor citoplasmático de peptidoglicanos de
bactérias (Cap. 4), sendo expresso em diversos tipos celulares, incluindo as células
epiteliais do intestino. Acredita-se que o polimorfismo associado à doença reduz a
função do NOD2, que não pode fornecer defesa efetiva contra certos microrganismos
intestinais. Como resultado, esses micror- ganismos são capazes de atravessar o
epitélio e iniciar uma reação inflamatória crônica na parede intestinal, o que é o marco
principal da doença inflamatória intestinal (Cap. 14).
• Insulina. Polimorfismos no gene da insulina, que codifica números variáveis de
sequências repetidas, estão associados ao diabetes tipo 1. Esses polimorfismos podem
afetar a expressão tímica da insulina. Postula-se que, se a proteína é expressa em níveis
baixos no timo por causa de um polimorfismo genético, as células T em
desenvolvimento (específicas para insulina) não podem ser selecionadas
negativamente. Estas células sobrevivem no repertório imunológico maduro e são
capazes de atacar células β da ilhota produtora de insulina, causando diabetes.
• CD25. Polimorfismos que afetam a expressão ou função do CD25, a cadeia α do
receptor de IL-2, estão associados a esclerose múltipla, diabetes tipo 1 e outras doenças
autoimunes. Estas mudanças no CD25 afetam de igual forma a produção ou função das
células T regulatórias, embora não haja evidência definitiva para uma ligação causal
entre a anormalidade do CD25, defeitos da célula T regulatória e a doença autoimune.
• Receptor de IL-23 (IL-23R). Alguns polimorfismos no receptor de IL-23 estão
associados à suscetibilidade aumentada para doença inflamatória intestinal e para a
psoríase (doença da pele), enquanto outros polimorfismos protegem contra o
desenvolvimento dessas doenças. A IL-23 é uma das citocinas envolvidas no
desenvolvimento das células TH17, que estimulam reações inflamatórias (Cap. 10).
• ATG16L1. Um polimorfismo de perda de função neste gene, no qual a treonina na
posição 300 é substituída por uma alanina, associa-se à doença inflamatória intestinal.
O ATG16L1 é uma proteína (parte de uma família de proteínas) envolvida em
autofagia, uma resposta celular a infecção, privação de nutrientes e outras formas de
estresse. Neste processo, a célula que sofre estresse ingere suas próprias organelas, a
fim de fornecer substratos para geração de energia e metabolismo; também pode ser o
caso de uma célula infectada capturar microrganismos intracelulares e orientá-los para
os lisossomos. A autofagia pode desempenhar papéis importantes como manter as
células epiteliais intestinais intactas ou destruir microrganismos que tenham entrado
no citoplasma. Também é um mecanismo de entrega dos componentes do citosol para
a via MHC classe II nas células apresentadoras de antígenos. Um alelo de
suscetibilidade ATG16L1 codifica uma proteína que é destruída mais rapidamente em
condições de estresse, o que resulta em remoção autofágica defeituosa dos
microrganismos intracelulares. Ainda não se sabe de que forma este polimorfismo
contribui para a doença inflamatória intestinal.
Embora já tenham sido reportadas muitas associações genéticas com doenças
autoimunes, a correlação dos polimorfismos genéticos com a patogênese das doenças
continua sendo um desafio. Também é possível que mudanças epigenéticas possam
regular a expressão gênica, contribuindo para o surgimento da doença. Esta
possibilidade ainda precisa ser elucidada.
Anormalidades de Gene Único Herdadas (Mendelianas) que Causam Autoimunidade
Estudos em modelos de camundongo e pacientes identificaram diversos genes que
influenciam fortemente a manutenção da tolerância a autoantígenos (Tabela 15-4). Ao
contrário dos polimorfismos complexos descritos anteriormente, esses defeitos de gene
único são exemplos de distúrbios mendelianos nos quais a mutação é rara, mas apresenta
uma alta penetrância, de modo que muitos indivíduos que carregam a mutação são
afetados. Muitos desses genes foram mencionados anteriormente no capítulo, quando
foram discutidos os mecanismos de autotolerância. Embora esses genes estejam
associados a doenças autoimunes raras, sua identificação forneceu informações valiosas a
respeito da importância de várias vias moleculares na manutenção da autotolerância. Os
genes conhecidos contribuem para os mecanismos estabelecidos de tolerância central
(AIRE), produção de células T regulatórias (FOXP3, IL2, IL2R), anergia e função das
células T regulatórias (CTLA4), e deleção periférica de linfócitos T e B (FAS, FASL).
Adiante descreveremos dois outros genes que estão associados a doenças autoimunes
em humanos.
Tabela 15-4
Exemplos de Mutações de Gene Único que Causam Doenças Autoimunes
AIRE, gene regulador autoimune; IL-2, interleucina-2; IPEX, desregulação imunológica, poliendocrinopatia e enteropatia
ligada ao X; SHP-1, fosfatase 1 contendo SH2; SLE, lúpus eritematoso sistêmico.
• Genes que codificam proteínas do complemento. Deficiências genéticas de diversas
proteínas do complemento, incluindo C1q, C2 e C4 (Cap. 13), estão associadas a
doenças autoimunes similares ao lúpus. O mecanismo proposto nesta associação é que
a ativação do complemento promove a remoção dos complexos imunológicos
circulantes e corpos celulares apoptóticos; na ausência de proteínas do complemento,
esses complexos acumulam-se no sangue e são depositados nos tecidos, sendo que
também há uma persistência dos antígenos das células mortas.
• FcγRIIB. Um polimorfismo que troca uma isoleucina por uma treonina no domínio
transmembranar deste receptor Fc inibitório (Cap. 12) prejudica a sinalização
inibitória, estando associado ao SLE em humanos. A deleção gênica deste receptor em
camundongos também resulta em uma doença autoimune similar ao lúpus. O
mecanismo provável da doença é uma falha no controle da retroalimentação negativa
mediada por anticorpo das células B.
Papel das Infecções na Autoimunidade
Infecções virais e bacterianas podem contribuir para o desenvolvimento e exacerbação da
autoimunidade. Em pacientes e em alguns modelos animais, o surgimento das doenças
autoimunes frequentemente está associado a infecções ou é precedido pelas mesmas. Na
maioria desses casos, o microrganismo infeccioso não está presente em lesões nem
mesmo é detectável no indivíduo quando a autoimunidade se desenvolve. Portanto, as
lesões da autoimunidade não se devem ao agente infeccioso por si só, mas resultam das
respostas imunológicas do indivíduo, que podem ser disparadas ou desreguladas pelo
microrganismo.
As infecções podem promover o desenvolvimento da autoimunidade por meio de dois
mecanismos principais (Fig. 15-12).
FIGURA 15-12 Papel das infecções no desenvolvimento da autoimunidade.
A, Normalmente, o encontro de uma célula T autorreativa madura com um autoantígeno
apresentado por uma célula apresentadora de antígeno (APC) em estado quiescente com
deficiência de coestimulador resulta em tolerância periférica por anergia. (Outros mecanismos
possíveis de autotolerância não estão ilustrados.) B, Microrganismos podem ativar as APCs para
que expressem coestimuladores; quando essas APCs apresentam autoantígenos, as células T
autorreativas são ativadas em vez de se tornarem tolerantes. C, Alguns antígenos microbianos
podem apresentar reação-cruzada com autoantígenos (mimetismo molecular). Portanto, respostas
imunológicas iniciadas por microrganismos podem ativar células T específicas para autoantígenos.
• Infecções de tecidos particulares podem induzir respostas imunológicas inatas locais
que recrutam leucócitos para esses tecidos, resultando na ativação de APCs teciduais.
Essas APCs começam a expressar coestimuladores e a secretar citocinas ativadoras de
células T, resultando no colapso da tolerância da célula T. Sendo assim, a infecção
resulta na ativação de células T que não são específicas para o patógeno infeccioso; esse
tipo de resposta é denominada bystander activation. A importância da expressão
aberrante de coestimuladores é sugerida pela evidência experimental de que a
imunização de camundongos com autoantígenos (juntamente a fortes adjuvantes, que
mimetizam microrganismos) resulta no colapso da autotolerância e no
desenvolvimento de doença autoimune. Em outros modelos experimentais, antígenos
virais expressos em tecidos como as células β das ilhotas induzem tolerância na célula
T. Entretanto, a infecção sistêmica de camundongos com o vírus resulta em falência da
tolerância e destruição das células produtoras de insulina.
Microrganismos podem encontrar receptores do tipo Toll (TLRs, do inglês Toll-like
receptors) em células dendríticas, levando à produção de citocinas ativadoras de
linfócitos; microrganismos também podem encontrar células B autorreativas, levando à
produção de autoanticorpo. Modelos murinos de SLE já demonstraram o papel da
sinalização TLR na autoimunidade.
• Microrganismos infecciosos podem conter antígenos que têm reatividade cruzada com
autoantígenos; então, respostas imunológicas a esses microrganismos podem resultar
em reações contra autoantígenos. Este fenômeno chama-se mimetismo molecular,
porque os antígenos do microrganismo mimetizam os autoantígenos. Um exemplo de
reatividade imunológica cruzada entre antígenos microbianos e autoantígenos é a
febre reumática que se desenvolve após infecções estreptocócicas, sendo causada por
anticorpos antiestreptocócicos que têm reatividade cruzada com proteínas do
miocárdio. Esses anticorpos são depositados no coração, causando miocardite. O
sequenciamento molecular revelou numerosos trechos curtos de homologias entre
proteínas miocárdicas e proteínas estreptocócicas. Contudo, a significância de
homologias limitadas entre antígenos microbianos e autoantígenos em doenças
autoimunes comuns ainda precisa ser estabelecida.
Algumas infecções podem proteger contra o desenvolvimento da autoimunidade. Estudos
epidemiológicos sugerem que a redução de infecções aumenta a incidência de diabetes
tipo 1 e esclerose múltipla. Estudos experimentais mostram que o diabetes em
camundongos NOD passa a ser retardado se os animais estiverem com infecção. Parece
paradoxal que as infecções possam funcionar como gatilhos da autoimunidade e, ao
mesmo tempo, possam inibir doenças autoimunes. Ainda se desconhece a forma pela
qual as infecções podem reduzir a incidência de doenças autoimunes.
A microbiota intestinal e cutânea pode influenciar o desenvolvimento de doenças
autoimunes. Conforme discutido no Capítulo 14, há um grande interesse na ideia de que
humanos são colonizados por microrganismos comensais que têm efeitos significativos
na maturação e ativação do sistema imunológico. Não é de surpreender que alterações na
microbiota também afetem a incidência e gravidade de doenças autoimunes em modelos
experimentais. O modo pelo qual essa ideia pode ser explorada para tratar a
autoimunidade é um tópico de grande interesse.
Outros Fatores na Autoimunidade
O desenvolvimento da autoimunidade está relacionado com vários fatores, além de
suscetibilidade genética e infecções.
• Alterações anatômicas em tecidos, causadas por inflamação (possivelmente secundárias
a infecções), lesão isquêmica ou trauma, podem levar à exposição de autoantígenos que
normalmente são ocultados do sistema imunológico. Tais antígenos isolados podem não
ter induzido autotolerância. Portanto, se autoantígenos previamente ocultos são
liberados, estes podem interagir com linfócitos imunocompetentes e induzir respostas
imunológicas específicas. Exemplos de antígenos isolados anatomicamente incluem
proteínas intraoculares e esperma. Pensa-se que a uveíte e a orquite pós-traumáticas se
devem a respostas autoimunes contra autoantígenos que são liberados de suas
localizações normais através de trauma.
• Influências hormonais têm papel em algumas doenças autoimunes. Muitas doenças
autoimunes têm maior incidência em mulheres do que em homens. Por exemplo, o SLE
afeta mulheres com 10 vezes mais frequência do que homens. A doença semelhante a
lúpus em camundongos F1
(NZB x NZW) desenvolve-se apenas em fêmeas, podendo
ser retardada pelo tratamento com andrógenos. Não se sabe se essa predominância em
fêmeas resulta da influência dos hormônios sexuais ou de outros fatores relacionados
com o gênero.
As doenças autoimunes estão entre os problemas científicos e clínicos mais
desafiadores em Imunologia. O conhecimento atual dos mecanismos patogênicos
permanece incompleto, então, teorias e hipóteses são mais numerosas que fatos. Esperase
que a aplicação de novas tecnologias e o conhecimento sobre autotolerância (que
avança rapidamente) levem a respostas mais claras e definitivas sobre os enigmas da
autoimunidade.
Resumo
Tolerância imunológica é a não responsividade a um antígeno, induzida pela exposição
de linfócitos específicos a este antígeno. A tolerância a autoantígenos é uma
propriedade fundamental do sistema imunológico normal; a falha da autotolerância
leva às doenças autoimunes. Pode-se administrar antígenos de forma a induzir
tolerância em vez de imunidade, o que pode ser explorado para a prevenção e
tratamento de rejeição a transplante e doenças alérgicas e autoimunes.
A tolerância central é induzida nos órgãos linfoides centrais (timo e medula óssea),
quando linfócitos imaturos encontram autoantígenos presentes nestes órgãos. A
tolerância periférica ocorre quando linfócitos maduros reconhecem autoantígenos em
tecidos periféricos em condições particulares.
Em linfócitos T, a tolerância central ocorre quando timócitos imaturos com receptores de
alta afinidade para autoantígenos reconhecem esses antígenos no timo. Algumas
células T imaturas que encontram autoantígenos no timo morrem (seleção negativa),
enquanto outras desenvolvem-se em linfócitos T regulatórios FoxP3
+ que têm função de
controlar respostas a autoantígenos em tecidos periféricos.
Diversos mecanismos são responsáveis pela tolerância periférica em células T maduras.
Em células CD4
+
, a anergia é induzida pelo reconhecimento do antígeno sem
coestimulação adequada ou por envolvimento de receptores inibitórios como o CTLA-4
e o PD-1. Células T regulatórias inibem respostas imunológicas através de mecanismos
múltiplos. Células T que encontram autoantígenos sem outro estímulo ou que são
estimuladas repetidamente podem morrer por apoptose.
Em linfócitos B, a tolerância central é induzida quando células B imaturas reconhecem
autoantígenos polivalentes na medula óssea. O resultado é a aquisição de uma nova
especificidade, chamada edição de receptor, ou a morte por apoptose das células B
imaturas. Células B maduras que reconhecem autoantígenos na periferia (na ausência
de ajuda de célula T) podem tornar-se anérgicas, morrendo por apoptose ou tornandose
funcionalmente não responsivas por causa da ativação de receptores inibitórios.
A autoimunidade resulta da falência da autotolerância. Em indivíduos geneticamente
suscetíveis, reações autoimunes podem ser disparadas por estímulos ambientais como
infecções.
A maioria das doenças autoimunes é poligênica, e numerosos genes suscetíveis
contribuem para o desenvolvimento das mesmas. A maior contribuição é dos genes
MHC; acredita-se que outros genes contribuam para influenciar a seleção ou regulação
de linfócitos autorreativos.
Infecções podem predispor à autoimunidade através de diversos mecanismos, incluindo
expressão elevada de coestimuladores nos tecidos e reações cruzadas entre antígenos
de microrganismos e autoantígenos. Algumas infecções podem proteger indivíduos da
autoimunidade através de mecanismos desconhecidos.
















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