sexta-feira, 27 de outubro de 2017

CAPÍTULO 14 Imunidade Especializada em Barreiras Epiteliais e em Tecidos Imunologicamente Privilegiados

Fonte: Livro Imunologia Celular e Molecular - 8ª Ed.


Autores: Abul Lichtman, Andrew Abbas


CARACTERÍSTICAS GERAIS DA IMUNIDADE NAS BARREIRAS EPITELIAIS
IMUNIDADE NO SISTEMA GASTRINTESTINAL
Imunidade Inata no Trato Gastrintestinal
Imunidade Adaptativa no Trato Gastrintestinal
Regulação da Imunidade no Trato Gastrintestinal pelas Células T Regulatórias e
Citocinas
Tolerância Oral e Vacinas Orais
O Papel da Microbiota Comensal na Regulação do Sistema Imune
Doenças Relacionadas a Respostas Imunes no Intestino
IMUNIDADE EM OUTROS TECIDOS DAS MUCOSAS
Imunidade no Sistema Respiratório
Imunidade no Sistema Geniturinário
SISTEMA IMUNE CUTÂNEO
Respostas Imunes Inata e Adaptativa na Pele
Doenças Relacionadas a Respostas Imunes na Pele
TECIDOS IMUNOLOGICAMENTE PRIVILEGIADOS
Privilégio Imunológico no Olho, Cérebro e Testículo
Privilégio Imunológico no Feto de Mamíferos
RESUMO


A maior parte da nossa discussão sobre imunidade inata e adquirida até agora neste livro tem tratado das características e dos mecanismos de respostas imunes em qualquer localização anatômica nos sistemas corpóreos de mamíferos. Entretanto, o sistema imune desenvolveu propriedades especializadas em diferentes partes do corpo, particularmente nos tecidos que compõem barreiras epiteliais. Essas características são essenciais para a proteção contra os diferentes tipos de desafios microbianos que são, em sua maioria, encontrados frequentemente nesses locais e que também asseguram a nossa sobrevivência em harmonia com organismos comensais não patogênicos que colonizam as superfícies epiteliais e os lumens de órgãos mucosos (Tabela 14-1). A coleção de células imunes e moléculas que apresentam funções especializadas em locais anatômicos particulares é denominada sistema imune regional. Grande parte deste capítulo é destinada à discussão desses sistemas imunes especializados. Finalizamos com uma consideração acerca de alguns tecidos que normalmente não possuem respostas e são denominados imunologicamente privilegiados.
Tabela 14-1 
Características da Imunidade Regional 

Características gerais da imunidade nas barreiras epiteliais 

Os sistemas imunes regionais incluem os sistemas imunes das mucosas, que protegem as barreiras das mucosas gastrintestinal, broncopulmonar e geniturinária, bem como do sistema imune cutâneo (pele). O sistema imune gastrintestinal é o maior e mais complexo. Considerando duas razões simples – o número de linfócitos localizados no tecido e a quantidade de anticorpos produzidos lá –, o sistema gastrintestinal supera todas as outras partes do sistema imune combinadas. Estima-se que a mucosa intestinal humana contenha aproximadamente 50 × 10 9 linfócitos (Tabela 14-2). A dedicação de tantos recursos do sistema imune para o intestino reflete a grande área de superfície da mucosa intestinal, que se desenvolveu para maximizar a função primária de absorção do tecido, mas que também deve resistir à invasão pelos trilhões de bactérias do lúmen. A pele também é um tecido de barreiras com uma vasta área de superfície que deve ser protegida de microrganismos ambientais que têm acesso aos revestimentos externos. O número total de linfócitos na pele é estimado em aproximadamente 20 × 10 9 , quase duas vezes o número total de linfócitos circulantes (Tabela 14-2). Os diferentes aspectos físicos da mucosa (mole, úmida e quente) e da pele (resistente, seca e fria) favorecem a colonização e invasão por diferentes tipos de microrganismos. Portanto, não é de se surpreender que o sistema imune seja especializado em diferentes formas nesses dois tipos de tecidos.
Tabela 14-2 
Número de Linfócitos em Diferentes Tecidos 

O sistema imune nas barreiras epiteliais compartilha uma organização anatômica básica, com uma camada epitelial externa que previne a invasão microbiana, o tecido conjuntivo subjacente contendo células de vários tipos que são mediadoras das respostas imunes aos organismos comensais ou patogênicos que atravessam o epitélio, além da presença de linfonodos drenantes mais distantes, cujas respostas imunes adaptativas aos microrganismos invasores são iniciadas e amplificadas. A barreira epitelial pode ser composta de várias camadas, como na pele, ou uma única camada sobre a membrana basal, como nos intestinos. O tecido conjuntivo subjacente, como a derme na pele ou a lâmina própria no intestino, contém numerosos e dispersos linfócitos, células dendríticas, macrófagos e mastócitos, que são mediadores das respostas imunes inatas e o braço efetor das respostas imunes adaptativas. Os tecidos mucosos também contêm tecidos linfoides secundários não encapsulados, mas organizados sob a barreira epitelial, que incluem linfócitos B e T, células dendríticas e macrófagos. Estas coleções de células imunes frequentemente denominadas tecido linfoide associado à mucosa (MALT) são locais nos quais respostas imunes adaptativas especializadas para uma determinada mucosa em particular são iniciadas. As respostas imunes adaptativas em sistemas imunes associados a barreiras epiteliais também são induzidas em linfonodos drenantes que estão localizados fora dos tecidos das barreiras. Na pele e nos tecidos mucosos, os antígenos externos à barreira epitelial são capturados pelas células especializadas no epitélio e levados aos linfonodos drenantes ou ao MALT. 
Os sistemas imunes regionais contêm tipos celulares especializados e moléculas que podem não ser abundantes em outros locais. Os tipos celulares que estão restritos a um ou mais sistemas imunes regionais e não estão presentes por todo o sistema imune incluem subpopulações de células dendríticas (p. ex., células de Langerhans na pele), células de transporte de antígenos (p. ex., células M no intestino), linfócitos T (p. ex., células T γδ nos epitélios), subpopulações de linfócitos B (p. ex., células B produtoras de IgA e plasmócitos nos tecidos mucosos) e várias células linfoides inatas. Características anatômicas únicas e tipos celulares em cada tecido conferem características funcionais particulares. Por exemplo, a amostragem dos antígenos no intestino e seu transporte para os tecidos linfoides secundários dependem dos tipos celulares e das rotas de drenagem linfática que são diferentes daqueles encontrados na pele ou nos órgãos internos. Além disso, as estruturas do MALT em diferentes regiões do intestino e de outros órgãos mucosos têm aspectos distintos.  
Os linfócitos efetores que são gerados nos linfonodos drenantes ou no MALT de um sistema imune regional particular (p. ex., pele, intestino delgado) entrarão no sangue e preferencialmente retornarão para o mesmo órgão (p. ex., derme, lâmina própria). A migração e localização das subpopulações de linfócitos em diferentes tecidos são, em parte, atribuídas aos mecanismos de localização tecido-específicos que direcionam essas subpopulações do sangue para tecidos particulares, assunto que discutiremos posteriormente em detalhes neste capítulo
Os sistemas imunes regionais têm funções regulatórias importantes que servem para prevenir respostas indesejáveis a microrganismos não patogênicos e substâncias estranhas que provavelmente estão presentes em diferentes barreiras. O exemplo mais claro é o sistema imune associado ao intestino, que deve suprimir respostas a bactérias comensais que colonizam a mucosa intestinal, bem como a substâncias estranhas derivadas de alimentos, mas que deve responder a bactérias patogênicas menos frequentes. A supressão das respostas imunes a organismos não patogênicos e substâncias estranhas inofensivas também é importante em outros locais do corpo, incluindo pele, pulmão e trato geniturinário, que não são estéreis e são constantemente expostos ao ambiente.
Com esta introdução, discutiremos os detalhes desses vários aspectos em diferentes sistemas imunes regionais, começando com os maiores.

Imunidade no sistema gastrintestinal 

O sistema gastrintestinal, como outros tecidos de mucosas, é composto de uma estrutura tubular revestida por uma camada de células epiteliais contínuas sobre uma membrana basal que serve como uma barreira física ao ambiente externo. Abaixo do epitélio, localiza-se o tecido conjuntivo frouxo do intestino denominado lâmina própria, que contém vasos sanguíneos, vasos linfáticos e tecidos linfoides associados à mucosa (Fig. 14-1). A submucosa é uma camada de tecido conjuntivo denso que conecta a mucosa às camadas de músculo liso.

FIGURA 14-1 Sistema imune gastrintestinal. 
A, Diagrama esquemático dos componentes celulares do sistema imune da mucosa intestinal. B, Fotomicrografia do tecido linfoide das mucosas no intestino humano. Agregados similares de tecido linfoide são encontrados em todo o trato gastrintestinal.

Do ponto de vista do imunologista, o trato gastrintestinal tem duas propriedades marcantes. Primeiro, a combinação das mucosas dos intestinos delgado e grosso tem uma área de superfície total com mais de 200 m2 (o tamanho de uma quadra de tênis), compostas principalmente de vilosidades e microvilosidades do intestino delgado. Segundo, o lúmen do intestino está repleto de microrganismos, muitos dos quais são ingeridos com alimentos, sendo a maioria continuamente em crescimento como organismos comensais na superfície mucosa de indivíduos saudáveis. Estima-se que mais de 500 espécies distintas de bactérias, cerca de 10 14 células, residam no intestino de mamíferos. Isso é 10 vezes mais do que o número total de células no corpo, levando alguns microbiologistas a salientarem que nós, humanos, somos na verdade apenas 10% humanos e 90% bactérias! Fomos desenvolvidos para depender desses microrganismos comensais para várias funções, incluindo a degradação dos componentes de nossa dieta que nossas próprias células não podem digerir. Esses microrganismos comensais também competem com microrganismos potencialmente patogênicos no intestino e previnem infecções prejudiciais. Embora os organismos comensais sejam benéficos quando estão contidos na porção externa da barreira na mucosa intestinal, são potencialmente letais se cruzam a barreira mucosa e entram na circulação ou cruzam a parede intestinal, particularmente nos indivíduos imunocomprometidos. Além disso, organismos patogênicos não comensais podem se tornar parte da mistura diversa de organismos que compõem a flora intestinal a qualquer momento, caso sejam ingeridos em alimento ou água contaminados. Esses organismos patogênicos, incluindo bactérias, vírus, protozoários e parasitas helmintos, podem causar doenças significativas, frequentemente sem invadir o revestimento epitelial e mesmo representando uma pequena fração de microrganismos no lúmen intestinal. Para a saúde ser mantida, o sistema imune mucoso deve ser capaz de reconhecer e eliminar esses patógenos numericamente raros, mesmo na presença de números elevados de microrganismos não patogênicos.  
Esses desafios foram vencidos pela evolução de um conjunto complexo de estratégias de reconhecimento imune inato e adaptativo e mecanismos efetores, que descreveremos a seguir. Alguns desses mecanismos compreendemos bem e outros permanecem incompletamente caracterizados. Muitas das características do sistema imune do trato gastrintestinal são compartilhadas por outros tecidos mucosos e, a seguir, apontaremos esses aspectos comuns da imunidade das mucosas. Infelizmente, as infecções intestinais por organismos patogênicos não são frequentemente controladas pela imunidade das mucosas e são responsáveis por milhões de mortes por ano em todo o mundo. 

Imunidade Inata no Trato Gastrintestinal 

Células epiteliais intestinais que revestem os intestinos delgado e grosso são parte integrante do sistema imune inato gastrintestinal, envolvidas em respostas a patógenos, tolerância a organismos comensais e amostragem de antígenos para a apresentação ao sistema imune adaptativo no intestino. Existem vários tipos distintos de células epiteliais intestinais, todas derivadas de um precursor comum encontrado nas criptas de glândulas intestinais. Dentre essas estão as células caliciformes secretoras de muco, que residem no ápice das vilosidades intestinais; as células epiteliais absortivas secretoras de citocinas; as células M apresentadoras de antígenos, encontradas em estruturas especializadas em forma de cúpula que recobrem os tecidos linfoides; e as células de Paneth secretoras de peptídios antibacterianos, encontradas na porção basal das criptas. Todos esses tipos de células contribuem de diferentes maneiras para a função de barreira da mucosa, como discutiremos posteriormente.
A imunidade inata protetora no intestino é mediada, em parte, por barreiras físicas e químicas fornecidas por células epiteliais mucosas e suas secreções de muco. As células epiteliais intestinais adjacentes são unidas por proteínas que formam as junções de oclusão, incluindo a zônula ocludens 1 e claudinas, que bloqueiam o movimento de microrganismos pelos espaços intercelulares até a lâmina própria. Além disso, as células epiteliais mucosas produzem substâncias antimicrobianas, incluindo as defensinas (Cap. 4). Diversos tipos de células localizados na mucosa, incluindo células epiteliais, células dendríticas e macrófagos, são capazes de montar respostas inflamatórias e antivirais. A maioria dessas respostas é induzida pela interação entre receptores de reconhecimento de padrões moleculares associados a patógenos e ligantes microbianos, tema discutido no Capítulo 4. De modo interessante, alguns receptores da imunidade inata que promovem inflamação em outras partes do corpo têm ações anti-inflamatórias no intestino. Nesta seção, descreveremos características da imunidade inata que são exclusivas do intestino.
Diversas proteínas extensamente glicosiladas, denominadas mucinas, formam uma barreira física viscosa que previne o contato entre microrganismos e células do trato gastrintestinal. As mucinas contêm diferentes oligossacarídios O-ligados e incluem glicoproteínas secretadas e de superfície celular. As mucinas secretadas, incluindo MUC2, MUC5 e MUC6, formam um gel hidratado de 300 a 700 µm de espessura que tem duas camadas: uma camada externa menos densa que normalmente é colonizada por bactérias e uma camada interna densa que está ligada ao epitélio e é livre de bactérias. Essas camadas de muco previnem o contato entre microrganismos e as células de revestimento do epitélio e também servem como uma matriz para exposição de substâncias antimicrobianas produzidas por células epiteliais. Algumas mucinas atuam como moléculas neutralizantes de adesinas de patógenos, ou seja, podem se desprender de células epiteliais para se ligarem a proteínas adesinas que bactérias patogênicas usam para a adesão às membranas celulares do hospedeiro. Além do muco secretado, a superfície apical das células epiteliais gastrintestinais é coberta com proteínas mucinas ligadas à membrana, incluindo MUC1, MUC3A/b, MUC12, MUC13 e MUC17. Essas mucinas ligadas à membrana combinam-se com vários glicolipídios para formar uma camada macromolecular densa na superfície de células epiteliais denominada glicocálice, com 30 a 500 nm de espessura em diferentes localizações no intestino. O glicocálice, como o muco secretado, serve como uma barreira física para prevenir o contato microbiano.  
A barreira mucosa do intestino sofre renovação e alterações químicas em resposta a vários sinais ambientais e imunes, que permitem rápido aumento na função da barreira mucosa. As mucinas são constitutivamente produzidas por células epiteliais de superfície no trato gastrintestinal e por glândulas submucosas e são substituídas por moléculas recém-sintetizadas a cada 6-12 horas. Diversos estímulos ambientais e imunes podem induzir o aumento drástico na produção de mucina. Esses estímulos incluem citocinas (IL-1, IL-4, IL-6, IL-9, IL-13, fator de necrose tumoral [TNF] e interferons do tipo I), produtos de neutrófilos (tais como elastase) e proteínas de adesão microbiana. Esses estímulos aumentam não apenas a expressão gênica de mucina, mas também alteram a glicosilação das mucinas em virtude das alterações induzidas na expressão de enzimas glicosiltransferases. Acredita-se que as alterações na quantidade e glicosilação das mucinas aumentem sua função de barreira contra patógenos. 
As defensinas produzidas por células epiteliais intestinais fornecem proteção imune inata contra bactérias luminais, e os defeitos na sua produção estão associados à invasão bacteriana e doença inflamatória intestinal. As defensinas são peptídios produzidos por vários tipos celulares no corpo que exercem efeitos tóxicos letais em microrganismos por inserirem e causarem perda da integridade das membranas fosfolipídicas externas dos patógenos (Cap. 4). No intestino delgado, as principais defensinas são as α-defensinas, incluindo as defensinas 5 humana (HD5) e HD6, produzidas constitutivamente como proteínas precursoras inativas por células de Paneth localizadas na base das criptas entre as microvilosidades. Os peptídios ativos HD5 e HD6 são gerados por clivagem proteolítica mediada por tripsina, também produzida pelas células de Paneth. No cólon, as β-defensinas são produzidas por células epiteliais absortivas nas criptas intestinais, algumas constitutivamente e outras em resposta a IL-1 ou a bactérias invasivas. Além disso, os grânulos neutrofílicos são ricos em α-defensinas, que provavelmente contribuem para as funções antimicrobianas nos locais de infecção da parede intestinal. Vários estudos identificaram defeitos na produção de defensinas por células epiteliais em regiões afetadas do intestino pela doença de Crohn, uma doença inflamatória crônica que pode envolver todo o trato gastrintestinal.  
As células de Paneth e outras células epiteliais do intestino também secretam uma lectina do tipo C chamada proteína γ derivada de ilhas de regeneração III γ (REGIIIγ), que bloqueia a colonização bacteriana na superfície epitelial. REGIII γ e seu homólogo humano REGIIIα ligam-se à peptidoglicano de bactérias Gram-positivas. A expressão de REGIIIγ por células epiteliais intestinais requer sinais de TLRs em resposta a organismos comensais, e sua produção é aumentada após colonização e infecção por patógenos.
Os receptores do tipo Toll (TLRs) e receptores do tipo NOD citoplasmáticos (NLRs) expressos por células epiteliais intestinais promovem respostas imunes a patógenos invasores, mas também limitam respostas inflamatórias a bactérias comensais. Como discutido no Capítulo 4, TLRs e NLRs são receptores celulares que reconhecem padrões moleculares associados a patógenos (PAMPs) produzidos por microrganismos e que geram sinais promotores de respostas inflamatórias e antivirais pelas células. A maior parte das bactérias do lúmen intestinal é não patogênica, se permanecerem retidas fora da barreira epitelial, ainda que possam expressar o mesmo conjunto de PAMPs expressos por bactérias patogênicas, tais como lipopolissacarídios, peptidoglicanos, DNA CpG e flagelina. Como as respostas inflamatórias que envolvem as células epiteliais intestinais podem prejudicar a função de barreira e levar à invasão bacteriana e à inflamação patológica, não é de se surpreender que os mecanismos de controle rigorosos tenham se desenvolvido para limitar as respostas pró-inflamatórias induzidas por TLRs a bactérias comensais. Células epiteliais do intestino expressam uma grande variedade de TLRs, incluindo TLRs 2, 4, 5, 6, 7 e 9, com diferentes receptores expressos em distintas regiões do intestino. A ligação de alguns TLRs resulta em fosforilação e reorganização da zona ocludens 1 e maior resistência das junções de oclusão entre as células epiteliais. A sinalização dos TLRs também aumenta a motilidade e proliferação do epitélio intestinal. Essas respostas funcionais à sinalização do TLR aumentam a função de barreira, mas não a inflamação. As respostas ao TLR no intestino também parecem ser reguladas por níveis de expressão ou expressão compartimentalizada somente em determinados locais (Fig. 14-2). Por exemplo, TLR5, que reconhece flagelinas de bactérias, é exclusivamente expresso na superfície basolateral de células epiteliais intestinais, acessível apenas às bactérias que invadiram e transpuseram a barreira. Similarmente, os receptores da família NLR para flagelinas (p. ex., NAIP e IPAF-1) são expressos no citoplasma de células epiteliais intestinais e ativarão as respostas inflamatórias somente quando bactérias patogênicas ou seus produtos tiverem acesso ao citoplasma. Também há evidências de que os reguladores da sinalização de TLR nas células epiteliais do intestino mantêm um limiar mais elevado para a ativação de respostas inflamatórias comparado às células epiteliais e células dendríticas em outros tecidos.

FIGURA 14-2 Expressão de receptores de reconhecimento de padrões moleculares na mucosa intestinal. 
Os receptores de reconhecimento de padrões moleculares que reconhecem a flagelina bacteriana são concentrados no citoplasma (NLR) ou na membrana basal (TLR5) de células epiteliais intestinais, mas não na membrana apical/luminal, e assim não reconhecem microrganismos do lúmen.

Em indivíduos saudáveis, células dendríticas e macrófagos na lâmina própria do intestino inibem a inflamação e servem para manter a homeostase. Alguns macrófagos intestinais têm um fenótipo singular que os capacita fagocitar e eliminar microrganismos, mas ao mesmo tempo secretar citocinas anti-inflamatórias, tais como IL-10. Esse fenótipo é aparentemente induzido no ambiente mucoso local pelo fator de transformação de crescimento-β (TGF-β). A expressão de TLR4 em macrófagos e células dendríticas da lâmina própria é menor que em outros tecidos, e a expressão de genes inflamatórios nessas células é frequentemente inibida pelos produtos microbianos. Este pode ser um mecanismo desenvolvido para prevenir a inflamação deletéria em resposta a bactérias comensais e a produtos bacterianos que podem atravessar a barreira epitelial.
Células linfoides inatas que produzem IL-17 e IL-22 são encontradas principalmente na mucosa intestinal e contribuem para a defesa imune contra algumas bactérias, bem como para a função da barreira epitelial mucosa. De acordo com o descrito nos Capítulos 2 e 4, as células linfoides inatas não expressam TCRs, mas subpopulações dessas células se assemelham a subpopulações de células T auxiliares considerando as citocinas que secretam. As células linfoides inatas do grupo 3 secretam IL-17 e IL-22, similarmente às células TH17. Essas citocinas induzem aumento da função de barreira da mucosa intestinal por estimularem a produção de muco e defensinas e por aumentarem a função das junções de oclusão do epitélio. As citocinas também aumentam o transporte de IgA para o lúmen intestinal, que é um componente essencial da imunidade adaptativa no intestino, discutido posteriormente.

Imunidade Adaptativa no Trato Gastrintestinal 

O sistema imune adaptativo no trato gastrintestinal tem características que são distintas das funções imunes adaptativas em outros sistemas orgânicos.
• A principal forma de imunidade adaptativa no intestino é a imunidade humoral direcionada aos microrganismos no lúmen, que evita que organismos comensais e patógenos colonizem e invadam a barreira epitelial mucosa. Esta função é mediada pelos anticorpos IgA diméricos que são secretados para o lúmen do intestino ou, no caso de lactentes, a IgA que é secretada no colostro e no leite materno e ingerida pelo bebê. Quantidades significativas de anticorpos IgG e IgM também estão presentes no lúmen intestinal e contribuem para a imunidade humoral nesse local.
• A resposta imune celular protetora dominante é mediada por células efetoras TH17, que correspondem à maior parte da subpopulação de células T efetoras encontrada na mucosa intestinal.
 • O principal mecanismo para controle das respostas no intestino é a ativação das células T regulatórias (Treg). O sistema imune adaptativo no intestino deve suprimir continuamente as respostas imunes potenciais aos antígenos alimentares e antígenos de microrganismos comensais para prevenir reações inflamatórias que poderiam comprometer a barreira mucosa. Em nenhum outro local do corpo, existe um comprometimento do sistema imune tão extenso para manter a tolerância a antígenos estranhos. Algumas subpopulações de Treg são mais abundantes nos tecidos linfoides associados à mucosa (MALT) do que em outros órgãos linfoides. 
 Agora abordaremos as características especiais da imunidade adaptativa no sistema gastrintestinal, incluindo organização anatômica, apresentação de antígenos, homing e diferenciação de linfócitos, bem como a distribuição de anticorpos para o lúmen.

Anatomia Funcional do Sistema Imune Adaptativo no Trato Gastrintestinal 

Nesta seção, discutiremos a organização anatômica das células no intestino e a relação dessa organização com o modo pela qual as respostas imunes adaptativas são iniciadas, realizadas e reguladas. Em termos gerais, a anatomia funcional do sistema imune adaptativo no intestino desenvolveu-se para lidar efetivamente com as condições enfatizadas anteriormente, ou seja, condições onde poucos microrganismos patogênicos podem ser encontrados em meio a numerosos organismos comensais, localizados fora de uma barreira epitelial com enorme área de superfície.
 As respostas imunes adaptativas no intestino são iniciadas em populações distintamente organizadas de linfócitos e células apresentadoras de antígenos intimamente associadas ao revestimento epitelial mucoso do intestino e nos linfonodos mesentéricos (Fig. 14-1). Linfócitos imaturos são expostos a antígenos nesses locais e diferenciados em células efetoras. Esses tecidos linfoides associados ao intestino que são adjacentes ao epitélio mucoso recebem, algumas vezes, a denominação GALT, que é a versão gastrintestinal do MALT, embora os termos sejam utilizados alternadamente. As estruturas do GALT mais proeminentes são as placas de Peyer, encontradas principalmente no íleo distal e em pequenos agregados dos folículos linfoides ou folículos isolados no apêndice e no cólon. As placas de Peyer têm a estrutura de folículos linfoides, com centros germinativos contendo linfócitos B, células T auxiliares foliculares, células dendríticas foliculares e macrófagos. Os centros germinativos nos folículos são circundados por células B foliculares imaturas que expressam IgM e IgD. Uma região denominada cúpula localizada entre os folículos e o epitélio de revestimento contém linfócitos B e T, células dendríticas e macrófagos. Entre os folículos, existem áreas parafoliculares ricas em células T, similares aos linfonodos, mas de modo geral, a proporção de células B para células T no GALT é aproximadamente cinco vezes maior que nos linfonodos. Também de maneira distinta dos linfonodos, as estruturas do GALT não são encapsuladas e existem rotas de apresentação de antígenos a essas estruturas que são independentes dos linfáticos. O desenvolvimento de ambas as estruturas linfoides especializadas, tais como placas de Peyer e folículos isolados na lâmina própria do intestino, requer células indutoras inatas do tecido linfoide, que são uma subpopulação de células linfoides inatas que expressam o fator de transcrição RORγT e produzem a citocina linfotoxina-β (LTβ).
A principal via de exposição do antígeno do lúmen para o GALT ocorre por meio das células especializadas no interior do epitélio intestinal, denominadas células de micropregas (M) (Fig. 14-3). As células M estão localizadas em regiões do epitélio intestinal, denominadas epitélio da cúpula ou associado ao folículo, que recobrem as cúpulas das placas de Peyer e outras estruturas do GALT. Embora as células M e as várias células epiteliais com função absortiva provavelmente se originem de um precursor epitelial comum, as células M se distinguem por uma fina camada de glicocálice, seus microvilos irregulares e relativamente curtos (denominados micropregas) e pelas grandes fenestrações em suas membranas, características que, em conjunto, aumentam a captura de antígenos do lúmen intestinal. A principal função das células M é o transporte transcelular de várias substâncias do lúmen do intestino através da barreira epitelial para as células apresentadoras de antígenos subjacentes. As células M apreendem o conteúdo luminal eficientemente e de diversas formas, incluindo a fagocitose, de modo similar aos macrófagos, e a endocitose de vesículas cobertas por clatrinas ou de fase líquida. Estas vias possibilitam a captura de bactérias inteiras, vírus e produtos microbianos solúveis. De maneira distinta dos macrófagos ou células dendríticas, as células M não se empenham no processamento extenso das substâncias que captam, mas transportam as partículas e moléculas por meio de vesículas endocíticas através do citoplasma e as distribuem por exocitose da membrana basolateral para as células dendríticas das regiões das cúpulas das placas de Peyer subjacentes e dos folículos linfoides da lâmina própria. Embora as células M tenham um papel importante na imunidade protetora contra microrganismos luminais, alguns microrganismos evoluíram de forma a tirarem vantagem das células M como rota de invasão pela barreira mucosa. O melhor exemplo descrito é o da Salmonella typhimurium, similar ao patógeno humano S. typhi, que causa febre tifoide. As células M expressam lectinas que permitem a ligação específica e a internalização dessas bactérias. As bactérias são citotóxicas para as células M, levando à formação de lacunas no epitélio que promovem a invasão de mais organismos. As lectinas de células M também podem ser utilizadas por certos vírus entéricos para romper a barreira epitelial.


FIGURA 14-3 Células M no intestino delgado. 
As células M são células epiteliais intestinais especializadas encontradas no epitélio do intestino delgado que recobre as placas de Peyer e os folículos linfoides da lâmina própria (A). Diferentemente das células epiteliais vizinhas com bordas de microvilosidades altas e funções primariamente absortivas, as células M apresentam vilosidades mais curtas (B) e se encarregam em transportar microrganismos intactos ou moléculas através da barreira mucosa até os tecidos linfoides associados ao intestino, onde são entregues às células dendríticas (C). (Micrografia eletrônica de Corr SC, Gahan CC, Hill C: M-cells: origin, morphology and role in mucosal immunity and microbial pathogenesis, FEMS Immunology and Medical Microbiology 52:2-12, 2008.)  

Antígenos microbianos no lúmen intestinal podem ser capturados por células dendríticas da lâmina própria que emitem projeções citoplasmáticas entre as células epiteliais intestinais (Fig. 14-4). As células dendríticas apresentadoras de antígenos são numerosas em certas regiões do intestino, particularmente no íleo terminal, onde emitem dendritos através das junções entre as células epiteliais adjacentes, aparentemente sem rompimento das junções de oclusão. Essas células dendríticas apresentadoras de antígenos podem promover respostas imunes adaptativas a patógenos no lúmen. Ao contrário das células M, essas células dendríticas são capazes de processar e apresentar antígenos proteicos a células T no interior do GALT. As células dendríticas residentes na lâmina própria também capturam antígenos que penetram entre as células. 
FIGURA 14-4 Reconhecimento de antígenos pelas células dendríticas intestinais. 
As células dendríticas estão presentes na mucosa intestinal e reconhecem os antígenos que são apresentados às células T no GALT e nos linfonodos mesentéricos. A, Algumas células dendríticas estendem projeções citoplasmáticas entre as células epiteliais intestinais em direção ao lúmen para reconhecer antígenos. Os macrófagos também podem reconhecer antígenos luminais dessa maneira. B, Outras células dendríticas presentes na lâmina própria reconhecem os antígenos derivados dos conteúdos luminais e que passaram pela barreira epitelial.

Os linfonodos mesentéricos coletam antígenos trazidos da linfa que drena os intestinos delgado e grosso e são locais de diferenciação de linfócitos efetores e regulatórios que retornam para a lâmina própria. Existem 100 a 150 desses linfonodos localizados entre as camadas membranosas do mesentério. Os linfonodos mesentéricos têm algumas funções iguais às do GALT, incluindo diferenciação de células B em plasmócitos secretores de IgA e desenvolvimento de células T efetoras, bem como de células T regulatórias. As células que se diferenciam nos linfonodos mesentéricos em resposta à invasão da parede intestinal por patógenos ou organismos comensais frequentemente residem na lâmina própria (discutido posteriormente).
As tonsilas linguais e palatinas são estruturas linfoides não encapsuladas situadas abaixo da mucosa epitelial escamosa estratificada na base da língua e da orofaringe, respectivamente, e consistem em locais de respostas imunes a microrganismos na cavidade oral. Essas tonsilas, juntamente às tonsilas nasofaríngeas, formam um anel de tecidos linfoides conhecidos como anel de Waldeyer. A massa de tecido tonsilar é composta de folículos linfoides, geralmente com centros germinativos proeminentes. Existem múltiplas invaginações estreitas e profundas do epitélio escamoso da superfície, denominadas criptas, que crescem para o interior do tecido folicular. Embora essas tonsilas sejam frequentemente consideradas parte do GALT, são distintas pelo fato de serem separadas da cavidade oral, rica em microrganismos, por múltiplas camadas de células epiteliais escamosas, em vez de uma única camada de células epiteliais como acontece no intestino. O mecanismo de apresentação de antígeno de microrganismos da cavidade oral não está bem descrito; as criptas são os possíveis locais nos quais isso ocorre. Entretanto, as tonsilas linguais e palatinas respondem a infecções da mucosa epitelial por meio de aumento do seu tamanho e vigorosa produção de anticorpos, principalmente IgA. As infecções típicas que estão associadas ao aumento das tonsilas, geralmente em crianças, são causadas por estreptococos e pelo vírus Epstein-Barr.
Os linfócitos efetores que são gerados no GALT e nos linfonodos mesentéricos possuem propriedades seletivas de homing intestinal, dependentes de integrinas e de receptores de quimiocinas, fazendo-os circular do sangue de volta para a lâmina própria do intestino (Fig. 14-5). As funções do sistema gastrintestinal dependem de um grande número de células T e de células secretoras de anticorpos que são capazes de recircular, retornando para a lâmina própria, e responder rapidamente aos patógenos. As células T efetoras e células B secretoras de IgA adquirem o fenótipo de homing intestinal por causa de mudanças nas moléculas de adesão e receptores de quimiocinas que são adquiridas durante a ativação de linfócitos no GALT ou linfonodos drenantes. A principal integrina de linfócitos T e B para o homing intestinal éα4β7 , que se liga à proteína MadCAM-1 expressa nas células endoteliais venulares pós-capilares na lâmina própria do intestino. O homing intestinal também requer o receptor de quimiocinas CCR9 em linfócitos B e T e seu ligante CCL25, que é produzido por células epiteliais intestinais. A expressão combinada de MadCAM-1 e CCL25 é restrita ao intestino. O homing de células produtoras de IgA para o cólon também requer expressão de CCR10 e a quimiocina CCL28, mas esta não é uma via específica do intestino, pois o CCL28 é expresso por células epiteliais em outros tecidos mucosos, tais como pulmão e trato geniturinário. O bloqueio realizado com anticorpos monoclonais que são específicos para a cadeia α4 de α4 β7 é utilizado para tratar pacientes com doença inflamatória intestinal com base no conhecimento que as células T efetoras usam essa integrina para entrar nos tecidos intestinais nessa doença. (Discutiremos a doença inflamatória intestinal posteriormente neste capítulo.)
FIGURA 14-5 Propriedades de homing dos linfócitos intestinais. 
As propriedades de homing intestinal dos linfócitos efetores são determinadas nos tecidos linfoides, onde sofrem diferenciação a partir de precursores imaturos. As células dendríticas dos tecidos linfoides associados ao intestino, incluindo as placas de Peyer e os linfonodos mesentéricos, são induzidas pela linfopoetina estromal tímica (TSLP) e por outros fatores a expressarem retinaldeído desidrogenase (RALDH), que converte a vitamina Ada dieta em ácido retinoico. Quando as células T ou B imaturas são ativadas pelo antígeno no GALT, são expostas ao ácido retinoico produzido por células dendríticas e isso induz a expressão do receptor de quimiocina CCR9 e da integrina α4 β7 em plasmócitos e células T efetoras que surgiram a partir dos linfócitos imaturos. Os linfócitos efetores entram na circulação e retornam para a lâmina própria do intestino, uma vez que a quimiocina CCL25 (o ligante para CCR9) e a molécula de adesão MadCAM (o ligante para α4β7 ) são expressas nas células endoteliais venulares da lâmina própria.  

O fenótipo de homing intestinal de células B produtoras de IgA e de células T efetoras é determinado por células dendríticas através da ação do ácido retinoico durante o processo de ativação de células T (Fig. 14-5). Além de promover a diferenciação de células T imaturas em células T efetoras e a diferenciação de células B imaturas em células secretoras de anticorpos IgA, conforme discutido a seguir, as células dendríticas no GALT e nos linfonodos mesentéricos também fornecem sinais que conduzem a expressão da integrina α4 β7 e de CCR9 nessas células efetoras. A indução dessas moléculas que determinam o homing depende da secreção de ácido retinoico por células dendríticas, embora os mecanismos não sejam bem compreendidos. A indução seletiva de células homing intestinais nos tecidos linfoides do intestino é explicada pelo fato de que os tecidos linfoides intestinais são expostos à vitamina A da dieta e as células dendríticas no GALT e linfonodos mesentéricos expressam retinol desidrogenases (RALDH), enzimas necessárias para a síntese de ácido retinoico a partir da vitamina A, enquanto as células dendríticas em outros tecidos não podem expressá-las. Além disso, as células epiteliais intestinais também expressam RALDH e podem sintetizar o ácido retinoico. Consistente com essas propriedades do sistema imune intestinal, sabe-se que a vacina oral não apenas favorece a expansão de células B produtoras de IgA, comparada à imunização intradérmica, mas as vacinas orais também induzem maiores níveis de α4 β7 em células B.
A lâmina própria contém linfócitos efetores, células dendríticas e macrófagos distribuídos difusamente e é o local da fase efetora das respostas imunes adaptativas gastrintestinais. Como discutido anteriormente, os linfócitos efetores gerados nas placas de Peyer, em outras estruturas do GALT e nos linfonodos mesentéricos retornam para a lâmina própria. Nesse local, as células T podem responder a patógenos invasores, ao passo que as células B podem secretar anticorpos que são transportados para o lúmen e neutralizar patógenos antes que eles invadam.  

Imunidade Humoral no Trato Gastrintestinal

 A principal função da imunidade humoral no trato gastrintestinal é neutralizar os microrganismos luminais, e essa função é mediada principalmente pela IgA produzida no GALT e transportada através do epitélio mucoso para o lúmen. Quantidades pequenas, mas significativas de IgG e IgM também são secretadas para o lúmen intestinal. Dentro do lúmen, anticorpos IgA, IgG e IgM se ligam a microrganismos e toxinas e os neutralizam, prevenindo sua ligação a receptores em células do hospedeiro. Essa forma de imunidade humoral é algumas vezes denominada imunidade secretória e é particularmente desenvolvida de forma proeminente em mamíferos. As respostas de anticorpos aos antígenos adquiridos pela ingestão são caracteristicamente dominadas por IgA e a imunidade secretória é o mecanismo de proteção induzido nas vacinas orais, tais como a vacina contra pólio. Diversas propriedades singulares do ambiente intestinal resultam no desenvolvimento seletivo de células secretoras de IgA que permanecem no trato gastrintestinal ou, se entrarem na circulação, retornam para a lâmina própria do intestino. O resultado é que as células secretoras de IgA se acumulam eficientemente em regiões próximas ao epitélio que fará a captura da IgA secretada e a transportará para o lúmen. 
A IgA é produzida em maiores quantidades do que qualquer outro isótipo de anticorpo. Estima-se que um adulto normal de 70 kg secrete aproximadamente 2 g de IgA por dia, o que corresponde a 60% a 70% da produção total de anticorpos. Essa enorme produção de IgA deve-se ao grande número de plasmócitos produtores de IgA no GALT, que, de acordo com algumas, estimativas, representa em torno de 80% de todos os plasmócitos produtores de anticorpos no corpo (Fig. 14-6). Como a síntese de IgA ocorre principalmente no tecido linfoide de mucosas e grande parte da IgA produzida localmente é eficientemente transportada para o lúmen da mucosa, esse isótipo constitui menos de um quarto do anticorpo no plasma e é o menor componente da imunidade humoral sistêmica comparado com IgG e IgM.  
FIGURA 14-6 Plasmócitos secretores de IgAno intestino. 
Aabundância de plasmócitos produtores de IgA(verde) na mucosa do cólon comparados às células secretoras de IgG (vermelho) é demonstrada pela marcação imunofluorescente. AIgAque está sendo secretada pode ser vista em verde nas células epiteliais da cripta. (De Brandtzaeg P. The mucosal immune system and its integration with the mammary glands. The Journal of Pediatrics 156[Suppl 1]:S8-S16, 2010.)

A produção dominante de IgA por plasmócitos intestinais é atribuída, em parte, à indução seletiva da troca de classe para o isótipo IgA em células B no GALT e nos linfonodos mesentéricos. A troca de classe para IgA no intestino ocorre por mecanismos Tdependentes e T-independentes (Fig. 14-7). Em ambos os casos, as moléculas que direcionam a troca para IgA incluem uma combinação de citocinas solúveis e proteínas de membrana em outros tipos celulares que se ligam a receptores de sinalização em células B (Cap. 12). TGF-β, a principal citocina requerida para a troca de isótipo para IgA no intestino, assim como em outros compartimentos da mucosa, é produzida por células epiteliais intestinais e por células dendríticas no GALT. Além disso, as células dendríticas do GALT expressam a integrina αv β8 , que é necessária para a ativação de TGF-β. Várias moléculas que promovem a mudança de classe para IgA são expressas por células epiteliais intestinais ou células dendríticas do GALT em resposta à sinalização de TLR. As bactérias comensais no lúmen intestinal produzem ligantes que se ligam aos TLRs apropriados. Por exemplo, a troca para IgA e IgG independente de células T requer a ligação da citocina APRIL da família do TNF ao receptor TACI em células B; e as células epiteliais intestinais produzem APRIL em resposta a ligantes TLR produzidos por bactérias comensais. As células epiteliais intestinais também produzem linfopoetina estromal tímica (TSLP) em resposta à sinalização de TLR, e TSLP estimula a produção adicional de APRIL por células dendríticas do GALT. Os ligantes de TLR produzidos por bactérias comensais no intestino também aumentam a expressão da óxido nítrico sintase induzida em células dendríticas, levando à produção de óxido nítrico. Acredita-se que o óxido nítrico promova a troca de classe para IgA de modo dependente e independente de células T, em parte porque aumenta a sinalização de TGF-β em células B e também a síntese de APRIL por células dendríticas do GALT. Finalmente, a produção de IgA por células B intestinais é pelo menos parcialmente dependente do metabólito da vitamina A, o ácido retinoico all-trans, que é produzido por células epiteliais intestinais e células dendríticas do GALT, embora os mecanismos pelos quais o ácido retinoico promova a produção de IgA ainda sejam desconhecidos. O ácido retinoico também é importante no homing de células B para o intestino, como discutido anteriormente. Existe uma abundância de muitas dessas moléculas no interior do GALT e nos linfonodos mesentéricos comparada aos tecidos linfoides não mucosos, tais como baço e linfonodos drenantes da pele, o que certamente influencia na propensão que células B do GALT possuem em fazer a troca de classe para a produção de IgA.
 FIGURA 14-7 Troca de classe para IgAno intestino. 
Atroca de classe para IgAno intestino ocorre por mecanismos dependentes e independentes de células T. A, Na mudança de classe para IgAdependente de células T, as células dendríticas na cúpula subepitelial das placas de Peyer capturam os antígenos bacterianos entregues pelas células M e migram para a zona interfolicular, onde os apresentam para as células T CD4 + imaturas. As células T ativadas diferenciam-se em células T auxiliares com um fenótipo de célula T auxiliar folicular e estabelecem interações cognatas com células B IgM+ IgD + apresentadoras de antígeno que também capturaram e processaram o antígeno bacteriano. Atroca de classe da célula B para IgAé estimulada pela ligação do CD40L na célula T ao CD40 na célula B, juntamente à ação do TGF-β. Esta via dependente de células T produz anticorpos IgAde alta afinidade. B, Atroca de classe para IgAindependente de células T envolve a ativação de células B IgM+ IgD + por células dendríticas, incluindo células B-1. As células dendríticas ativadas pelo ligante de TLR secretam citocinas que induzem a troca de classe para IgA, incluindo BAFF, APRIL e TGF-β. Esta via independente de células T produz anticorpos IgAde afinidade relativamente baixa a bactérias intestinais. Os mecanismos moleculares da troca de classe estão descritos no Capítulo 12.

O alto nível da produção de IgA pelos plasmócitos intestinais é aumentado por propriedades seletivas de homing intestinal das células produtoras de IgA que se originam no GALT e nos linfonodos mesentéricos (Fig. 14-5). Algumas das moléculas de IgA que são transportadas através do epitélio intestinal podem ser produzidas por plasmócitos que se diferenciaram e permaneceram no interior dos folículos subjacentes ao GALT. No entanto, os plasmócitos secretores de IgA estão amplamente dispersos na lâmina própria do trato gastrintestinal, não apenas nos folículos linfoides. Como discutido anteriormente, as células B ativadas que sofrem troca de isótipo para células produtoras de IgA no GALT e nos linfonodos mesentéricos podem entrar na circulação sistêmica e, então, seletivamente retornar para a lâmina própria intestinal, onde podem residir como plasmócitos.  
A IgA secretada é transportada através das células epiteliais para o lúmen intestinal por um receptor Fc específico para IgA/IgM, denominado receptor poli-Ig (Fig. 14-8). A IgA produzida pelos plasmócitos na lâmina própria está na forma de um dímero mantido unido pela cadeia J produzida coordenadamente, que é covalentemente ligada por pontes dissulfeto a regiões Fc das cadeias pesadas α de duas moléculas de IgA. Os plasmócitos da mucosa produzem cadeias J em grande quantidade, mais do que os plasmócitos em tecidos não mucosos, e o IgA sérico geralmente é um monômero que não possui a cadeia J. Da lâmina própria, a IgA dimérica deve ser transportada através do epitélio para o interior do lúmen e essa função é mediada pelo receptor poli-Ig. A IgM produzida pelos plasmócitos da lâmina própria é um polímero (pentâmero) associado covalentemente à cadeia J, e o receptor poli-Ig também transporta a IgM para as secreções intestinais. É por esse motivo que o receptor é denominado receptor poli-Ig. Esse receptor é sintetizado pelas células epiteliais da mucosa e sua produção pode ser induzida por estímulos inflamatórios, incluindo IL-17. É expresso nas superfícies basais e laterais das células epiteliais. É uma glicoproteína de membrana integral com cinco domínios extracelulares homólogos aos domínios da Ig e, portanto, um membro da superfamília das Ig.
FIGURA 14-8 Transporte de IgAatravés das células epiteliais. 
AIgAé produzida por plasmócitos na lâmina própria do tecido mucoso e liga-se ao receptor poli-Ig na base de uma célula epitelial. O complexo é transportado através da célula epitelial, e a IgAligada é liberada para o lúmen por clivagem proteolítica. O processo de transporte através da célula, nesse caso da superfície basolateral para a luminal, é denominado transcitose.  

A IgA dimérica secretada e a IgM pentamérica ligam-se ao receptor poli-Ig nas células epiteliais da mucosa por meio de um domínio da cadeia J (Fig. 14-8). O complexo do receptor de Ig é endocitado para o interior da célula epitelial e, contrariamente aos outros endossomos que tipicamente trafegam para os lisossomos, as vesículas contendo o receptor poli-Ig são direcionadas para a membrana plasmática apical (luminal) da célula epitelial, fundindo-se com ela. Este processo é denominado transcitose. Na superfície da célula, o receptor poli-Ig é proteoliticamente clivado, seus domínios transmembranas e citoplasmáticos são mantidos ligados à célula epitelial e o domínio extracelular do receptor que carrega a molécula de IgA é liberado para o lúmen intestinal. A parte clivada do receptor poli-Ig, denominada componente secretório, permanece associada à IgA dimérica no lúmen. Acredita-se que o componente secretório ligado protege a IgA (e IgM) da proteólise por enzimas presentes no lúmen intestinal e esses anticorpos são, dessa maneira, capazes de cumprir suas funções de neutralização de microrganismos e toxinas no lúmen. O receptor poli-Ig também é responsável pela secreção de IgA na bile, no leite, no escarro, na saliva e no suor.
A IgG está presente nas secreções intestinais em níveis iguais à IgM, mas menores que a IgA. Em algumas secreções da mucosa (p. ex., reto, trato geniturinário e vias aéreas), os níveis de IgG são altos e frequentemente excedem os de IgA. O transporte da IgG para as secreções mucosas é mediado por outro receptor de transcitose, o receptor Fc neonatal (FcRn), que foi abordado nos Capítulos 5 e 13. Em contraste ao receptor poli-Ig, que transporta IgA unidirecionalmente (do lado basal para o lado apical/luminal), o FcRn pode mediar o transporte bidirecional de IgG. Portanto, o transporte de IgG mediado por FcRn provavelmente contribui para a imunidade humoral contra patógenos intestinais luminais e, também, para a captura de microrganismos recobertos por anticorpos e outros antígenos do lúmen para o GALT.  
A IgA produzida nos tecidos linfoides da glândula mamária é secretada para o colostro e para o leite materno maduro através da transcitose mediada pelo receptor poli-Ig e medeia a imunidade passiva na mucosa em lactentes. A glândula mamária lactante humana contém um grande número de plasmócitos secretores de IgA, e o epitélio da glândula mamária pode estocar elevadas quantidades de IgA secretória. Os plasmócitos na mama originam-se de vários tecidos linfoides associados à mucosa. Essas células residem na mama porque a maior parte dos plasmoblastos de IgA expressa CCR10, independentemente dos tecidos linfoides onde foram gerados, e o tecido mamário expressa CCL28, a quimiocina que se liga ao CCR10. Portanto, durante a amamentação, uma criança ingere uma quantidade significativa de IgA materna, que fornece uma ampla proteção polimicrobiana ao seu intestino. Quantidades moderadas de IgG e IgM também são secretadas no leite materno e contribuem para a imunidade passiva de crianças lactentes. Muitos estudos epidemiológicos demonstraram que a amamentação reduz significativamente o risco de doença diarreica e sepse, em particular nos países em desenvolvimento, sendo assim correlacionada à presença de IgA secretória no leite materno específico para espécies enterotóxicas de bactérias, incluindo Escherichia coli e Campylobacter. 

Imunidade Mediada por Células T no Trato Gastrintestinal 

As células T têm papel importante na proteção contra patógenos microbianos no sistema gastrintestinal e na regulação das respostas a antígenos alimentares e de organismos comensais. Além disso, as células T contribuem para as doenças inflamatórias do trato gastrintestinal. Como em outras partes do corpo, a imunidade mediada por células T no intestino envolve diferentes subpopulações de células T e é influenciada de diversas formas por células dendríticas apresentadoras de antígenos, que também pertencem a diferentes subpopulações. Nesta seção, discutiremos importantes aspectos das funções de células T e de células dendríticas no intestino. 
As células T são encontradas no interior da camada epitelial do intestino, espalhadas por toda a lâmina própria e submucosa, nas placas de Peyer e em outras coleções organizadas de folículos. Em humanos, a maioria das células T intraepiteliais corresponde a células CD8 + . Em camundongos, aproximadamente 50% dos linfócitos intraepiteliais expressam a forma γδ do TCR, similares aos linfócitos intraepiteliais na pele. Em humanos, apenas cerca de 10% dos linfócitos intraepiteliais são células γδ, mas essa proporção ainda é maior do que as proporções de células γδ encontradas entre as células T em outros tecidos. Ambos os linfócitos intraepiteliais que expressam TCR,αβ e γδ, apresentam diversidade limitada de receptores antigênicos. Esses achados sustentam a ideia de que os linfócitos intraepiteliais da mucosa têm uma diversidade limitada de especificidade, distinta daquela da maior parte das células T, e esse repertório restrito pode ter se desenvolvido para reconhecer microrganismos que são comumente encontrados na superfície epitelial. As células T da lâmina própria em sua maioria são CD4 + e a maior parte tem o fenótipo de células T efetoras ativadas ou de memória, sendo a última com fenótipo efetor de memória (Cap. 9). Lembre-se de que essas células T efetoras e de memória da lâmina própria são geradas a partir precursores imaturos no GALT e nos linfonodos mesentéricos, entram na circulação e preferencialmente retornam para a lâmina própria (Fig. 14-5). As células T no interior das placas de Peyer e em outros folículos adjacentes ao epitélio intestinal são em grande parte células T auxiliares CD4 + , incluindo células T auxiliares foliculares e células T regulatórias. 
As células dendríticas e os macrófagos são abundantes no sistema imune gastrintestinal e podem participar da estimulação das respostas protetoras de células T efetoras ou da indução de respostas das células T regulatórias que suprimem a imunidade aos antígenos ingeridos e aos organismos comensais. No intestino e em outros tecidos mucosos, algumas células dendríticas e macrófagos projetam os dendritos entre as células epiteliais e entram em contato com o conteúdo luminal, como discutido anteriormente. As células dendríticas que capturaram antígenos migram, através da linfa, para os linfonodos mesentéricos, onde apresentam antígenos proteicos processados a células T imaturas e induzem a diferenciação dessas células T em células efetoras produtoras de IFN-γ, IL-17 ou IL-4, ou em células Treg FoxP3 + . Os macrófagos do tecido intestinal também podem promover a expansão local de células T regulatórias. A capacidade das células dendríticas e de macrófagos para direcionar a indução ou expansão de células T regulatórias é dependente da capacidade para produzir TGF-β e ácido retinoico durante a apresentação de antígeno às células T.
No trato gastrintestinal, diferentes subpopulações de células T CD4 + efetoras são induzidas e protegem contra diferentes espécies microbianas. No Capítulo 10, introduzimos o conceito de que a subpopulação de células T auxiliares que secreta diferentes citocinas é especializada para proteção contra diferentes tipos de microrganismos. Esse conceito fundamental é altamente relevante para o sistema imune das mucosas. A microflora bacteriana comensal do lúmen intestinal exerce profunda influência nos fenótipos de células T, mesmo durante a homeostasia.  
• Células TH17. Estudos em camundongos demonstraram que certas classes de bactérias ou, em alguns casos, espécies individuais de bactérias podem mudar o padrão dominante de produção das citocinas de células T. Por exemplo, a lâmina própria do intestino delgado em camundongos saudáveis é particularmente rica em células produtoras de IL-17, ao passo que no cólon não; e a presença de células TH17 depende da colonização do intestino por um determinado filo de bactérias (bactérias filamentosas segmentadas) no período pós-natal. Essa presença regular de células TH17 é necessária para a proteção contra espécies patogênicas de bactérias (p. ex., Citrobacter rodentium). Outro exemplo de alterações induzidas pela microbiota bacteriana sobre os fenótipos das células T no intestino é o fato de que a colonização do intestino com cepas de Bacteroides fragilis que expressam ou não expressam polissacarídio A induz células T produtoras de IL-17 ou células T regulatórias produtoras de IL-10, respectivamente. As células TH17 parecem exercer um papel especial na manutenção da função de barreira epitelial na mucosa em decorrência das ações de duas citocinas específicas produzidas, a IL-17 e a IL-22, que, como discutido anteriormente, também são produtos de células linfoides inatas no intestino. Os receptores para ambas as citocinas são expressos em células epiteliais intestinais e ambas induzem a expressão de proteínas importantes para a função de barreira, tais como mucinas e β-defensinas, que protegem as células epiteliais contra danos induzidos pelos microrganismos. Os mecanismos responsáveis por essas alterações induzidas pelos microrganismos nas respostas das células T não são bem compreendidos, mas provavelmente envolvem sinais induzidos pelos microrganismos tanto em células epiteliais do intestino quanto em células dendríticas. Esses sinais alteram o fenótipo e o perfil de secreção de citocinas pelas células dendríticas, que, por sua vez, influenciam a diferenciação da subpopulação de células T, quando as células dendríticas apresentam antígeno a células T imaturas específicas para antígenos microbianos. • Células TH2. As infecções por helmintos intestinais induzem fortes respostas TH2, que são efetivas na eliminação de vermes, porque as citocinas TH2, IL-4 e IL-13, cooperam no aumento das secreções de fluidos e de muco, induzindo a contração do músculo liso e a motilidade intestinal. 

Regulação da Imunidade no Trato Gastrintestinal pelas Células T Regulatórias e Citocinas

 As células T regulatórias são abundantes no GALT e previnem as reações inflamatórias contra microrganismos comensais no intestino. Estima-se que a proporção de Treg FoxP3 + entre as células CD4 + é aproximadamente 2 vezes maior na lâmina própria do que em outros tecidos linfoides periféricos. Muitas dessas células Treg provavelmente são induzidas no intestino em resposta a antígenos encontrados localmente e, portanto, pertencem à categoria de Treg periférica (Cap. 15). Os fatores que contribuem para a geração dessas Treg incluem células dendríticas CD103 + , produção local de ácido retinoico (que promove expressão de FoxP3) e produção local de TGF-β (que também promove a expressão de FoxP3 e inibe a geração de células TH1 e TH2). Como discutido no Capítulo 15, acredita-se que as Treg suprimam as respostas imunes por vários mecanismos. Desses, o mecanismo dominante no intestino parece ser a produção da citocina imunossupressora IL-10, conforme abordado a seguir.  
Várias citocinas, incluindo TGF-β, IL-10 e IL-2, parecem ter papéis cruciais na manutenção da homeostase no sistema imune do intestino e deficiências nessas citocinas ou em seus receptores resultam na inflamação intestinal patológica. Muito do conhecimento da regulação mediada por citocinas no intestino provém de estudos com camundongos deficientes para os genes de citocinas ou de receptores de citocinas. Uma característica principal do fenótipo de camundongos deficientes em TGF-β, IL-10, receptor de IL-10, IL-2 e receptor de IL-2 é a inflamação descontrolada no intestino. Mutações nos genes que codificam IL-10 e o receptor de IL-10 também estão associadas à colite grave em crianças, confirmando a importância da IL-10 em prevenir a inflamação intestinal patológica em humanos. A inflamação descontrolada observada no intestino na ausência dessas citocinas ou de seus receptores é mais provavelmente causada por respostas imunes inatas e adaptativas à flora comensal do intestino, uma vez que a inflamação não ocorre em camundongos criados em condições livres de patógenos.

Fonte: Livro Imunologia Celular e Molecular - 8ª Ed.

Autores: Abul Lichtman, Andrew Abbas


As fontes celulares das citocinas e as células-alvo relevantes que expressam os receptores essenciais para a prevenção da inflamação intestinal não são completamente conhecidas. Os modelos murinos nos quais as citocinas, os receptores de citocinas e a sinalização desses receptores são geneticamente depletados somente em alguns tipos celulares específicos têm sido utilizados para resolver questões acerca de quais tipos celulares são importantes. No caso da regulação da inflamação intestinal dependente de TGF-β e IL-10, evidências indicam que Treg seja uma fonte importante dessas citocinas. Por exemplo, a deleção seletiva do gene da IL-10 em células FoxP3 + conduz à colite grave, mas não a outras manifestações da doença inflamatória, consistente com o papel essencial de IL-10 produzida por Treg na manutenção da homeostase no trato gastrintestinal. É possível que macrófagos produtores de IL-10 sejam outra importante fonte dessa citocina. As células-alvo que expressam os receptores e são reguladas por TGF-β e IL-10 provavelmente incluem células dendríticas, células T efetoras e células efetoras inatas, tais como macrófagos e células epiteliais. A doença inflamatória intestinal em camundongos deficientes em IL-2 ou seu receptor é uma consequência dos defeitos no desenvolvimento e função de Treg, que necessitam de IL-2 (Cap. 15).  

Tolerância Oral e Vacinas Orais 

Tolerância oral é a tolerância imune adaptativa sistêmica aos antígenos que são ingeridos ou administrados oralmente. A tolerância oral foi mais claramente demonstrada em modelos experimentais com roedores. Camundongos alimentados com altas doses de um antígeno proteico podem apresentar, subsequentemente, prejuízo nas respostas humorais e mediadas por células T ao mesmo antígeno administrado por outras vias, tais como subcutânea. Um fenômeno similar pode ser demonstrado quando antígenos são administrados por via intranasal para a mucosa respiratória, sendo o termo geral, tolerância das mucosas, mais utilizado para descrever a tolerância induzida tanto por administração do antígeno oral ou nasal. Especula-se que o papel fisiológico da tolerância oral seja a prevenção de respostas imunes potencialmente perigosas às proteínas provenientes de alimentos e de bactérias comensais. Os mecanismos subjacentes de tolerância oral não são bem compreendidos, mas provavelmente incluem mecanismos de tolerância periférica discutidos no Capítulo 15, tais como anergia, deleção e supressão mediada por Treg. A propensão do sistema imune do intestino a suprimir as respostas imunes locais aos antígenos no lúmen intestinal poderia se manifestar em outras partes do corpo, devido à circulação de Treg em outros tecidos, além da deleção ou anergia de células T efetoras no intestino, as quais não ficam mais disponíveis para responder a antígenos em outros locais. As tentativas para tratar doenças autoimunes ou alergias pela administração oral ou nasal de antígenos próprios ou alérgenos importantes não têm sido bem- sucedidas.
A administração oral de antígeno no contexto da estimulação concomitante da imunidade inata pode conduzir a respostas imunes adaptativas protetoras, como no uso de vacinas virais orais para induzir respostas protetoras de anticorpos aos vírus. Essas vacinas são compostas por vírus vivos atenuados que podem infectar células dendríticas no intestino e estimulam fortes respostas inatas que, então, promovem a ativação de células T e B.  

O Papel da Microbiota Comensal na Regulação do Sistema Imune 

A microbiota intestinal humana inclui todas as bactérias comensais que normalmente residem nos intestinos, como discutido anteriormente, assim como milhares de espécies de vírus, fungos e protozoários. Os seres humanos e suas microbiotas intestinais têm coevoluído mecanismos para benefício mútuo, incluindo aqueles para se defenderem contra a invasão por esses organismos, junto com mecanismos para manterem o equilíbrio, minimizando as respostas imunes pró-inflamatórias desnecessárias aos organismos comensais. Uma consequência da coevolução é uma profunda influência da microbiota no sistema imune. A microbiota muda com a idade, dieta e doenças, sendo que modelos de estudo em camundongos indicam que essas alterações têm impacto na função imune tanto localmente no intestino quanto sistemicamente.
Os organismos comensais no intestino são necessários para regular as respostas imunes inatas no intestino e também influenciam a imunidade inata sistêmica. Estudos em camundongos demonstraram que bactérias comensais são necessárias para a proliferação e reparo da barreira epitelial intestinal após lesão, um efeito mediado pela ligação entre os PAMPs da parede celular de bactérias e os TLRs presentes nas células epiteliais. Como mencionado anteriormente, a microflora no intestino estimula a expressão de mucinas e peptídios antimicrobianos (incluindo a lectina do tipo C REGIIIγ) que previnem a colonização por bactérias Gram-positivas. Além disso, vários estudos em camundongos demonstraram que produtos de bactérias comensais no intestino influenciam a função sistêmica de neutrófilos circulantes e macrófagos. Por exemplo, ácidos graxos de cadeia curta de bactérias intestinais atenuam as respostas inflamatórias de neutrófilos, ao passo que fragmentos de peptidoglicanos de bactérias intestinais aumentam a capacidade dos neutrófilos circulantes para matar bactérias Gram-positivas. Do mesmo modo, bactérias intestinais parecem ser necessárias para as funções antivirais sistêmicas de macrófagos, células dendríticas e células NK.  
Organismos comensais do intestino influenciam as respostas imunes adaptativas locais e sistêmicas. A produção de IgA na mucosa intestinal, que é o principal mecanismo imune adaptativo para a proteção contra a invasão microbiana através da barreira epitelial do intestino, é dependente da presença de flora luminal. Os antígenos bacterianos comensais ativam as respostas IgA dependentes de células T específicas para esses antígenos. Além disso, organismos comensais induzem a expressão de fatores de troca para a IgA, incluindo BAFF, APRIL e ácido retinoico, que são necessários para a troca de classe de células B para IgA, dependente e independente de células T (discutido anteriormente). Ao prevenir organismos comensais de alcançar a barreira epitelial, a IgA no intestino reduz as respostas inatas a esses organismos e também limita a ativação de células B e as respostas de anticorpos, ambas local ou sistemicamente. Por exemplo, níveis séricos de IgE, número de basófilos no sangue e reações alérgicas dependentes de mastócitos fora do intestino são elevados em camundongos livres de patógenos. Algumas espécies de organismos comensais no intestino também são necessárias para o acúmulo de células TH17 no intestino e a presença dessas espécies reduz a resistência a alguns patógenos intestinais, mas pode aumentar a suscetibilidade a doenças autoimunes fora do intestino. Outras espécies de organismos comensais contribuem para o desenvolvimento de Treg.
Em humanos, o impacto da microflora intestinal nas respostas imunes locais e sistêmicas é aferido a partir de muitas observações clínicas e terapias experimentais. A flora normal parece ser necessária para prevenir as respostas inatas intestinais e a inflamação prejudicial induzida por bactérias patogênicas. Por exemplo, o tratamento com antibióticos para infecções fora do intestino invariavelmente alterará a composição da microflora intestinal e isso está associado a maior risco de infecções bacterianas patológicas no cólon, particularmente por Clostridium difficile (C. difficile). Pacientes com infecção crônica por C. difficile beneficiam-se de transplantes fecais administrados oralmente, que repopulam o intestino com a flora de indivíduos saudáveis. Pacientes com doença inflamatória intestinal (discutido posteriormente) têm flora intestinal anormal e tanto o tratamento com antibióticos quanto os transplantes fecais têm sido bemsucedidos no tratamento de alguns desses pacientes.
O modo pelo qual a flora comensal do intestino humano influencia a saúde imunológica sistêmica é amplamente desconhecido. O risco para o desenvolvimento de doenças alérgicas, incluindo asma, é relacionado a variações na microflora durante a primeira infância como consequência do modo de nascimento (parto vaginal versus cesariano), amamentação e uso de antibióticos. Atualmente, as microbiotas de várias populações normais e de pacientes estão sendo caracterizadas por abordagens genéticas e os dados gerados podem conduzir a uma melhor compreensão de como o sistema imune humano é regulado por bactérias intestinais.  

Doenças Relacionadas a Respostas Imunes no Intestino 

Dadas a abundância de células imunes e sua constante atividade na mucosa intestinal, não é de surpreender que existam muitas doenças intestinais relacionadas a respostas imunes anormais. Essas doenças geralmente são causadas por respostas desreguladas a organismos comensais ou a antígenos alimentares. Abordaremos agora exemplos selecionados dessas doenças; elas são descritas de forma mais completa em livros-texto médicos. 
 Doença Inflamatória Intestinal A doença inflamatória intestinal é um grupo heterogêneo de distúrbios caracterizados por inflamação remitente crônica nos intestinos delgado e grosso, provavelmente em razão de respostas mal reguladas a bactérias comensais. Os dois principais tipos de doença inflamatória do intestino são a doença de Crohn, que pode afetar a espessura total do tecido da parede intestinal em qualquer parte do trato gastrintestinal, porém envolve com mais frequência o íleo terminal, e a colite ulcerativa, que é restrita à mucosa colônica. Sintomas incluem dor abdominal, vômitos, diarreia e perda de peso. Tratamentos incluem vários fármacos anti-inflamatórios, tais como sulfassalazina, corticosteroides, antagonistas de TNF e antimetabólitos. Embora a etiologia da doença de Crohn e da colite ulcerativa seja muito pouco compreendida, vários tipos de evidências sugerem que esses distúrbios resultam de defeitos na regulação de respostas imunes a organismos comensais do intestino em indivíduos geneticamente suscetíveis. Inúmeras anormalidades podem contribuir para o desenvolvimento da doença inflamatória intestinal. 
• Defeitos na imunidade inata aos organismos comensais do intestino. Anteriormente discutimos a possibilidade que a doença inflamatória intestinal resulte de dois tipos de defeitos imunes inatos. Primeiro, pode haver a expressão deficiente de moléculas, tais como defensinas, conduzindo à invasão bacteriana comensal aumentada ao longo do epitélio intestinal. Segundo, pode haver regulação negativa inadequada de respostas imunes inatas a organismos comensais. Polimorfismos no gene codificador do sensor citoplasmático da imunidade inata, NOD2, estão associados a um subtipo de doença de Crohn e podem levar a ambos os tipos de anormalidades na imunidade inata. 
• Respostas TH17 e TH1 anormais. A análise das respostas de células T em modelos animais e pacientes com doença inflamatória intestinal indica que existe uma resposta TH17 ativa nas partes acometidas do intestino. A doença de Crohn também é caracterizada pela inflamação granulomatosa conduzida por células TH1 produtoras de IFN-γ (Cap. 19). Esses achados são a base para o tratamento de pacientes com doença inflamatória intestinal com um anticorpo monoclonal que se liga a um polipeptídio (p40) compartilhado por IL-23 e IL-12. A IL-23 é necessária para as respostas imunes mediadas por TH17, como mencionado anteriormente, e a IL-12 é requerida para as respostas TH1. Ensaios clínicos utilizando tratamento com o antagonista de IL-17 para a doença inflamatória intestinal não demonstraram eficácia, sugerindo que a produção excessiva de IL-17 não pode, por si só, ser responsável por esses distúrbios. 
• Função defeituosa de células T regulatórias. É possível que a doença inflamatória intestinal possa ser causada por supressão inadequada das respostas imunes mediada por Treg a organismos comensais. A evidência que sustenta essa hipótese vem de modelos murinos nos quais a ausência de Treg conduz à doença inflamatória intestinal. De fato, um dos primeiros experimentos que demonstraram a existência de Treg foi o desenvolvimento da inflamação gastrintestinal em camundongos imunodeficientes que receberam células T CD4 +CD25 - imaturas, que agora se sabe que contêm precursores de células T efetoras, mas não Treg CD4 +CD25 + . Camundongos deficientes em Treg, devido à deleção dos genes Il2 ou Il2r, como já mencionado, ou deficientes do gene Foxp3 também desenvolvem colite. Em humanos, mutações em FOXP3 resultam em falha no desenvolvimento de Treg e causam a doença denominada síndrome de desregulação imune, poliendocrinopatia e enteropatia ligada ao X (IPEX), que inclui inflamação intestinal grave, bem como autoimunidade em muitos outros tecidos. Embora todas essas observações sejam consistentes com o papel da célula Treg em manter a homeostase intestinal, como discutido anteriormente, não se sabe se os defeitos em Treg são a base da maioria dos casos de doença inflamatória intestinal humana. 
• Polimorfismos dos genes que estão associados à macroautofagia e à resposta de proteína não dobrada ao estresse do retículo endoplasmático são fatores de risco para a doença inflamatória intestinal. Evidências experimentais sugerem que a conexão entre doença inflamatória intestinal e variantes na resposta de proteína não dobrada e genes de autofagia relaciona-se à diminuição de secreção de enzimas antimicrobianas e defensinas pelas células de Paneth. A macroautofagia é um processo pelo qual as células sequestram organelas citoplasmáticas dentro dos autofagossomos, que então se fundem com lisossomos, promovendo a destruição das organelas. Variações genéticas dos genes de autofagia (incluindo ATG16L1 e IRGM) que estão associadas à doença de Crohn prejudicam a autofagia nas células de Paneth e, por motivos não esclarecidos, isso reduz a secreção de lisozimas e defensinas para o lúmen intestinal. O estresse do retículo endoplasmático ocorre quando proteínas mal dobradas se acumulam no retículo endoplasmático. Isso leva à ativação de uma série de proteínas, incluindo o fator de transcrição XBP-1, que atua em conjunto no bloqueio da tradução proteica e também aumenta a expressão de chaperonas que promovem a adequada dobra de proteínas. As células de Paneth, como outras células secretórias, dependem da resposta de proteína não dobrada para manter a função secretora de proteínas.

Doença Celíaca 

A doença celíaca (enteropatia sensível ao glúten ou espru não tropical) é uma doença inflamatória da mucosa do intestino delgado causada por respostas imunes contra proteínas do glúten ingeridas e presentes no trigo. A doença celíaca é caracterizada por inflamação crônica na mucosa do intestino delgado, levando a atrofia das vilosidades, má absorção e várias deficiências nutricionais que induzem manifestações extraintestinais. A doença é tratada por dietas com restrição a alimentos livres de glúten. Esses pacientes produzem anticorpos IgA e IgG específicos para o glúten, assim como autoanticorpos específicos para transglutaminase 2A, uma enzima que modifica a proteína gliadina do glúten. Acredita-se que esses autoanticorpos surgem quando células B específicas para transglutaminase endocitam a transglutaminase do hospedeiro, covalentemente ligada à gliadina, e apresentam peptídios da gliadina às células T auxiliares, que, por sua vez, ajudam na resposta de anticorpos antitransglutaminase. Não se sabe exatamente se esses anticorpos contribuem para o desenvolvimento da doença, mas são marcadores sensíveis de diagnóstico da doença. Há fortes evidências de que as respostas das células T CD4 + à gliadina estão envolvidas na patogênese da doença. Células T específicas para peptídios da gliadina são encontradas em pacientes com a doença celíaca, e o processo inflamatório no intestino inclui a participação de células T e suas citocinas. Existe um alto risco relativo para o desenvolvimento da enteropatia pelo glúten entre pessoas que carregam os dois alelos HLA de classe II, HLA-DQ2 e HLA-DQ8. Os peptídios da gliadina ligam-se fortemente a moléculas MHC codificadas por esses alelos. Discutiremos a associação das doenças autoimunes aos alelos do MHC no Capítulo 15. Além das respostas de células T CD4 + , os linfócitos T citotóxicos (CTL) CD8 + matam as células epiteliais, contribuindo também para a doença celíaca, embora as fontes dos peptídios reconhecidos pelos CTLs não sejam conhecidas.

Outras Doenças 

As alergias alimentares são causadas por respostas TH2 a muitas proteínas alimentares e provocam reações inflamatórias agudas localmente no intestino e sistemicamente com a ingestão dessas proteínas. As alergias resultam de respostas que passam pela produção de IgE, dependente de TH2, em reação a antígenos ambientais (alérgenos), os quais podem ser proteínas ou compostos químicos que modificam (haptenos) proteínas próprias. No caso de alergias alimentares, os antígenos ambientais são ingeridos e isso é outro exemplo de falha da tolerância imune adaptativa a antígenos alimentares. Os anticorpos antialérgenos ligam-se a receptores Fc de mastócitos, e a exposição subsequente ao alérgeno poderá induzir ligação cruzada dos receptores Fc, ativação de mastócitos e liberação de potentes mediadores lipídicos, aminas proinflamatórias e citocinas. Mastócitos são abundantes na lâmina própria do intestino. Portanto, a reingestão de um alérgeno alimentar por uma pessoa que previamente desenvolveu resposta TH2 e produção de IgE ao alérgeno induzirá a ativação de mastócitos, com consequências patológicas. As citocinas produzidas por células TH2 também estimulam diretamente o peristaltismo e podem levar a sintomas de alergias alimentares mesmo sem a participação da IgE. Essas reações podem causar sintomas gastrintestinais, como náuseas, vômitos, diarreia e dor abdominal. O alérgeno pode ser absorvido no sangue e acabar ativando os mastócitos em muitos tecidos diferentes, produzindo as manifestações sistêmicas. Discutiremos as reações alérgicas em mais detalhes no Capítulo 20.
As respostas imunes prolongadas aos microrganismos gastrintestinais podem levar ao desenvolvimento de tumores no trato gastrintestinal. O melhor exemplo documentado dessa manifestação são os chamados linfomas de MALT no estômago de indivíduos com infecção crônica por Helicobacter pylori. Esses linfomas são tumores que se originam de células B foliculares que sofreram transformações malignas nos folículos linfoides da lâmina própria gástrica. Acredita-se que o H. pylori induza uma reação inflamatória que promova o desenvolvimento e crescimento de tumores induzidos por eventos oncogênicos intrínsecos de células B. Notavelmente, se os linfomas de MALT gástricos são diagnosticados antes de se disseminarem para além das paredes do estômago, os pacientes podem ser curados da infecção por H. pylori pelo tratamento com antibióticos.

Imunidade em Outros tecidos das mucosas 

De forma semelhante à mucosa gastrintestinal, as mucosas do sistema respiratório, do sistema geniturinário e da conjuntiva devem manter a barreira contra a invasão de diversos microrganismos ambientais e o balanço das respostas protetoras efetivas a microrganismos invasores, além de suprimir as respostas a organismos comensais. Muitas dessas características descritas para a imunidade gastrintestinal são compartilhadas pela imunidade das mucosas nesses diferentes locais. Esses aspectos compartilhados incluem as barreiras epiteliais secretoras de muco relativamente impermeáveis e de defensinas; locais localizados de tecidos linfoides logo abaixo do epitélio; constante exposição de antígenos localizados na parte externa das barreiras a células imunes do lado interno da barreira; constante integração dos sinais proinflamatórios e regulatórios gerados pela ligação de produtos microbianos aos TLRs epiteliais e de células dendríticas; forte atuação da imunidade humoral mediada por IgA para prevenir a invasão microbiana; e presença de populações de células dendríticas efetoras e reguladoras que estimulam tipos particulares de respostas efetoras e reguladoras provenientes de células T. Além dessas características comuns, cada tecido mucoso diferente tem seus aspectos singulares que refletem as funções e a anatomia distintas dos órgãos dos quais fazem parte, bem como os variados tipos de antígenos ambientais e microrganismos que estão presentes em cada local. Discutiremos alguns dos principais aspectos da imunidade de mucosas nesses órgãos, focando principalmente no sistema respiratório.  

Imunidade no Sistema Respiratório 

A mucosa do sistema respiratório reveste as passagens nasais, a nasofaringe, traqueia e árvore brônquica. Os alvéolos e as terminações das vias aéreas brônquicas em forma de saco e revestidas por epitélio também podem ser considerados parte da mucosa respiratória. A inalação do ar expõe a mucosa respiratória a uma ampla variedade de substâncias estranhas, incluindo organismos infecciosos provenientes do ar, polens de plantas, partículas de poeira e vários outros antígenos ambientais. A flora microbiana das vias aéreas é bem menos densa e menos diversa do que a encontrada no intestino, e as vias aéreas inferiores e os alvéolos têm menos microrganismos do que as vias aéreas superiores. No entanto, mecanismos similares foram desenvolvidos no sistema imune da mucosa respiratória para atingir um balanço entre a ativação imune para proteger contra patógenos e a regulação imune para evitar respostas desnecessárias ou excessivas capazes de prejudicar as funções fisiológicas. As falhas do sistema imune para controlar as infecções broncopulmonares e as respostas imunes ou inflamatórias excessivas às infecções são a principal causa de morbidade e mortalidade no mundo inteiro.

Imunidade Inata no Sistema Respiratório 

O epitélio colunar ciliado, pseudoestratificado, que reveste a maior parte da mucosa respiratória, incluindo as fossas nasais, a nasofaringe e a árvore brônquica, realiza as funções de barreira física e química similares ao encontrado no epitélio intestinal, em virtude das junções de oclusão entre as células e da secreção de muco, defensinas e catelicidinas. O muco nas vias aéreas captura substâncias estranhas, incluindo microrganismos; os cílios movem o muco e os microrganismos capturados para cima e para fora dos pulmões. A importância do muco e dos cílios na proteção imune inata no pulmão é ilustrada pela frequência bastante aumentada de infecções broncopulmonares sérias em indivíduos com função ciliar reduzida, como fumantes crônicos, ou aqueles com produção alterada de muco, como pacientes com fibrose cística.  
As respostas inatas em alvéolos possuem funções antimicrobianas, mas são rigorosamente controladas para prevenir a inflamação, que prejudicaria a troca gasosa. Os alvéolos são suscetíveis a infecções disseminadas por decorrência da broncopneumonia, e as células de revestimento alveolar podem ser diretamente infectadas por vírus. As proteínas surfactantes A (SP-A) e D (SP-D), secretadas nos espaços alveolares, são membros da família das colectinas (Cap. 4) que se ligam aos PAMPs de carboidratos na superfície de muitos patógenos. Esses surfactantes estão envolvidos na neutralização viral e eliminação de microrganismos dos espaços aéreos, mas também suprimem as respostas inflamatórias e alérgicas no pulmão. Por exemplo, a SP-A inibe a sinalização de TLR-2 e TLR-4 e a expressão de citocinas inflamatórias nos macrófagos alveolares. A SP-A também se liga ao TLR-4 e inibe a ligação de lipopolissacarídios. A SP-A e a SP-D reduzem a atividade fagocítica de macrófagos alveolares.
Os macrófagos alveolares representam a maior parte das células livres dentro dos espaços alveolares. Essas células são funcionalmente distintas dos macrófagos existentes na maioria dos outros tecidos, mantendo um fenótipo anti-inflamatório. Eles expressam IL-10, óxido nítrico e TGF-β e são fracamente fagocíticos quando comparados aos macrófagos residentes em outros tecidos, tais como baço e fígado. Os macrófagos alveolares inibem as respostas de células T, bem como a função de apresentação de antígenos de células dendríticas CD103 + das vias aéreas.

Imunidade Adaptativa no Sistema Respiratório 

A imunidade humoral protetora nas vias aéreas é dominada pela IgA secretória, como em outros tecidos mucosos, embora a quantidade de IgA secretada seja muito menor do que no trato gastrintestinal. A IgA secretória tem um papel importante nas vias aéreas superiores. Os locais anatômicos de ativação e diferenciação de células B imaturas, bem como de troca de classe para IgA podem variar, mas incluem as tonsilas e adenoides na nasofaringe e os linfonodos no mediastino e adjacentes aos brônquios nos pulmões. Existem relativamente poucos folículos linfoides agregados ou isolados na lâmina própria das vias aéreas inferiores, se comparados ao intestino, e provavelmente menos respostas imunes humorais iniciadas nesses locais. O retorno de plasmócitos secretores de IgA para os tecidos das vias aéreas próximas ao epitélio da mucosa respiratória depende da quimiocina CCL28 secretada pelo epitélio respiratório e da expressão de seu receptor CCR10 nos plasmócitos. A IgA e a IgG são transportadas para o lúmen das vias aéreas pelo mesmo mecanismo de receptor poli-Ig e de FcRn de transporte transcelular observado no intestino. As respostas de IgE aos antígenos das vias aéreas ocorrem frequentemente e estão envolvidas em doenças alérgicas do sistema respiratório, incluindo febre do feno e asma. A IgE realiza suas funções efetoras inflamatórias quando ligada aos mastócitos, que são abundantes nas vias aéreas.  
As respostas de células T no pulmão são iniciadas pela exposição de antígenos das vias aéreas às células dendríticas e apresentação desses antígenos às células T imaturas nos linfonodos peribrônquicos e do mediastino. Uma rede de células dendríticas está presente na mucosa das vias aéreas, sendo que um subtipo dessas células dendríticas brônquicas projeta seus dendritos entre as células epiteliais brônquicas para o lúmen das vias aéreas. Essas células dendríticas reconhecem os antígenos das vias aéreas, migram para os linfonodos drenantes, apresentam os antígenos processados às células T imaturas e têm a propensão de orientar a diferenciação dessas células T para a subpopulação TH2. As células TH2 retornam para a mucosa brônquica, onde podem ser reativadas por alérgenos apresentados pelas células dendríticas na lâmina própria. Essa via é considerada central para o desenvolvimento de asma alérgica (Cap. 20). Outras células dendríticas são encontradas na lâmina própria abaixo das células epiteliais. 

Imunidade no Sistema Geniturinário 

A defesa imune inata contra invasão e infecção microbiana na mucosa geniturinária depende principalmente do revestimento epitelial, como em outras barreiras mucosas. O epitélio escamoso estratificado reveste a mucosa vaginal e a uretra terminal masculina, além de uma única camada de epitélio colunar secretor de muco no trato genital superior feminino. O epitélio vaginal contém células de Langerhans e uma variedade de células dendríticas e macrófagos localizados abaixo do epitélio vaginal, endocérvix e uretra. Também existem células B e células T residentes na mucosa vaginal. Diferenças entre o fenótipo das células dendríticas e dos macrófagos encontrado na mucosa genital feminina e no trato gastrintestinal podem ser a base para a maior suscetibilidade do primeiro à infecção pelo HIV. Existe pouca especialização regional do sistema imune adaptativo na mucosa geniturinária, que possui poucos tecidos linfoides associados à mucosa. Ao contrário de outras mucosas, nas quais a IgA é o isótipo de anticorpo dominante, a maioria dos anticorpos nas secreções genitais é de IgG, sendo aproximadamente metade deles produzida por plasmócitos na mucosa do trato genital; os demais são provenientes da circulação.

Sistema imune cutâneo

 A pele inclui duas principais camadas, a epiderme mais externa composta principalmente de células epiteliais e separada por uma fina membrana basal, a derme subjacente composta por tecido conjuntivo e estruturas anexas especializadas, tais como folículos pilosos e glândulas sudoríparas. No interior de ambas as camadas, uma variedade de tipos celulares distintos e seus produtos, compondo o sistema imune cutâneo (Fig. 14-9), fornece a barreira física e as funções de defesa imune ativa contra microrganismos. A pele de um adulto tem cerca de 2 m2 de área e é a segunda maior barreira do corpo contra microrganismos ambientais e outros materiais estranhos. No entanto, dada a sua localização mais externa, a pele normalmente é colonizada por muitos microrganismos e é frequentemente rompida por trauma e queimaduras. Portanto, a pele é uma porta de entrada comum para uma ampla variedade de microrganismos e outras substâncias estranhas, e é o local de muitas respostas imunes.
FIGURA 14-9 Componentes celulares do sistema imune cutâneo. 
Os principais componentes do sistema imune cutâneo apresentados neste esquema ilustrativo incluem os queratinócitos, as células de Langerhans e os linfócitos intraepiteliais, todos localizados na epiderme, enquanto os linfócitos T, as células dendríticas e os macrófagos estão situados na derme.

Respostas Imunes Inata e Adaptativa na Pele 

A epiderme fornece uma barreira física à invasão microbiana. A epiderme consiste em múltiplas camadas de epitélio escamoso estratificado, composta quase que totalmente por células epiteliais especializadas denominadas queratinócitos. A camada basal de queratinócitos, ancorada à membrana basal, está em contínua proliferação, e suas células progenitoras em maturação estão dispostas acima e diferenciam-se para formar as diferentes camadas. Na camada superior, denominada estrato córneo, as células sofrem morte programada e, desse modo, formam uma barreira impermeável rica em lipídios e queratina, importante para a proteção contra microrganismos, bem como agentes químicos e físicos prejudiciais. 
Além de formar uma barreira física, os queratinócitos respondem ativamente a patógenos e lesões a partir da produção de peptídios antimicrobianos que matam os microrganismos, e de várias citocinas que promovem e regulam as respostas imunes. Os peptídios antimicrobianos que os queratinócitos produzem incluem defensinas, S100 e catelicidinas (Cap. 4). As citocinas produzidas por queratinócitos incluem TNF, linfopoetina estromal tímica (TSLP), IL-1, IL-6, IL-18 e IL-33, que promovem inflamação; GM-CSF, que induz diferenciação e ativação de células dendríticas na epiderme, discutido posteriormente; e IL-10, que controla as respostas imunes. Os queratinócitos produzem a quimiocina CCL27, que atua no recrutamento de linfócitos que expressam CCR10. A expressão induzida de defensinas, citocinas e quimiocinas pelos queratinócitos depende de receptores imunes inatos, incluindo TLRs e NLRs. Os queratinócitos expressam a maioria dos TLRs e também NLRP3, que é um componente do inflamassoma que leva ao processamento da IL-1 (Cap. 4). Os queratinócitos presentes na pele normal sintetizam constitutivamente pró-IL-1β e pró-IL-18. Estímulos, tais como a radiação UV, ativam o inflamassoma a processar essas pró-citocinas para as formas ativas, o que explica a resposta inflamatória à queimadura solar. Quando as vias de transdução de sinal ligadas às respostas inflamatórias, tais como as vias NF-κB e STAT3, são geneticamente ativadas apenas nos queratinócitos, camundongos desenvolvem doenças cutâneas inflamatórias, demonstrando o potencial dos queratinócitos em atuar como componentes centrais das respostas imunes cutâneas.
Várias populações de células dendríticas estão normalmente presentes na pele e contribuem tanto para as respostas imunes inatas quanto para o início das respostas de células T a antígenos microbianos e ambientais que entram no corpo através da pele. Na epiderme, as células dendríticas mais abundantes são as de Langerhans, que expressam um receptor de lectina tipo C denominado langerina (CD207), além de possuírem inúmeros grânulos de Birbeck no citoplasma (Fig. 6-4). Os dendritos das células de Langerhans formam uma densa malha entre os queratinócitos da epiderme. Na derme, existem relativamente poucas células dendríticas CD103 + que expressam langerina, as quais representam uma linhagem distinta das células de Langerhans, e células dendríticas langerina-negativas, tais como células dendríticas plasmocitoides. Cada uma dessas populações de células dendríticas expressa receptores de reconhecimento padrão inato para PAMPs, expressos nos microrganismos, e para padrões moleculares associados a dano (DAMPs), expressos por células lesionadas. As células dendríticas respondem a esses ligantes secretando citocinas inflamatórias.  
As células dendríticas da pele capturam proteínas estranhas, transportam-nas para os linfonodos drenantes e apresentam os peptídios processados dessas proteínas às células T, ou passam os antígenos proteicos para outras células dendríticas residentes nos linfonodos. Quando as células de Langerhans encontram os patógenos, são ativadas pela interação com receptores do tipo Toll e outros sensores microbianos (Cap. 6). Essas células perdem sua capacidade de adesão à epiderme, adentram os vasos linfáticos, começam a expressar o receptor de quimiocinas CCR7 e migram para as zonas de células T dos linfonodos drenantes em resposta a quimiocinas produzidas naquele local. As células de Langerhans também amadurecem para se tornarem células apresentadoras de antígenos. O que permanece incerto é a contribuição relativa das diferentes subpopulações de células dendríticas cutâneas para o início das respostas de células T. Em modelos murinos onde células dendríticas que expressam langerina foram seletivamente eliminadas, os camundongos ficam deficientes em células de Langerhans, mas possuem células dendríticas da derme. Usando esses modelos, os investigadores demonstraram que algumas dessas respostas de células T a proteínas próprias quimicamente modificadas (um modelo de hipersensibilidade de contato) ocorrem na ausência das células de Langerhans. Além disso, as respostas de células T a certos vírus, incluindo o vírus do herpes, dependem das células dendríticas CD103 + langerina + da derme, mas não das células de Langerhans. As células de Langerhans parecem ser necessárias para as respostas TH2 que contribuem para a dermatite atópica (hipersensibilidade de contato e dermatite atópica discutidas posteriormente). O papel das diferentes populações de células dendríticas da pele pode variar conforme o tipo e a quantidade de antígeno, e provavelmente irá diferir entre camundongos e humanos. 
A pele humana normal contém muitas células T, 95% das quais possuem um fenótipo de memória. A pele humana contém cerca de 1 milhão de células T/cm2 , que corresponde a aproximadamente 2 × 10 10 do total de células T na pele. Cerca de 98% dessas células T estão presentes na derme e 2% são linfócitos intraepidérmicos. Os linfócitos T na derme (células CD4 + e CD8 + ) estão localizados predominantemente em regiões perivasculares e perifoliculares, geralmente expressando marcadores fenotípicos típicos de células ativadas ou de memória. Não é claro se essas células residem permanentemente na derme ou estão somente em trânsito entre o sangue e os capilares linfáticos, como parte da recirculação de células T de memória. As células T CD4 + de cada uma das principais subpopulações, células TH1, TH2, TH17 e Treg, são encontradas na pele. As células TH1 e TH17 são importantes para a defesa contra microrganismos intra e extracelulares, respectivamente, como em outros tecidos. As duas citocinas marcadoras da resposta TH17, IL-17 e IL-22, são conhecidas por induzirem a expressão de defensinas e catelicidinas por queratinócitos e a proliferação de células da epiderme. Por outro lado, as citocinas TH2, IL-4 e IL-13, suprimem a produção de defensinas e catelicidinas, o que pode resultar em infecções cutâneas de fundo TH2. As células T γδ da derme podem ser uma fonte de IL-17 em algumas doenças inflamatórias crônicas cutâneas. As células T intraepidérmicas, grande parte constituída por células CD8 + , podem expressar um conjunto mais restrito de receptores antigênicos do que os linfócitos T presentes na maioria dos tecidos extracutâneos. Em camundongos (e em algumas outras espécies), muitos linfócitos intraepidérmicos são células T que expressam receptores antigênicos de células γδ com diversidade limitada.
As células T na pele expressam moléculas de homing que direcionam sua migração para fora dos microvasos da derme (Fig. 14-10). A migração de células T efetoras ou de memória para a pele depende da expressão do antígeno de linfócitos cutâneos (CLA) pelas células T, que é uma porção carboidrato ligante de E-selectina, presente em várias glicoproteínas na membrana plasmática das células endoteliais. Além disso, a expressão de CCR4, CCR8 e CCR10 em células T, que se ligam às quimiocinas CCL17, CCL1 e CCL27, respectivamente, também é necessária para o tráfego de células T para a pele. As propriedades de homing na pele das células T são marcadas durante a ativação nos linfonodos drenantes da pele, por um processo análogo ao observado nas propriedades de homing intestinal das células T nos linfonodos mesentéricos, discutidos anteriormente neste capítulo. Quando as células T imaturas reconhecem antígenos apresentados por células dendríticas nos linfonodos drenantes da pele, as células T recebem sinais das células dendríticas que não apenas induzem a sua proliferação e diferenciação em células efetoras, mas também induzem a expressão de moléculas de homing da pele, como CLA, CCR4, CCR8 e CCR10. É interessante que a vitamina D e a luz solar parecem ter um papel importante na migração de células T para a pele, análogas ao papel da vitamina A e seu metabólito ácido retinoico na migração de linfócitos para o intestino. Os raios UVB na luz solar atuam sobre o 7-deidrocolesterol produzido pela camada basal da epiderme, convertendo-o para pré-vitamina D3 . As células dendríticas da derme expressam hidroxilases da vitamina D3 que convertem a pré-vitamina D3 para sua forma ativa, 1,25(OH) 2D3 , que pode ser transportada na forma livre ou no interior das células dendríticas que estão migrando para os linfonodos drenantes da pele. No linfonodo, o 1,25(OH) 2D3 entra nas células T que foram ativadas pelas células dendríticas apresentadoras de antígeno, transloca-se para o núcleo e induz a transcrição de CCR10. A IL-12 produzida por células dendríticas participa na indução de CLA. CCR4 e CCR8 também são reguladas positivamente e a integrina de homing intestinal α4 β7 é inibida, por sinais desconhecidos, durante a ativação de células T nos linfonodos drenantes da pele. Portanto, células T imaturas ativadas nos linfonodos drenantes da pele serão diferenciadas em células T efetoras que preferencialmente retornarão para a pele. O 1,25(OH) 2D3 também pode atuar localmente na derme sobre as células T efetoras e de memória regulando positivamente a expressão de CCR10 e promovendo a migração das células T para a epiderme, pois o ligante de CCR10, CCL27, é produzido pelos queratinócitos.
FIGURA 14-10 Propriedades de homing dos linfócitos cutâneos. 
As propriedades de homing dos linfócitos efetores na pele são adquiridas nos linfonodos drenantes da pele, onde sofrem diferenciação a partir de precursores imaturos. Os raios ultravioletas da luz solar (UVB) estimulam a produção de vitamina D, que induz a expressão de CCR10; a IL-12 induz a expressão do ligante de E-selectina, o antígeno de linfócito cutâneo (CLA); e outros sinais induzem a expressão de CCR4, CCR8 e CCR10. Essas moléculas de homing direcionam a migração de células T efetoras para a pele.  

Doenças Relacionadas a Respostas Imunes na Pele 

Há muitas doenças inflamatórias distintas que são causadas por respostas imunes desreguladas ou inadequadamente direcionadas na pele. Discutiremos apenas dois exemplos ilustrativos dessas doenças. Além dessas doenças inflamatórias, existem vários linfomas malignos que primariamente afetam a pele. A maior parte deles é derivada de células T residentes na pele. 
soríase, um distúrbio inflamatório crônico da pele, é caracterizado por placas escamosas vermelhas, sendo causado por respostas imunes desreguladas, tanto as respostas inatas quanto as mediadas por células T, desencadeadas por vários estímulos ambientais. Há evidências de que a psoríase é iniciada quando o trauma ou a infecção induz produção de catelicidina LL-37 pelos queratinócitos, formando complexos com o DNA do hospedeiro e, assim, ativando as células dendríticas plasmocitoides na pele por meio do TLR9. As células dendríticas plasmocitoides ativadas produzem grandes quantidades de IFN-α; logo, a pele psoriática tem um forte perfil interferon do tipo I (p. ex., expressão de muitos genes induzidos por interferon). Um dos efeitos do IFN-α é a ativação de outras células dendríticas que são induzidas a migrar para os linfonodos, ativar as células T auxiliares de especificidade antigênica desconhecida e induzir sua diferenciação em células efetoras residentes da pele. Essas células T circulam para a derme e, em seguida, promovem uma cascata inflamatória e a proliferação persistente de queratinócitos. As células TH1 e TH17 estão envolvidas nessa fase da doença. Ensaios clínicos com antagonistas de IL-17 demonstraram eficácia notável na psoríase, como é observado com os inibidores de TNF. Uma questão central não esclarecida sobre essa doença é a identidade desses antígenos reconhecidos pelas células T.  
A dermatite atópica é uma doença crônica inflamatória da pele caracterizada por erupções pruriginosas, dirigida por respostas TH2 a antígenos ambientais em indivíduos geneticamente suscetíveis. Há evidências de que a dermatite atópica se desenvolva quando existem defeitos oriundos na função de barreira da epiderme, levando ao aumento na entrada de antígeno na pele e a respostas imunes acentuadas mediadas por células TH2 a antígenos inócuos. Mutações em uma proteína estrutural envolvida na diferenciação de queratinócitos e na função de barreira da pele, denominada filagrina, são frequentemente associadas à dermatite atópica. Secundariamente, as respostas TH2 estimulam a produção de IgE específica para antígenos ambientais pelas células B, assim como a ativação dependente de IgE de mastócitos em resposta a esses antígenos (Cap. 20) contribui para as manifestações clínicas da doença.

Tecidos imunologicamente privilegiados 

As respostas imunes e a inflamação associada em certas partes do corpo, incluindo cérebro, olhos, testículos, placenta e feto, carregam um alto risco de disfunção orgânica letal ou falha reprodutiva. Esses tecidos desenvolvidos para estarem protegidos a um grau variável das respostas imunes são denominados locais imunologicamente privilegiados. Peter Medawar cunhou o termo privilégio imunológico na década de 1940 para descrever a falta de respostas imunes a tecidos transplantados no cérebro ou na câmara anterior do olho de animais em experimentação. Os antígenos estranhos que poderiam induzir uma resposta imune na maioria dos tecidos são frequentemente tolerados nesses locais imunologicamente privilegiados. Os mecanismos determinantes do privilégio imunológico variam entre esses tecidos e não são totalmente compreendidos. Alguns desses mecanismos são similares aos mecanismos de regulação no intestino e na pele (discutidos anteriormente) e aos mecanismos de autotolerância (discutido no Cap. 15). Nas seções a seguir, discutiremos algumas dessas características que distinguem o privilégio imunológico nos diferentes tecidos.

 

Privilégio Imunológico no Olho, Cérebro e Testículo

Olho

A visão, que é essencial para a sobrevivência da maioria dos mamíferos, pode ser facilmente prejudicada pela inflamação no olho. Os mecanismos desenvolvidos que minimizam a probabilidade das respostas imunes e da inflamação no olho foram inteiramente descritos na câmara anterior do olho, um espaço preenchido por fluido entre a córnea transparente à frente, e a íris e o cristalino atrás. A inflamação nessa câmara pode levar à opacidade da córnea transparente e do cristalino, com perda da visão. Pelo menos algumas das propriedades do privilégio imunológico estudado na câmara anterior do olho também se aplicam a outros locais oculares, tais como a cavidade vítrea e o espaço sub-retinal. As características anatômicas da câmara anterior do olho que contribuem para o privilégio imunológico incluem as junções de oclusão e a resistência ao extravasamento de líquido dos vasos sanguíneos para os tecidos adjacentes à câmara anterior (a tão conhecida barreira hemato-ocular), a natureza avascular da córnea e a ausência de vasos linfáticos drenantes da câmara anterior, que limita o acesso do sistema imune adaptativo aos antígenos no olho. Existem vários fatores solúveis com propriedades imunossupressoras/anti-inflamatórias presentes no humor aquoso que preenche a câmara anterior, incluindo neuropeptídios (hormônio estimulador de α- melanócitos, peptídios vasointestinais e somatostatina), TGF-β e indolamina 2,3- dioxigenase. As células que revestem a câmara anterior, incluindo o epitélio da íris e o endotélio, constitutivamente expressam o ligante de Fas e PD-L1, que podem induzir morte ou a inativação de células T, respectivamente.  
O desvio imune associado à câmara anterior é um fenômeno no qual a introdução de antígenos proteicos estranhos na porção anterior do olho ativamente induz tolerância sistêmica àquele antígeno. Este fenômeno provavelmente reduz a chance de respostas imunes adaptativas serem geradas por antígenos estranhos que possam estar localizados no olho. A tolerância é detectável quando ocorre a redução da resposta inflamatória de células T ou de anticorpos ao mesmo antígeno, quando este é mais tardiamente introduzido em locais extraoculares, quando comparada à resposta em indivíduos que não foram expostos ao antígeno intraocular. O desvio imune associado à câmara anterior do olho pode ser mediado por Treg. Estudos em camundongos mostram que o antígeno introduzido na câmara anterior é transportado por macrófagos ou células dendríticas, através do olho, para o baço e apresentado por células B esplênicas a células T imaturas, induzindo a geração de células T regulatórias específicas para o antígeno.  
 Ao contrário da tolerância induzida por antígenos estranhos introduzidos na câmara anterior, antígenos próprios no olho são isolados pelo sistema imune e a tolerância sistêmica a esses antígenos não é induzida. Essa falta de tolerância torna-se um problema apenas quando o trauma no olho expõe os antígenos oculares ao sistema imune. Um exemplo impressionante disso é a oftalmia simpática, na qual o trauma em um olho causa a liberação de antígenos, levando à doença autoimune tanto no olho lesionado quanto no não lesionado. Presume-se que, embora os antígenos próprios no olho normal sejam inacessíveis ao sistema imune extraocular para induzir tolerância, as células efetoras imunes ativadas e os anticorpos que são gerados na periferia, quando um olho é lesionado, têm acesso ao olho normal e causam dano ao mesmo.

Cérebro 

A inflamação no cérebro pode levar à disfunção e morte dos neurônios, com consequências desastrosas. Aspectos anatômicos do cérebro que prejudicam o início da imunidade adaptativa aos antígenos incluem a ausência de drenagem linfática convencional e uma escassez de células dendríticas. A chegada de células imunes e de mediadores inflamatórios ao cérebro é prejudicada pela presença das junções de oclusão entre as células endoteliais microvasculares cerebrais (a chamada barreira hematencefálica). Alguns dos mecanismos que operam no olho também podem se aplicar ao cérebro, incluindo a ação de neuropeptídios. O cérebro é rico em macrófagos residentes, denominados micróglia, que se tornam ativados em resposta ao dano tecidual ou infecções no cérebro. O limiar para sua ativação, contudo, pode ser maior que a de macrófagos em outros tecidos. Um mecanismo suposto para manter esse limiar de ativação alto é a sinalização inibitória mediada pelo receptor CD200, que é expresso pela micróglia. O CD200 serve como seu próprio ligante e é altamente expresso no cérebro, em neurônios e em outros tipos celulares. 
Contrapondo-se a suposições prévias baseadas em experimentos clássicos, há evidências indicando que a vigilância imunológica contra microrganismos ocorre no sistema nervoso central. Por exemplo, a frequência de algumas infecções oportunistas no cérebro aumenta significativamente em pacientes imunossuprimidos. Pacientes tratados com determinados anticorpos monoclonais que bloqueiam a adesão de linfócitos e monócitos às células endoteliais têm risco significativamente aumentado, embora ainda pequeno, de ativação do vírus JC latente, conduzindo à doença do sistema nervoso central uniformemente fatal, denominada leucoencefalopatia multifocal progressiva. Esse achado sugere que o tráfego de células T ou de monócitos para o cérebro é necessário para manter o vírus latente sob controle, e argumenta-se que o cérebro não é um local estritamente privilegiado imunologicamente. 

Testículo 

O privilégio imunológico no testículo serve para limitar a inflamação que pode prejudicar a fertilidade masculina. Muitos antígenos próprios no testículo humano são primeiramente expressos no período da puberdade, bem depois do desenvolvimento de um sistema imune competente, que pode incluir células precursoras de linfócitos T e B antígeno-específicas. Portanto, o privilégio imunológico no testículo também pode servir para prevenir a autoimunidade. O testículo, como o olho e o cérebro, tem uma barreira hematotecidual que limita a exposição de células e de moléculas para os locais de espermatogênese. Esta barreira não é formada pelas células endoteliais, mas por células de Sertoli que revestem a camada mais externa dos túbulos seminíferos, nos quais a espermatogênese acontece. O meio hormonal do testículo, que é rico em andrógenos, tem uma influência anti-inflamatória sobre os macrófagos. O TGF-β é produzido por células de Leydig, de Sertoli e peritubulares e provavelmente contribui para a supressão imune local. 

Privilégio Imunológico no Feto de Mamíferos 

O feto de mamíferos expressa genes herdados paternamente que são alogênicos aos da mãe, mas os fetos não são normalmente rejeitados pela mãe. Em essência, o feto é um aloenxerto de ocorrência natural, mas que é protegido da rejeição ao enxerto (a rejeição ao aloenxerto é discutida no Cap. 17). É evidente que a mãe é exposta aos antígenos do feto durante a gravidez, pois os anticorpos maternos contra as moléculas MHC paternas são facilmente detectáveis. Obviamente, houve intensa pressão seletiva que levou à evolução de mecanismos que protegem o feto do sistema imune materno, ainda que os mesmos permaneçam pouco compreendidos. Provavelmente diferentes aspectos moleculares e de barreira particulares da placenta, bem como a imunossupressão local contribuam para isso. 
Várias observações experimentais indicam que a localização anatômica do feto é um fator crítico na ausência de rejeição. Por exemplo, animais gestantes são capazes de reconhecer e rejeitar aloenxertos singênicos ao feto, colocados em locais extrauterinos sem comprometer a sobrevivência fetal. Blastocistos fetais completamente alogênicos que perdem os genes maternos podem se desenvolver com sucesso em uma mãe gestante ou pseudogestante. Portanto, nem os genes maternos ou paternos específicos são necessários para a sobrevivência do feto. A hiperimunização da mãe com células que possuem antígenos paternos não compromete o crescimento do feto e da placenta.
A falha para rejeitar o feto é focada na região de contato físico entre a mãe e o feto. Os tecidos fetais da placenta que mais entram em contato íntimo com a mãe são compostos tanto por trofoblastos vasculares, que são expostos ao sangue materno com o propósito de mediar a troca de nutrientes, quanto por trofoblastos do locais de implantação, que se infiltram difusamente no revestimento uterino (decídua) com a finalidade de ancorar a placenta à mãe.  
Uma simples explicação para a sobrevivência do feto é que as células do trofoblasto falham em expressar moléculas MHC paternas. As moléculas MHC de classe II não foram detectadas nas células dos trofoblastos. Em camundongos, as células do trofoblasto de implantação, mas não do trofoblasto vascular, expressam moléculas MHC de classe I. Em humanos, a situação pode ser mais complexa naquelas células do trofoblasto que expressam somente uma molécula não polimórfica de classe IB denominada HLA-G. Essa molécula pode estar envolvida na proteção de células trofoblásticas da lise mediada por células NK maternas. Uma subpopulação especializada de células NK denominada células NK uterinas é o principal tipo de linfócito presente nos locais de implantação, sendo a produção de IFN-γ por essas células essencial para o desenvolvimento decidual. O modo pelo qual as células NK uterinas são estimuladas e sua função nas respostas maternas aos aloantígenos fetais são desconhecidos. Mesmo se as células trofoblásticas expressam moléculas clássicas do MHC, elas podem perder as moléculas coestimulatórias e falham para atuar como células apresentadoras de antígenos.
A decídua uterina pode ser um local no qual as respostas imunes são funcionalmente inibidas. Essa ideia é sustentada pela observação de que a decídua murina é altamente suscetível à infecção com Listeria monocytogenes e não pode sustentar uma resposta de hipersensibilidade do tipo tardio. A base do privilégio imunológico não é evidentemente uma simples barreira anatômica, porque o sangue materno está em contato amplo com as células trofoblásticas. Mais ainda, é provável que a barreira seja criada por inibição funcional, atribuível a múltiplos mecanismos.  
A tolerância materna do feto pode ser mediada por Treg. Evidências experimentais sugerem que as células T regulatórias previnem reações imunes contra antígenos paternos que não são expressos na mãe. Antígenos fetais induzem Treg FoxP3 + de longa duração em camundongos, e a depleção dessas células resulta em perda fetal. Durante a gestação, Treg sistêmicas e deciduais aumentam nas mães e Treg em abundância são encontradas no feto. De fato, mamíferos eutérios (mamíferos com placenta) desenvolveram uma alteração mediada por transposon em uma sequência regulatória do gene FoxP3 que permite a geração de Treg periféricas nesses mamíferos. Esta região regulatória do FoxP3 não é encontrada nos primeiros vertebrados ou mesmo em mamíferos metatérios, tais como cangurus e wallabies (um animal semelhante ao canguru, porém menor) que carregam seus filhotes. A contribuição das Treg na gestação humana está sob investigação ativa, assim como a possibilidade de defeitos nas células Treg serem a base para os abortos espontâneos recorrentes.
As respostas imunes ao feto podem ser reguladas por concentrações locais de triptofano e de seus metabólitos na decídua. Sabe-se que a enzima indolamina 2,3-dioxigenase (IDO) cataboliza o triptofano e que a droga inibidora de IDO, 1-metil-triptofano, induz abortos em camundongos de maneira dependente de células T. Essas observações levaram à hipótese de que as respostas de células T ao feto sejam normalmente bloqueadas porque os níveis de triptofano da decídua são mantidos baixos, ou os níveis de metabólitos tóxicos produzidos por IDO são altos.
Diversos outros mecanismos também podem abater a resposta imune materna ao feto, incluindo a expressão de FasL por células trofoblásticas fetais que promovem apoptose de linfócitos maternos ativados que expressam Fas, a geração de células dendríticas tolerogênicas em resposta à galectina-1 expressa na decídua e o prejuízo na migração de células dendríticas do útero para os linfonodos.  
Os trofoblastos e a decídua também podem ser resistentes ao dano mediado pelo complemento. Em camundongos, esses tecidos expressam um inibidor de C3 e de C4 denominado Crry. Os embriões deficientes em Crry morrem antes do nascimento e mostram evidência de ativação do complemento em células do trofoblasto. Portanto, esse inibidor pode bloquear o dano mediado pelo complemento e por aloanticorpos maternos. Entretanto, as moléculas Crry ou equivalentes não foram encontradas em humanos.

Resumo 

Os sistemas imunes regionais, incluindo aqueles localizados no trato gastrintestinal e na pele, são populações especializadas de células imunes inatas e adaptativas em locais anatômicos particulares, que realizam funções protetoras e reguladoras únicas naqueles locais.
 O sistema imune gastrintestinal deve lidar com a presença de trilhões de bactérias comensais no lúmen intestinal, prevenindo sua invasão e tolerando sua presença no lúmen, enquanto também identifica e responde aos organismos patogênicos numericamente raros.
A imunidade inata no sistema gastrintestinal é mediada por células de revestimento da mucosa epitelial, que impedem a invasão microbiana a partir das junções de oclusão intercelulares, secreção de muco e produção de moléculas antimicrobianas, tais como defensinas. Células efetoras imunes inatas na lâmina própria incluem macrófagos, células dendríticas e mastócitos. Os linfócitos intraepiteliais, incluindo as células T γδ, fornecem a defesa contra microrganismos comumente encontrados na barreira epitelial do intestino.
Os linfócitos B e T, que se diferenciam a partir das células T imaturas no GALT ou nos linfonodos mesentéricos, entram na circulação e seletivamente migram de volta para a lâmina própria do intestino.
A imunidade humoral no trato gastrintestinal é dominada pela secreção de IgA para o lúmen, onde os anticorpos neutralizam potenciais patógenos invasores. As células B no GALT e nos linfonodos mesentéricos diferenciam-se em plasmócitos secretores de IgA, por meio de mecanismos dependentes e independentes de células T; e os plasmócitos migram para a lâmina própria abaixo da barreira epitelial e secretam IgA. A IgA dimerizada é transportada através do epitélio pelo receptor poli-Ig e liberada para o lúmen. Ela também é secretada no leite materno, sendo responsável por mediar a imunidade passiva no intestino de bebês lactentes.
As células TH17 no trato intestinal secretam IL-17 e IL-22, que aumentam a função de barreira epitelial. As células TH2 são importantes na defesa contra parasitas intestinais. Alterações na flora bacteriana influenciam o balanço entre diferentes respostas das subpopulações de células T auxiliares, tanto no intestino quanto sistemicamente.  
As respostas imunes a organismos comensais e a antígenos alimentares no lúmen do trato intestinal são minimizadas por uma expressão seletiva de receptores de reconhecimento de padrões moleculares no citoplasma e nas superfícies basolaterais das células de revestimento epitelial, além da geração de células T regulatórias que suprimem as respostas imunes adaptativas. TGF-β, IL-10 e IL-2 são essenciais para manter a homeostase imune na parede intestinal. A tolerância sistêmica a alguns antígenos pode ser induzida com a administração de antígenos na alimentação dos camundongos, um fenômeno denominado tolerância oral.
Várias doenças intestinais estão relacionadas a respostas imunes anormais, incluindo doenças inflamatórias intestinais (doença de Crohn e colite ulcerativa), nas quais as respostas imunes inata e adaptativa à flora normal do intestino não são adequadamente reguladas; e também a doença celíaca, na qual ocorrem respostas humorais e celulares ao glúten provenientes da dieta com trigo.  
A imunidade das mucosas no sistema respiratório defende o hospedeiro de patógenos das vias aéreas e é a causa de doenças alérgicas das vias respiratórias, tais como asma. A imunidade inata na árvore brônquica depende do revestimento epitelial ciliado, produtor de muco, que move o muco com microrganismos capturados para fora dos pulmões. As defensinas e proteínas surfactantes, assim como macrófagos alveolares, têm funções antimicrobianas e anti-inflamatórias. As células Treg e as citocinas imunossupressoras são importantes para a prevenção de respostas prejudiciais a organismos não patogênicos ou outros antígenos inalados. 
O sistema imune cutâneo defende o hospedeiro da invasão microbiana através da pele e suprime as respostas contra inúmeros organismos comensais. A camada epitelial escamosa queratinizada estratificada, denominada epiderme, realiza as funções de defesa imune inata, fornecendo uma barreira física à invasão microbiana. Os queratinócitos secretam defensinas e citocinas inflamatórias em resposta a produtos microbianos. A derme contém uma população mista de mastócitos, macrófagos e células dendríticas que respondem a microrganismos e lesões, mediando, desse modo, as respostas inflamatórias.  
As células dendríticas da pele medeiam as respostas imunes inatas e também transportam antígenos microbianos e ambientais que entram através da pele para os linfonodos drenantes, onde iniciam as respostas de células T. As células T ativadas nos linfonodos drenantes da pele expressam receptores de quimiocinas e moléculas de adesão que favorecem o retorno e o homing dessas células na pele. 
As células efetoras ou de memória CD4 + e CD8 + estão presentes na derme. As células TH1, TH2 e TH17 são importantes para a defesa contra diferentes tipos de patógenos invasores da pele e podem contribuir para dermatoses inflamatórias, como psoríase (células TH1 e TH17) e dermatite atópica (células TH2).
Os locais imunologicamente privilegiados, que são tecidos onde as respostas imunes não são prontamente iniciadas, incluem o cérebro, a câmara anterior do olho e o testículo. Os mecanismos de privilégio imunológico incluem a existência de junções de oclusão entre as células endoteliais dos vasos sanguíneos, a produção local de citocinas imunossupressoras e a expressão de moléculas de superfície que inativam ou matam os linfócitos.
A tolerância imunológica materna ao desenvolvimento do feto em mamíferos, que expressa antígenos alogênicos paternos, depende de mecanismos que atuam localmente na interface materno-fetal placentária. Possíveis mecanismos incluem a ausência de expressão do MHC em trofoblastos fetais, as ações da Treg e a depleção local de triptofano necessário para o crescimento dos linfócitos, mediada pela ação da indolamina 2,3-dioxigenase.

Fonte: Livro Imunologia Celular e Molecular - 8ª Ed.

Autores: Abul Lichtman, Andrew Abbas

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