Fonte: Livro Imunologia Celular e Molecular - 8ª Ed.
Autores: Abul Lichtman, Andrew Abbas
Anticorpos e Antígenos
ESTRUTURA DO ANTICORPO
Características Gerais da Estrutura do Anticorpo
Características Estruturais das Regiões Variáveis do Anticorpo
Características Estruturais das Regiões Constantes do Anticorpo
Anticorpos Monoclonais
SÍNTESE, MONTAGEM E EXPRESSÃO DAS MOLÉCULAS DE Ig
Meia-vida dos Anticorpos
LIGAÇÃO DOS ANTICORPOS A ANTÍGENOS
Características dos Antígenos Biológicos
Bases Estruturais e Químicas da Ligação do Antígeno
RELAÇÃO ESTRUTURA-FUNÇÃO NAS MOLÉCULAS DE ANTICORPO
Características Relacionadas com o Reconhecimento do Antígeno
Características Relacionadas com as Funções Efetoras
RESUMO
Os anticorpos são proteínas circulantes produzidas nos vertebrados em resposta à exposição a estruturas estranhas conhecidas como antígenos. Os anticorpos são incrivelmente diversos e específicos em suas habilidades de reconhecer estruturas moleculares estranhas e constituem os mediadores da imunidade humoral contra todas as classes de microrganismos. Pelo fato de essas proteínas terem sido descobertas como moléculas séricas que fornecem proteção contra a toxina diftérica, elas foram inicialmente chamadas de antitoxinas. Quando foi observado que proteínas similares poderiam ser geradas contra muitas substâncias, não somente toxinas microbianas, elas receberam o nome geral de anticorpos. As substâncias geradas ou que foram reconhecidas pelos anticorpos foram, então, denominadas antígenos. Anticorpos, moléculas do complexo maior de histocompatibilidade (MHC) (Cap. 6) e receptores de antígeno da célula T (Cap. 7) são as três classes de moléculas usadas pelo sistema imune adaptativo para se ligar aos antígenos (Tabela 5-1). Destas três, os anticorpos foram os primeiros a serem descobertos, reconhecem a grande variedade de estruturas antigênicas, mostram grande habilidade em discriminar entre diferentes antígenos e se ligam a antígenos com maior força. Neste capítulo, descreveremos a estrutura dos anticorpos e suas propriedades de ligação ao antígeno.
Tabela 5-1
Características da Ligação do Antígeno pelas Moléculas do Sistema Imune que
Reconhecem o Antígeno
CDR, região de determinação de complementariedade; Kd, constante de dissociação; MHC, complexo maior de histocompatibilidade (somente mostradas moléculas de classe II); VH, domínio variável da cadeia pesada de Ig; VL, domínio variável da cadeia leve de Ig.
*As estruturas e funções das moléculas de MHC e TCR serão discutidas nos Capítulos 6 e 7, respectivamente.
Os anticorpos são sintetizados somente pelas células da linhagem de linfócitos B e existem em duas formas: anticorpos ligados à membrana na superfície dos linfócitos B funcionam como receptores de antígenos e anticorpos secretados neutralizam as toxinas, previnem a entrada e espalhamento dos patógenos e eliminam os microrganismos. O reconhecimento do antígeno pelos anticorpos ligados à membrana nas células B imaturas ativa esses linfócitos a iniciarem uma resposta imune humoral. As células B ativadas se diferenciam em plasmócitos que secretam anticorpos de mesma especificidade do receptor do antígeno. As formas secretadas dos anticorpos estão presentes no plasma (a porção fluida do sangue), nas secreções mucosas e no fluido intersticial dos tecidos. Na fase efetora da imunidade humoral, esses anticorpos secretados se ligam aos antígenos e disparam vários mecanismos efetores que eliminam os antígenos.
A eliminação do antígeno frequentemente necessita da interação do anticorpo com outros componentes do sistema imune, incluindo moléculas tais como proteínas do complemento e células que incluem fagócitos e eosinófilos. As funções efetoras mediadas por anticorpo incluem: neutralização dos microrganismos ou produtos microbianos tóxicos; ativação do sistema complemento; opsonização dos patógenos para fagocitose aumentada; citotoxicidade mediada por célula e dependente de anticorpo, pela qual os anticorpos têm como alvo células infectadas para a lise pelas células do sistema imune inato; e ativação de mastócito mediada por anticorpo para expelir vermes parasitas. Descreveremos essas funções dos anticorpos em detalhes no Capítulo 13.
Quando o sangue ou plasma forma um coágulo, os anticorpos permanecem no fluido residual, o que é chamado de soro. O soro não possui os fatores da coagulação (que são consumidos durante a formação do coágulo), mas contém todas as outras proteínas encontradas no plasma. Qualquer amostra de soro que apresente moléculas detectáveis de anticorpo que se ligam a um antígeno em particular é comumente chamada de antissoro. O estudo dos anticorpos e suas reações com antígenos é, portanto, classicamente chamado de sorologia. A concentração de moléculas de anticorpo no soro específicas para um antígeno em particular frequentemente é estimada pela determinação de quantas diluições seriais do soro podem ser feitas antes que a ligação não seja mais detectada; soros com alta concentração de moléculas de anticorpo específicas para um antígeno em particular são ditos terem alto título.
Um homem adulto e saudável, com 70 kg, produz cerca 2 a 3 g de anticorpos a cada dia. Quase dois terços destes correspondem a um anticorpo chamado de IgA, que é produzido por células B ativadas e plasmócitos nas paredes dos tratos gastrintestinal e respiratório e é ativamente transportado através das células epiteliais para os lúmens destes tratos. A grande quantidade de IgA produzida reflete as amplas áreas de superfície destes órgãos.
Estrutura do anticorpo
A compreensão da estrutura do anticorpo forneceu importantes dados sobre suas funções. A análise da estrutura do anticorpo também lançou as bases para a elucidação dos mecanismos da diversidade do receptor de antígeno, um dos problemas fundamentais da Imunologia que abordaremos em detalhes no Capítulo 8.
Estudos iniciais da estrutura do anticorpo se basearam em anticorpos purificados do sangue de indivíduos imunizados com vários antígenos. Não foi possível, por meio deste procedimento, definir com precisão a estrutura do anticorpo, porque o soro contém uma mistura de diferentes anticorpos produzidos por muitos clones de linfócitos B que podem, cada um, se ligar a diferentes porções (epítopos) de um antígeno (os chamados anticorpos policlonais). Um grande avanço na obtenção dos anticorpos cujas estruturas podiam ser elucidadas foi a descoberta de que pacientes com mieloma múltiplo, um tumor monoclonal de plasmócitos produtores de anticorpo, frequentemente têm grandes quantidades de moléculas de anticorpo bioquimicamente idênticas (produzidas pelo clone neoplásico) em seu sangue e urina. Imunologistas verificaram que esses anticorpos podiam ser purificados até a homogeneidade e analisados. O reconhecimento de que as células de mieloma produzem imunoglobulinas monoclonais levou à tecnologia extremamente importante de produção de anticorpos monoclonais, descrita mais adiante neste capítulo. A disponibilidade de populações homogêneas de anticorpos e plasmócitos produtores de anticorpo monoclonal facilitou a análise estrutural detalhada das moléculas de anticorpo e clonagem molecular dos genes para anticorpos individuais. Estes foram grandes avanços em nossa compreensão do sistema imune adaptativo.
Características Gerais da Estrutura do Anticorpo
Proteínas plasmáticas ou séricas podem ser fisicamente separadas baseando-se nas características de solubilidade das albuminas e globulinas e podem ser separadas com mais precisão pela migração em um campo elétrico, um processo chamado de eletroforese. A maioria dos anticorpos é encontrada no terceiro grupo mais rápido de migração das globulinas, chamado de globulinas gama para a terceira letra do alfabeto grego. Outro nome comum para o anticorpo é imunoglobulina (Ig), fazendo referência à porção que confere imunidade da fração gamaglobulina. Os termos imunoglobulina e anticorpo são usados indistintamente ao longo deste livro.
Todas as moléculas de anticorpo compartilham as mesmas características estruturais básicas, mas apresentam marcante variabilidade nas regiões onde os antígenos se ligam. Esta variabilidade das regiões de ligação do antígeno é responsável pela capacidade de diferentes anticorpos se ligarem a um grande número de antígenos estruturalmente diversos. Em todos os indivíduos, existem milhões de diferentes clones de células B, cada uma produzindo moléculas de anticorpo com os mesmos locais de ligação do antígeno e diferentes nestes locais dos anticorpos produzidos por outros clones. As funções efetoras e propriedades físico-químicas comuns dos anticorpos estão associadas a porções de ligação de moléculas diferentes de um antígeno, que exibem relativamente poucas variações entre os diferentes anticorpos.
Uma molécula de anticorpo tem uma estrutura simétrica do núcleo composta de duas cadeias leves idênticas e duas cadeias pesadas idênticas (Fig. 5-1). Ambas as cadeias leve e pesada contêm uma série de unidades homólogas repetidas, cada uma com cerca de 110 resíduos de aminoácidos de comprimento, que se dobram independentemente em um motivo globular que é chamado de domínio Ig, introduzido nos Capítulos 3 e 4. Um domínio Ig contém duas camadas de folhas β-pregueadas, cada camada composta de três a cinco fitas de cadeia polipeptídica antiparalela (Fig. 5-2). As duas camadas são mantidas unidas pela ponte dissulfeto, e faixas adjacentes de cada folha β são conectadas por pequenas alças. Os aminoácidos localizados em algumas destas alças ão os mais variáveis e críticos para o reconhecimento do antígeno, como discutido posteriormente neste capítulo.
FIGURA 5-1 Estrutura de uma molécula de anticorpo.
A, Diagrama esquemático de uma molécula de IgG secretada. Os locais de ligação do antígeno são formados pela justaposição dos domínios VL e VH. As regiões C da cadeia pesada terminam em pedaços de cauda. As localizações dos locais de ligação do complemento e do receptor Fc dentro das regiões constantes da cadeia pesada são aproximações. B, Diagrama esquemático de uma molécula de IgM ligada à membrana na superfície de um linfócito B. A molécula de IgM tem mais um domínio CH do que a IgG, e a forma membranar do anticorpo tem porções C-terminais transmembranares e citoplasmáticas que ancoram a molécula À membrana plasmática. C, Estrutura de uma molécula de IgG humana como revelada por cristalografia de raios X. Neste diagrama de uma molécula de IgG secretada, as cadeias pesadas estão coloridas em azul e vermelho,= e as cadeias leves estão coloridas em verde; carboidratos estão mostrados em cinza. (Cortesia de Dr. Alex McPherson, University of California, Irvine.)
FIGURA 5-2 Estrutura de um domínio Ig.
Cada domínio é composto de duas vias antiparalelas de fitas β, coloridas em amarelo e vermelho, para formar duas folhas β-pregueadas mantidas juntas por uma ponte dissulfeto. Um domínio constante (C) está mostrado esquematicamente e contém três e quatro faixas β nas duas faixas. As alças conectam as faixas β que, algumas vezes, são adjacentes na mesma folha β-pregueada, mas as alças, algumas vezes, representam as conecções entre as duas folhas diferentes que formam um domínio Ig. Três alças em cada domínio variável contribuem para a ligação do antígeno e são chamadas de regiões determinantes de complementariedade (CDRs).
Ambas as cadeias leve e pesada consistem em regiões variáveis de aminoterminal (V) que participam no reconhecimento do antígeno e regiões carboxiterminais constantes (C); as regiões C das cadeias pesadas medeiam as funções efetoras. Nas cadeias pesadas, a região V é composta de um domínio Ig e a região C é composta de três ou quatro domínios Ig. Cada cadeia leve é composta de uma região V no domínio Ig e uma região C no domínio Ig. As regiões variáveis são assim chamadas por causa das suas sequências de aminoácidos variando entre os anticorpos produzidos pelos diferentes clones B. A região V de uma cadeia pesada (VH) e a região V contígua de uma cadeia leve (VL) formam um local de ligação do antígeno (Fig. 5-1). Pelo fato de a unidade estrutural do núcleo de cada molécula de anticorpo conter duas cadeias pesadas e duas cadeias leves, cada molécula de anticorpo tem pelo menos dois locais de ligação do antígeno.
Os domínios Ig da região C são distantes do local de ligação do antígeno e não participam no reconhecimento do antígeno. As regiões C da cadeia pesada interagem com outras moléculas efetoras e células do sistema imune e, assim, medeiam a maioria das funções biológicas dos anticorpos. Além disso, as cadeias pesadas existem em duas formas que diferem nas terminações carboxiterminais: uma forma das cadeias pesadas ancora os anticorpos ligados à membrana nas membranas plasmáticas dos linfócitos B, e a outra é encontrada somente nos anticorpos secretados. As regiões C das cadeias leves não participam nas funções efetoras e não estão diretamente ligadas às membranas das células.
As cadeias pesadas e leves estão covalentemente ligadas por pontes dissulfeto formadas entre os resíduos de cisteína no carboxiterminal da cadeia leve e no domínio CH1 da cadeia pesada. As interações não covalentes entre os domínios CL e CH1 também podem contribuir para a associação das cadeias pesadas e leves. As duas cadeias pesadas de cada molécula de anticorpo estão covalentemente ligadas por pontes dissulfeto. Nos anticorpos IgG, essas ligações são formadas entre resíduos de cisteína nos domínios CH2, próximas à região conhecida como dobradiça, descrita mais adiante neste capítulo. Em outros isotipos, as ligações dissulfeto podem ocorrer em diferentes localizações. Interações não covalentes (p. ex., entre os terceiro domínio CH [CH3]) também podem contribuir para o pareamento da cadeia pesada.
A associação entre as cadeias das moléculas de anticorpo e as funções das diferentes regiões dos anticorpos foram primeiramente deduzidas de experimentos nos quais a IgG de coelhos foi clivada por enzimas proteolíticas em fragmentos com propriedades estruturais e funcionais distintas. Nas moléculas de IgG, a região não pregueada da dobradiça entre os domínios CH1 e CH2 das cadeias pesadas é o segmento mais suscetível à clivagem proteolítica. Se a IgG de coelhos for tratada com a enzima papaína sob condições de proteólise limitada, a enzima age na região de dobradiça e cliva a IgG em três pedaços separados (Fig. 5-3, A). Dois dos pedaços são idênticos um ao outro e consistem em cadeia leve completa (VL e CL) associada a um fragmento VH-CH1 da cadeia pesada. Esses fragmentos retêm a habilidade de se ligar ao antígeno, porque cada um possui domínios VL e CL pareados e são chamados de Fab (fragmento, ligação do antígeno). A terceira peça é composta de dois peptídios idênticos ligados por dissulfeto, cada um contendo os domínios CH2 e CH3 da cadeia pesada. Este pedaço da IgG tem a propensão de se autoassociar e de cristalizar em forma de treliça, sendo, assim, chamado de Fc (fragmento, cristalizável). Quando a pepsina (em vez da papaína) é usada para clivar a IgG de coelho sob condições limitadas, a proteólise ocorre distal à região de dobradiça, gerando um fragmento F(ab’)2 da IgG com a dobradiça e as pontes dissulfeto intercadeias intactas e dois locais de ligação do antígeno idêntico (Fig. 5-3, B).
FIGURA 5-3 Fragmentos proteolíticos de uma molécula de IgG.
Moléculas de IgG de coelho são clivadas pelas enzimas papaína (A) e pepsina (B) nos locais indicados por setas. A digestão pela papaína permite a separação de duas regiões de ligação do antígeno (os fragmentos Fab) da porção da molécula de Ig que se liga ao complemento e receptores Fc (o fragmento Fc). A pepsina gera um único fragmento bivalente de ligação ao antígeno, F(ab’)2. As características estruturais deduzidas por proteólise da IgG de coelho são comuns aos anticorpos de todas as espécies.
Os resultados da proteólise limitada com papaína ou pepsina de outros isotipos além da IgG, ou de IgGs de outras espécies diferentes do coelho, nem sempre repetem os estudos com IgG de coelho. Entretanto, a organização básica da molécula de anticorpo deduzida a partir dos experimentos de proteólise da IgG de coelho é comum a todas as moléculas de Ig de todos os isotipos e a todas as espécies. De fato, esses experimentos fornecem a primeira evidência de que as funções de reconhecimento do antígeno e as funções efetoras das moléculas de Ig são espacialmente separadas.
Muitas outras proteínas no sistema imune, assim como numerosas proteínas sem nenhum conhecimento da função imunológica, contêm domínios com uma estrutura de dobra da Ig – duas folhas β-pregueadas adjacentes mantidas juntas por uma ponte dissulfeto. Todas as moléculas que possuem este tipo de domínio são ditas pertencerem à superfamília Ig, e todos os segmentos de genes que codificam os domínios Ig destas moléculas parecem ter evoluído de um gene ancestral. Os domínios Ig são classificados como do tipo V e do tipo C com base na homologia próxima aos seus domínios V da Ig ou C da Ig. Os domínios V são formados a partir de um polipeptídio mais longo do que os domínios C e contêm duas fitas β extras dentro do sanduíche da folha β. Alguns membros da superfamília Ig foram descritos no Capítulo 3 (moléculas de adesão endotelial ICAM-1 e VCAM-1) e no Capítulo 4 (receptores KIR na célula NK). Exemplos de membros da superfamília Ig de relevância no sistema imune são mostrados na Figura 5-4.
FIGURA 5-4 Exemplos de proteínas da superfamília de Ig no sistema imune.
Mostrados aqui estão a molécula de IgG ligada na membrana; o receptor de célula T; uma molécula de MHC de classe I; o correceptor CD4 das células T; CD28, um receptor coestimulatório nas células T; e a molécula de adesão ICAM-1.
Características Estruturais das Regiões Variáveis do Anticorpo
A maioria das diferenças de sequência e variabilidade entre os diferentes anticorpos está confinada a três pequenos trechos na região V da cadeia pesada e a três trechos na região V da cadeia leve. Estes segmentos da maior diversidade são conhecidos como regiões hipervariáveis. Elas correspondem a três alças protuberantes conectando fitas adjacentes das cadeias β que compõem os domínios V da cadeia pesada da Ig e as proteínas da cadeia leve (Fig. 5-5). As regiões hipervariáveis são compostas, cada uma, de 10 resíduos de aminoácidos de comprimento, e eles podem ser mantidos no local pelas sequências mais conservadas que formam o domínio Ig da região V. Na molécula de anticorpo, as três regiões hipervariáveis do domínio VL e as três regiões hipervariáveis do domínio VH são mantidas juntas para criar uma superfície de ligação ao antígeno. As alças hipervariáveis podem se assemelhar a dedos protuberantes de cada domínio varável, com três dedos de cada cadeia pesada e três dedos de cada cadeia leve permanecendo juntos para formar o local de ligação do antígeno (Fig. 5-6). Pelo fato de essas sequências formarem uma superfície que é complementar à forma tridimensional do antígeno ligado, as regiões hipervariáveis também são chamadas de regiões de determinação de complementariedade (CDRs). Procedentes de cada região aminoterminal VL ou VH, essas regiões são chamadas de CDR1, CDR2 e CDR3. As CDR3s de ambos os segmentos VH e VL são as mais variáveis das CDRs. Conforme abordaremos no Capítulo 8, existem mecanismos especiais para a geração de mais diversidade na sequência no CDR3 do que em CDR1 e CDR2. As diferenças na sequência entre as CDRs de diferentes moléculas de anticorpo contribuem para superfícies distintas de interação e, dessa maneira, para as especificidades dos anticorpos individuais. A habilidade de uma região V em se dobrar em um domínio Ig é primordialmente determinada pelas sequências conservadas de regiões adjacentes aos CDRs. O confinamento da sequência de variabilidade para três trechos curtos permite que a estrutura básica de todos os anticorpos seja mantida, a despeito da variabilidade das especificidades entre os diferentes anticorpos.
FIGURA 5-5 Regiões hipervariáveis em moléculas de Ig.
A, As linhas verticais mostram a extensão da variabilidade, definida como o número de diferenças em cada resíduo de aminoácido entre várias cadeias de Ig sequenciadas independentemente, plotadas contra número de resíduos de aminoácidos, medidos a partir do aminoterminal. Esta análise indica que a maioria dos resíduos variáveis é mantida agrupada em três regiões “hipervariáveis”, coloridas em azul, amarelo e vermelho, correspondendo a CDR1, CDR2 e CDR3, respectivamente. Três regiões hipervariáveis também estão presentes nas cadeias pesadas (não mostrado). Esta forma de apresentação da variabilidade do aminoácido nas moléculas de Ig foi denominada plot de Kabet-Wu, após os dois cientistas desenvolverem o ensaio. B, Visão tridimensional das alças CDR hipervariáveis no domínio V da cadeia leve. A região V da cadeia leve é mostrada com alças CDR1, CDR2 e CDR3, coloridas em azul, amarelo e vermelho, respectivamente. Estas alças correspondem às regiões hipervariáveis no plot da variabilidade em A. As regiões hipervariáveis da cadeia pesada (não mostrado) também estão localizadas em três alças, e todas as seis alças são justapostas na molécula do anticorpo para formar a superfície de ligação ao antígeno (Fig. 5-6). (A, Cortesia de Dr. E. A. Kabat, Department of Microbiology, Columbia University College of Physicians and Surgeons, New York.)
FIGURA 5-6 Ligação de um antígeno a um anticorpo.
A, Visão esquemática das regiões de determinação de complementariedade (CDRs) gerando um local de ligação do antígeno. As CRDs de uma cadeia pesada e uma cadeia leve são alças que protrudem da superfície de dois domínios V da Ig e, em combinação, criam uma superfície de ligação do antígeno. B, Este modelo de antígeno de proteína globular (lisozima de ovo de galinha) ligado a uma molécula de anticorpo mostra como o local de ligação do antígeno pode acomodar macromoléculas solúveis em sua conformação nativa (dobrada). As cadeias pesadas do anticorpo são vermelhas, as cadeias leves são amarelas e o antígeno é azul. C, Uma visão das superfícies de interação da lisozima do ovo de galinha (em verde) e um fragmento Fab de um anticorpo monoclonal antilisozima de ovo de galinha (VH em azul e VL em amarelo) são mostrados. Os resíduos da lisozima do ovo de galinha e do fragmento Fab que interagem um com o outro são mostrados em vermelho. Um resíduo crítico de glutamina na lisozima (em magenta) se encaixa na “fenda” no anticorpo. (B, Cortesia de Dr. Dan Vaughn, Cold Spring Harbor Laboratory, Cold Spring Harbor, New York. C, Reproduzido com permissão de Amit AG, Mariuzza RA, Phillips SE, Poljak RJ: Three dimensional structure of an antigen-antibody complex at 2.8A resolution. Science 233:747–753, 1986. Copyright © 1986 by AAAS.)
A ligação do antígeno pelas moléculas de anticorpo é primariamente uma função das regiões hipervariáveis de VH e VL. Análises cristalográficas dos complexos antígenoanticorpo mostram que os resíduos de aminoácidos das regiões hipervariáveis formam múltiplos contatos com os antígenos ligados (Fig. 5-6). O contato mais extenso é com a terceira região hipervariável (CDR3), que também é a mais variável das três CDRs.
Entretanto, a ligação do antígeno não é primariamente uma função dos CDRs e os resíduos do arcabouço também podem fazer contato com o antígeno. Além disso, na ligação de alguns antígenos, um ou mais CDRs podem estar do lado de fora da região de contato com o antígeno, não participando, assim, na ligação com ele.
Características Estruturais das Regiões Constantes do Anticorpo
As moléculas de anticorpo podem ser divididas em classes e subclasses distintas com base nas diferenças na estrutura das regiões C da cadeia pesada. As classes de moléculas de anticorpo também são chamadas de isotipos e são nomeadas como IgA, IgD, IgE, IgG e IgM (Tabela 5-2). Em humanos, os isotipos IgA e IgG podem ainda ser divididos em subclasses, ou subtipos, intimamente relacionadas, chamadas de IgA1 e IgA2 e IgG1, IgG2, IgG3 e IgG4. (Camundongos, que frequentemente são usados no estudo das respostas imunes, diferem no isotipo de IgG, sendo este dividido nas subclasses IgG1, IgG2a, IgG2b e IgG3; certas linhagens de camundongos, incluindo C57BL/6, não têm o gene para IgG2a, mas sintetizam um isotipo relacionado e chamado de IgG2c.) As regiões C da cadeia pesada de todas as moléculas de anticorpo de um isotipo ou subtipo têm essencialmente a mesma sequência de aminoácidos. Esta sequência é diferente nos anticorpos de outros isotipos ou subtipos. As cadeias pesadas são designadas pela letra do alfabeto grego correspondente ao isotipo do anticorpo: a IgA1 contém cadeias pesadas α1; IgA2, α2; IgD, δ; IgE, ; IgG1, γ1; IgG2, γ2; IgG3, γ3; IgG4, γ4; e IgM, μ. Nos anticorpos humanos IgM e IgE, as regiões C contêm quatro domínios Ig (Fig. 5-1). As regiões C da IgG, IgA e IgD possuem somente três domínios Ig. Estes domínios são genericamente designados como domínios CH e são numerados sequencialmente a partir do aminoterminal para o carboxiterminal (p. ex., CH1, CH2 e assim por diante). Em cada isotipo, essas regiões podem ser designadas mais especificamente (p. ex., Cγ1, Cγ2 na IgG).
Tabela 5-2 Isotipos de Anticorpos Humanos
As funções efetoras dos anticorpos serão discutidas em detalhes no Capítulo 13.
Diferentes isotipos e subtipos de anticorpos realizam distintas funções efetoras. A razão para isso é que a maioria das funções efetoras dos anticorpos é mediada pela ligação das regiões C da cadeia pesada aos receptores Fc (FcRs) nas diferentes células, tais como fagócitos, células NK e mastócitos e proteínas plasmáticas, como proteínas do complemento. Os isotipos e subtipos de anticorpo diferem em suas regiões C e, assim, onde eles se ligam e quais funções efetoras realizarão. As funções efetoras mediadas por cada isotipo de anticorpo estão listadas na Tabela 5-2 e são discutidas detalhadamente mais adiante neste capítulo e no Capítulo 13.
As moléculas de anticorpo são flexíveis, permitindo que elas se liguem a diferentes antígenos. Cada anticorpo contém pelo menos dois locais de ligação do antígeno, cada um formado por um par de domínios VH e VL. Muitas moléculas Ig podem orientar esses locais de ligação, de tal forma que duas moléculas de antígeno em uma superfície planar (p. ex., célula) podem ser ligadas uma única vez (Fig. 5-7). Esta flexibilidade é conferida, em grande parte, por uma região de dobradiça localizada entre CH1 e CH2 de certos isotipos. A região de dobradiça varia em comprimento de 10 a mais do que 60 resíduos de aminoácidos em diferentes isotipos. Porções desta sequência assumem uma conformação desdobrada e flexível, permitindo o movimento molecular entre os domínios CH1 e CH2. Algumas das maiores diferenças entre as regiões constantes das subclasses de IgG estão concentradas na dobradiça. Isso leva a formas gerais diferentes nos subtipos de IgG. Além disso, alguma flexibilidade das moléculas de anticorpo é decorrente da habilidade de cada domínio de VH em sofrer rotação com respeito ao domínio CH1 adjacente.
FIGURA 5-7 Flexibilidade das moléculas de anticorpo.
Os dois locais de ligação do antígeno de um monômero de Ig podem ligar simultaneamente os dois determinantes separados por distâncias variáveis. Em A, uma molécula de Ig é mostrada ligando-se a dois determinantes separados em uma superfície celular, e em B, o mesmo anticorpo está ligado a dois determinantes que estão próximos. Esta flexibilidade é principalmente atribuída às regiões de dobradiça localizadas entre os domínios CH1 e CH2, o que permite o movimento independente dos locais de ligação do antígeno relativos ao resto da molécula.
Existem duas classes, ou isotipos, de cadeias leves, chamadas κ e l, que são diferenciadas por suas regiões constantes (C) carboxiterminais. Cada molécula de anticorpo tem duas cadeias leves κ idênticas ou duas cadeias leves l idênticas. Em humanos, cerca de 60% das moléculas de anticorpo têm cadeias leves κ e aproximadamente 40% possuem cadeias leves l. Marcadas alterações nesta razão podem ocorrer em pacientes com tumores de célula B porque as muitas células neoplásicas, sendo derivadas de um clone de célula B, produzem uma única espécie de moléculas de anticorpo, todas com a mesma cadeia leve. De fato, a razão de células portadoras de κ para células portadoras de l frequentemente é usada clinicamente para o diagnóstico de linfomas de célula B. Em camundongos, anticorpos contendo κ são cerca de 10 vezes mais abundantes do que aqueles contendo l. Ao contrário dos isotipos de cadeia pesada, não existem diferenças conhecidas na função entre anticorpos contendo κ e aqueles contendo l.
Anticorpos secretados e associados à membrana diferem na sequência de aminoácidos da porção carboxiterminal da região da cadeia pesada. Na forma secretada, encontrada no sangue e em outros fluidos extracelulares, a porção carboxiterminal é hidrofílica. A forma ligada na membrana do anticorpo contém um pedaço carboxiterminal que inclui dois segmentos: uma região transmembrana hidrofóbica α-helicoidal, seguida por uma porção carregada positivamente na região intracelular justamembranar (Fig. 5-8). Os aminoácidos carregados positivamente se ligam aos grupos de cabeça fosfolipídica carregados negativamente na região interna da membrana plasmática e auxiliam a ancoragem da proteína na membrana. Nas moléculas IgM e IgD da membrana, a porção citoplasmática da cadeia pesada é curta, somente três resíduos de aminoácidos de comprimento; nas moléculas de IgG e IgE da membrana, ela é um pouco mais longa, até 30 resíduos de aminoácidos de comprimento.
FIGURA 5-8 Formas membranares e secretadas das cadeias pesadas de Ig.
As formas membranares das cadeias pesadas de Ig, mas não as formas secretadas, contêm regiões transmembranas compostas de resíduos hidrofóbicos de aminoácidos e domínios citoplasmáticos que diferem significativamente entre os diferentes isotipos. A porção citoplasmática da forma membranar da cadeia μ contém somente três resíduos, ao passo que a região citoplasmática das cadeias pesadas da IgG (cadeias pesadas γ) possui 20 a 30 resíduos. As formas secretadas dos anticorpos terminam em pedaços da cauda C-terminal, que também difere entre os isotipos; μ tem uma longa cauda (21 resíduos) que está envolvida na formação do pentâmero, ao passo que a IgG tem uma cauda curta (3 resíduos).
As moléculas de IgG e IgE secretadas e Ig de membrana, a despeito do isotipo, são monoméricas no que diz respeito à unidade estrutural básica do anticorpo (i.e., elas contêm duas cadeias pesadas e duas cadeias leves). Em contrapartida, as formas secretadas de IgM e IgA compõem complexos multiméricos nos quais dois ou mais dos núcleos de quatro cadeias das unidades estruturais do anticorpo são ligados covalentemente. A IgM pode ser secretada como pentâmeros e hexâmetros do núcleo da estrutura de quatro cadeias, ao passo que a IgA frequentemente é secretada como um dímero. Esses complexos são formados por interações entre as regiões chamadas de pedaços de cauda localizadas nos terminais carboxiterminal das formas secretadas das cadeias pesadas μ e α (Tabela 5-2). As moléculas multiméricas de IgM e IgA também contêm um polipeptídio adicional de 15-kD chamado de cadeia (J) de união, que é ligado por pontes dissulfeto aos pedaços das caudas e serve para estabilizar os complexos multiméricos e para transportar os multímeros através das células epiteliais da membrana basolateral para o terminal luminal. Como veremos mais adiante, as formas multiméricas dos anticorpos se ligam aos antígenos mais avidamente do que as formas monoméricas o fazem, mesmo se ambos os tipos de anticorpo contiverem regiões Fab que se ligam individual e igualmente bem ao antígeno.
Os anticorpos de distintas espécies diferem uns dos outros nas regiões C e em partes da malha das regiões V. Dessa maneira, quando moléculas de Ig de uma espécie são introduzidas em outra (p. ex., anticorpos de soro de cavalo ou anticorpos monoclonais de camundongo injetados em humanos), o recebedor as enxerga como estranhas, monta uma resposta imune e produz os anticorpos contra as regiões C da Ig introduzida. A resposta frequentemente cria um distúrbio denominado doença do soro (Cap. 19) e, então, limita grandemente a habilidade em tratar indivíduos com anticorpos produzidos em outras espécies. Muitos esforços foram direcionados para superar esse problema com os anticorpos monoclonais, o que discutiremos mais adiante neste capítulo. Pequenas diferenças nas sequências estão presentes em anticorpos de indivíduos da mesma espécie, refletindo polimorfismos herdados nos genes que codificam as regiões C das cadeias pesadas e leves da Ig. Quando um variante polimórfico encontrado em alguns indivíduos de uma espécie pode ser reconhecido por um anticorpo, as variantes são referidas como alótipos e o anticorpo que reconhece um determinante alotípico é chamado de anticorpo antialotípico. As diferenças entre as regiões V do anticorpo estão concentradas nos CDRs e constituem os idiótipos dos anticorpos. Um anticorpo que reconhece algum aspecto dos CDRs de outro anticorpo é assim chamado de anticorpo anti-idiotípico. Existem teorias interessantes de que indivíduos produzem anticorpos anti-idiotípicos contra seus próprios anticorpos que controlam as respostas imunes, mas existem poucas evidências para suportar a importância deste mecanismo potencial da regulação imune.
Fonte: Livro Imunologia Celular e Molecular - 8ª Ed.
Autores: Abul Lichtman, Andrew Abbas
Anticorpos Monoclonais
Um tumor de plasmócitos (mieloma ou plasmacitoma), assim como a maioria dos tumores de qualquer origem celular, é monoclonal e, dessa maneira, produz anticorpos de uma única especificidade. Na maioria dos casos, a especificidade do anticorpo derivado do tumor não é conhecida; assim, o anticorpo do mieloma não pode ser usado para detectar ou se ligar a moléculas de interesse. Entretanto, a descoberta de anticorpos monoclonais produzidos por esses tumores leva à ideia de que pode ser possível produzir anticorpos monoclonais similares de qualquer especificidade desejada com a imortalização de células secretoras de anticorpo individuais de um animal imunizado com um antígeno conhecido. Uma técnica para alcançar isso foi descrita por Georges Kohler e Cesar Milstein em 1975, e ela provou ser um dos avanços mais valiosos em toda a pesquisa científica e medicina clínica. O método se baseia na fusão das células B de um animal imunizado (tipicamente um camundongo) com uma linhagem celular imortalizada de mieloma e o crescimento dessas células sob condições nas quais as células não normais e tumorais que não se fundiram não sobrevivem (Fig. 5-9). As células fundidas resultantes que cresceram são chamadas de hibridomas; cada hibridoma produz somente uma Ig, derivada de uma célula B do animal imunizado. Os anticorpos secretados por muitos clones de hibridomas são pesquisados para ligação do anticorpo de interesse, e este único clone com a especificidade desejada é selecionado e expandido. Os produtos destes clones individuais são anticorpos monoclonais, cada qual específico para um único epítopo no antígeno usado para imunizar o animal e para identificar os clones secretores de anticorpo imortalizados.
FIGURA 5-9 Geração dos anticorpos monoclonais.
Neste procedimento, células do baço de um camundongo que foi imunizado com um antígeno conhecido ou uma mistura de antígenos são fundidas com uma linhagem de célula de mieloma deficiente em enzima, pelo uso de agentes químicos como polietilenoglicol, que podem facilitar a fusão das membranas plasmáticas e a formação de células híbridas que retêm muitos cromossomas de ambas as partes fundidas. A porção mieloma usada é uma que não secreta sua própria Ig. Essas células híbridas são, então, colocadas em um meio de seleção que permite a sobrevivência somente dos híbridos imortalizados; essas células híbridas são colocadas para crescer como clones de células únicas e testadas para a secreção do anticorpo de interesse. O meio de seleção inclui hipoxantina, aminopterina e timidina, sendo chamado de meio HAT. Existem duas vias de síntese de purina na maioria das células: a via de novo, que necessita de tetraidrofolato, e a via de salvação, que usa a enzima hipoxantina-guanina fosforibosiltransferase (HGPRT). As células de mieloma que não têm a HGPRT são utilizadas como partes da fusão, e elas normalmente sobrevivem usando a síntese de novo da purina. Na presença de aminopterina, o tetrafolato não é produzido, resultando em defeito na síntese de novo da purina e, também, em um defeito específico na biossíntese da pirimidina, ou seja, na geração de TMP a partir de dUMP. As células híbridas recebem a HGPRT dos esplenócitos e têm a capacidade para proliferação descontrolada da porção mieloma; se forem adicionadas hipoxantina e timidina, essas células podem produzir DNA na ausência de tetraidrofolato. Como resultado, somente as células híbridas sobrevivem no meio HAT.
Os anticorpos monoclonais têm inúmeras aplicações práticas na pesquisa e diagnóstico médicos e na terapia. Algumas das suas aplicações comuns incluem as seguintes:
• Identificação de marcadores fenotípicos únicos aos tipos celulares particulares. A base para a classificação moderna dos linfócitos e outros leucócitos é o reconhecimento de populações celulares individuais por anticorpos monoclonais específicos. Esses anticorpos têm sido usados para definir os marcadores dos clusters de diferenciação (CD) para vários tipos celulares (Cap. 2).
• Imunodiagnóstico. O diagnóstico de muitas doenças infecciosas e sistêmicas se baseia na detecção de antígenos ou anticorpos particulares no sangue, urina ou tecidos pelo uso de anticorpos monoclonais em imunoensaios (Apêndice IV).
• Identificação tumoral. Anticorpos monoclonais marcados e específicos para várias proteínas celulares são usados para determinar a fonte tecidual de tumores por meio da coloração de seções tumorais histológicas.
• Terapia. Avanços na pesquisa médica levaram à identificação de células e moléculas que estão envolvidas na patogênese de muitas doenças. Anticorpos monoclonais, em razão da sua estranha especificidade, fornecem os meios para que essas células e moléculas sejam alvo. Um número de anticorpos monoclonais atualmente é usado terapeuticamente (Tabela 5-3). Alguns exemplos incluem anticorpos contra a citocina fator de necrose tumoral (TNF) usada para tratamento da artrite reumatoide e outras doenças inflamatórias, anticorpos contra CD20 para o tratamento de leucemias de célula B e para a depleção das células B em certos distúrbios autoimunes, anticorpos contra receptores do fator de crescimento epidermal para serem alvos em células de câncer, anticorpos contra fator de crescimento endotelial vascular (uma citocina que promove angiogênese) em pacientes com câncer de cólon, e assim por diante.
Tabela 5-3
BAFF, família de fator de ativação celular; CTLA-4, antígeno-4 do linfócito T citotóxico; EGFR, receptor do fator de crescimento epidermal; HER2/Neu, receptor 2 do fator de crescimento epidermal humano/Neu; PD-1, morte-1 programada; RSV, vírus sincicial respiratório; TNF, fator de necrose tumoral, VEGF, fator de crescimento endotelial vascular.
• Análise funcional da superfície celular e moléculas secretadas. Na pesquisa biológica, os anticorpos monoclonais que se ligam a moléculas da superfície celular e estimulam ou inibem funções celulares em particular são ferramentas valiosas para a definição das funções das moléculas de superfície, incluindo receptores para antígenos. Anticorpos monoclonais também são amplamente usados para a purificação de populações celulares selecionadas a partir de misturas complexas, para facilitar o estudo das propriedades e funções dessas células.
Uma das limitações dos anticorpos monoclonais para terapia é que eles são mais facilmente produzidos com a imunização de camundongos, porém pacientes tratados com anticorpos murinos podem produzir anticorpos contra a Ig de camundongo, chamada de anticorpo humano anticamundongo (HAMA). Esses anticorpos Ig bloqueiam a função ou aumentam a eliminação do anticorpo monoclonal injetado e também podem causar um distúrbio denominado doença do soro (Cap. 19). Técnicas de engenharia genética têm sido usadas para expandir a utilidade dos anticorpos monoclonais. Os DNAs complementares (cDNAs) que codificam as cadeias polipeptídicas de um anticorpo monoclonal podem ser isolados de um hibridoma, e esses genes podem ser manipulados in vitro. Como discutido anteriormente, somente porções pequenas da molécula do anticorpo são responsáveis pela ligação ao antígeno; a molécula remanescente do anticorpo pode ser parte de uma malha. Esta organização estrutural permite que segmentos de DNA que codificam os locais de ligação do antígeno de um anticorpo monoclonal murino sejam inseridos no cDNA que codifica uma proteína de mieloma humano, criando um gene híbrido. Quando ele é expresso, a proteína híbrida resultante, que retém a especificidade antigênica do monoclonal murino original, mas tem a estrutura da Ig humana, é referida como um anticorpo humanizado. Anticorpos monoclonais humanos completos também são utilizados na clínica. Estes são derivados utilizando métodos de apresentação ou em camundongos com células B expressando transgenes humanos de Ig. Anticorpos humanizados são muito menos propensos do que monoclonais de camundongo a parecerem estranhos em humanos e induzir respostas antianticorpo. Entretanto, uma proporção de indivíduos que recebem anticorpos monoclonais completamente humanizados para terapia desenvolve anticorpos de bloqueio, por razões desconhecidas.
Síntese, montagem e expressão das moléculas de Ig
As cadeias pesadas e leves da imunoglobulina, assim como a maioria das proteínas secretadas e de membrana, são sintetizadas em ribossomas ligados à membrana no retículo endoplasmático rugoso. A proteína é translocada para o retículo endoplasmático, e as cadeias pesadas da Ig são N-glicosiladas durante o processo de translocação. A dobra apropriada das cadeias pesadas da Ig e sua montagem com as cadeias leves são reguladas por proteínas residentes no retículo endoplasmático chamadas de chaperones. Essas proteínas, que incluem a calnexina e a molécula BiP (proteína de ligação), se ligam a polipeptídios Ig recentemente sintetizados e garantem que eles sejam retidos ou alvo para a degradação, a menos que dobrem apropriadamente e se encaixem em moléculas de Ig completas. A associação covalente das cadeias pesadas e leves, estabilizada pela formação de pontes dissulfeto, é parte do processo de montagem e também ocorre no retículo endoplasmático. Após a montagem, as moléculas de Ig são liberadas dos chaperones, transportadas para a cisterna do complexo de Golgi em que carboidratos são modificados e, então, encaminhadas para a membrana plasmática em vesículas. Anticorpos da forma membranar são ancorados na membrana plasmática, e a forma secretada é transportada para fora da célula.
A maturação das células B dos progenitores da medula óssea é acompanhada por alterações específicas na expressão do gene da Ig, resultando na produção de moléculas de Ig em diferentes formas (Fig. 5-10). A célula mais inicial na linhagem do linfócito B e que produz polipeptídios Ig, chamada de célula pré-B, sintetiza a forma membranar da cadeia pesada μ. Essas cadeias μ se associam a proteínas chamadas cadeias leves suplentes, para formar o receptor da célula pré-B, e uma pequena proporção do receptor da célula pré-B sintetizado é expressa na superfície celular. Células B imaturas e maduras produzem cadeias leves κ ou l, que se associam às proteínas μ para formar moléculas de IgM. As células B maduras expressam formas membranares de IgM e IgD (cadeias pesadas μ e δ associadas a cadeias leves κ ou l). Esses receptores Ig de membrana servem como receptores da superfície celular que reconhecem antígenos e iniciam o processo da ativação da célula B. O receptor da célula pré-B e o receptor de antígeno da célula B estão não covalentemente associados a duas outras proteínas de membrana, Igα e Igβ, que servem para funções de sinalização e são essenciais para a expressão de IgM e IgD na superfície. Discutiremos os eventos moleculares e celulares na maturação da célula B subjacentes a essas alterações na expressão do anticorpo no Capítulo 8.
FIGURA 5-10 Expressão de Ig durante a maturação do linfócito.
Estágios na maturação do linfócito B são mostrados com mudanças na produção das cadeias pesadas e leves de Ig. As cadeias pesadas de IgM são mostradas em vermelho, as cadeias pesadas de IgD estão em azul e as cadeias leves em verde. Os eventos moleculares que acompanham essas alterações serão discutidos nos Capítulos 8 e 12.
Quando linfócitos B maduros são ativados pelos antígenos e outros estímulos, as células se diferenciam em células secretoras de anticorpos. Esse processo também é acompanhado por mudanças no padrão de produção da Ig. Uma das mudanças é a produção aumentada da forma secretada de Ig relativa à forma membranar. Esta alteração ocorre no nível de processamento pós-translacional. A segunda mudança é a expressão de isotipos de cadeia pesada diferentes da IgM e IgG, chamados de troca de isotipos (ou classe) de cadeias pesadas. Mudanças na expressão do anticorpo que ocorrem após a ativação da célula B serão discutidas no Capítulo 12.
Meia-vida dos Anticorpos
A meia-vida dos anticorpos circulantes é uma medida de quanto tempo esses anticorpos permanecem no sangue após a secreção pelas células B (ou após a injeção, como no caso de um anticorpo administrado). A meia-vida é o tempo médio antes que o número de moléculas de anticorpo seja reduzido à metade. Diferentes isotipos de anticorpo têm meias-vidas muito diferentes na circulação (embora a IgE ligada à célula associada ao receptor de IgE de alta afinidade no mastócito tenha pequena meia-vida; consulte o Cap. 20). A IgA circulante possui meia-vida de cerca de 3 dias, e a IgM circulante tem meia-vida de aproximadamente 4 dias. Em contrapartida, as moléculas de IgG circulantes têm meia-vida de cerca de 21 a 28 dias.
A longa meia-vida da IgG é atribuída à sua habilidade em se ligar a um FcR específico chamado de receptor Fc neonatal (FcRn), que também está envolvido no transporte da IgG da circulação materna através da barreira placentária, bem como na transferência de IgG materna através do intestino nos neonatos. O FcRn se assemelha estruturalmente às moléculas de MHC de classe I (descritas no Cap. 6), e na placenta e no intestino de neonatos, ele move moléculas de IgG através das células sem transportá-las para os lisossomas. Em vertebrados adultos, o FcRn é encontrado na superfície das células endoteliais, macrófagos e outros tipos celulares e se liga à IgG micropinocitada nos endossomas acídicos. O FcRn não tem como alvo a IgG ligada aos lisossomas, mas recicla para a superfície celular e o libera em pH neutro, retornando a IgG para a circulação (Fig. 5-11). Este sequestro intracelular da IgG longe dos lisossomas a previne de ser rapidamente degradada, como ocorre como a maioria das outras proteínas séricas, incluindo outros isotipos de anticorpo, e como resultado, a IgG tem meia-vida relativamente longa. Existem diferenças nas meias-vidas de quatro isotipos de IgGs humanas. A IgG3 tem meia-vida relativamente curta porque se liga fracamente ao FcRn. A IgG1 e a IgG3 são as de meia-vida mais longa e mais eficientes em termos de funções efetoras, como será discutido no Capítulo 13.
FIGURA 5-11 FcRn contribui para a longa meia-vida das moléculas de IgG.
As moléculas de IgG micropinocitadas nas células endoteliais se ligam ao FcRn, um receptor ligante de IgG no meio ambiente acídico dos endossomas. Nas células endoteliais, o FcRn direciona as moléculas de IgG para longe da degradação lisossomal e as libera quando as vesículas se fundem com a superfície celular, expondo os complexos FcRn-IgG ao pH neutro.
A longa meia-vida da IgG tem sido usada para fornecer uma vantagem terapêutica para certas proteínas injetadas por causa da produção de proteínas de fusão contendo a parte biologicamente ativa da proteína e a porção Fc da IgG. A porção Fc permite que as proteínas se liguem ao FcRn e, assim, estendam as meias-vidas das proteínas injetadas. Uma proteína de fusão terapeuticamente útil é o TNFR-Ig, que consiste em um domínio extracelular do receptor de tipo II do TNF (TNFR) fundido com um domínio Fc da IgG; ela é usada para tratar certos distúrbios autoimunes, tais como artrite reumatoide e psoríase, nas quais ela bloqueia as ações inflamatórias do TNF. Outra proteína de fusão terapeuticamente útil é a CTLA4-Ig, que contém o domínio extracelular do receptor de CTLA-4, que se liga aos coestimuladores B7 (Fig. 9-7), fundidos à porção Fc da IgG humana; ela também tem sido útil no tratamento da artrite reumatoide e pode servir mais amplamente como um agente terapêutico imunossupressor.
Ligação dos anticorpos a antígenos
Todas as funções dos anticorpos são dependentes de sua habilidade em se ligar especificamente a antígenos. Abordaremos agora a natureza dos antígenos e como eles são reconhecidos pelos anticorpos.
Características dos Antígenos Biológicos
Um antígeno é qualquer substância que pode ser especificamente ligada por uma molécula de anticorpo ou receptor de célula T. Os anticorpos podem reconhecer como antígenos praticamente todos os tipos de moléculas biológicas, incluindo simples metabólitos intermediários, açúcares, lipídios, autacoides e hormônios, bem como macromoléculas tais como carboidratos complexos, fosfolipídios, ácidos nucleicos e proteínas. Isso se contrapõe às células T, que reconhecem principalmente peptídios (Cap. 6).
Embora todos os antígenos sejam reconhecidos por linfócitos específicos ou por anticorpos, somente alguns deles são capazes de ativar os linfócitos. Moléculas que estimulam as respostas imunes são chamadas de imunógenos. Macromoléculas são efetivas para estimular os linfócitos B a iniciarem as respostas imunes humorais, porque a ativação da célula B necessita que múltiplos receptores de antígenos sejam mantidos juntos (ligação cruzada). Agentes químicos pequenos, tais como dinitrofenol, podem se ligar aos anticorpos e são, portanto, antígenos, mas não podem ativar as células B por si só (i.e., eles não são imunogênicos). Para gerar anticorpos específicos para esses agentes químicos pequenos, os imunologistas comumente ligam múltiplas cópias destas pequenas moléculas a uma proteína ou polissacarídio antes da imunização. Nestes casos, a pequena molécula química é chamada de hapteno e a molécula grande à qual ele está conjugado é denominada carreador. O complexo hapteno-carreador, ao contrário do hapteno livre, pode agir como um imunógeno (Cap. 12).
Macromoléculas, tais como proteínas, polissacarídios e ácidos nucleicos, normalmente são muito maiores do que a região de ligação do antígeno de uma molécula de anticorpo (Fig. 5-6). Dessa maneira, qualquer anticorpo se liga a somente uma porção da macromolécula, que é chamada de determinante ou um epítopo. Estas duas palavras são sinônimos usados indistintamente ao longo deste livro. Macromoléculas contêm tipicamente múltiplos determinantes, alguns dos quais podem ser repetidos e cada um, por definição, pode estar ligado por um anticorpo. A presença de múltiplos determinantes idênticos em um antígeno é referida como polivalência ou multivalência. A maioria das proteínas globulares não contém múltiplos epítopos idênticos e não é polivalente, a menos que eles estejam em agregados. No caso dos polissacarídios e ácidos nucleicos, muitos epítopos idênticos podem ser regularmente espaçados e as moléculas são ditas serem polivalentes. Superfícies celulares, incluindo microrganismos, frequentemente exibem matrizes polivalentes ou determinantes antigênicos de carboidrato ou proteína. Os antígenos polivalentes podem induzir o agrupamento do receptor da célula B e, assim, iniciar o processo de ativação da célula B (Cap. 7).
A organização espacial de diferentes epítopos em uma única molécula de proteína pode influenciar a ligação dos anticorpos de várias maneiras. Quando os determinantes estão bem separados, duas ou mais moléculas de anticorpo podem ser ligadas ao mesmo antígeno proteico, sem influenciar cada um; tais determinantes são ditos serem não sobrepostos. Quando dois determinantes estão próximos um do outro, a ligação do anticorpo ao primeiro determinante pode causar uma interferência estérica com a ligação do anticorpo ao segundo; tais determinantes são ditos estarem sobrepostos. Em raros casos, a ligação de um anticorpo pode causar uma alteração conformacional na estrutura do antígeno, influenciando positiva ou negativamente a ligação de um segundo anticorpo a outro local na proteína por outros meios além do impedimento estérico. Essas interações são chamadas de efeitos aloestéricos.
Qualquer forma ou superfície disponível em uma molécula que possa ser reconhecida por um anticorpo constitui um determinante antigênico ou epítopo. Os determinantes antigênicos podem ser delineados em qualquer tipo de composto, incluindo, mas não restrito a, carboidratos, proteínas, lipídios e ácidos nucleicos. No caso das proteínas, a formação de alguns determinantes depende somente da estrutura primária e a formação de outros determinantes reflete a estrutura terciária ou conformação (forma) (Fig. 5-12).
Os epítopos formados pelos vários resíduos adjacentes de aminoácidos são chamados de determinantes lineares. O local de ligação do antígeno de um anticorpo pode normalmente acomodar um determinante linear composto por cerca de seis aminoácidos. Se os determinantes lineares surgem na superfície externa ou em uma região de conformação estendida na proteína dobrada nativa, eles podem ser acessíveis aos anticorpos. Em outros casos, os determinantes lineares podem estar inacessíveis na conformação nativa e aparecem somente quando a proteína é desnaturada. Em contrapartida, os determinantes conformacionais são formados por resíduos de aminoácidos que não estão em sequência, mas se tornam espacialmente justapostos na proteína dobrada. Anticorpos específicos para certos determinantes lineares e anticorpos específicos para determinantes conformacionais podem ser usados para verificar se uma proteína está desnaturada ou em sua conformação nativa, respectivamente. As proteínas podem estar sujeitas a modificações como glicosilação, fosforilação, ubiquitinação, acetilação e proteólise. Essas modificações, por alteração na estrutura da proteína, podem produzir novos epítopos. Tais epítopos são chamados de determinantes neoantigênicos, e eles também podem ser reconhecidos por anticorpos específicos.
FIGURA 5-12 A natureza dos determinantes antigênicos.
Os determinantes antigênicos (mostrados em laranja, vermelho e azul) podem depender da dobra
da proteína (conformação), bem como da estrutura primária. Alguns determinantes são acessíveis
nas proteínas nativas e são perdidos na desnaturação (A), ao passo que outros são expostos
somente na proteína não dobrada (B). Neodeterminantes surgem de modificações pós-síntese, tais
como clivagem de ligação peptídica (C).
Bases Estruturais e Químicas da Ligação do Antígeno
Os locais de ligação de muitos anticorpos a antígenos são superfícies planares que podem acomodar epítopos conformacionais de macromoléculas, permitindo que os anticorpos se liguem às grandes macromoléculas (Fig. 5-6). Os seis CDRs, três de cadeia pesada e três de cadeia leve, podem se espalhar para formar uma grande superfície. Em um número de anticorpos específicos para pequenas moléculas, tais como monossacarídios e fármacos, o antígeno é ligado a uma fenda gerada pela aposição próxima dos CDRs dos domínios VL e VH.
O reconhecimento do antígeno pelo anticorpo envolve ligação não covalente e reversível. Vários tipos de interações não covalentes podem contribuir para a ligação do anticorpo ao antígeno, incluindo forças eletrostáticas, ligações de hidrogênio, forças de van der Waals e interações hidrofóbicas. A importância de cada um desses depende das estruturas do local de ligação de um anticorpo individual e de um determinante antigênico. A força da ligação entre um único local de combinação de um anticorpo e um epítopo de um antígeno é chamada de afinidade do anticorpo. A afinidade comumente é representada por uma constante de dissociação (Kd), que indica como é fácil separar um complexo antígeno-anticorpo em seus constituintes. Um Kd menor indica uma interação de afinidade mais forte ou maior porque uma menor concentração de antígeno e de um anticorpo é necessária para a formação do complexo. O Kd dos anticorpos produzidos em respostas imunes humorais típicas normalmente varia de cerca de 10-7 M a 10-11 M. O soro de um indivíduo imunizado conterá uma mistura de anticorpos com diferentes afinidades para o antígeno, dependendo primariamente das sequências de aminoácidos dos CDRs.
Pelo fato de a região de dobradiça dos anticorpos conferir flexibilidade, um único anticorpo pode se ligar a um único antígeno multivalente em mais de um local de ligação. Para a IgG ou IgE, essa ligação pode envolver, no máximo, dois locais de ligação, um de cada Fab. Para a IgM pentamérica, entretanto, um único anticorpo pode se ligar a até 10 diferentes locais (Fig. 5-13). Antígenos polivalentes terão mais de uma cópia de um determinante em particular. Embora a afinidade de qualquer local de ligação de antígeno seja a mesma para cada epítopo de um antígeno polivalente, a força da ligação do anticorpo ao antígeno deve levar em conta a ligação de todos os locais a todos os epítopos disponíveis. Esta força geral de ligação é chamada de avidez e é muito maior do que a afinidade a qualquer local de ligação do antígeno. Assim, a molécula de IgM de baixa afinidade ainda pode se ligar fracamente ao antígeno polivalente porque muitas interações de baixa afinidade (até 10 por molécula de IgM) podem produzir uma interação de alta avidez.
FIGURA 5-13 Valência e avidez das interações anticorpo-antígeno.
Antígenos monovalentes, ou epítopos espaçados distantes nas superfícies celulares, irão interagir com um único local de ligação de uma molécula de anticorpo. Embora a afinidade desta interação possa ser alta, a avidez total pode ser relativamente baixa. Quando determinantes repetidos em uma superfície celular estão próximos o suficiente, ambos os locais de ligação do antígeno de uma única molécula de IgG podem se ligar, levando a uma interação de avidez bivalente mais alta. A região de dobradiça da molécula de IgG acomoda a alteração na forma necessária para a ocupação simultânea de ambos os locais de ligação. As moléculas de IgM têm 10 locais idênticos de ligação do antígeno que pode se ligar teoricamente simultaneamente com 10 determinantes repetidos na superfície celular, resultando em interação polivalente de alta avidez.
Antígenos polivalentes são importantes pelo ponto de vista da ativação da célula B, como discutido anteriormente. Interações polivalentes entre o antígeno e o anticorpo também têm significado biológico, uma vez que muitas funções efetoras dos anticorpos são disparadas otimamente quando duas ou mais moléculas de anticorpos são mantidas próximas e juntas pela ligação a um antígeno polivalente. Se um antígeno polivalente é misturado com um anticorpo específico em um tubo de ensaios, os dois interagem para formar imunocomplexos (Fig. 5-14). Na concentração correta, denominada zona de equivalência, anticorpo e antígeno formam uma malha extensamente cruada de moléculas ligadas, de tal forma que a maioria ou todas as moléculas de antígeno e anticorpo estão complexadas em grandes massas. Os imunocomplexos podem ser dissociados em agregados menores pelo aumento da concentração do antígeno, de modo que moléculas de antígeno livre deslocarão o antígeno ligado ao anticorpo (zona de excesso de antígeno), ou pelo aumento da concentração do anticorpo, de modo que as moléculas de anticorpo livre deslocarão o anticorpo ligado aos determinantes antigênicos (zona de excesso de anticorpo). Se uma zona de equivalência é alcançada in vivo, grandes imunocomplexos podem se formar na circulação. Os imunocomplexos que são presos ou formados nos tecidos podem iniciar uma reação inflamatória, resultando em doenças de imunocomplexos (Cap. 19).
FIGURA 5-14 Complexos antígeno-anticorpo.
Os tamanhos dos complexos antígeno-anticorpo (imune) são uma função das concentrações relativas do antígeno e do anticorpo. Grandes complexos são formados em concentrações de antígenos e anticorpos multivalentes que são ditos como zona de equivalência; os complexos são menores em antígeno relativo ou excesso de anticorpo.
Relação estrutura-função nas moléculas de anticorpo.
Muitas características estruturais dos anticorpos são críticas para sua habilidade em reconhecer os antígenos e para suas funções efetoras. Na seção a seguir, resumiremos como a estrutura dos anticorpos contribui para suas funções.
Características Relacionadas com o Reconhecimento do Antígeno
Os anticorpos são capazes de reconhecer especificamente uma grande variedade de antígenos com afinidades variadas. Todas as características do reconhecimento do antígeno refletem as propriedades das regiões V do anticorpo.
Especificidade
Os anticorpos podem ser notavelmente específicos para os antígenos, diferenciando entre pequenas distinções na estrutura química. Experimentos realizados no início do século XX demonstraram que anticorpos produzidos na presença de um hapteno aminobenzeno com um grupo sulfonato metassubstituído se ligarão fortemente a este hapteno, mas fracamente ou não a todos os isômeros orto ou parassubstituídos. Esses antígenos são estruturalmente similares e se diferenciam somente na localização do grupo sulfonato do anel benzeno.
A fina especificidade dos anticorpos se aplica ao reconhecimento de todas as classes de moléculas. Por exemplo, os anticorpos podem diferenciar entre dois determinantes proteicos lineares, distinguindo em somente uma única substituição de aminoácidos conservados que tem pouco efeito na estrutura secundária. Este alto grau de especificidade é necessário para que anticorpos gerados em resposta aos antígenos de um microrganismo normalmente não reajam com as próprias moléculas estruturalmente similares ou com os antígenos de outros microrganismos. Entretanto, alguns anticorpos produzidos contra um antígeno podem se ligar a um antígeno diferente, mas estruturalmente relacionado. Isso é conhecido como reação cruzada. Os anticorpos que são produzidos em resposta a um antígeno microbiano algumas vezes têm reação cruzada com os próprios antígenos, o que pode ser a base de certas doenças imunológicas (Cap. 19).
Diversidade
Como discutimos anteriormente neste capítulo, um indivíduo é capaz de produzir um grande número de anticorpos estruturalmente distintos, talvez na ordem dos milhões, cada um com uma especificidade distinta. A habilidade dos anticorpos em qualquer indivíduo de se ligar especificamente a um grande número de diferentes antígenos é um reflexo da diversidade do anticorpo, e a coleção total de anticorpos com diferentes especificidades representa o repertório do anticorpo. Os mecanismos genéticos que geram repertório tão grande de anticorpos ocorrem exclusivamente em linfócitos. Essa diversidade é gerada pela recombinação randômica de um quadro limitado de sequências de DNA herdadas para formar genes funcionais que codificam as regiões V das cadeias pesadas e leves, abem como pela adição de sequências de nucleotídios durante o processo de recombinação. Discutiremos esses mecanismos em detalhes no Capítulo 8. As inúmeras variações na estrutura estão concentradas nas regiões hipervariáveis de ligação do antígeno de ambas as cadeias pesada e leve e, assim, determinam a especificidade para os antígenos.
Maturação de Afinidade
A habilidade dos anticorpos em neutralizar toxinas e microrganismos infecciosos é dependente da firme ligação dos anticorpos. Como discutimos, a firme ligação é alcançada pelas interações de alta afinidade e alta avidez. O mecanismo para a geração de anticorpos de alta afinidade envolve sutis mudanças na estrutura das regiões V dos anticorpos durante as respostas imunes humorais dependentes de célula T aos antígenos proteicos. Essas alterações acontecem por um processo de mutação somática em linfócitos B estimulados pelo antígeno e que gera novas estruturas no domínio V, algumas das quais se ligam ao antígeno com maior afinidade do que o fazem os domínios originais (Fig. 5-15). Aquelas células B produzindo anticorpos de maior afinidade se ligam preferencialmente ao antígeno e, como resultado da seleção, se tornam células B dominantes com cada exposição subsequente ao antígeno. Este processo, chamado de maturação da afinidade, resulta em um aumento na afinidade média de ligação dos anticorpos para um antígeno à medida que a resposta imune evolui. Dessa maneira, um anticorpo produzido durante uma resposta imune primária a um antígeno proteico frequentemente tem um Kd na faixa de 10-7 a 10-9 M; nas respostas secundárias, a afinidade aumenta, com um Kd de 10-11M ou mesmo menos. Abordaremos os mecanismos da maturação da afinidade no Capítulo 12.
FIGURA 5-15 Mudanças na estrutura do anticorpo durante as respostas imunes humorais.
A ilustração descreve as mudanças na estrutura dos anticorpos que podem ser produzidos pela progênie de células B ativadas (um clone) e as alterações na função. Durante a maturação da afinidade, mutações na região V (indicada por pontos amarelos) levam a alterações na fina especificidade, sem mudanças nas funções efetoras dependente da região C. Células B ativadas podem modificar a produção de anticorpos grandemente ligados à membrana contendo regiões transmembranares e citoplasmáticas para anticorpos secretados. Os anticorpos secretados podem mostrar ou não mutações no gene V (i.e., de roxo para verde ou amarelo), sem alterações na região V de ligação ao antígeno. A troca de isotipo é vista em anticorpos ligados à membrana e secretados. Discutiremos as bases moleculares para essas alterações no Capítulo 12.
Características Relacionadas com as Funções Efetoras
Muitas das funções efetoras das imunoglobulinas são mediadas pelas porções Fc das moléculas, e os isotipos dos anticorpos que diferem nestas regiões Fc realizam funções distintas. Mencionamos previamente que as funções efetoras dos anticorpos necessitam da ligação das regiões C da cadeia pesada, que compõem as porções Fc, outras células e proteínas plasmáticas. Por exemplo, a IgG recobre microrganismos e os torna alvo para a fagocitose pelos neutrófilos e macrófagos. Isso ocorre porque a molécula de IgG complexada com o antígeno é capaz de se ligar, através da sua região Fc, aos FcRs específicos da cadeia pesada γ que são expressos nos neutrófilos e macrófagos. Em contrapartida, a IgE se liga aos mastócitos e dispara sua desgranulação porque os mastócitos expressam FcRs específicos para a IgE. Outro mecanismo efetor dependente de Fc da imunidade humoral é a ativação da via clássica do sistema complemento. O sistema gera mediadores inflamatórios e promove a fagocitose e lise microbiana. Ambas são iniciadas pela ligação de uma proteína do complemento chamada C1q às porções Fc da IgG ou IgM complexadas com o complemento. Os locais de ligação, FcR e complemento, dos anticorpos são encontrados dentro dos domínios C da cadeia pesada de diferentes isotipos (Fig. 5-1). Discutiremos a estrutura e as funções dos FcRs e proteínas do complemento no Capítulo 13.
As funções efetoras dos anticorpos são iniciadas somente pelas moléculas de Ig que se ligaram aos antígenos e não pelas Ig livres. A razão para somente anticorpos com antígenos ligados ativarem mecanismos efetores é que duas ou mais porções Fc de anticorpos adjacentes são necessárias para se ligar e disparar vários sistemas efetores, tais como proteínas do complemento e fagócitos FcRs (Cap. 13). Essa necessidade de moléculas de anticorpos adjacentes garante que as funções efetoras sejam alvos direcionados especificamente para a eliminação dos antígenos que são reconhecidos pelo anticorpo e que anticorpos livres circulantes não sejam eliminados, e inapropriadamente, disparem respostas efetoras.
Mudanças nos isotipos dos anticorpos durante as respostas imunes humorais influenciam como as respostas trabalham para erradicar o antígeno. Após a estimulação por um antígeno, um único clone das células B produz anticorpos com diferentes isotipos que, não obstante, possuem domínios V idênticos e, portanto, especificidade antigênica idêntica. As células B imaturas produzem simultaneamente IgM e IgD, que agem como receptores de membrana para os antígenos. Quando as células B são ativadas pelos antígenos estranhos, tipicamente de origem microbiana, elas podem passar por um processo chamado de troca de isotipo (ou classe) no qual o tipo de região CH, e assim o isotipo do anticorpo, produzido pela célula B muda, mas as regiões V e a especificidade não (Fig. 5-15). Como resultado da troca de isotipo, diferentes progênies da célula B original expressando IgM e IgD podem produzir isotipos e subtipos que são mais capazes de eliminar o antígeno. Por exemplo, a resposta do anticorpo a muitas bactérias e vírus é dominada pelos anticorpos IgG, que promovem a fagocitose dos microrganismos, e a resposta aos helmintos consiste principalmente em IgE, que auxilia na destruição dos parasitas. A troca do isotipo de IgG também prolonga a efetividade das respostas imunes humorais por causa da longa meia-vida dos anticorpos IgG. Discutiremos os mecanismos e significados funcionais da troca de isotipo no Capítulo 12.
As regiões C da cadeia pesada dos anticorpos também determinam a distribuição tecidual das moléculas de anticorpo. Como mencionamos anteriormente, após as células B serem ativadas, elas gradualmente perdem a expressão do anticorpo ligado à membrana e o expressam mais como uma proteína secretada (Fig. 5-15). A IgA pode ser eficientemente secretada através do epitélio mucoso e é a principal classe de anticorpo nas secreções mucosas e no leite (Cap. 14). Os neonatos são protegidos das infecções pelos anticorpos IgG que eles adquirem das suas mães através da placenta durante a gestação e através do intestino logo após o nascimento. Esta transferência da IgG materna é mediada pelo FcRn, que descrevemos anteriormente como sendo o receptor responsável pela longa meia-vida do anticorpo IgG.
Resumo
Anticorpos ou imunoglobulinas, são uma família de glicoproteínas estruturalmente relacionadas e produzidas na forma ligada à membrana ou secretadas pelos linfócitos B.
Anticorpos ligados à membrana servem como receptores que medeiam a ativação das células B disparadas pelo antígeno.
Anticorpos secretados funcionam como mediadores da imunidade humoral específica acoplando vários mecanismos efetores que servem para eliminar os antígenos ligados.
As regiões de ligação ao antígeno das moléculas do anticorpo são altamente variáveis, e qualquer indivíduo tem o potencial de produzir milhões de diferentes anticorpos, cada qual com distintas especificidades antigênicas.
Todos os anticorpos têm uma estrutura do núcleo simétrica e comum de duas cadeias pesadas idênticas e ligadas covalentemente e duas cadeias leves idênticas, cada qual ligada a uma das cadeias pesadas. Cada cadeia consiste em dois ou mais domínios Ig independentemente dobrados de cerca de 110 aminoácidos contendo sequências conservadas e pontes dissulfeto intracadeias.
Os domínios N-terminais das cadeias pesadas e leves formam as regiões V das moléculas de anticorpo, que diferem dentre os anticorpos de diferentes especificidades. As regiões V das cadeias pesadas e leves contêm três regiões hipervariáveis separadas de cerca de 10 aminoácidos que são espacialmente montados para formar o local de combinação do antígeno na molécula do anticorpo.
Os anticorpos são classificados em diferentes isotipos e subtipos baseando-se nas diferenças nas regiões C da cadeia pesada, que consiste em três ou quatro domínios C da Ig, e estas classes e subclasses têm diferentes propriedades funcionais. As classes de anticorpos são chamadas de IgM, IgD, IgG, IgE e IgA. Ambas as cadeias leves de uma única molécula de Ig são do mesmo isotipo de cadeia leve, κ ou l, que diferem em seus domínios C.
A maioria das funções efetoras dos anticorpos é mediada pelas regiões C das cadeias pesadas, mas essas funções são disparadas pela ligação dos antígenos ao local de combinação na região V.
Os anticorpos monoclonais são produzidos a partir de um único clone de células B e reconhecem um único determinante antigênico. Anticorpos monoclonais podem ser gerados no laboratório e são amplamente usados na pesquisa, diagnóstico e terapia.
Os antígenos são substâncias que se ligam especificamente a anticorpos ou receptores de antígeno no linfócito T. Os antígenos que se ligam aos anticorpos incluem uma grande variedade de moléculas biológicas, entre elas açúcares, lipídios, carboidratos, proteínas e ácidos nucleicos. Isso se contrapõe à maioria dos receptores de antígeno da célula T, que reconhecem somente antígenos peptídicos.
Antígenos macromoleculares contêm múltiplos epítopos, ou determinantes, cada qual pode ser reconhecido por um anticorpo. Epítopos lineares dos antígenos proteicos consistem em uma sequência de aminoácidos adjacentes, e determinantes conformacionais são formados pela dobra da cadeia polipeptídica. A afinidade da interação entre o local de combinação de uma única molécula de anticorpo e um único epítopo geralmente é representada pela constante de dissociação (Kd) calculada a partir de dados de ligação. Antígenos polivalentes contêm múltiplos epítopos idênticos aos quais moléculas de anticorpos idênticos podem se ligar. Os anticorpos podem se ligar a dois ou, no caso da IgM, até 10 epítopos idênticos simultaneamente, levando a aumento na avidez da interação anticorpo-antígeno.
As concentrações relativas dos antígenos e anticorpos polivalentes podem favorecer a formação de imunocomplexos que podem se depositar nos tecidos e causar dano.
A ligação do anticorpo ao antígeno pode ser altamente específica, distinguindo pequenas diferenças nas estruturas químicas, mas reações cruzadas também podem ocorrer onde dois ou mais antígenos podem se ligar ao mesmo anticorpo.
Várias mudanças na estrutura dos anticorpos feitas por um clone de células B podem ocorrer no curso de uma resposta imune. As células B inicialmente produzem somente Ig ligada à membrana, mas nas células B ativadas e plasmócitos, a Ig com a mesma especificidade de ligação do antígeno do receptor original de Ig ligado à membrana é secretada. Mudanças no uso dos segmentos do gene da região C sem alterações nas regiões V são a bases da troca de isotipo, o que leva a mudanças na função efetora sem uma alteração na especificidade. Mutações pontuais nas regiões V de um anticorpo específico para um antígeno levam à afinidade aumentada para aquele antígeno (maturação de afinidade).


















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