A pele (L. integumentum, revestimento)
é facilmente acessível e é um dos melhores indicadores
da saúde geral; por isso, é importante
observá-la com atenção durante
o exame físico. É incluída no diagnóstico diferencial de quase todas as doenças. A pele propicia:
• Proteção do corpo contra os efeitos ambientais,
como escoriações,
perda de líquido,
substâncias prejudiciais,
radiação ultravioleta e microrganismos invasores
• Contenção das estruturas do corpo (p.
ex., tecidos
e órgãos) e de substâncias vitais (principalmente líquidos extracelulares),
evitando a desidratação,
que pode ser grave em caso de lesões cutâneas
extensas (p. ex., queimaduras)
• Regulação do calor mediante a evaporação
do suor e/ou a dilatação ou constrição dos vasos sanguíneos superficiais.
• Sensibilidade (p.
ex., dor) por meio de nervos superficiais e suas terminações sensitivas
• Síntese e armazenamento de vitamina D.
A pele, o maior órgão do corpo, é formada pela epiderme,
uma camada
celular superficial, e pela derme, uma camada
profunda de tecido conjuntivo (Figura I.6).
A epiderme é
um epitélio queratinizado
— isto é, tem uma camada superficial
córnea
e resistente,
que forma
uma superfície externa
protetora
sobre
a camada basal
ou
profunda,
regenerativa
e
pigmentada. A epiderme não tem vasos sanguíneos
nem linfáticos. A epiderme avascular é nutrida pela derme vascularizada
subjacente.
A derme
é irrigada por artérias
que
entram
em
sua superfície
profunda
para
formar
um plexo cutâneo de artérias que se anastomosam. A pele também tem terminações
nervosas
aferentes
sensíveis ao tato, irritação (dor) e
temperatura. A maioria
das
terminações nervosas está situada na derme,
mas algumas penetram a epiderme.
A derme é uma camada
densa de fibras colágenas e elásticas entrelaçadas. Essas fibras proporcionam o tônus cutâneo
e são responsáveis pela resistência e firmeza da pele. A derme dos animais é retirada e curtida para produzir o couro. Embora os feixes de fibras colágenas na derme sigam em todas as direções para formar
um tecido firme, semelhante ao feltro, em um local
específico a maioria das fibras segue na mesma direção. O padrão predominante de fibras colágenas determina a tensão característica e as rugas na pele.
As linhas
de clivagem (também
chamadas
de linhas
de tensão ou linhas de Langer) tendem a ser longitudinalmente espirais
nos membros e transversais no pescoço
e no tronco (Figura
I.7). As linhas
de clivagem nos
cotovelos, joelhos, tornozelos e punhos são paralelas às pregas transversais que surgem quando
os membros são fletidos. As fibras elásticas da derme sofrem deterioração com a
idade e não são substituídas; consequentemente, a pele das pessoas idosas apresenta
rugas e flacidez à medida que perde a elasticidade.
Figura I.6 A pele
e algumas de suas estruturas especializadas.
A pele também contém muitas estruturas especializadas
(Figura I.6). A camada
profunda
da
derme
contém
folículos pilosos, associados a músculos lisos eretores e glândulas sebáceas. A contração dos músculos
eretores dos pelos causa ereção dos pelos, deixando a pele arrepiada. Em geral, os folículos pilosos são inclinados para um lado, e há várias glândulas
sebáceas no lado para o qual o pelo “aponta”
ao emergir da pele. Assim, a contração
dos músculos eretores deixa os pelos mais retos, comprimindo as glândulas
sebáceas
e facilitando
a liberação
de sua secreção
oleosa
na superfície cutânea. A evaporação da secreção
aquosa (suor) das glândulas
sudoríferas da pele é um mecanismo termorregulador para perda de calor (resfriamento).
As pequenas artérias (arteríolas) da derme também
participam da perda ou retenção
do calor corporal.
Elas se dilatam para encher
os leitos capilares superficiais
e irradiar calor
(a pele
fica vermelha)
ou
contraem-se
para minimizar a perda de calor na superfície (a pele fica azulada, principalmente nos
lábios e nas pontas dos dedos das mãos). Outras estruturas ou derivados da pele incluem os pelos, as unhas (dos pés e das mãos), as glândulas mamárias e o esmalte dos dentes.
Situado entre a pele sobrejacente (derme) e a fáscia muscular subjacente, a tela subcutânea (fáscia superficial) é formada principalmente por tecido conjuntivo frouxo
e
depósito
de
gordura, contém glândulas sudoríferas,
vasos sanguíneos
superficiais, vasos
linfáticos
e nervos cutâneos (Figura I.6). As
estruturas
neurovasculares seguem
na
tela subcutânea,
distribuindo apenas seus ramos terminais para a pele.
A tela subcutânea é responsável pela maior parte
do reservatório de gordura do corpo, assim sua espessura varia muito, dependendo do estado nutricional da pessoa.
Além disso, a distribuição
da tela subcutânea é muito variável em diferentes
locais no mesmo indivíduo. Compare,
por exemplo, a relativa abundância da tela subcutânea
evidente pela espessura
da prega cutânea
que pode ser pinçada na cintura ou nas coxas com a parte anteromedial da perna (a margem anterior da tíbia) ou o dorso
da mão; essas duas regiões
quase
não
têm
tela subcutânea. Reflita também sobre a diferente
distribuição da
tela
subcutânea e da gordura nos sexos masculino e feminino: em mulheres maduras, o acúmulo tende a ocorrer nas mamas e nas coxas, ao passo que nos homens,
a gordura subcutânea acumula-se na parede abdominal inferior.
A tela subcutânea participa da termorregulação,
funcionando como isolamento e
retendo calor
no
centro
do
corpo. Também oferece acolchoamento
que protege a pele da compressão pelas proeminências ósseas, como nas nádegas.
Os retináculos da pele, faixas
fibrosas numerosas e pequenas, estendem-se
através
da
tela subcutânea e fixam a superfície profunda da derme à fáscia
profunda subjacente (Figura I.6). O comprimento e a densidade
desses ligamentos determinam a mobilidade da pele sobre estruturas profundas. A pele é mais móvel
nas áreas onde os ligamentos
são mais
longos e esparsos,
como o dorso da mão. Nos locais onde os ligamentos
são curtos e abundantes, a pele está firmemente fixada à fáscia profunda subjacente, como nas palmas das mãos e plantas dos pés. Na dissecção, a retirada da pele nas áreas em que os retináculos da pele são curtos
e abundantes requer o uso de um bisturi afiado.
Os retináculos da
pele
são longos mas particularmente bem desenvolvidos nas mamas, onde formam ligamentos suspensores para sustentação do peso.
Figura I.7 Linhas de clivagem na pele. As linhas
tracejadas indicam a direção predominante das f ibras colágenas na derme.
Alterações da cor da pele no diagnóstico clínico
O fluxo sanguíneo nos leitos
capilares
superficiais da
derme
influencia
a cor da
pele e
oferece
informações importantes para o diagnóstico de
alguns distúrbios clínicos. Quando o sangue não traz oxigênio suficiente dos pulmões, como no caso de parada respiratória ou de problema circulatório com envio de volume inadequado de
sangue aos pulmões, a pele pode tornar-se azulada (cianótica). Isso ocorre porque a hemoglobina, que transporta oxigênio no sangue, tem cor vermelho-viva ao transportar oxigênio (como nas artérias e geralmente nos capilares) e arroxeada quando não tem oxigênio, como nas veias. A cianose é mais evidente nos locais onde a pele é fina, como os lábios, as pálpebras e sob as unhas transparentes. Lesão cutânea, exposição a calor excessivo, infecção, inflamação ou reações alérgicas podem causar ingurgitação dos leitos capilares superficiais, o que
deixa a pele com coloração vermelha anormal, um sinal chamado de eritema. Em alguns distúrbios do fígado, um pigmento amarelo, chamado de bilirrubina, acumula-se no sangue, deixando amareladas as escleras e a pele, o que é chamado de icterícia. A s alterações da cor da pele são observadas com mais facilidade em pessoas de pele clara e a identificação pode
ser difícil em pessoas de pele escura.
Incisões e cicatrizes cutâneas
A pele está sempre sob tensão. Lacerações ou incisões paralelas às linhas de clivagem geralmente regeneram bem, com poucas cicatrizes, porque a ruptura das fibras é mínima. A s fibras contínuas tendem a manter as margens da ferida no lugar. No entanto, uma laceração ou incisão transversal às linhas de clivagem rompe mais fibras colágenas.
A ruptura das linhas de clivagem causa a
abertura da ferida, e pode haver formação de cicatriz excessiva (queloide). Quando outros aspectos, como exposição e acesso adequados ou afastamento de nervos, não são muito importantes, os cirurgiões podem usar incisões paralelas às linhas de clivagem para
tentar minimizar a formação de cicatriz por razões estéticas.
ESTRIAS CUTÂNEAS
A s fibras colágenas e elásticas na derme formam uma rede de tecido firme e flexível. Como a pele consegue sofrer distensão considerável, a incisão em uma cirurgia é relativamente pequena em comparação com a incisão muito maior necessária para realizar o mesmo procedimento em um cadáver embalsamado, cuja pele perdeu a elasticidade.
A pele pode se distender e
crescer para ajustar-se a
aumentos graduais de tamanho. Entretanto, aumentos de tamanho acentuados e relativamente rápidos, como o aumento abdominal e o ganho de peso associados à gravidez, podem causar distensão excessiva e
lesar as fibras colágenas na derme (Figura BI.1). Linhas cutâneas finas e enrugadas, inicialmente vermelhas, mas que depois tornam-se roxas, e estrias brancas surgem no abdome, nádegas, coxas e mamas durante a gravidez. A s estrias também surgem em indivíduos obesos e em algumas doenças (p. ex., hipercortisolismo ou síndrome de Cushing); estão associadas à distensão e ao afrouxamento da
fáscia muscular em razão da
degradação das proteínas que leva à diminuição da coesão entre as fibras colágenas. A s estrias geralmente diminuem após a gravidez e o emagrecimento, mas nunca desaparecem por completo.
Figura BI.1
Lesões e feridas cutâneas
Lacerações. Os cortes
e
lacerações
cutâneas
acidentais
podem
ser
superficiais ou
profundos.
A s
lacerações superficiais rompem a epiderme e, às vezes, a camada superficial da derme; há sangramento, mas não há perda da continuidade da derme. A s lacerações profundas penetram a camada profunda da derme, estendendo-se até o tecido subcutâneo ou ainda mais; a ferida se abre e requer aproximação das margens da derme (por sutura) para minimizar a formação de cicatriz.
A s queimaduras são causadas por trauma
térmico, radiação
ultravioleta
ou ionizante, ou
agentes
químicos.
A s queimaduras são classificadas, em ordem crescente de gravidade, de acordo com a profundidade da lesão cutânea (Figura BI.2):
• Queimadura de 1o grau (superficial) (p. ex., queimadura solar): lesão limitada à epiderme; as manifestações são eritema (pele vermelha e
quente), dor e edema; geralmente a camada superficial sofre descamação alguns dias depois, mas é rapidamente substituída pela camada basal da epiderme sem formação de cicatriz
Figura BI.2
• Queimadura de 2o grau (espessura parcial): há danos à epiderme e à derme superficial, com formação de bolhas (queimadura de 2o grau superficial), ou
perda dessas
camadas (queimadura de 2o grau profunda); há lesão das terminações nervosas, o que torna esse tipo de queimadura mais doloroso; com exceção das partes mais superficiais, as glândulas sudoríferas e os folículos pilosos não são lesados e podem fornecer células de
reposição para a camada basal da epiderme, juntamente com as células das margens da ferida; a regeneração é lenta (de 3 semanas a vários meses), deixando cicatriz e algum grau de contratura, mas geralmente é completa
• Queimadura de 3o grau (espessura total): há lesão de toda a espessura da pele e, às vezes, do músculo subjacente. O edema é acentuado e a área queimada fica anestesiada, pois as terminações nervosas sensitivas são destruídas. Pode haver discreta regeneração nas margens, mas as partes ulceradas abertas exigem enxerto cutâneo: o material morto (escara) é
removido e
substituído (enxertado)
na área
queimada por pele
retirada de
um local não queimado (autoenxerto), pele
de cadáveres humanos ou de porcos ou pele
cultivada ou artificial.
A extensão da queimadura (percentagem da superfície corporal total afetada) geralmente é mais importante do que o grau (gravidade em termos de profundidade) na
avaliação do efeito sobre o bem-estar da vítima. De acordo com a classificação de queimaduras da A merican Burn A ssociation, uma
queimadura grande é a queimadura de 3o grau em mais de 10% da área de superfície corporal; queimadura de 2o grau em mais de 25% da área de superfície do corpo ou qualquer queimadura de 3o grau na face, nas mãos, nos pés ou no períneo (área que inclui as regiões anal e
urogenital). Quando a
área queimada ultrapassa 70% da área de superfície corporal, a taxa de mortalidade é superior a
50%. A área de superfície afetada por uma queimadura em um adulto pode ser estimada aplicando-se a
“Regra dos Nove”, na qual o corpo é dividido em áreas de aproximadamente 9% ou múltiplos de 9% da superfície corporal total (Figura BI.3).
Figura BI.3
PONTOS-CHAVE
O tegumento comum (a pele) é formado por epiderme, derme e estruturas especializadas (folículos pilosos, glândulas sebáceas e glândulas sudoríferas). A pele: ♦ tem papéis importantes na proteção, contenção, termorregulação e sensibilidade; ♦ sintetiza e armazena vitamina D; ♦ exibe linhas de clivagem, relacionadas com a direção predominante das fibras colágenas
na pele, que têm consequências para a cirurgia e a cicatrização de feridas. A tela subcutânea, situada sob a derme, contém a maior parte das reservas de gordura corporal.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA: MOORE, K.L. - ANATOMIA ORIENTADA PARA A CLÍNICA, 6ªED, GUANABARA KOOGAN, 2011.





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