Fonte: Livro Imunologia Celular e Molecular - 8ª Ed.
Autores: Abul Lichtman, Andrew Abbas
VISÃO GERAL DA IMUNIDADE HUMORAL
NEUTRALIZAÇÃO DE MICRORGANISMOS E TOXINAS MICROBIANAS
OPSONIZAÇÃO E FAGOCITOSE MEDIADAS POR ANTICORPOS
Receptores de Fc em Leucócitos
Citotoxicidade Mediada por Células Dependente de Anticorpo
Eliminação de Helmintos Mediada por Anticorpo
SISTEMA COMPLEMENTO
Vias de Ativação do Complemento
Receptores para Proteínas do Complemento
Regulação da Ativação do Complemento
Funções do Complemento
Deficiências do Complemento
Efeitos Patológicos do Sistema Complemento
Evasão do Complemento por Microrganismos
IMUNIDADE NEONATAL
RESUMO
A imunidade humoral é mediada por anticorpos secretados, e sua função fisiológica é a
defesa contra microrganismos extracelulares e toxinas microbianas. Esse tipo de
imunidade contrasta com a imunidade mediada por células, o outro braço efetor do
sistema imune adaptativo, que é mediada por linfócitos T e cuja função é a eliminação de
microrganismos que infectam as células hospedeiras e nelas vivem (Caps. 10 e 11). A
imunidade humoral é a forma de imunidade que pode ser transferida de indivíduos
imunizados para não imunizados por meio do soro. Os tipos de microrganismos que são
combatidos pela imunidade humoral são bactérias extracelulares, fungos e até
microrganismos intracelulares como vírus, que são alvos de anticorpos antes de
infectarem as células ou quando são liberados a partir de células infectadas. Defeitos na
produção de anticorpos resultam em suscetibilidade aumentada a infecções por muitos
agentes, incluindo bactérias, fungos e vírus. As vacinas atualmente em uso induzem
proteção primariamente pela estimulação da produção de anticorpos (Tabela 13-1).
Apesar de seus papéis protetores essenciais, os anticorpos podem ser perigosos e
medeiam a lesão tecidual em indivíduos alérgicos e em determinadas doenças
autoimunes. Neste capítulo, discutiremos os mecanismos efetores que são utilizados
pelos anticorpos para eliminar antígenos. A estrutura dos anticorpos está descrita no
Capítulo 5 e o processo de produção de anticorpos no Capítulo 12.
Tabela 13-1
Imunidade Humoral Induzida por Vacinas
*São listados exemplos selecionados de vacinas que funcionam por estimulação da imunidade humoral protetora.
Visão geral da imunidade humoral
Antes de discutirmos os principais mecanismos pelos quais os anticorpos proporcionam
proteção contra microrganismos, resumiremos algumas das características mais
importantes da defesa do hospedeiro mediada por anticorpos.
• As principais funções dos anticorpos são neutralizar e eliminar microrganismos
infecciosos e as toxinas microbianas (Fig. 13-1). Como veremos adiante, a eliminação de
antígenos mediada por anticorpos envolve diversos mecanismos efetores e requer a
participação de vários componentes celulares e humorais do sistema imune, incluindo
fagócitos e proteínas do sistema complemento.
FIGURA 13-1 Funções efetoras dos anticorpos.
Anticorpos contra microrganismos (e suas toxinas, não mostrado) neutralizam esses agentes,
opsonizam os mesmos para fagocitose, promovem sua sensibilização para o processo de
citotoxicidade celular dependente de anticorpo e ativam o sistema complemento. Essas diversas
funções efetoras podem ser mediadas por diferentes isotipos de anticorpos.
• Os anticorpos são produzidos por plasmócitos nos órgãos linfoides secundários e na
medula óssea e realizam suas funções efetoras em locais distantes de onde são
produzidos. Os anticorpos produzidos nos linfonodos, no baço e na medula óssea
podem entrar na circulação sanguínea e, então, circular por todo o corpo. Os
anticorpos produzidos nos tecidos linfoides associados às mucosas são transportados
através das barreiras epiteliais para o lúmen de órgãos mucosos, como o intestino e as
vias respiratórias, onde esses anticorpos secretados bloqueiam a entrada de
microrganismos ingeridos ou inalados (Cap. 14). Os anticorpos também são
ativamente transportados através da placenta para a circulação do feto em
desenvolvimento. Ocasionalmente, os anticorpos podem ser produzidos em tecidos
periféricos não linfoides, em locais de infecção ou de inflamação crônica. Na
imunidade mediada por células, os linfócitos T ativados são capazes de migrar para
locais periféricos de infecção e inflamação, mas não são transportados para as
secreções mucosas ou através da placenta.
• Os anticorpos que medeiam a imunidade protetora podem ser derivados de plasmócitos
produtores de anticorpos de vida longa ou curta. A primeira exposição ao antígeno, seja
por infecção ou vacinação, leva à ativação de linfócitos B virgens e sua diferenciação em
plasmócitos secretores de anticorpos e células de memória (Cap. 12). A exposição
subsequente ao mesmo antígeno leva à ativação de células B de memória e a uma
resposta de anticorpos mais intensa e rápida. Os plasmócitos gerados em uma resposta
imune ou aqueles provenientes de células B da zona marginal ou de células B-1 em
respostas imunes T-independentes tendem a ser plasmócitos de vida curta. Em
contrapartida, plasmócitos secretores de anticorpos de alta afinidade, que sofreram
mudança de classe e são produzidos em centros germinativos durante respostas Tdependentes
a antígenos proteicos, migram para a medula óssea e lá persistem
produzindo anticorpos continuamente por anos após a eliminação do antígeno. Muitas
das imunoglobulinas G (IgG) encontradas no soro de indivíduos normais derivam
desses plasmócitos de vida longa que foram induzidos por respostas de células B
virgens e de memória a vários antígenos durante toda a vida do indivíduo. Se um
indivíduo normoimune for exposto a um microrganismo com o qual já tivera contato
prévio, o nível de anticorpos circulantes produzido pelos plasmócitos de vida longa
garante proteção imediata contra a infecção. Ao mesmo tempo, as células B de
memória geram grandes quantidades de anticorpos, proporcionando uma segunda e
mais eficaz onda de proteção.
• Muitas das funções efetoras dos anticorpos são mediadas pelas regiões constantes da
cadeia pesada das moléculas de Ig, e os diferentes isotipos de cadeia pesada possuem
distintas funções efetoras (Tabela 13-2). Por exemplo, algumas subclasses de IgG (IgG1
e IgG3) ligam-se aos receptores Fc de fagócitos e promovem a fagocitose de partículas
recobertas por anticorpo; IgM e algumas subclasses de IgG (IgG1, IgG2 e IgG3, mas
não IgG4) ativam o sistema complemento; e IgE liga-se aos receptores Fc de mastócitos
e desencadeia sua ativação. Cada um desses mecanismos efetores será discutido
posteriormente neste capítulo. O sistema imune humoral é especializado de tal
maneira que diferentes exposições de microrganismos ou antígenos estimulam a
mudança de isotipo na célula B para um tipo que seja mais eficiente no combate a
esses agentes. O principal estímulo para a troca de isotipo durante o processo de
ativação da célula B são as citocinas e o ligante do CD40 expresso pelas células T
auxiliares foliculares (Cap. 12). A neutralização é a única função de anticorpos que é
mediada inteiramente pela ligação do antígeno e não requer participação das regiões
constantes da Ig.
Tabela 13-2
Funções dos Isotipos de Anticorpos
*Essas funções são mediadas por anticorpos ligados à membrana e não secretados.
• Apesar de muitas das funções efetoras dos anticorpos serem mediadas pelas regiões
constantes da cadeia pesada da Ig, todas elas são desencadeadas pela ligação do
antígeno às regiões variáveis. A ligação do anticorpo a um antígeno multivalente, como
um polissacarídio ou um epítopo repetido sobre uma superfície microbiana, aproxima
as regiões do Fc, e esse agrupamento de moléculas de anticorpo leva à ativação do
complemento e possibilita que os anticorpos se liguem a receptores de Fc em fagócitos
e os ative. A necessidade de ligação ao antígeno assegura que os anticorpos ativem
diversos mecanismos efetores somente quando é preciso, ou seja, quando os
anticorpos encontram e se ligam especificamente aos antígenos, não quando os
anticorpos estão apenas circulando em sua forma livre de antígeno.
Com essa introdução à imunidade humoral, iniciaremos a discussão das diversas
funções dos anticorpos na defesa do hospedeiro.
Neutralização de microrganismos e toxinas microbianas
Os anticorpos contra microrganismos e toxinas microbianas bloqueiam a ligação desses
agentes e suas toxinas aos receptores celulares (Fig. 13-2). Dessa maneira, os anticorpos
inibem, ou neutralizam, a infectividade de microrganismos, bem como os potenciais
efeitos lesivos das toxinas microbianas. Muitos microrganismos penetram nas células
hospedeiras por meio da ligação de determinadas moléculas da superfície microbiana a
proteínas ou lipídios de membrana presentes na superfície das células hospedeiras. Por
exemplo, os vírus influenza usam a hemaglutinina de seu envelope para infectar as
células epiteliais respiratórias e as bactérias Gram-negativas utilizam suas pilosidades
para aderir e infectar uma variedade de células hospedeiras. Os anticorpos que se ligam a
essas estruturas microbianas interferem na capacidade desses agentes de interagir com
os receptores celulares por meio do bloqueio estereoquímico e podem, assim, evitar a
infecção. Em alguns casos, os anticorpos podem se ligar ao microrganismo e induzir
alterações conformacionais em moléculas de superfície que impedem a interação do
agente com receptores celulares; tais interações são exemplos dos efeitos alostéricos dos
anticorpos. Muitas toxinas microbianas também medeiam seus efeitos patológicos pela
ligação a receptores celulares específicos. Por exemplo, a toxina tetânica liga-se a
receptores na placa terminal motora das junções neuromusculares e inibe a transmissão
neuromuscular, levando à paralisia, e a toxina diftérica liga-se aos receptores celulares e
entra em várias células, onde inibe a síntese proteica. Anticorpos contra tais toxinas
dificultam estereoquimicamente as interações de toxinas com as células hospedeiras e,
então, impedem que as toxinas produzam lesão e doença.
FIGURA 13-2 Neutralização de microrganismos e toxinas por anticorpos.
A, Os anticorpos impedem a ligação de microrganismos a células e, assim, bloqueiam a
capacidade desses agentes de infectarem as células hospedeiras. B, Os anticorpos inibem a
disseminação dos microrganismos de uma célula infectada para uma célula adjacente não
infectada. C, Os anticorpos bloqueiam a ligação de toxinas a células e, assim, inibem os efeitos
patológicos das toxinas.
A neutralização de microrganismos e toxinas mediada por anticorpos requer apenas a
participação das regiões de ligação ao antígeno. Portanto, tal neutralização pode ser
mediada por anticorpos de qualquer isotipo presente na circulação e nas secreções
mucosas, bem como ser experimentalmente mediada por fragmentos Fab ou F(ab′)
2 de
anticorpos específicos, os quais não possuem regiões Fc das cadeias pesadas. A maior
parte dos anticorpos neutralizantes no sangue consiste em isotipo IgG; nos órgãos
mucosos, o isotipo prevalecente é IgA. Os anticorpos neutralizantes mais eficazes são
aqueles com afinidades altas para seus antígenos. Os anticorpos de alta afinidade são
produzidos pelo processo de maturação de afinidade (Cap. 12). Muitas vacinas
profiláticas funcionam pela estimulação da produção de anticorpos neutralizantes de alta
afinidade (Tabela 13-1). Um mecanismo que os microrganismos desenvolveram para se
evadir da imunidade do hospedeiro é a mutação de genes codificantes de antígenos de
superfície que são alvo dos anticorpos neutralizantes (Cap. 16).
Opsonização e fagocitose mediadas por anticorpos
Os anticorpos do isotipo IgG cobrem (opsonizam) os microrganismos e promovem sua
fagocitose pela ligação de receptores de Fc nos fagócitos. Os fagócitos mononucleares e os
neutrófilos ingerem os microrganismos como um prelúdio para a morte e degradação
intracelular. Esses fagócitos expressam uma variedade de receptores de superfície que se
ligam diretamente aos microrganismos e os internalizam, mesmo sem a presença de
anticorpos, proporcionando um mecanismo de imunidade inata (Cap. 4). A eficiência
desse processo pode ser acentuadamente aumentada se o fagócito puder se ligar à
partícula com afinidade alta. Os fagócitos mononucleares e os neutrófilos expressam
receptores para as porções Fc dos anticorpos IgG que se ligam especificamente a
partículas recobertas por anticorpos. Os microrganismos também podem ser cobertos
por um subproduto da ativação do complemento denominado C3b e são fagocitados pela
ligação a um receptor de leucócito para C3b (descrito mais adiante neste capítulo). O
processo de cobertura de partículas para promover a fagocitose é denominado
opsonização, e substâncias que fazem essa função, incluindo anticorpos e proteínas do
complemento, são chamadas de opsoninas.
Receptores de Fc em Leucócitos
Os leucócitos expressam receptores de Fc que se ligam às regiões constantes de anticorpos
e, assim, promovem a fagocitose de partículas cobertas de Ig e liberam sinais que regulam
as atividades dos leucócitos; outros receptores de Fc medeiam o transporte de anticorpos
para diversos locais. Os receptores de Fc para diferentes isotipos de cadeia pesada são
expressos em muitas populações leucocitárias e apresentam diversas funções na
imunidade. Dentre esses receptores de Fc, aqueles que são mais importantes para a
fagocitose de partículas opsonizadas são os receptores para as cadeias pesadas de
anticorpos IgG, chamados receptores Fcγ, que serão os receptores primariamente
considerados neste capítulo. No Capítulo 20, discutiremos os receptores de Fc que se
ligam a IgE. No Capítulo 5, descreveremos o receptor de Fc neonatal (FcRn), que é
expresso na placenta e no endotélio vascular, bem como em outros tipos celulares. No
Capítulo 14, abordaremos o receptor de poli-Ig, que está envolvido na transcitose de IgA
e IgM.
Os receptores Fcγ foram classificados em três grupos, I, II e III, com base em suas
afinidades para as cadeias pesadas de diferentes subclasses de IgG. Diferentes
receptores de Fc também são expressos em distintos tipos celulares (Tabela 13-3). Em
geral, os imunocomplexos contendo IgG1 e IgG3 se ligam eficientemente a receptores de
Fc, ativando-os, e os imunocomplexos contendo IgG2 não se ligam bem. IgG4 possui uma
afinidade muito baixa para ativar os receptores Fc, e a função biológica desse anticorpo
não é muito bem compreendida. A ligação à maior parte dos receptores Fc resulta em
ativação celular, exceto o FcγRIIIB, que é um receptor inibitório. Todos os receptores Fcγ
contêm uma cadeia de ligação ao ligante, denominada cadeia α, que reconhece as cadeias
pesadas da IgG. As diferenças observadas em relação à especificidade ou afinidade de
cada FcγR para os diversos isotipos de IgG baseiam-se nas distinções na estrutura dessas
cadeias α. Todos os receptores Fc são ativados de forma ideal por anticorpos ligados aos
seus antígenos e não por estas moléculas livres, circulantes. Em todos os FcRs, exceto o
FcγRII, a cadeia α está associada a uma ou mais cadeias polipeptídicas adicionais
envolvidas na transdução de sinal (Fig. 13-3). As funções de sinalização do FcγRII são
mediadas pela cauda citoplasmática desse receptor de cadeia única.
Tabela 13-3
Receptores Fc
GPI, glicofosfatidilinositol; NK, natural killer
FIGURA 13-3 Composição de subunidades dos receptores Fcγ.
Modelos esquemáticos dos diferentes receptores de Fc humanos ilustram as cadeias α de ligação
ao Fc e as subunidades de sinalização. O FcγRIII-B é um proteína de membrana ancorada em
glicofosfatidilinositol, sem funções de sinalização conhecidas. O FcγRIIAe IIC são receptores de
ativação estruturalmente semelhantes e de baixa afinidade com ligeira diferença em relação aos
padrões de expressão. Note-se que, embora o FcγRIIA/C e o FcγRIIB sejam ambos designados
como CD32, trata-se de proteínas diferentes com funções distintas (ver texto). O FcR neonatal
(FcRn) assemelha-se estruturalmente a moléculas de MHC de classe I, mas não possui uma fenda
de ligação ao peptídio.
Os três grupos principais de receptores Fc IgG-específicos apresentam múltiplas
isoformas que podem ser diferentes entre si na estrutura e na função (Tabela 13-3); eles
são descritos a seguir. O FcRn tem função ímpar e foi discutido no Capítulo 5.
• FcgRI (CD64) é o principal receptor Fcγ em fagócitos. É expresso em macrófagos e
neutrófilos e liga-se a IgG1 e IgG3 com alta afinidade (Kd de 10
-8 a 10
-9 M). Em
camundongos, o FcγRI liga-se preferencialmente a anticorpos IgG2a e IgG2b/2c. A
grande região aminoterminal extracelular da cadeia α que se liga ao Fc dobra-se em
três domínios Ig-símile em tandem. A cadeia α do FcγRI é associada a um homodímero,
ligado por dissulfureto, de uma proteína de sinalização chamada de cadeia γ do FcR.
Esta cadeia γ também é encontrada nos complexos de sinalização associados a FcγRIII,
FcαR e Fc RI. A cadeia γ possui apenas uma porção extracelular aminoterminal curta,
mas uma grande porção citoplasmática carboxiterminal, que é estruturalmente
homóloga à cadeia ζ do complexo receptor de células T (TCR). Como a cadeia ζ do TCR,
a cadeia γ do FcR contém um motivo de ativação imunorreceptor com base em tirosina
(ITAM), que faz o pareamento do agrupamento de receptores para ativar as
proteinoquinases de tirosina. O FcγRI, da mesma forma que o receptor de alta
afinidade para IgE (Cap. 20), está constantemente saturado com seus ligantes de Ig. A
ativação de receptores Fc requer que os receptores estejam agrupados no plano da
membrana, e o agrupamento e sua consequente ativação pelo FcγRI são mediados pela
ligação cruzada de moléculas de IgG ligadas ao receptor a antígenos multivalentes.
A transcrição do gene FcγRI e sua expressão nos macrófagos são estimuladas pelo
interferon-γ (IFN-γ). Os isotipos de anticorpo que se ligam de melhor maneira a
receptores Fcγ (como IgG2a em camundongos) também são produzidos, em parte, como
um resultado da troca de isotipo de células B mediada por IFN-γ. Além disso, o IFN-γ
estimula diretamente a atividade microbicida de fagócitos (Cap. 11).
• FcγRII (CD32) liga-se a subtipos de IgG humana (IgG1 e IgG3) com uma afinidade
baixa (Kd 10
-6 M). Em humanos, a duplicação de genes e a diversificação resultaram na
geração de três formas, chamadas FcγRII A, B e C. Estas isoformas possuem domínios
extracelulares e especificidades de ligantes semelhantes, mas diferem na estrutura da
cauda citoplasmática, na distribuição celular e nas funções. O FcγRIIA é expresso pelos
neutrófilos e fagócitos mononucleares e participa da fagocitose de partículas
opsonizadas, ao passo que o FcγRIIC é expresso em fagócitos mononucleares,
neutrófilos e células NK. As caudas citoplasmáticos do FcγRIIA e do FcγRIIC contêm
ITAMs e podem emitir um sinal de ativação de fagócitos quando há agrupamento de
partículas ou células revestidas por IgG1 ou por IgG3. O FcγRIIB é um receptor
inibitório expresso em células mieloides e em células B, sendo o único receptor de Fe
em células B. Sua função será descrita mais adiante.
• FcγRIII (CD16) também é um receptor de baixa afinidade para IgG. A porção de
extracelular de ligação ao ligante do FcγRIII é semelhante à do FcγRII em estrutura,
afinidade e especificidade para IgG. Esse receptor existe em duas formas, codificadas
por genes separados. A isoforma FcγRIIIA é uma proteína transmembrânica expressa
principalmente em células NK. A isoforma FcγRIIIA associa-se a homodímeros da
cadeia γ do FcR, homodímeros da cadeia ζ do TCR ou heterodímeros compostos da
cadeia γ do FcR e da cadeia ζ. Essa associação é necessária para a expressão na
superfície celular e para a função desses FcRs, porque os sinais de ativação intracelular
são liberados através das ITAMs dessas cadeias de sinalização. A isoforma FcγRIIIB é
uma proteína ligada a glicofosfatidilinositol (GPI) expressa em neutrófilos; ela não
medeia a fagocitose ou dispara a ativação de neutrófilos, e sua função é mal
compreendida.
Além desses receptores Fcγ, existem receptores para as cadeias pesada de IgE e IgA
(Tabela 13-3). Descreveremos o Fc RI no Capítulo 20, no contexto da ativação de
mastócitos. A função de FcαR não está bem estabelecida.
Papel dos Receptores Fcγ na Fagocitose e Ativação de Fagócitos
A ligação dos receptores de Fc em fagócitos a partículas multivalentes revestidas de
anticorpo leva à internalização dessas partículas e à ativação de fagócitos (Fig. 13-4). Os
subtipos de IgG que se ligam melhor a esses receptores (IgG1 e IgG3) são as opsoninas
mais eficientes para promover fagocitose. Como foi discutido anteriormente, o FcγRI
(CD64) é o receptor de Fcγ de alta afinidade em células fagocitárias, sendo o receptor
mais importante para a fagocitose de partículas opsonizadas.
FIGURA 13-4 Opsonização e fagocitose de microrganismos mediadas por anticorpo.
Anticorpos de determinadas subclasses de IgG ligam-se a microrganismos e são, então,
reconhecidos por receptores de Fc em fagócitos. Os sinais dos receptores de Fc promovem a
fagocitose dos microrganismos opsonizados e ativam os fagócitos para destruir essses
microrganismos. Os mecanismos microbicidas dos fagócitos estão descritos nos Capítulos 4
(Fig. 4-13) e 10 (Fig. 10-7).
As partículas opsonizadas são internalizadas em vesículas conhecidas como
fagossomos, os quais se fundem com os lisossomos, e as partículas fagocitadas são
destruídas nestes fagolisossomos. A ativação requer a ligação cruzada dos FcRs por várias
moléculas de Ig adjacentes (p. ex., em microrganismos revestidos com anticorpo ou em
imunocomplexos). A ligação cruzada das cadeias α de ligação ao ligante de um FcR
resulta em eventos de transdução de sinal que são semelhantes aos que ocorrem após a
ligação cruzada do receptor de antígeno em linfócitos (Cap. 7). Esses eventos incluem a
fosforilação das ITAMs mediada por quinases Src de tirosina nas cadeias de sinalização
dos FcR; o recrutamento de quinases da família Syk aos ITAMs mediado pelo domínio
SH2; a ativação da quinase fosfatidilinositol-3; o recrutamento de moléculas adaptadoras,
incluindo SLP-76 e BLNK; e o recrutamento de enzimas como fosfolipase Cγy e quinases
da família Tec. Esses eventos levam à geração de inositol trifosfato e diacilglicerol e à
mobilização sustentada de cálcio.
Essas vias de sinalização induzem diversas respostas nos leucócitos, incluindo a
transcrição de genes que codificam citocinas, mediadores inflamatórios e enzimas
microbicidas, além da mobilização do citoesqueleto levando aos processos de fagocitose,
exocitose de grânulos e migração celular. As principais substâncias microbicidas
produzidas nos fagócitos ativados são as espécies reativas de oxigênio, óxido nítrico e
enzimas hidrolíticas. Estas são as mesmas substâncias produzidas pelos fagócitos
ativados na resposta imune inata, discutida no Capítulo 4. As mesmas substâncias
microbicidas podem danificar os tecidos; esse mecanismo de lesão tecidual mediada por
anticorpos é importante em doenças de hipersensibilidade (Cap. 19). Os camundongos
geneticamente deficientes para a cadeia α de ligação ao ligante de FcγRI ou para a cadeia
γ do FcR transdutora de sinal apresentam defeitos na defesa contra microrganismos
mediada por anticorpos e não desenvolvem algumas formas de lesão tecidual mediada
por anticorpo IgG, demonstrando, assim, o papel essencial de receptores Fc nesses
processos.
Sinalização Inibitória pelo Receptor FcγRIIB
O receptor FcγRIIB é um receptor inibitório de Fc que já descrevemos anteriormente no
contexto da sinalização inibitória em células B e do fenômeno da retroalimentação de
anticorpo (Cap. 12). O FcγRIIB também é expresso em células dendríticas, neutrófilos,
macrófagos e mastócitos e pode exercer um papel na regulação das respostas destas
células na ativação de receptores Fc e de outros estímulos. Um tratamento de certa forma
empírico, mas frequentemente útil, de muitas doenças autoimunes é a administração
intravenosa de uma mistura de IgG humana, chamada imunoglobulina intravenosa
(IVIG). A IVIG pode aumentar a expressão de FcγRIIB e também se ligar ao receptor e
fornecer sinais inibitórios aos linfócitos B e a outras células, reduzindo, assim, a
produção de anticorpos e o abrandamento da inflamação. Outro mecanismo pelo qual a
IVIG pode melhorar a doença é pela competição com os autoanticorpos circulantes para
o receptor Fc neonatal, o que resulta no aumento da eliminação dos autoanticorpos
(Cap. 5).
Citotoxicidade Mediada por Células Dependente de Anticorpo
As células natural killer (NK) e outros leucócitos ligam-se a células revestidas com
anticorpo pelos receptores de Fc e as destroem. Esse processo é chamado de citotoxicidade
mediada por células dependente de anticorpos (ADCC) (Fig. 13-5). Foi descrito pela
primeira vez como uma função das células NK, as quais utilizam seus receptores de Fc,
FcγRIIIA, para se ligar a células revestidas com anticorpo. O FcγRIIIA (CD16) é um
receptor de baixa afinidade que se liga a moléculas de IgG agregadas dispostas sobre as
superfícies das células, mas não se liga a moléculas circulantes de IgG monomérica.
Dessa maneira, a ADCC só acontece quando a célula-alvo está revestida com moléculas
de anticorpo e a IgG livre no plasma não ativa as células NK nem compete eficazmente
com a IgG ligada a células para a ligação a FcγRIII. O acoplamento do FcγRIII a célulasalvo
revestidas com anticorpo ativa as células NK para que elas sintetizem e secretem
citocinas, como o IFN-γ, bem como para liberar o conteúdo dos seus grânulos, os quais
medeiam as funções de morte deste tipo de células (Cap. 4). A ADCC pode ser
prontamente demonstrada in vitro, mas seu papel na defesa do hospedeiro contra os
microrganismos não está definitivamente estabelecido. É provável que seja um
mecanismo importante para a eliminação de células que são revestidas por determinados
anticorpos monoclonais terapêuticos, como as células B e as células tumorais derivadas
de células B que são direcionadas por um anticorpo anti-CD20.
FIGURA 13-5 Citotoxicidade mediada por células dependente de anticorpo.
Os anticorpos de determinadas subclasses de IgG ligam-se a células (p. ex., células infectadas), e
as regiões Fc dos anticorpos ligados são reconhecidas por um receptor Fcγ em células NK. As
células NK são ativadas e matam as células revestidas com anticorpo.
Eliminação de Helmintos Mediada por Anticorpo
Alguns parasitas helmínticos são eliminados pela ação conjunta de anticorpos, eosinófilos
e mastócitos, que medeiam a morte e a expulsão desses parasitas. Os helmintos (vermes)
são muito grandes para serem internalizados por fagócitos, e seus tegumentos são
relativamente resistentes aos produtos microbicidas dos neutrófilos e dos macrófagos.
Eles podem, no entanto, ser mortos por uma proteína catiônica tóxica, conhecida como a
proteína básica principal, presente nos grânulos de eosinófilos. Anticorpos IgE e, em
menor extensão, anticorpos IgG e IgA que revestem os helmintos podem se ligar a
receptores de Fc em eosinófilos e provocar a desgranulação destas células, liberando a
proteína básica e outros conteúdos dos grânulos de eosinófilos e, assim, matar os
parasitas. O receptor de eosinófilos de alta afinidade Fc (Fc RI) não possui a cadeia β de
sinalização e pode sinalizar apenas através da cadeia γ associada. Além de ativar
eosinófilos, os anticorpos de IgE que reconhecem antígenos sobre a superfície dos
helmintos podem iniciar a desgranulação dos mastócitos locais através do receptor de
alta afinidade para IgE (Cap. 20). Os mediadores de mastócitos podem induzir
broncoconstricção e aumento da motilidade local, contribuindo para a expulsão de
vermes de locais como as vias aéreas e o lúmen do trato gastrintestinal. As quimiocinas e
citocinas liberadas por mastócitos ativados também podem atrair eosinófilos e causar sua
degranulação.
Sistema complemento
O sistema complemento é um dos principais mecanismos efetores da imunidade
humoral e é também um importante mecanismo efetor da imunidade inata. Discutimos
brevemente o papel do complemento na imunidade inata no Capítulo 4. Aqui, vamos
descrever a ativação e a regulação do complemento mais detalhadamente.
O nome complemento é derivado de experimentos realizados por Jules Bordet logo após
a descoberta de anticorpos. Ele demonstrou que ao se adicionar soro fresco contendo um
anticorpo antibacteriano às bactérias em temperatura fisiológica (37°C), as bactérias são
lisadas. Se, no entanto, o soro for aquecido a 56°C ou mais, ele perde sua capacidade
lítica. Esta perda de capacidade lítica não se deve à deterioração da atividade de
anticorpos, porque os anticorpos são relativamente estáveis ao calor, e o soro mesmo
aquecido ainda é capaz de aglutinar bactérias. Bordet concluiu que o soro deve conter
algum outro componente termolábil que auxilia, ou complementa, a função lítica de
anticorpos e, posteriormente, esse componente recebeu o nome de complemento.
O sistema complemento é composto de proteínas séricas e de superfície celular que
interagem umas com as outras e com outras moléculas do sistema imune de maneira
altamente regulada para gerar produtos que funcionam para eliminar os microrganismos.
As proteínas do complemento são proteínas plasmáticas normalmente inativas; elas são
ativadas apenas em determinadas condições para gerar produtos que medeiam várias
funções efetoras do complemento. Diversas características de ativação do complemento
são essenciais para sua função normal.
• O sistema complemento é ativado por microrganismos e por anticorpos que estão
ligados aos microrganismos e outros antígenos. Os mecanismos de ativação inicial serão
descritos mais adiante
• A ativação do complemento envolve a proteólise sequencial de proteínas para gerar
complexos de enzimas com atividade proteolítica. As proteínas que adquirem atividade
enzimática proteolítica pela ação de outras proteases são chamadas de zimógenos. O
processo de ativação sequencial de zimogênio, uma característica de definição de uma
cascata de enzimas proteolíticas, também é característico dos sistemas de coagulação e
das quininas. Cascatas proteolíticas permitem enorme amplificação, porque cada
molécula de enzima ativada em uma etapa pode gerar múltiplas moléculas de enzima
ativada na etapa seguinte.
• Os produtos de ativação do complemento tornam-se ligados covalentemente a
superfícies de células microbianas, anticorpos ligados aos microrganismos e outros
antígenos, e também aos corpos apoptóticos. Na fase fluida, as proteínas do
complemento são inativas, ou apenas transitoriamente (por segundos) ativas, e
tornam-se estavelmente ativadas após sua ligação a microrganismos, anticorpos ou
células mortas. Muitos dos produtos de clivagem biologicamente ativos das proteínas
do complemento também se ligam covalentemente a microrganismos, anticorpos e
tecidos nos quais o complemento é ativado. Essa característica assegura que a ativação
completa e, por conseguinte, as funções biológicas do sistema do complemento sejam
limitadas a superfícies de células microbianas ou aos locais onde há anticorpos ligados
a antígenos e não ocorram no sangue.
• A ativação do complemento é inibida por proteínas reguladoras que estão presentes em
células normais do hospedeiro e ausentes nos microrganismos. As proteínas reguladoras
são uma adaptação de células normais que minimizam os danos mediados pelo
complemento às células hospedeiras. Os microrganismos não possuem essas proteínas
reguladoras, o que permite que a ativação do complemento ocorra nas superfícies
microbianas. Corpos apoptóticos não apresentam inibidores do complemento ligados
à membrana, mas podem recrutar proteínas inibidoras do sangue, reduzindo, assim, a
ativação do complemento e o grau de inflamação.
Vias de Ativação do Complemento
Existem três vias principais de ativação do complemento: a via clássica, que é ativada por
determinados isotipos de anticorpos ligados a antígenos; a via alternativa, que é ativada
na superfície das células microbianas na ausência de anticorpo; e a via das lectinas, que é
ativada por uma lectina plasmática que se liga a resíduos de manose em microrganismos
(Fig. 13-6). Os nomes clássica e alternativa surgiram porque a via clássica foi descoberta e
caracterizada antes das demais, mas a via alternativa é filogeneticamente mais antiga.
Embora as vias de ativação do complemento difiram na forma como são iniciadas, todas
elas resultam na geração de complexos de enzimas que são capazes de clivar a proteína
mais abundante do complemento, C3. As vias alternativas e das lectinas são mecanismos
efetores da imunidade inata, ao passo que a via clássica é um dos principais mecanismos
de imunidade humoral adaptativa.
FIGURA 13-6 Etapas iniciais da ativação do complemento pelas vias alternativa, clássica e das
lectinas.
Avia alternativa é ativada pela ligação do C3b a diversas superfícies ativadoras, como as paredes
celulares microbianas; a via clássica é iniciada pela ligação do C1 aos complexos antígenoanticorpo;
e a via das lectinas é ativada pela ligação de uma lectina plasmática a microrganismos. O
C3b que é gerado pela ação da C3-convertase liga-se à superfície celular microbiana ou ao
anticorpo e torna-se um componente da enzima que cliva C5 (C5-convertase) e inicia as etapas
seguintes na ativação do complemento. As etapas posteriores de todas as três vias são as mesmas
(não mostrado), e o complemento ativado de todas as três vias serve às mesmas funções.
O evento central na ativação do complemento é a proteólise da proteína do
complemento C3 para gerar produtos biologicamente ativos e a subsequente ligação
covalente de um produto de C3, denominado C3b, a superfícies celulares microbianas ou ao
anticorpo ligado ao antígeno (Fig. 13-6). A ativação do complemento depende da geração
de dois complexos proteolíticos: a C3-convertase, que cliva C3 em dois fragmentos
proteolíticos denominados C3a e C3b; e a C5-convertase, que cliva C5 em C5a e C5b. Por
convenção, os produtos proteolíticos de cada proteína do complemento são identificadas
por sufixos em letras minúsculas, sendo a referente ao produto menor e b ao maior. C3b
torna-se covalentemente ligado à superfície celular microbiana ou a moléculas de
anticorpos no local de ativação do complemento. Todas as funções biológicas do
complemento são dependentes da clivagem proteolítica de C3. Por exemplo, a ativação do
complemento promove a fagocitose porque o C3b torna-se covalentemente ligado aos
microrganismos e os fagócitos (neutrófilos e macrófagos) expressam receptores para
C3b. Os peptídios produzidos por proteólise de C3 (e de outras proteínas do
complemento) estimulam a inflamação. A C5-convertase é montada após a geração prévia
de C3b; e essa convertase contribui para a inflamação (pela geração do fragmento C5a) e
para a formação de poros nas membranas dos alvos microbianos. As vias de ativação do
complemento diferem na forma como o C3b é produzido, mas seguem uma sequência
comum de reações após a clivagem de C5.
Com essa introdução, prosseguimos para uma descrição mais detalhada das vias
alternativa, clássica e das lectinas.
Via Alternativa
A via alternativa de ativação do complemento resulta na proteólise de C3 e na fixação
estável do produto de degradação de C3b nas superfícies microbianas, sem a necessidade
de anticorpo (Fig. 13-7 e Tabela 13-4). Normalmente, o C3 é continuamente clivado no
plasma a uma taxa baixa para gerar C3b em um processo que é chamado amplificação de
C3. A proteína C3 contém uma ligação de tioéster reativa que fica escondida em uma
região da proteína conhecida como domínio de tioéster. Quando C3 é clivado, a molécula
de C3b sofre uma mudança conformacional dramática e o domínio tioéster é
exteriorizado (uma mudança maciça de cerca de 85 Å), expondo a ligação tioéster reativa
anteriormente oculta. Uma pequena quantidade de C3b pode se tornar covalentemente
ligada às superfícies de células, incluindo de microrganismos, através do domínio
tioéster, o qual reage com os grupos amino ou hidroxila das proteínas de superfície
celular ou dos polissacarídios para formar ligações amida ou éster (Fig. 13-8). Se não
ocorrer a formação dessas ligações, o C3b permanece na fase fluida e a ligação de tioéster
reativa e exposta é rapidamente hidrolisada, inativando a proteína. Como resultado, a
ativação do complemento não pode continuar.
Tabela 13-4
Proteínas da Via Alternativa do Complemento
FIGURA 13-7 Via alternativa da ativação do complemento.
Ahidrólise espôntanea do C3 plasmático leva à formação da C3-convertase da fase fluida (não
mostrado) e à geração de C3b. Se o C3b for depositado sobre uma superfície microbiana, ele se
liga ao Fator B e forma a C3-convertase da via alternativa. Essa convertase cliva C3 para produzir
mais C3b, que se liga a superfícies microbianas e participa da formação da C5-convertase. AC5-
convertase cliva C5 para gerar C5b, o evento iniciador das etapas de ativação da via terminal do
complemento.
Aclivagem proteolítica da cadeia α de C3 converte essa proteína em uma forma meta-estável na
qual as ligações tioésteres internas são expostas e tornam-se suscetíveis ao ataque nucleofílico de
átomos de oxigênio (como mostrado) ou de nitrogênio. O resultado é a formação covalente de
ligações com proteínas ou carboidratos nas superfícies celulares. C4 é estruturalmente homólogo a
C3 e possui um grupamento tioéster idêntico.
Quando o C3b sofre sua mudança conformacional pós--clivagem, há exposição de um
local de ligação para uma proteína plasmática chamada Fator B. O Fator B liga-se, então, à
proteína C3b, que fica agora presa de forma covalente à superfície de uma célula
microbiana ou do hospedeiro. O Fator B é, por sua vez, clivado por uma serinoprotease
plasmática chamada Fator D, liberando um fragmento pequeno denominado Ba e
gerando um fragmento maior chamado Bb, o qual permanece ligado ao C3b. O complexo
C3bBb é a C3-convertase da via alternativa e funciona para clivar mais moléculas de C3,
estabelecendo, assim, uma sequência de amplificação. Mesmo quando C3b é gerado
pelas vias clássica ou das lectinas, ele pode formar um complexo com Bb e esse complexo
é capaz de clivar mais C3. Assim, a C3-convertase da via alternativa funciona para
amplificar a ativação do complemento iniciado por qualquer uma das vias, alternativa,
clássica ou das lectinas. Quando C3 é clivado, o C3b permanece ligado às células e o C3a
é liberado. Esse fragmento solúvel tem várias atividades biológicas que serão discutidas
mais adiante.
A ativação da via alternativa ocorre prontamente nas superfícies de células microbianas
e não em células de mamífero. Se o complexo C3bBb é formado sobre células de
mamíferos, é rapidamente degradado e a reação é finalizada pela ação de diversas
proteínas reguladoras presentes nessas células (discutido mais adiante). A ausência de
proteínas reguladoras nas células microbianas permite a ligação e a ativação da C3-
convertase da via alternativa. Além disso, uma outra proteína da via alternativa,
denominada properdina, pode se ligar e estabilizar o complexo C3bBb e a ligação da
properdina é favorecida sobre microrganismos, em oposição às células normais do
hospedeiro. A properdina é o único fator de regulação positiva conhecida do
complemento.
Algumas das moléculas de C3b geradas pela C3-convertase da via alternativa ligam-se
à própria convertase. Isso resulta na formação de um complexo contendo uma molécula
de Bb e duas moléculas de C3b, que funciona como a C5-convertase da via alternativa,
que cliva C5 e inicia as etapas da ativação da via terminal do complemento.
Via Clássica
A via clássica é iniciada pela ligação da proteína C1 do complemento aos domínios CH2 de
IgG ou aos domínios CH3 de moléculas de IgM que estão ligadas ao antígeno (Fig. 13-9 e
Tabela 13-5). Entre os anticorpos IgG, IgG3 e IgG1 (em humanos) são ativadores do
complemento mais eficazes do que as outras subclasses. C1 é um complexo de proteína
grande e multimérico, composto por C1q, C1r e subunidades C1s; C1q liga-se ao
anticorpo, e C1r e C1s são proteases. A subunidade C1q é constituída por um arranjo
radial de seis cadeias, como um guarda-chuva, cada uma das quais possui uma cabeça
globular ligada por um braço semelhante a colágeno a uma haste central (Fig. 13-10).
Esse hexâmero executa a função de reconhecimento da molécula e liga-se
especificamente às regiões Fc das cadeias pesadas µ e de algumas γ.
Tabela 13-5
Proteínas da Via Clássica do Complemento
FIGURA 13-9 Via clássica da ativação do complemento.
Os complexos antígeno-anticorpo que ativam a via clássica podem ser solúveis, fixados sobre a
superfície de células (como mostrado) ou depositados em matrizes extracelulares. Avia clássica é
iniciada pela ligação do C1 a moléculas de anticorpo complexadas ao antígeno, que leva à produção
das convertases de C3 e de C5 ligadas às superfícies nas quais os anticorpos foram depositados. A
C5-convertase cliva C5 para iniciar as etapas de ativação da via terminal do complemento.
FIGURA13-10 Estrutura de C1.
C1q consiste em seis subunidades idênticas arranjadas para formar um núcleo central e com
braços radiais simetricamente projetados. As cabeças globulares na terminação de cada braço,
designadas H, são as regiões de contato para a imunoglobulina. C1r e C1s formam um tetrâmero
composto de duas moléculas de C1r e duas de C1s. As extremidades de C1r e de C1s contêm os
domínios catalíticos dessas proteínas. Um tetrâmero C1r2s2 enrola-se em volta dos braços radiais
do complexo C1q de tal maneira que os domínios catalíticos de C1r e de C1s ficam justapostos.
Somente anticorpos ligados a antígenos, e não anticorpos livres circulantes, podem
iniciar a ativação da via clássica (Fig. 13-11). A razão para isso é que cada molécula de
C1q deve se ligar a, pelo menos, duas cadeias pesadas de Ig e ser ativada e cada região Fc
de Ig possui apenas um único local de ligação a C1q. Dessa maneira, duas ou mais
regiões Fc precisam estar acessíveis para C1, para que a ativação da via clássica seja
iniciada. Como cada molécula de IgG possui apenas uma região Fc, várias moléculas de
IgG precisam ser aproximadas antes de se ligar a C1q, e esse agrupamento de diversos
anticorpos de IgG apenas quando eles se ligam a um antígeno multivalente. Ainda que
IgM livre (circulante) seja pentamérica, ela não se liga a C1q porque as regiões Fc estão
em uma configuração que as torna inacessíveis a C1q. A ligação da IgM a um antígeno
induz uma alteração conformacional que expõe os locais de ligação nas regiões Fc,
permitindo a ligação a C1q. Em virtude da sua estrutura pentamérica, uma única
molécula de IgM pode se ligar a duas moléculas de C1q, e esta é uma das razões que
explicam por que a IgM é um anticorpo mais eficaz para a ligação ao complemento (ou
fixação do complemento) do que a IgG.
FIGURA 13-11 Ligação de C1 a porções Fc da IgM e da IgG.
C1 deve se ligar a duas ou mais porções Fc para iniciar a cascata do complemento. As porções Fc
da IgM solúvel pentamérica não são acessíveis a C1 (A). Após a IgM se ligar aos antígenos ligados à
superfície, ela sofre uma alteração no formato que possibilita a ligação de C1 e a ativação (B). As
moléculas solúveis de IgG também não poderão ativar C1 porque cada IgG possui apenas uma
região Fc (C), mas após a ligação a antígenos da superfície celular, porções Fc de IgGs adjacentes
podem se ligar a e ativar C1 (D).
C1r e C1s são serinoproteases que formam um tetrâmero contendo duas moléculas de
cada uma das proteínas. A ligação de duas ou mais das cabeças globulares de C1q a
regiões Fc de IgG ou de IgM leva à ativação enzimática do C1r associado, que cliva e ativa
C1s (Fig. 13-9). C1s ativado cliva a proteína seguinte na cascata, C4, para gerar C4b. (O
menor fragmento C4a é liberado e possui atividades biológicas que serão descritas mais
adiante.) C4 é homóloga a C3, e C4b contém uma ligação de tioéster interno, semelhante
àquele em C3b, que forma ligações covalentes do tipo amida ou éster com o complexo
antígeno-anticorpo ou com a superfície adjacente de uma célula à qual o anticorpo está
ligado. Esta ligação de C4b assegura que a ativação da via clássica prossiga sobre uma
superfície celular ou complexo imune. A proteína seguinte do complemento, C2, forma
então complexo com o C4b ligado à superfície celular e é clivada por uma molécula de
C1s próxima para gerar um fragmento solúvel de C2b, de importância desconhecida, e
um fragmento C2a maior que permanece fisicamente associado a C4b na superfície da
célula. (Nota-se que a nomenclatura dos fragmentos C2 é diferente da das outras
proteínas do complemento porque o fragmento ligado maior é chamado de peça a e a
parte do fragmento liberado é b.) O complexo resultante, C4b2a, é a C3-convertase da via
clássica; ela tem a capacidade de se ligar e clivar proteoliticamente C3. A ligação deste
complexo enzimático a C3 é mediada pelo componente C4b, e a proteólise é catalisada
pelo componente C2a. A clivagem de C3 resulta na remoção do fragmento pequeno C3a;
e C3b pode formar ligações covalentes com as superfícies das células ou com o anticorpo
em que está ocorrendo a ativação do complemento. C3b, uma vez depositado, pode se
ligar ao Fator B e gerar mais C3-convertase pela via alternativa, como discutido
anteriormente. O resultado final das diversas etapas enzimáticas e da amplificação é que
uma única molécula de C3 convertase pode levar à deposição de centenas ou milhares de
moléculas de C3b na superfície da célula em que o complemento é ativado. Os passoschave
iniciais das vias alternativas e clássica são análogos: C3 na via alternativa é
homóloga a C4 na via clássica, e o Fator B é homólogo a C2.
Algumas das moléculas de C3b geradas pela C3-convertase da via clássica ligam-se à
convertase (como na via alternativa) e formam um complexo C4b2a3b. Este complexo
funciona como a C5-convertase da via clássica; cliva C5 e inicia as etapas terminais da
ativação do complemento.
Em infecções por pneumococos, ocorre uma forma não usual da via clássica,
independente de anticorpo mas dependente de C1, que é ativada pela ligação de
carboidratos a uma lectina de superfície celular. Macrófagos da zona marginal esplênica
expressam um tipo de C-lectina de superfície celular chamada SIGN-R1 que pode
reconhecer polissacarídios de pneumococos e também pode se ligar a C1q. A ligação
multivalente de bactérias inteiras ou do polissacarídio a SIGN-R1 ativa a via clássica e
permite o eventual revestimento do pneumococo com C3b. Este é um exemplo de uma
lectina de superfície celular que medeia a ativação da via clássica, mas sem a necessidade
de anticorpo.
Fonte: Livro Imunologia Celular e Molecular - 8ª Ed.
Autores: Abul Lichtman, Andrew Abbas
Via das Lectinas
A via das lectinas de ativação do complemento é desencadeada pela ligação de
polissacarídios microbianos a lectinas circulantes, tais como a lectina ligadora de manose
(ou manana) plasmática (MBL) ou as ficolinas, sempre na ausência de anticorpo
(Tabela 13-6). Essas lectinas solúveis são proteínas colágeno-símile que se assemelham
estruturalmente a C1q (Fig. 4-10). MBL, L-ficolina e H-ficolina são proteínas plasmáticas.
A M-ficolina é secretada principalmente por macrófagos ativados nos tecidos. A MBL é
um membro da família das colectinas e possui um domínio N-terminal colágeno-símile e
um domínio de reconhecimento de carboidrato (lectina) C-terminal. As ficolinas
apresentam uma estrutura similar, com um domínio N-terminal colágeno-símile e um
domínio C-terminal fibrinogênio-símile. Os domínios colágeno-símile auxiliam na
composição das estruturas básicas em tripla hélice que pode formar oligômeros de
ordem superior. A MBL liga-se a resíduos de manose em polissacarídios; o domínio
fibrinogênio-símile da ficolina liga-se aos glicanos contendo N-acetilglicosamina. A MBL
e as ficolinas ligam-se às serinoproteases associadas à MBL (MASPs, do inglês MBLassociated
serine proteases), incluindo MASP1, MASP2 e MASP3 (Tabela 13-6). As MASPs
são estruturalmente homólogas às proteases C1r e C1s e apresentam função similar, a
saber, a clivagem de C4 e de C2 para ativar o complemento. Os oligômeros de ordem
superior da MBL associam-se a MASP1 e MASP2, embora também se observe a formação
do complexo MASP3/MASP2. MASP1 (ou MASP3) podem formar um complexo
tetramérico com MASP2 de modo semelhante ao observado com C1r e C1s; e MASP2 é a
protease que cliva C4 e C2. Os eventos subsequentes nesta via são idênticos aos que
ocorrem na via clássica.
Tabela 13-6
Proteínas da Via das Lectinas do Complemento
*As concentrações publicadas podem ter sofrido influência de reatividade cruzada dos anticorpos com MASP3; as
concentrações da última são derivadas do uso de anticorpos monoclonais específicos. Amaior parte dessas proteínas é
plasmática, exceto a M-ficolina, que é secretada por macrófagos ativados.
Etapas Finais da Ativação do Complemento
As C5-convertases geradas pela alternativa clássica ou das lectinas iniciam a ativação dos
componentes da via terminal do sistema complemento, o que culmina na formação do
complexo citocida de ataque à membrana (MAC) (Tabela 13-7 e Fig. 13-12). As C5-
convertases clivam C5 em um pequeno fragmento, C5a, que é liberado, e outro fragmento
com duas cadeias C5b, que permanece ligado às proteínas do complemento depositadas
na superfície da célula. C5a possui potentes efeitos biológicos em diversas células que
serão discutidos mais adiante neste capítulo. Os demais componentes da cascata do
complemento, C6, C7, C8 e C9, são proteínas estruturalmente relacionadas e sem
atividade enzimática. C5b sustenta uma conformação transitória que é capaz de se ligar
às proteínas seguintes da cascata, C6 e C7. O componente C7 do complexo resultante
C5b,6,7 é hidrofóbico e se insere na bicamada lipídica das membranas celulares, onde se
torna um receptor de alta afinidade para a molécula C8. A proteína C8 é um trímero
composto por três cadeias distintas, uma das quais se liga ao complexo C5b,6,7 e forma
um heterodímero covalente com a segunda cadeia; a terceira cadeia se insere na
bicamada lipídica da membrana. Este complexo C5b,6,7,8 (C5b-8) inserido estavelmente
tem uma capacidade limitada de lisar as células. A formação de um MAC completamente
ativo é alcançada pela ligação de C9, o componente final da cascata do complemento, ao
complexo C5b-8. C9 é uma proteína sérica que se polimeriza no local de ligação de C5b-8
para formar poros nas membranas plasmáticas. Esses poros têm aproximadamente 100 Å
de diâmetro e formam canais que permitem a livre circulação de água e de íons. A
entrada de água resulta em aumento osmótico e ruptura das células em cuja superfície o
MAC foi depositado. Os poros formados pela C9 polimerizada são semelhantes aos
poros de membrana formada por perforina, a proteína do grânulo citolítico encontrado
em linfócitos T citotóxicos e em células NK (Cap. 11), e C9 é estruturalmente homóloga à
perforina.
Tabela 13-7
Proteínas das Etapas de Ativação da Via Terminal do Complemento
MAC, complexo de ataque à membrana (do inglês membrane attack complex).
FIGURA 13-12 Etapas finais da ativação do complemento e formação do MAC.
AC5-convertase associada à célula cliva C5 e gera C5b, que fica ligada à convertase. C6 e C7
ligam-se sequencialmente e o complexo C5b,6,7 se insere na membrana plasmática; em seguida,
ocorre a inserção de C8. Até 15 moléculas de C9 podem, então, polimerizar em torno do complexo
para formar o MAC, o que cria poros e induz a lise celular. O C5a liberado na proteólise do C5
estimula a inflamação.
Receptores para Proteínas do Complemento
Muitas das atividades biológicas do sistema do complemento são mediadas pela ligação de
fragmentos do complemento a receptores de membrana expressos em vários tipos celulares.
Desses receptores, o mais bem caracterizados são específicos para os fragmentos de C3 e
são descritos aqui (Tabela 13-8). Outros receptores incluem aqueles para C3a, C4a e C5a,
que estimulam a inflamação, e alguns que regulam a ativação do complemento.
Tabela 13-8
Receptores para Fragmentos de C3
CCPRs, proteínas de controle do complemento em repetição (do inglês complement control protein repeats); EBV, vírus
Epstein-Barr; FDCs, células dendríticas foliculares (do inglês
• O receptor de complemento do tipo 1 (CR1 ou CD35) funciona principalmente para
promover fagocitose de partículas recobertas por C3b e C4b e remoção dos
imunocomplexos da circulação. CR1 é um receptor de alta afinidade para C3b e C4b. É
expresso principalmente em células derivadas da medula óssea, incluindo eritrócitos,
neutrófilos, monócitos, macrófagos, eosinófilos e linfócitos T e B; ele também é
encontrado em células dendríticas foliculares no interior dos folículos de órgãos
linfoides periféricos. Fagócitos utilizam esse receptor para se ligar a partículas
opsonizadas com C3b ou C4b e internalizá-las. A ligação das partículas recobertas por
C3b ou C4b a CR1 também transduz sinais que ativam os mecanismos microbicidas
dos fagócitos, especialmente quando o receptor de Fcγ é simultaneamente envolvido
por partículas revestidas de anticorpo. CR1 em eritrócitos liga-se a imunocomplexos
circulantes ligados a C3b e C4b e transporta esses complexos para o fígado e para o
baço. Nesses órgãos, os fagócitos removem os imunocomplexos da superfície dos
eritrócitos e os eritrócitos continuam a circular. O CR1 também é um regulador da
ativação do complemento (discutido na seção a seguir).
• O receptor do complemento do tipo 2 (CR2 ou CD21) tem como função estimular as
respostas imunes humorais, aumentando a ativação de células B por antígenos e
promovendo a retenção de complexos antígeno-anticorpo nos centros germinativos. CR2
está presente em linfócitos B, células dendríticas foliculares e em algumas células
epiteliais. Liga-se especificamente aos produtos de clivagem de C3b, denominados
C3d, C3dg e iC3b (i referindo-se a inativo), que são gerados por proteólise mediada
pelo Fator I (discutido mais adiante). Em células B, o CR2 é expresso como parte de um
complexo trimolecular que inclui duas outras proteínas não ligadas covalentemente,
denominadas CD19 e CD81 (ou TAPA-1, alvo do anticorpo antiproliferativo-1). Este
complexo fornece sinais para as células B, aumentando suas respostas ao antígeno
(Fig. 7-20). Em células dendríticas foliculares, o CR2 serve para capturar complexos
antígeno-anticorpo revestidos de iC3b e C3dg nos centros germinativos. As funções do
complemento relacionadas com a ativação de células B serão descritas mais adiante.
Em humanos, CR2 é o receptor de superfície celular para o vírus Epstein-Barr, um
herpes-vírus que causa a mononucleose infecciosa e também é associado a diversos
tumores malignos. O vírus Epstein-Barr entra na célula B via CR2, infecta essas células e
nelas pode permanecer latente por toda a vida.
• O receptor do complemento do tipo 3, também chamado Mac-1 (CR3, CD11bCD18), é
uma integrina que funciona como um receptor para o fragmento iC3b gerado por
proteólise de C3b. Mac-1 é expresso em neutrófilos, fagócitos mononucleares,
mastócitos e células NK. Esse receptor é um membro da família de integrinas de
receptores de superfície celular (Cap. 3) e consiste em uma cadeia α (CD11b) não
covalentemente ligada a uma cadeia β (CD18) que é idêntica às cadeias β de duas
moléculas de integrina estreitamente relacionadas, o antígeno associado à função de
leucócitos 1 (LFA-1, do inglês leukocyte function-associated antigen 1) e p150,95. Em
neutrófilos e monócitos, Mac-1 promove a fagocitose de microrganismos opsonizados
com iC3b. Além disso, Mac-1 pode fazer o reconhecimento direto de bactérias para a
fagocitose ao se ligar a algumas moléculas microbianas desconhecidas (Cap. 4).
Também se liga à molécula de adesão intercelular 1 (ICAM-1, do inglês, intercellular
adhesion molecule 1) em células endoteliais e promove a adesão estável dos leucócitos
ao endotélio, mesmo sem ativação do complemento. Essa ligação leva ao recrutamento
de leucócitos para os locais de infecção e de lesão tecidual (Cap. 3).
• O receptor de complemento do tipo 4 (CR4, p150,95, CD11c/CD18) é uma outra integrina
com uma cadeia α diferente (CD11c) e a mesma cadeia β do Mac-1. Também se liga a
iC3b e tem provavelmente uma função semelhante à do Mac-1. CD11c é
abundantemente expresso em células dendríticas, sendo utilizado como um marcador
para este tipo de células.
• O receptor do complemento da família das imunoglobulinas (CRIg) é expresso na
superfície de macrófagos no fígado e é conhecido como célula de Kupffer. CRIg é uma
proteína integral de membrana com uma região extracelular constituída por domínios
de Ig. Liga-se aos fragmentos C3b e iC3b do complemento e está envolvido na
eliminação de bactérias opsonizadas e de outros patógenos transmitidos por via
sanguínea.
Regulação da Ativação do Complemento
A ativação da cascata do complemento e a estabilidade de proteínas ativas do
complemento são finamente reguladas para evitar a ativação do complemento em células
normais do hospedeiro e para limitar a duração da ativação do complemento, mesmo em
células microbianas e complexos antígeno-anticorpo. A regulação do complemento é
mediada por diversas proteínas circulantes e de membrana celular (Tabela 13-9). Muitas
dessas proteínas, bem como as várias proteínas das vias clássica e alternativa, pertencem
a uma família denominada reguladores da atividade do complemento (RCA, do inglês
regulators of complement activity) e são codificadas por genes homólogos que estão
localizados de forma adjacente um ao outro no genoma.
Tabela 13-9
Reguladores da Ativação do Complemento
CCPRs, proteínas de controle do complemento em repetição (do inglês complement control protein repeats); conc.,
concentração; GPI, glicofosfatidilinositol; MAC, complexo de ataque à membrana.
A ativação do complemento precisa ser regulada por dois motivos. Primeiro, a ativação
do complemento ocorre contínua e espontaneamente em um nível baixo e, se for
permitido que tal ativação simplesmente prossiga, o resultado pode ser danoso para as
células e tecidos normais. Segundo, mesmo quando o complemento é ativado onde é
realmente necessário, como sobre células microbianas ou complexos antígeno-anticorpo,
ele precisa ser controlado porque os produtos da degradação de proteínas do
complemento podem se difundir para as células adjacentes e produzir lesão. Diferentes
mecanismos reguladores inibem a formação da C3-convertase nas etapas iniciais da
ativação do complemento, quebram e inativam as convertases de C3 e de C5 e inibem a
formação do MAC nas etapas posteriores da via do complemento.
• A atividade proteolítica de C1r e de C1s é inibida por uma proteína plasmática
denominada inibidor de C1 (C1-INH). C1-INH é um inibidor de serinoproteases
(serpina) que mimetiza os substratos normais de C1r e de C1s. Se o C1q se ligar a um
anticorpo e iniciar o processo de ativação do complemento, C1-INH torna-se um alvo
da atividade enzimática da ligação C1r2
-C1s2
. C1-INH é clivado por e se torna
covalentemente ligado a essas proteínas do complemento e, como resultado, o
tetrâmero C1r2
-C1s2 se dissocia de C1q, impedindo, assim, a ativação da via clássica
(Fig. 13-13). Dessa maneira, C1-INH impede o acúmulo de C1r2
-C1s2 enzimaticamente
ativo no plasma e limita o tempo durante o qual C1r2
-C1s2 ativo fica disponível para
ativar as etapas subsequentes na cascata do complemento. Uma doença hereditária
autossômica dominante denominada angioedema hereditário ocorre em virtude de
uma deficiência de C1-INH. As manifestações clínicas da doença incluem edema
agudo intermitente na pele e mucosas, o que provoca dor abdominal, vômitos, diarreia
e obstrução das vias respiratórias potencialmente fatal. Nesses pacientes, os níveis
plasmáticos da proteína C1-INH são bastante reduzidos (< 20% a 30% do normal),
fazendo com que a ativação de C1 por imunocomplexos não seja adequadamente
controlada e ocorra aumento da degradação de C4 e de C2. Os mediadores de formação
do edema em pacientes com angioedema hereditário incluem um fragmento
proteolítico de C2, chamado quinina C2, e bradicinina. Além de C1, C1-INH é um
inibidor de outras serinoproteases plasmáticas, incluindo a calicreína e o fator XII da
coagulação, e a ativação dessas duas proteases pode promover maior formação de
bradicinina. Atualmente, o tratamento da deficiência de C1-INH emprega uma versão
recombinante dessa proteína.
FIGURA 13-13 Regulação da atividade de C1 por C1-INH.
C1-INH desloca C1r2s2 de C1q e interrompe a via clássica de ativação.
• A montagem dos componentes das convertases de C3 e de C5 é inibida pela ligação de
proteínas reguladoras para C3b e C4b depositados nas superfícies das células (Fig. 13-
14). Se C3b for depositado sobre as superfícies de células normais de mamífero, ele
pode se ligar a várias proteínas de membrana, incluindo a proteína de cofator de
membrana (MCP ou CD46), o receptor do complemento do tipo 1 (CR1), o fator de
aceleração do decaimento (DAF) e uma proteína plasmática chamada Fator H. O C4b
depositado na superfície celular é ligado de maneira semelhante por DAF, CR1, MCP e
uma outra proteína plasmática denominada proteína ligadora de C4 (C4BP, do inglês
C4-binding protein). Ao se ligar a C3b ou C4b, essas proteínas inibem competitivamente
a ligação de outros componentes da C3-convertase, como Bb da via alternativa e C2a da
via clássica, bloqueando, assim, a progressão da cascata do complemento. (O Fator H
inibe somente a ligação de C3b a Bb e é, assim, um regulador da via alternativa, mas
não da via clássica.) MCP, CR1 e DAF são produzidas por células de mamíferos, mas
não por microrganismos. Dessa maneira, esses reguladores do complemento inibem
seletivamente a ativação dessa cascata sobre células hospedeiras e permitem que a
ativação do complemento prossiga em microrganismos. Além disso, as superfícies
celulares ricas em ácido siálico favorecem a ligação da proteína reguladora Fator H em
relação à proteína da via alternativa conhecida como Fator B. As células de mamíferos
expressam níveis mais elevados de ácido siálico que a maioria dos microrganismos, o
que é outra razão pela qual a ativação do complemento é evitada nas células normais
do hospedeiro e permitida sobre os microrganismos.
FIGURA 13-14 Inibição da formação de C3-convertases.
AC3-convertase da via clássica, C4b2a, ou a da via alternativa, C3bBb, podem ser dissociadas pela
substituição de um componente pelo fator de aceleração do decaimento (DAF). Outras proteínas
reguladoras, como MCP e CR1, funcionam de maneira similar ao DAF (ver texto).
DAF é uma proteína de membrana ligada a glicofosfatidilinositol expresso em células
endoteliais e os eritrócitos. Uma deficiência em células-tronco hematopoéticas da enzima
necessária para formar essas ligações lipoproteicas resulta na incapacidade de expressar
muitas proteínas de membrana ligadas ao glicofosfatidilinositol, incluindo DAF e CD59
(ver a seguir) e provoca uma doença chamada hemoglobinúria paroxística noturna. Essa
doença é caracterizada por episódios recorrentes de hemólise intravascular, pelo menos
parcialmente atribuíveis à ativação desregulada do complemento na superfície de
eritrócitos. A hemólise intravascular recorrente, por sua vez, leva a anemia hemolítica
crônica e trombose venosa. Uma característica incomum dessa doença é que a mutação
do gene causador não é herdada, mas trata-se de uma mutação adquirida em célulastronco
hematopoéticas.
• O C3b associado à célula é degradado proteoliticamente por uma serinoprotease
plasmática chamada Fator I, que só é ativa na presença de proteínas reguladoras
(Fig. 13-15). MCP, Fator H, C4BP e CR1, todos servem como cofatores para clivagem de
C3b (e C4b) mediada por Fator I. Assim, essas proteínas reguladoras das células
hospedeiras promovem a degradação proteolítica das proteínas do complemento;
como discutido anteriormente, as mesmas proteínas reguladoras provocam a
dissociação dos complexos contendo C3b (e C4b). A clivagem de C3b mediada pelo
Fator I gera os fragmentos chamados iC3b, C3d e C3dg, que não participam na ativação
do complemento, mas são reconhecidos por receptores em fagócitos e linfócitos B.
FIGURA 13-15 Clivagem de C3b mediada por Fator I.
Na presença de cofatores ligados à membrana celular (MCP ou CR1), o Fator I plasmático cliva
proteoliticamente o C3b aderido às superfícies celulares, produzindo uma forma inativa de C3b
(iC3b). O fator H e a proteína ligadora de C4 também podem servir de cofatores para a clivagem de
C3b mediada por Fator I. O mesmo processo ocorre na proteólise de C4.
• A formação do MAC é inibida por uma proteína de membrana chamada CD59. O CD59 é
uma proteína ligada ao glicofosfatidilinositol expressa em muitos tipos celulares. Ele
funciona por meio da incorporação de si mesmo nos MACs que estão sendo montados
após a inserção de C5b-8 na membrana, inibindo, assim, a subsequente adição de
moléculas C9 (Fig. 13-16). O CD59 está presente nas células normais do hospedeiro,
onde limita a formação de MAC, mas está ausente em microrganismos. A formação do
MAC também é inibida por proteínas plasmáticas como a proteína S, que funciona por
meio da ligação aos complexos C5b, 6,7 solúveis e, assim, impede sua inserção em
membranas celulares próximas ao local onde a cascata do complemento foi iniciada.
Os MACs em formação podem se inserir em qualquer membrana celular vizinha além
da membrana em que foram gerados. Os inibidores do MAC no plasma e nas
membranas celulares hospedeiras asseguram que não ocorra a lise de células que
simplesmente estejam próximas ao local da ativação do complemento.
FIGURA 13-16 Regulação da formação do MAC.
O MAC é formado sobre as superfícies celulares como resultado final da ativação do complemento.
Aproteína de membrana CD59 e a proteína S inibem a formação do MAC no plasma.
Muito da análise da função de proteínas reguladoras do complemento baseou-se em
experimentos in vitro, e a maior parte destes experimentos concentrou-se em ensaios que
determinam a lise celular mediada pelo MAC como um ponto final. Com base nesses
estudos, acredita-se que haja uma hierarquia em termos de importância para a inibição
da ativação do complemento, sendo CD59 > DAF > MCP; esta hierarquia pode refletir a
relativa abundância dessas proteínas nas superfícies celulares.
A função das proteínas reguladoras pode ser superada pela excessiva ativação das vias
do complemento. Temos enfatizado a importância dessas proteínas reguladoras na
prevenção da ativação do complemento em células normais. No entanto, a fagocitose
mediada pelo complemento e os danos às células normais são mecanismos patogênicos
importantes em muitas doenças imunológicas (Cap. 19). Nessas doenças, grandes
quantidades de anticorpos podem ser depositadas nas células hospedeiras, gerando
proteínas ativas do complemento suficientes para que as moléculas reguladoras sejam
incapazes de controlar a ativação da cascata.
Funções do Complemento
As principais funções efetoras do sistema do complemento na imunidade inata e na
imunidade adaptativa humoral são promover a fagocitose de microrganismos sobre os
quais o complemento é ativado, estimular a inflamação e induzir a lise desses
microrganismos. Além disso, os produtos de ativação do complemento facilitam a
ativação de linfócitos B e a produção de anticorpos. A fagocitose, inflamação e a
estimulação da imunidade humoral são mediadas pela ligação de fragmentos
proteolíticos de proteínas do complemento para vários receptores da superfície celular,
enquanto a lise celular é mediada pelo MAC. Na seção a seguir, vamos descrever essas
funções do sistema complemento e seus papéis na defesa do hospedeiro.
Opsonização e Fagocitose
Os microrganismos sobre os quais o complemento é ativado pela via clássica ou pela via
alternativa tornam-se revestidos com C3b, iC3b ou C4b e são fagocitados pela ligação
dessas proteínas aos receptores específicos em macrófagos e neutrófilos (Fig. 13-17, A).
Como discutido anteriormente, a ativação do complemento leva à geração de C3b e de
iC3b ligado covalentemente a superfícies celulares. Tanto C3b quanto iC3b atuam como
opsoninas, em virtude do fato de que se ligam especificamente a receptores em
neutrófilos e macrófagos. C3b e C4b (o último gerado somente pela via clássica) ligam-se
a CR1, e iC3b liga-se a CR3 (Mac-1) e CR4. Por si só, o CR1 é ineficaz na indução da
fagocitose de microrganismos revestidos com C3b, mas isso pode ser aumentado se os
microrganismos estiverem revestidos com anticorpos IgG que se ligam simultaneamente
a receptores Fcγ. A ativação de macrófagos pela citocina IFN-γ também melhora a
fagocitose mediada por CR1. A fagocitose de microrganismos dependente de C3b e de
iC3b é um importante mecanismo de defesa contra infecções nas imunidades inata e
adaptativa. Um exemplo da importância do complemento é a defesa do hospedeiro
contra bactérias com cápsulas ricas em polissacarídios, tais como pneumococos e
meningococos, que é mediada primariamente pela imunidade humoral. Os anticorpos
IgM contra polissacarídios capsulares ligam-se às bactérias, ativam a via clássica do
complemento e estimulam a eliminação das bactérias por fagocitose no baço. É por isso
que indivíduos sem o baço (p. ex., como resultado da remoção cirúrgica após ruptura
traumática ou em pacientes com anemia hemolítica autoimune ou trombocitopenia) são
suscetíveis a septicemia pneumocócica e meningocócica disseminada. Humanos e
camundongos deficientes em C3 são extremamente suscetíveis a infecções bacterianas
letais.
FIGURA 13-17 Funções do complemento.
As principais funções do sistema complemento na defesa do hospedeiro são mostradas nesta
figura. O C3b ligado à célula é uma opsonina que promove a fagocitose das células revestidas (A);
os produtos proteolíticos C5a, C3a e (em menor extensão) C4a estimulam o recrutamento de
leucócitos e a inflamação (B); e o MAC lisa as células (C).
Estimulação das Respostas Inflamatórias
Os fragmentos proteolíticos dos complementos C5a, C4a e C3a induzem inflamação aguda,
ativando mastócitos, neutrófilos e células endoteliais (Fig. 13-17, B). Todos os três
peptídios ligam-se a mastócitos e induzem a desgranulação, com a liberação de
mediadores vasoativos como a histamina. Esses peptídios também são denominados
anafilatoxinas porque as reações de mastócitos que desencadeiam são características de
anafilaxia (Cap. 20). Em neutrófilos, C5a reforça a motilidade, a adesão firme às células
endoteliais e, em altas concentrações, o estímulo do burst respiratório e da produção de
espécies reativas de oxigênio. Além disso, C5a pode atuar diretamente sobre as células
endoteliais vasculares e induzir aumento da permeabilidade vascular e expressão de Pselectina,
o que promove a ligação de neutrófilos. Essa combinação de ações de C5a em
mastócitos, neutrófilos e células endoteliais contribui para a inflamação nos locais da
ativação do complemento. O C5a é o mediador mais potente de desgranulação de
mastócitos; C3a é cerca de 20 vezes menos potente; e C4a, aproximadamente 2.500 vezes
menos potente. Os efeitos pró-inflamatórios de C5a, C4a e C3a são mediados pela ligação
dos peptídios aos receptores específicos em vários tipos celulares. O receptor de C5a é o
mais bem caracterizado. Ele é um membro da família de receptores acoplados à proteína
G. O receptor de C5a é expresso em muitos tipos celulares, incluindo neutrófilos,
eosinófilos, basófilos, monócitos, macrófagos, mastócitos, células endoteliais, células
musculares lisas, células epiteliais e astrócitos. O receptor de C3a também é um membro
da família de receptores acoplados à proteína G.
Citólise Mediada pelo Complemento
A lise mediada pelo complemento de organismos estranhos é mediada pelo MAC (Fig. 13-
17, C). A maioria dos patógenos desenvolveu durante sua evolução paredes celulares
espessas ou cápsulas que impedem o acesso do MAC em suas membranas celulares. A
lise mediada pelo complemento parece ser essencial apenas para a defesa contra alguns
poucos agentes patogênicos que são incapazes de resistir à inserção do MAC, como
bactérias do gênero Neisseria, que possuem paredes celulares muito delgadas.
Outras Funções do Sistema Complemento
Ao se ligar aos complexos antígeno-anticorpo, as proteínas do complemento promovem a
solubilização destes complexos e sua eliminação por fagócitos. Um pequeno número de
imunocomplexos é formado frequentemente na circulação quando um indivíduo monta
uma vigorosa resposta de anticorpos a um antígeno circulante. Se os imunocomplexos se
acumulam no sangue, eles podem ser depositados na parede dos vasos e induzir reações
inflamatórias que danificam os vasos e o tecido circundante. A formação de
imunocomplexos pode exigir não apenas a ligação multivalente das regiões Fab de Ig a
antígenos, mas também as interações não covalentes das regiões Fc das moléculas de Ig
justapostas. A ativação do complemento sobre moléculas de Ig pode bloquear
estericamente essas interações Fc-Fc, promovendo, assim, a dissolução dos
imunocomplexos. Além disso, como foi discutido anteriormente, os imunocomplexos
com C3b aderido são ligados a CR1 em eritrócitos e os complexos são eliminados pelos
fagócitos no fígado.
A proteína C3d gerada a partir de C3 liga-se a CR2 em células B e facilita a ativação
dessas células e o início das respostas imunes humorais. C3d é gerado quando o
complemento é ativado por um antígeno, seja diretamente (p. ex., quando o antígeno é
um polissacarídio microbiano) ou após a ligação ao anticorpo. A ativação do
complemento resulta na ligação covalente de C3b e de seu produto de clivagem, C3d, ao
antígeno. Os linfócitos B podem se ligar ao antígeno através de seus receptores de Ig e
também, simultaneamente, ao C3d ligado ao antígeno por meio do CR2, o correceptor
para o receptor de antígeno das células B, aumentando, assim, a sinalização induzida
pelo antígeno em células B (Cap. 12). Antígenos opsonizados também estão ligados a
células dendríticas foliculares nos centros germinativos dos órgãos linfoides. As células
dendríticas foliculares apresentam os antígenos às células B nos centros germinativos;
este processo é importante para a seleção de células B de alta afinidade (Fig. 12-19). A
importância do complemento nas respostas imunes humorais é ilustrada pela deficiência
grave na produção de anticorpos e na formação do centro germinativo que se observa em
camundongos geneticamente deficientes para C3 e C4 ou para a proteína CR2.
Deficiências do Complemento
As deficiências genéticas das proteínas do complemento e de proteínas reguladoras são
as causas de várias doenças humanas. Foram descritas deficiências herdadas e
espontâneas em muitas das proteínas do complemento em humanos.
• Foram descritas deficiências genéticas em componentes da via clássica, incluindo C1q,
C1r, C4, C2 e C3; a deficiência de C2 é a deficiência do complemento mais comum em
humanos. Mais de 50% dos pacientes com deficiências em C1q, C2 e C4 desenvolvem
lúpus eritematoso sistêmico. A razão para essa associação é desconhecida, mas pode
estar relacionada com o fato de que os defeitos na ativação do complemento levam à
falha na eliminação de imunocomplexos circulantes. Se os imunocomplexos
normalmente gerados não forem eliminados da circulação, podem ser depositados em
paredes dos vasos sanguíneos e tecidos, onde ativam leucócitos por vias dependentes
do receptor de Fc e produzem inflamação local. O complemento também pode exercer
um papel importante na eliminação de corpos apoptóticos contendo DNA
fragmentado. Esses corpos apoptóticos são fontes prováveis de antígenos nucleares
que desencadeiam respostas de autoanticorpos observadas no lúpus. Além disso,
proteínas do complemento regulam sinais mediados por antígenos recebidos pelas
células B; na ausência desses antígenos, os antígenos próprios podem não induzir
tolerância das células B e isso pode resultar em autoimunidade. Surpreendentemente,
as deficiências de C2 e de C4 não são geralmente associadas a aumento da
suscetibilidade a infecções, o que sugere que a via alternativa e os mecanismos efetores
mediados por receptores de Fc são adequados para a defesa do hospedeiro contra a
maioria dos microrganismos. A deficiência de C3 está associada a infecções por
bactérias piogênicas, frequentes e graves, que podem ser fatais, ilustrando o papel
central de C3 na opsonização, fagocitose aumentada e destruição desses organismos.
• As deficiências em componentes da via alternativa, incluindo properdina e Fator D,
resultam em aumento da suscetibilidade à infecção por bactérias piogênicas. Uma
mutação do gene que codifica a lectina ligadora de manose (MBL) contribui para a
imunodeficiência em alguns pacientes; isso é discutido no Capítulo 21.
• Também foram descritas deficiências em componentes da via terminal do
complemento, incluindo C5, C6, C7, C8 e C9. Curiosamente, tal como mencionado
anteriormente, o único problema clínico consistente nesses pacientes é uma propensão
para infecções disseminadas por bactérias do gênero Neisseria, incluindo Neisseria
meningitidis e Neisseria gonorrhoeae, indicando que a lise bacteriana mediada pelo
complemento é particularmente importante para a defesa contra esses organismos.
• As deficiências em proteínas reguladoras do complemento estão associadas a ativação
anormal do complemento e uma variedade de anormalidades clínicas relacionadas. As
deficiências no inibidor de C1 e no fator de aceleração do decaimento foram
mencionadas anteriormente. Em pacientes com deficiência de Fator I, há depleção do
C3 plasmático como resultado da formação desregulada de C3-convertase da fase
fluida (por mecanismo normal de amplificação de C3b). A consequência clínica é
aumento na incidência de infecções por bactérias piogênicas. A deficiência de fator H é
rara e caracterizada por excesso de ativação da via alternativa, consumo de C3 e
glomerulonefrite causada por eliminação inadequada de imunocomplexos e deposição
renal de subprodutos do complemento. Uma forma atípica de síndrome hemolíticourêmica
envolve a regulação defeituosa do complemento, e as mutações mais comuns
nesta condição ocorrem no gene do Fator H. Variantes alélicas específicas do Fator H
estão fortemente associadas à degeneração macular relacionada com a idade. Os
efeitos da falta de Fator I ou de Fator H são semelhantes aos de um autoanticorpo,
denominado fator nefrótico de C3 (C3NeF), que é específico para C3-convertase da via
alternativa (C3bBb). C3NeF estabiliza C3bBb e protege o complexo de dissociação
mediada pelo Fator H, o que resulta em consumo desregulado de C3. Os pacientes com
esse anticorpo frequentemente apresentam glomerulonefrite, possivelmente causada
pela retirada inadequada de imunocomplexos circulantes.
• Deficiências em receptores do complemento incluem a ausência de CR3 e CR4, ambas
resultantes de mutações raras na cadeia β (CD18), que é compartilhada pela família
CD11CD18 de moléculas de integrina. A doença congênita causada por este defeito
genético é chamada deficiência de adesão de leucócitos (Cap. 20). Este distúrbio é
caracterizado por infecções piogênicas recorrentes e é causado por adesão inadequada
de neutrófilos ao endotélio nos locais de infecção no tecido e, talvez, pela fagocitose de
bactérias dependente de iC3b, que se encontra prejudicada.
Efeitos Patológicos do Sistema Complemento
Mesmo quando é devidamente regulado e apropriadamente ativado, o sistema
complemento pode causar lesão tecidual significativa. Alguns dos efeitos patológicos
associados a infeções bacterianas podem ocorrer em decorrência de respostas
inflamatórias agudas mediadas pelo complemento a organismos infecciosos. Em
algumas situações, a ativação do complemento está associada à trombose intravascular e
pode levar a lesões isquêmicas de tecidos. Por exemplo, os anticorpos antiendotélio
contra órgãos vascularizados transplantados e os imunocomplexos produzidos em
doenças autoimunes podem se ligar ao endotélio vascular e ativar o complemento,
induzindo a inflamação e a geração do MAC com danos à superfície endotelial, o que
favorece a coagulação. Também existe evidência de que algumas das proteínas terminais
do complemento podem ativar protrombinases na circulação, iniciando a trombose
independente de danos endoteliais mediados pelo MAC. Na nefropatia membranosa, um
distúrbio renal mediado por autoanticorpos, danos sublíticos de células epiteliais
glomerulares podem ser mediados pelo MAC, o qual é gerado após a ligação do
anticorpo a um autoantígeno glomerular. Nesta doença, não há qualquer inflamação ou
presença de imunocomplexos circulantes e esvaziamento glomerular é uma consequência
da ativação do complemento.
Os exemplos mais claros de patologia mediada pelo complemento são doenças
mediadas por imunocomplexos. A vasculite sistêmica e a glomerulonefrite por
imunocomplexo resultam da deposição de complexos antígeno-anticorpo nas paredes
dos vasos e glomérulos renais (Cap. 19). O complemento ativado por esses
imunocomplexos depositados inicia as respostas inflamatórias agudas que destroem as
paredes dos vasos ou glomérulos e levam a trombose, dano isquêmico tecidual e
cicatrizes. Estudos com camundongos geneticamente deficientes para as proteínas C3 ou
C4 do complemento ou para receptores de Fcγ sugerem que a ativação de leucócitos
mediada pelo receptor de Fc também pode causar inflamação e lesão tecidual como
resultado da deposição de IgG, mesmo na ausência de ativação do complemento.
Evasão do Complemento por Microrganismos
Os patógenos evoluíram desenvolvendo diversos mecanismos para se evadir do sistema
complemento. Alguns microrganismos possuem paredes celulares espessas capazes de
impedir a ligação das proteínas de complemento, como o MAC. As bactérias Grampositivas
e alguns fungos são exemplos de microrganismos que usam essa estratégia de
evasão relativamente inespecífica. Alguns dos mecanismos mais específicos utilizados
por um pequeno subconjunto de patógenos serão aqui considerados. Esses mecanismos
de evasão podem ser divididos em três grupos.
• Microrganismos podem se evadir do sistema complemento por meio do recrutamento de
proteínas reguladoras do complemento do hospedeiro. Muitos patógenos, contrapondose
aos microrganismos não patogênicos, expressam ácidos siálicos, que podem inibir a
via alternativa do complemento por recrutamento do Fator H que dissocia C3b de Bb.
Alguns patógenos, como esquistossomas, Neisseria gonorrhoeae e certas espécies de
Haemophilus, vasculham os resíduos de ácido siálico do hospedeiro e transferem o
açúcar enzimaticamente para suas superfícies celulares. Outros, incluindo Escherichia
coli K1 e alguns meningococos, desenvolveram rotas biossintéticas especiais para a
geração de ácido siálico. Alguns microrganismos sintetizam proteínas que podem
recrutar a proteína reguladora Fator H para a superfície da célula. A GP41, no vírus da
imunodeficiência humana (HIV), pode se ligar ao Fator H, e acredita-se que esta
propriedade do vírus possa contribuir para a proteção do vírion. Muitos outros
patógenos desenvolveram proteínas que facilitam o recrutamento do Fator H para as
suas paredes celulares. Estão incluídos nesse grupo bactérias, como Streptococcus
pyogenes, Borrelia burgdorferi (o agente causador da doença de Lyme), Neisseria
gonorrhoeae, Neisseria meningitidis; o agente patogênico fúngico Candida albicans; e
nematoides, como o Echinococcus granulosus. Outros microrganismos, tais como HIV,
incorporam várias proteínas reguladoras do hospedeiro em seus envelopes. Por
exemplo, o HIV incorpora as proteínas reguladoras do complemento ancoradas em
GPI, como o DAF e o CD59, quando brota de uma célula infectada.
• Diversos agentes patogênicos produzem proteínas específicas que imitam as proteínas
reguladoras do complemento humano. Escherichia coli produz uma proteína que se liga a
C1q (C1qBP) capaz de inibir a formação de um complexo entre C1q, C1r e C1s.
Staphylococcus aureus produz uma proteína chamada SCIN (inibidor do complemento
de estafilococos, do inglês staphylococcal complement inhibitor) que se liga às C3-
convertases, tanto da via clássica quanto da alternativa, e as inibe de forma estável.
Dessa forma, inibe todas as três vias do complemento. A glicoproteína C-1 do vírus
herpes simples desestabiliza a convertase da via alternativa, impedindo que seu
componente C3b se ligue à properdina. GP160, uma proteína de membrana do
Trypanosoma cruzi, o agente causador da doença de Chagas, liga-se ao C3b e evita a
formação da C3-convertase, além de acelerar seu decaimento. VCP-1 (proteína do vírus
vacínia inibidora de complemento-1, do inglês vaccinia virus complement inhibitory
protein 1), uma proteína produzida pelo vírus vacínia, assemelha-se estruturalmente à
C4BP humana, mas pode se ligar tanto a C4b quanto a C3b e acelera o decaimento de
ambas as convertases de C3 e de C5.
• A inflamação mediada pelo complemento também pode ser inibida por produtos de genes
microbianos. O Staphylococcus aureus sintetiza uma proteína chamada CHIPS
(quimiocina proteína inibidora de estafilococos, do inglês chemokine inhibitory protein of
staphylococci), que é um antagonista da anafilatoxina C5a.
Esses exemplos ilustram como os microrganismos adquiriram a capacidade de se
evadir do sistema complemento, presumivelmente contribuindo para sua
patogenicidade.
Imunidade neonatal
Neonatos mamíferos são protegidos contra a infecção por anticorpos produzidos pela mãe
que atravessam a placenta, sendo transportados para a circulação fetal, e pelos anticorpos
ingeridos no leite e transportados através do epitélio intestinal de recém-nascidos por um
processo especializado conhecido como transcitose. Os recém-nascidos não têm a
capacidade de montar respostas imunes eficazes contra microrganismos e, durante
vários meses após o nascimento, sua principal defesa contra a infecção é a imunidade
passiva fornecida pelos anticorpos maternos. A IgG materna é transportada através da
placenta, e a IgA e IgG presentes no leite materno são ingeridas pelo lactente. O
transporte transepitelial de IgA materna para o leite depende do receptor de poli-Ig
descrito no Capítulo 14. As moléculas de IgA e IgG ingeridas podem neutralizar
organismos patogênicos que tentam colonizar o intestino do bebê, e os anticorpos IgG
ingeridos também são transportados através do epitélio intestinal para a circulação do
neonato. Assim, um recém-nascido possui, essencialmente, os mesmos anticorpos IgG
que sua mãe.
O transporte da IgG materna através da placenta e do epitélio intestinal neonatal é
mediado por um receptor de Fc específico para IgG denominado receptor de Fc neonatal
(FcRn). O FcRn é único entre os receptores de Fc em que se assemelha a uma molécula do
complexo de histocompatibilidade principal de classe I (MHC) contendo uma cadeia
pesada transmembrânica que é não covalentemente associada a β2-microglobulina. No
entanto, a interação de IgG com o FcRn não envolve a porção da molécula que é análoga à
fenda de ligação do peptídio usado pela moléculas de MHC de classe I para apresentar os
peptídios para o reconhecimento pelas células T.
Os adultos também expressam o FcRn no endotélio, em macrófagos e em muitos
outros tipos celulares. Esse receptor tem como função proteger os anticorpos IgG
plasmáticos do catabolismo. Descrevemos esse processo no Capítulo 5.
Resumo
A imunidade humoral é mediada por anticorpos e é o braço efetor do sistema imune
adaptativo, responsável pela defesa contra microrganismos extracelulares e toxinas
microbianas. Os anticorpos que proporcionam proteção contra a infeção podem ser
produzidos por células secretoras de anticorpos de vida longa, que são geradas após a
primeira exposição ao antígeno microbiano ou por reativação de células B de memória
quando da reexposição ao antígeno.
Anticorpos bloqueiam, ou neutralizam, a infectividade de microrganismos por meio da
ligação a esses organismos e impedindo estereoquimicamente suas interações com
receptores celulares. De maneira semelhante, os anticorpos bloqueiam as ações
patológicas de toxinas, impedindo sua ligação às células hospedeiras.
As partículas revestidas com anticorpo (opsonizadas) são fagocitadas após a ligação das
porções Fc de anticorpos aos respectivos receptores em fagócitos. Existem vários tipos
de receptores de Fc específicos para distintas subclasses de IgG, IgA e IgE, e diferentes
receptores de Fc ligam-se aos anticorpos com afinidades variáveis. A adesão de
imunocomplexos aos receptores de Fc em fagócitos também libera sinais que
estimulam as atividades microbicidas dos fagócitos.
O sistema complemento é composto por proteínas séricas e de membrana que
interagem de um modo altamente regulado para produzir produtos biologicamente
ativos. As três principais vias de ativação do complemento são a via alternativa, que é
ativada em superfícies microbianas em ausência de anticorpo; a via clássica, que é
ativada por complexos antígeno-anticorpo; e a via das lectinas, que é iniciada por
lectinas circulantes que se ligam a carboidratos presentes na superfície de patógenos.
Estas vias geram enzimas que clivam a proteína C3 e os produtos clivados de C3
tornam-se covalentemente ligados a superfícies microbianas ou anticorpos, limitando,
assim, os passos subsequentes da ativação do complemento a esses locais. Todas as
vias convergem para uma via comum que envolve a formação de um poro na
membrana após a clivagem proteolítica de C5.
A ativação do complemento é regulada por várias proteínas plasmáticas e de membrana
celular que inibem diferentes etapas nas cascatas.
As funções biológicas do sistema complemento incluem opsonização de organismos e
de imunocomplexos por fragmentos proteolíticos de C3, seguida pela ligação a
receptores específicos para esses fragmentos em fagócitos e eliminação fagocitária;
ativação de células inflamatórias por fragmentos proteolíticos de proteínas do
complemento denominadas anafilatoxinas (C3a, C4a, C5a); citólise mediada pela
formação de MAC nas superfícies celulares; solubilização e remoção dos
imunocomplexos; e aumento das respostas imunes humorais.
A imunidade protetora em neonatos é uma forma de imunidade passiva fornecida pelos
anticorpos maternos transportados através da placenta por um receptor Fc neonatal
especializado


























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