sexta-feira, 27 de outubro de 2017

CAPÍTULO 13 Mecanismos Efetores da Imunidade Humoral

Fonte: Livro Imunologia Celular e Molecular - 8ª Ed.


Autores: Abul Lichtman, Andrew Abbas


VISÃO GERAL DA IMUNIDADE HUMORAL
NEUTRALIZAÇÃO DE MICRORGANISMOS E TOXINAS MICROBIANAS
OPSONIZAÇÃO E FAGOCITOSE MEDIADAS POR ANTICORPOS
Receptores de Fc em Leucócitos
Citotoxicidade Mediada por Células Dependente de Anticorpo
Eliminação de Helmintos Mediada por Anticorpo
SISTEMA COMPLEMENTO
Vias de Ativação do Complemento
Receptores para Proteínas do Complemento
Regulação da Ativação do Complemento
Funções do Complemento
Deficiências do Complemento
Efeitos Patológicos do Sistema Complemento
Evasão do Complemento por Microrganismos
IMUNIDADE NEONATAL
RESUMO
A imunidade humoral é mediada por anticorpos secretados, e sua função fisiológica é a defesa contra microrganismos extracelulares e toxinas microbianas. Esse tipo de imunidade contrasta com a imunidade mediada por células, o outro braço efetor do sistema imune adaptativo, que é mediada por linfócitos T e cuja função é a eliminação de microrganismos que infectam as células hospedeiras e nelas vivem (Caps. 10 e 11). A imunidade humoral é a forma de imunidade que pode ser transferida de indivíduos imunizados para não imunizados por meio do soro. Os tipos de microrganismos que são combatidos pela imunidade humoral são bactérias extracelulares, fungos e até microrganismos intracelulares como vírus, que são alvos de anticorpos antes de infectarem as células ou quando são liberados a partir de células infectadas. Defeitos na produção de anticorpos resultam em suscetibilidade aumentada a infecções por muitos agentes, incluindo bactérias, fungos e vírus. As vacinas atualmente em uso induzem proteção primariamente pela estimulação da produção de anticorpos (Tabela 13-1). Apesar de seus papéis protetores essenciais, os anticorpos podem ser perigosos e medeiam a lesão tecidual em indivíduos alérgicos e em determinadas doenças autoimunes. Neste capítulo, discutiremos os mecanismos efetores que são utilizados pelos anticorpos para eliminar antígenos. A estrutura dos anticorpos está descrita no Capítulo 5 e o processo de produção de anticorpos no Capítulo 12. 
Tabela 13-1 
Imunidade Humoral Induzida por Vacinas 

*São listados exemplos selecionados de vacinas que funcionam por estimulação da imunidade humoral protetora.

Visão geral da imunidade humoral 

Antes de discutirmos os principais mecanismos pelos quais os anticorpos proporcionam proteção contra microrganismos, resumiremos algumas das características mais importantes da defesa do hospedeiro mediada por anticorpos. 
• As principais funções dos anticorpos são neutralizar e eliminar microrganismos infecciosos e as toxinas microbianas (Fig. 13-1). Como veremos adiante, a eliminação de antígenos mediada por anticorpos envolve diversos mecanismos efetores e requer a participação de vários componentes celulares e humorais do sistema imune, incluindo fagócitos e proteínas do sistema complemento.

FIGURA 13-1 Funções efetoras dos anticorpos.
 Anticorpos contra microrganismos (e suas toxinas, não mostrado) neutralizam esses agentes, opsonizam os mesmos para fagocitose, promovem sua sensibilização para o processo de citotoxicidade celular dependente de anticorpo e ativam o sistema complemento. Essas diversas funções efetoras podem ser mediadas por diferentes isotipos de anticorpos.
• Os anticorpos são produzidos por plasmócitos nos órgãos linfoides secundários e na medula óssea e realizam suas funções efetoras em locais distantes de onde são produzidos. Os anticorpos produzidos nos linfonodos, no baço e na medula óssea podem entrar na circulação sanguínea e, então, circular por todo o corpo. Os anticorpos produzidos nos tecidos linfoides associados às mucosas são transportados através das barreiras epiteliais para o lúmen de órgãos mucosos, como o intestino e as vias respiratórias, onde esses anticorpos secretados bloqueiam a entrada de microrganismos ingeridos ou inalados (Cap. 14). Os anticorpos também são ativamente transportados através da placenta para a circulação do feto em desenvolvimento. Ocasionalmente, os anticorpos podem ser produzidos em tecidos periféricos não linfoides, em locais de infecção ou de inflamação crônica. Na imunidade mediada por células, os linfócitos T ativados são capazes de migrar para locais periféricos de infecção e inflamação, mas não são transportados para as secreções mucosas ou através da placenta. 
• Os anticorpos que medeiam a imunidade protetora podem ser derivados de plasmócitos produtores de anticorpos de vida longa ou curta. A primeira exposição ao antígeno, seja por infecção ou vacinação, leva à ativação de linfócitos B virgens e sua diferenciação em plasmócitos secretores de anticorpos e células de memória (Cap. 12). A exposição subsequente ao mesmo antígeno leva à ativação de células B de memória e a uma resposta de anticorpos mais intensa e rápida. Os plasmócitos gerados em uma resposta imune ou aqueles provenientes de células B da zona marginal ou de células B-1 em respostas imunes T-independentes tendem a ser plasmócitos de vida curta. Em contrapartida, plasmócitos secretores de anticorpos de alta afinidade, que sofreram mudança de classe e são produzidos em centros germinativos durante respostas Tdependentes a antígenos proteicos, migram para a medula óssea e lá persistem produzindo anticorpos continuamente por anos após a eliminação do antígeno. Muitas das imunoglobulinas G (IgG) encontradas no soro de indivíduos normais derivam desses plasmócitos de vida longa que foram induzidos por respostas de células B virgens e de memória a vários antígenos durante toda a vida do indivíduo. Se um indivíduo normoimune for exposto a um microrganismo com o qual já tivera contato prévio, o nível de anticorpos circulantes produzido pelos plasmócitos de vida longa garante proteção imediata contra a infecção. Ao mesmo tempo, as células B de memória geram grandes quantidades de anticorpos, proporcionando uma segunda e mais eficaz onda de proteção. 
• Muitas das funções efetoras dos anticorpos são mediadas pelas regiões constantes da cadeia pesada das moléculas de Ig, e os diferentes isotipos de cadeia pesada possuem distintas funções efetoras (Tabela 13-2). Por exemplo, algumas subclasses de IgG (IgG1 e IgG3) ligam-se aos receptores Fc de fagócitos e promovem a fagocitose de partículas recobertas por anticorpo; IgM e algumas subclasses de IgG (IgG1, IgG2 e IgG3, mas não IgG4) ativam o sistema complemento; e IgE liga-se aos receptores Fc de mastócitos e desencadeia sua ativação. Cada um desses mecanismos efetores será discutido posteriormente neste capítulo. O sistema imune humoral é especializado de tal maneira que diferentes exposições de microrganismos ou antígenos estimulam a mudança de isotipo na célula B para um tipo que seja mais eficiente no combate a esses agentes. O principal estímulo para a troca de isotipo durante o processo de ativação da célula B são as citocinas e o ligante do CD40 expresso pelas células T auxiliares foliculares (Cap. 12). A neutralização é a única função de anticorpos que é mediada inteiramente pela ligação do antígeno e não requer participação das regiões constantes da Ig. 
Tabela 13-2
 Funções dos Isotipos de Anticorpos

 *Essas funções são mediadas por anticorpos ligados à membrana e não secretados.  

• Apesar de muitas das funções efetoras dos anticorpos serem mediadas pelas regiões constantes da cadeia pesada da Ig, todas elas são desencadeadas pela ligação do antígeno às regiões variáveis. A ligação do anticorpo a um antígeno multivalente, como um polissacarídio ou um epítopo repetido sobre uma superfície microbiana, aproxima as regiões do Fc, e esse agrupamento de moléculas de anticorpo leva à ativação do complemento e possibilita que os anticorpos se liguem a receptores de Fc em fagócitos e os ative. A necessidade de ligação ao antígeno assegura que os anticorpos ativem diversos mecanismos efetores somente quando é preciso, ou seja, quando os anticorpos encontram e se ligam especificamente aos antígenos, não quando os anticorpos estão apenas circulando em sua forma livre de antígeno. 
Com essa introdução à imunidade humoral, iniciaremos a discussão das diversas funções dos anticorpos na defesa do hospedeiro.

Neutralização de microrganismos e toxinas microbianas

 Os anticorpos contra microrganismos e toxinas microbianas bloqueiam a ligação desses agentes e suas toxinas aos receptores celulares (Fig. 13-2). Dessa maneira, os anticorpos inibem, ou neutralizam, a infectividade de microrganismos, bem como os potenciais efeitos lesivos das toxinas microbianas. Muitos microrganismos penetram nas células hospedeiras por meio da ligação de determinadas moléculas da superfície microbiana a proteínas ou lipídios de membrana presentes na superfície das células hospedeiras. Por exemplo, os vírus influenza usam a hemaglutinina de seu envelope para infectar as células epiteliais respiratórias e as bactérias Gram-negativas utilizam suas pilosidades para aderir e infectar uma variedade de células hospedeiras. Os anticorpos que se ligam a essas estruturas microbianas interferem na capacidade desses agentes de interagir com os receptores celulares por meio do bloqueio estereoquímico e podem, assim, evitar a infecção. Em alguns casos, os anticorpos podem se ligar ao microrganismo e induzir alterações conformacionais em moléculas de superfície que impedem a interação do agente com receptores celulares; tais interações são exemplos dos efeitos alostéricos dos anticorpos. Muitas toxinas microbianas também medeiam seus efeitos patológicos pela ligação a receptores celulares específicos. Por exemplo, a toxina tetânica liga-se a receptores na placa terminal motora das junções neuromusculares e inibe a transmissão neuromuscular, levando à paralisia, e a toxina diftérica liga-se aos receptores celulares e entra em várias células, onde inibe a síntese proteica. Anticorpos contra tais toxinas dificultam estereoquimicamente as interações de toxinas com as células hospedeiras e, então, impedem que as toxinas produzam lesão e doença. 
FIGURA 13-2 Neutralização de microrganismos e toxinas por anticorpos. 
A, Os anticorpos impedem a ligação de microrganismos a células e, assim, bloqueiam a capacidade desses agentes de infectarem as células hospedeiras. B, Os anticorpos inibem a disseminação dos microrganismos de uma célula infectada para uma célula adjacente não infectada. C, Os anticorpos bloqueiam a ligação de toxinas a células e, assim, inibem os efeitos patológicos das toxinas. 
A neutralização de microrganismos e toxinas mediada por anticorpos requer apenas a participação das regiões de ligação ao antígeno. Portanto, tal neutralização pode ser mediada por anticorpos de qualquer isotipo presente na circulação e nas secreções mucosas, bem como ser experimentalmente mediada por fragmentos Fab ou F(ab′) 2 de anticorpos específicos, os quais não possuem regiões Fc das cadeias pesadas. A maior parte dos anticorpos neutralizantes no sangue consiste em isotipo IgG; nos órgãos mucosos, o isotipo prevalecente é IgA. Os anticorpos neutralizantes mais eficazes são aqueles com afinidades altas para seus antígenos. Os anticorpos de alta afinidade são produzidos pelo processo de maturação de afinidade (Cap. 12). Muitas vacinas profiláticas funcionam pela estimulação da produção de anticorpos neutralizantes de alta afinidade (Tabela 13-1). Um mecanismo que os microrganismos desenvolveram para se evadir da imunidade do hospedeiro é a mutação de genes codificantes de antígenos de superfície que são alvo dos anticorpos neutralizantes (Cap. 16).

Opsonização e fagocitose mediadas por anticorpos 

Os anticorpos do isotipo IgG cobrem (opsonizam) os microrganismos e promovem sua fagocitose pela ligação de receptores de Fc nos fagócitos. Os fagócitos mononucleares e os neutrófilos ingerem os microrganismos como um prelúdio para a morte e degradação intracelular. Esses fagócitos expressam uma variedade de receptores de superfície que se ligam diretamente aos microrganismos e os internalizam, mesmo sem a presença de anticorpos, proporcionando um mecanismo de imunidade inata (Cap. 4). A eficiência desse processo pode ser acentuadamente aumentada se o fagócito puder se ligar à partícula com afinidade alta. Os fagócitos mononucleares e os neutrófilos expressam receptores para as porções Fc dos anticorpos IgG que se ligam especificamente a partículas recobertas por anticorpos. Os microrganismos também podem ser cobertos por um subproduto da ativação do complemento denominado C3b e são fagocitados pela ligação a um receptor de leucócito para C3b (descrito mais adiante neste capítulo). O processo de cobertura de partículas para promover a fagocitose é denominado opsonização, e substâncias que fazem essa função, incluindo anticorpos e proteínas do complemento, são chamadas de opsoninas.  

Receptores de Fc em Leucócitos 

Os leucócitos expressam receptores de Fc que se ligam às regiões constantes de anticorpos e, assim, promovem a fagocitose de partículas cobertas de Ig e liberam sinais que regulam as atividades dos leucócitos; outros receptores de Fc medeiam o transporte de anticorpos para diversos locais. Os receptores de Fc para diferentes isotipos de cadeia pesada são expressos em muitas populações leucocitárias e apresentam diversas funções na imunidade. Dentre esses receptores de Fc, aqueles que são mais importantes para a fagocitose de partículas opsonizadas são os receptores para as cadeias pesadas de anticorpos IgG, chamados receptores Fcγ, que serão os receptores primariamente considerados neste capítulo. No Capítulo 20, discutiremos os receptores de Fc que se ligam a IgE. No Capítulo 5, descreveremos o receptor de Fc neonatal (FcRn), que é expresso na placenta e no endotélio vascular, bem como em outros tipos celulares. No Capítulo 14, abordaremos o receptor de poli-Ig, que está envolvido na transcitose de IgA e IgM. 
Os receptores Fcγ foram classificados em três grupos, I, II e III, com base em suas afinidades para as cadeias pesadas de diferentes subclasses de IgG. Diferentes receptores de Fc também são expressos em distintos tipos celulares (Tabela 13-3). Em geral, os imunocomplexos contendo IgG1 e IgG3 se ligam eficientemente a receptores de Fc, ativando-os, e os imunocomplexos contendo IgG2 não se ligam bem. IgG4 possui uma afinidade muito baixa para ativar os receptores Fc, e a função biológica desse anticorpo não é muito bem compreendida. A ligação à maior parte dos receptores Fc resulta em ativação celular, exceto o FcγRIIIB, que é um receptor inibitório. Todos os receptores Fcγ contêm uma cadeia de ligação ao ligante, denominada cadeia α, que reconhece as cadeias pesadas da IgG. As diferenças observadas em relação à especificidade ou afinidade de cada FcγR para os diversos isotipos de IgG baseiam-se nas distinções na estrutura dessas cadeias α. Todos os receptores Fc são ativados de forma ideal por anticorpos ligados aos seus antígenos e não por estas moléculas livres, circulantes. Em todos os FcRs, exceto o FcγRII, a cadeia α está associada a uma ou mais cadeias polipeptídicas adicionais envolvidas na transdução de sinal (Fig. 13-3). As funções de sinalização do FcγRII são mediadas pela cauda citoplasmática desse receptor de cadeia única.  
Tabela 13-3 
Receptores Fc
GPI, glicofosfatidilinositol; NK, natural killer

FIGURA 13-3 Composição de subunidades dos receptores Fcγ. 
Modelos esquemáticos dos diferentes receptores de Fc humanos ilustram as cadeias α de ligação ao Fc e as subunidades de sinalização. O FcγRIII-B é um proteína de membrana ancorada em glicofosfatidilinositol, sem funções de sinalização conhecidas. O FcγRIIAe IIC são receptores de ativação estruturalmente semelhantes e de baixa afinidade com ligeira diferença em relação aos padrões de expressão. Note-se que, embora o FcγRIIA/C e o FcγRIIB sejam ambos designados como CD32, trata-se de proteínas diferentes com funções distintas (ver texto). O FcR neonatal (FcRn) assemelha-se estruturalmente a moléculas de MHC de classe I, mas não possui uma fenda de ligação ao peptídio.
Os três grupos principais de receptores Fc IgG-específicos apresentam múltiplas isoformas que podem ser diferentes entre si na estrutura e na função (Tabela 13-3); eles são descritos a seguir. O FcRn tem função ímpar e foi discutido no Capítulo 5.  
• FcgRI (CD64) é o principal receptor Fcγ em fagócitos. É expresso em macrófagos e neutrófilos e liga-se a IgG1 e IgG3 com alta afinidade (Kd de 10 -8 a 10 -9 M). Em camundongos, o FcγRI liga-se preferencialmente a anticorpos IgG2a e IgG2b/2c. A grande região aminoterminal extracelular da cadeia α que se liga ao Fc dobra-se em três domínios Ig-símile em tandem. A cadeia α do FcγRI é associada a um homodímero, ligado por dissulfureto, de uma proteína de sinalização chamada de cadeia γ do FcR. Esta cadeia γ também é encontrada nos complexos de sinalização associados a FcγRIII, FcαR e Fc RI. A cadeia γ possui apenas uma porção extracelular aminoterminal curta, mas uma grande porção citoplasmática carboxiterminal, que é estruturalmente homóloga à cadeia ζ do complexo receptor de células T (TCR). Como a cadeia ζ do TCR, a cadeia γ do FcR contém um motivo de ativação imunorreceptor com base em tirosina (ITAM), que faz o pareamento do agrupamento de receptores para ativar as proteinoquinases de tirosina. O FcγRI, da mesma forma que o receptor de alta afinidade para IgE (Cap. 20), está constantemente saturado com seus ligantes de Ig. A ativação de receptores Fc requer que os receptores estejam agrupados no plano da membrana, e o agrupamento e sua consequente ativação pelo FcγRI são mediados pela ligação cruzada de moléculas de IgG ligadas ao receptor a antígenos multivalentes. 
A transcrição do gene FcγRI e sua expressão nos macrófagos são estimuladas pelo interferon-γ (IFN-γ). Os isotipos de anticorpo que se ligam de melhor maneira a receptores Fcγ (como IgG2a em camundongos) também são produzidos, em parte, como um resultado da troca de isotipo de células B mediada por IFN-γ. Além disso, o IFN-γ estimula diretamente a atividade microbicida de fagócitos (Cap. 11).
• FcγRII (CD32) liga-se a subtipos de IgG humana (IgG1 e IgG3) com uma afinidade baixa (Kd 10 -6 M). Em humanos, a duplicação de genes e a diversificação resultaram na geração de três formas, chamadas FcγRII A, B e C. Estas isoformas possuem domínios extracelulares e especificidades de ligantes semelhantes, mas diferem na estrutura da cauda citoplasmática, na distribuição celular e nas funções. O FcγRIIA é expresso pelos neutrófilos e fagócitos mononucleares e participa da fagocitose de partículas opsonizadas, ao passo que o FcγRIIC é expresso em fagócitos mononucleares, neutrófilos e células NK. As caudas citoplasmáticos do FcγRIIA e do FcγRIIC contêm ITAMs e podem emitir um sinal de ativação de fagócitos quando há agrupamento de partículas ou células revestidas por IgG1 ou por IgG3. O FcγRIIB é um receptor inibitório expresso em células mieloides e em células B, sendo o único receptor de Fe em células B. Sua função será descrita mais adiante.
 • FcγRIII (CD16) também é um receptor de baixa afinidade para IgG. A porção de extracelular de ligação ao ligante do FcγRIII é semelhante à do FcγRII em estrutura, afinidade e especificidade para IgG. Esse receptor existe em duas formas, codificadas por genes separados. A isoforma FcγRIIIA é uma proteína transmembrânica expressa principalmente em células NK. A isoforma FcγRIIIA associa-se a homodímeros da cadeia γ do FcR, homodímeros da cadeia ζ do TCR ou heterodímeros compostos da cadeia γ do FcR e da cadeia ζ. Essa associação é necessária para a expressão na superfície celular e para a função desses FcRs, porque os sinais de ativação intracelular são liberados através das ITAMs dessas cadeias de sinalização. A isoforma FcγRIIIB é uma proteína ligada a glicofosfatidilinositol (GPI) expressa em neutrófilos; ela não medeia a fagocitose ou dispara a ativação de neutrófilos, e sua função é mal compreendida.  
Além desses receptores Fcγ, existem receptores para as cadeias pesada de IgE e IgA (Tabela 13-3). Descreveremos o Fc RI no Capítulo 20, no contexto da ativação de mastócitos. A função de FcαR não está bem estabelecida.

Papel dos Receptores Fcγ na Fagocitose e Ativação de Fagócitos 

A ligação dos receptores de Fc em fagócitos a partículas multivalentes revestidas de anticorpo leva à internalização dessas partículas e à ativação de fagócitos (Fig. 13-4). Os subtipos de IgG que se ligam melhor a esses receptores (IgG1 e IgG3) são as opsoninas mais eficientes para promover fagocitose. Como foi discutido anteriormente, o FcγRI (CD64) é o receptor de Fcγ de alta afinidade em células fagocitárias, sendo o receptor mais importante para a fagocitose de partículas opsonizadas.
FIGURA 13-4 Opsonização e fagocitose de microrganismos mediadas por anticorpo.
 Anticorpos de determinadas subclasses de IgG ligam-se a microrganismos e são, então, reconhecidos por receptores de Fc em fagócitos. Os sinais dos receptores de Fc promovem a fagocitose dos microrganismos opsonizados e ativam os fagócitos para destruir essses microrganismos. Os mecanismos microbicidas dos fagócitos estão descritos nos Capítulos 4 (Fig. 4-13) e 10 (Fig. 10-7).
As partículas opsonizadas são internalizadas em vesículas conhecidas como fagossomos, os quais se fundem com os lisossomos, e as partículas fagocitadas são destruídas nestes fagolisossomos. A ativação requer a ligação cruzada dos FcRs por várias moléculas de Ig adjacentes (p. ex., em microrganismos revestidos com anticorpo ou em imunocomplexos). A ligação cruzada das cadeias α de ligação ao ligante de um FcR resulta em eventos de transdução de sinal que são semelhantes aos que ocorrem após a ligação cruzada do receptor de antígeno em linfócitos (Cap. 7). Esses eventos incluem a fosforilação das ITAMs mediada por quinases Src de tirosina nas cadeias de sinalização dos FcR; o recrutamento de quinases da família Syk aos ITAMs mediado pelo domínio SH2; a ativação da quinase fosfatidilinositol-3; o recrutamento de moléculas adaptadoras, incluindo SLP-76 e BLNK; e o recrutamento de enzimas como fosfolipase Cγy e quinases da família Tec. Esses eventos levam à geração de inositol trifosfato e diacilglicerol e à mobilização sustentada de cálcio.
Essas vias de sinalização induzem diversas respostas nos leucócitos, incluindo a transcrição de genes que codificam citocinas, mediadores inflamatórios e enzimas microbicidas, além da mobilização do citoesqueleto levando aos processos de fagocitose, exocitose de grânulos e migração celular. As principais substâncias microbicidas produzidas nos fagócitos ativados são as espécies reativas de oxigênio, óxido nítrico e enzimas hidrolíticas. Estas são as mesmas substâncias produzidas pelos fagócitos ativados na resposta imune inata, discutida no Capítulo 4. As mesmas substâncias microbicidas podem danificar os tecidos; esse mecanismo de lesão tecidual mediada por anticorpos é importante em doenças de hipersensibilidade (Cap. 19). Os camundongos geneticamente deficientes para a cadeia α de ligação ao ligante de FcγRI ou para a cadeia γ do FcR transdutora de sinal apresentam defeitos na defesa contra microrganismos mediada por anticorpos e não desenvolvem algumas formas de lesão tecidual mediada por anticorpo IgG, demonstrando, assim, o papel essencial de receptores Fc nesses processos.  

Sinalização Inibitória pelo Receptor FcγRIIB 

O receptor FcγRIIB é um receptor inibitório de Fc que já descrevemos anteriormente no contexto da sinalização inibitória em células B e do fenômeno da retroalimentação de anticorpo (Cap. 12). O FcγRIIB também é expresso em células dendríticas, neutrófilos, macrófagos e mastócitos e pode exercer um papel na regulação das respostas destas células na ativação de receptores Fc e de outros estímulos. Um tratamento de certa forma empírico, mas frequentemente útil, de muitas doenças autoimunes é a administração intravenosa de uma mistura de IgG humana, chamada imunoglobulina intravenosa (IVIG). A IVIG pode aumentar a expressão de FcγRIIB e também se ligar ao receptor e fornecer sinais inibitórios aos linfócitos B e a outras células, reduzindo, assim, a produção de anticorpos e o abrandamento da inflamação. Outro mecanismo pelo qual a IVIG pode melhorar a doença é pela competição com os autoanticorpos circulantes para o receptor Fc neonatal, o que resulta no aumento da eliminação dos autoanticorpos (Cap. 5).

Citotoxicidade Mediada por Células Dependente de Anticorpo 

As células natural killer (NK) e outros leucócitos ligam-se a células revestidas com anticorpo pelos receptores de Fc e as destroem. Esse processo é chamado de citotoxicidade mediada por células dependente de anticorpos (ADCC) (Fig. 13-5). Foi descrito pela primeira vez como uma função das células NK, as quais utilizam seus receptores de Fc, FcγRIIIA, para se ligar a células revestidas com anticorpo. O FcγRIIIA (CD16) é um receptor de baixa afinidade que se liga a moléculas de IgG agregadas dispostas sobre as superfícies das células, mas não se liga a moléculas circulantes de IgG monomérica. Dessa maneira, a ADCC só acontece quando a célula-alvo está revestida com moléculas de anticorpo e a IgG livre no plasma não ativa as células NK nem compete eficazmente com a IgG ligada a células para a ligação a FcγRIII. O acoplamento do FcγRIII a célulasalvo revestidas com anticorpo ativa as células NK para que elas sintetizem e secretem citocinas, como o IFN-γ, bem como para liberar o conteúdo dos seus grânulos, os quais medeiam as funções de morte deste tipo de células (Cap. 4). A ADCC pode ser prontamente demonstrada in vitro, mas seu papel na defesa do hospedeiro contra os microrganismos não está definitivamente estabelecido. É provável que seja um mecanismo importante para a eliminação de células que são revestidas por determinados anticorpos monoclonais terapêuticos, como as células B e as células tumorais derivadas de células B que são direcionadas por um anticorpo anti-CD20. 

FIGURA 13-5 Citotoxicidade mediada por células dependente de anticorpo. 
Os anticorpos de determinadas subclasses de IgG ligam-se a células (p. ex., células infectadas), e as regiões Fc dos anticorpos ligados são reconhecidas por um receptor Fcγ em células NK. As células NK são ativadas e matam as células revestidas com anticorpo.

Eliminação de Helmintos Mediada por Anticorpo

 Alguns parasitas helmínticos são eliminados pela ação conjunta de anticorpos, eosinófilos e mastócitos, que medeiam a morte e a expulsão desses parasitas. Os helmintos (vermes) são muito grandes para serem internalizados por fagócitos, e seus tegumentos são relativamente resistentes aos produtos microbicidas dos neutrófilos e dos macrófagos. Eles podem, no entanto, ser mortos por uma proteína catiônica tóxica, conhecida como a proteína básica principal, presente nos grânulos de eosinófilos. Anticorpos IgE e, em menor extensão, anticorpos IgG e IgA que revestem os helmintos podem se ligar a receptores de Fc em eosinófilos e provocar a desgranulação destas células, liberando a proteína básica e outros conteúdos dos grânulos de eosinófilos e, assim, matar os parasitas. O receptor de eosinófilos de alta afinidade Fc (Fc RI) não possui a cadeia β de sinalização e pode sinalizar apenas através da cadeia γ associada. Além de ativar eosinófilos, os anticorpos de IgE que reconhecem antígenos sobre a superfície dos helmintos podem iniciar a desgranulação dos mastócitos locais através do receptor de alta afinidade para IgE (Cap. 20). Os mediadores de mastócitos podem induzir broncoconstricção e aumento da motilidade local, contribuindo para a expulsão de vermes de locais como as vias aéreas e o lúmen do trato gastrintestinal. As quimiocinas e citocinas liberadas por mastócitos ativados também podem atrair eosinófilos e causar sua degranulação. 

Sistema complemento 

O sistema complemento é um dos principais mecanismos efetores da imunidade humoral e é também um importante mecanismo efetor da imunidade inata. Discutimos brevemente o papel do complemento na imunidade inata no Capítulo 4. Aqui, vamos descrever a ativação e a regulação do complemento mais detalhadamente. 
 O nome complemento é derivado de experimentos realizados por Jules Bordet logo após a descoberta de anticorpos. Ele demonstrou que ao se adicionar soro fresco contendo um anticorpo antibacteriano às bactérias em temperatura fisiológica (37°C), as bactérias são lisadas. Se, no entanto, o soro for aquecido a 56°C ou mais, ele perde sua capacidade lítica. Esta perda de capacidade lítica não se deve à deterioração da atividade de anticorpos, porque os anticorpos são relativamente estáveis ao calor, e o soro mesmo aquecido ainda é capaz de aglutinar bactérias. Bordet concluiu que o soro deve conter algum outro componente termolábil que auxilia, ou complementa, a função lítica de anticorpos e, posteriormente, esse componente recebeu o nome de complemento.
O sistema complemento é composto de proteínas séricas e de superfície celular que interagem umas com as outras e com outras moléculas do sistema imune de maneira altamente regulada para gerar produtos que funcionam para eliminar os microrganismos. As proteínas do complemento são proteínas plasmáticas normalmente inativas; elas são ativadas apenas em determinadas condições para gerar produtos que medeiam várias funções efetoras do complemento. Diversas características de ativação do complemento são essenciais para sua função normal.  
• O sistema complemento é ativado por microrganismos e por anticorpos que estão ligados aos microrganismos e outros antígenos. Os mecanismos de ativação inicial serão descritos mais adiante
 • A ativação do complemento envolve a proteólise sequencial de proteínas para gerar complexos de enzimas com atividade proteolítica. As proteínas que adquirem atividade enzimática proteolítica pela ação de outras proteases são chamadas de zimógenos. O processo de ativação sequencial de zimogênio, uma característica de definição de uma cascata de enzimas proteolíticas, também é característico dos sistemas de coagulação e das quininas. Cascatas proteolíticas permitem enorme amplificação, porque cada molécula de enzima ativada em uma etapa pode gerar múltiplas moléculas de enzima ativada na etapa seguinte. 
• Os produtos de ativação do complemento tornam-se ligados covalentemente a superfícies de células microbianas, anticorpos ligados aos microrganismos e outros antígenos, e também aos corpos apoptóticos. Na fase fluida, as proteínas do complemento são inativas, ou apenas transitoriamente (por segundos) ativas, e tornam-se estavelmente ativadas após sua ligação a microrganismos, anticorpos ou células mortas. Muitos dos produtos de clivagem biologicamente ativos das proteínas do complemento também se ligam covalentemente a microrganismos, anticorpos e tecidos nos quais o complemento é ativado. Essa característica assegura que a ativação completa e, por conseguinte, as funções biológicas do sistema do complemento sejam limitadas a superfícies de células microbianas ou aos locais onde há anticorpos ligados a antígenos e não ocorram no sangue. 
• A ativação do complemento é inibida por proteínas reguladoras que estão presentes em células normais do hospedeiro e ausentes nos microrganismos. As proteínas reguladoras são uma adaptação de células normais que minimizam os danos mediados pelo complemento às células hospedeiras. Os microrganismos não possuem essas proteínas reguladoras, o que permite que a ativação do complemento ocorra nas superfícies microbianas. Corpos apoptóticos não apresentam inibidores do complemento ligados à membrana, mas podem recrutar proteínas inibidoras do sangue, reduzindo, assim, a ativação do complemento e o grau de inflamação.

Vias de Ativação do Complemento 

Existem três vias principais de ativação do complemento: a via clássica, que é ativada por determinados isotipos de anticorpos ligados a antígenos; a via alternativa, que é ativada na superfície das células microbianas na ausência de anticorpo; e a via das lectinas, que é ativada por uma lectina plasmática que se liga a resíduos de manose em microrganismos (Fig. 13-6). Os nomes clássica e alternativa surgiram porque a via clássica foi descoberta e caracterizada antes das demais, mas a via alternativa é filogeneticamente mais antiga. Embora as vias de ativação do complemento difiram na forma como são iniciadas, todas elas resultam na geração de complexos de enzimas que são capazes de clivar a proteína mais abundante do complemento, C3. As vias alternativas e das lectinas são mecanismos efetores da imunidade inata, ao passo que a via clássica é um dos principais mecanismos de imunidade humoral adaptativa.

FIGURA 13-6 Etapas iniciais da ativação do complemento pelas vias alternativa, clássica e das lectinas. 
Avia alternativa é ativada pela ligação do C3b a diversas superfícies ativadoras, como as paredes celulares microbianas; a via clássica é iniciada pela ligação do C1 aos complexos antígenoanticorpo; e a via das lectinas é ativada pela ligação de uma lectina plasmática a microrganismos. O C3b que é gerado pela ação da C3-convertase liga-se à superfície celular microbiana ou ao anticorpo e torna-se um componente da enzima que cliva C5 (C5-convertase) e inicia as etapas seguintes na ativação do complemento. As etapas posteriores de todas as três vias são as mesmas (não mostrado), e o complemento ativado de todas as três vias serve às mesmas funções.
O evento central na ativação do complemento é a proteólise da proteína do complemento C3 para gerar produtos biologicamente ativos e a subsequente ligação covalente de um produto de C3, denominado C3b, a superfícies celulares microbianas ou ao anticorpo ligado ao antígeno (Fig. 13-6). A ativação do complemento depende da geração de dois complexos proteolíticos: a C3-convertase, que cliva C3 em dois fragmentos proteolíticos denominados C3a e C3b; e a C5-convertase, que cliva C5 em C5a e C5b. Por convenção, os produtos proteolíticos de cada proteína do complemento são identificadas por sufixos em letras minúsculas, sendo a referente ao produto menor e b ao maior. C3b torna-se covalentemente ligado à superfície celular microbiana ou a moléculas de anticorpos no local de ativação do complemento. Todas as funções biológicas do complemento são dependentes da clivagem proteolítica de C3. Por exemplo, a ativação do complemento promove a fagocitose porque o C3b torna-se covalentemente ligado aos microrganismos e os fagócitos (neutrófilos e macrófagos) expressam receptores para C3b. Os peptídios produzidos por proteólise de C3 (e de outras proteínas do complemento) estimulam a inflamação. A C5-convertase é montada após a geração prévia de C3b; e essa convertase contribui para a inflamação (pela geração do fragmento C5a) e para a formação de poros nas membranas dos alvos microbianos. As vias de ativação do complemento diferem na forma como o C3b é produzido, mas seguem uma sequência comum de reações após a clivagem de C5.  
Com essa introdução, prosseguimos para uma descrição mais detalhada das vias alternativa, clássica e das lectinas.

Via Alternativa 

A via alternativa de ativação do complemento resulta na proteólise de C3 e na fixação estável do produto de degradação de C3b nas superfícies microbianas, sem a necessidade de anticorpo (Fig. 13-7 e Tabela 13-4). Normalmente, o C3 é continuamente clivado no plasma a uma taxa baixa para gerar C3b em um processo que é chamado amplificação de C3. A proteína C3 contém uma ligação de tioéster reativa que fica escondida em uma região da proteína conhecida como domínio de tioéster. Quando C3 é clivado, a molécula de C3b sofre uma mudança conformacional dramática e o domínio tioéster é exteriorizado (uma mudança maciça de cerca de 85 Å), expondo a ligação tioéster reativa anteriormente oculta. Uma pequena quantidade de C3b pode se tornar covalentemente ligada às superfícies de células, incluindo de microrganismos, através do domínio tioéster, o qual reage com os grupos amino ou hidroxila das proteínas de superfície celular ou dos polissacarídios para formar ligações amida ou éster (Fig. 13-8). Se não ocorrer a formação dessas ligações, o C3b permanece na fase fluida e a ligação de tioéster reativa e exposta é rapidamente hidrolisada, inativando a proteína. Como resultado, a ativação do complemento não pode continuar.  
Tabela 13-4 
Proteínas da Via Alternativa do Complemento




FIGURA 13-7 Via alternativa da ativação do complemento. 
Ahidrólise espôntanea do C3 plasmático leva à formação da C3-convertase da fase fluida (não mostrado) e à geração de C3b. Se o C3b for depositado sobre uma superfície microbiana, ele se liga ao Fator B e forma a C3-convertase da via alternativa. Essa convertase cliva C3 para produzir mais C3b, que se liga a superfícies microbianas e participa da formação da C5-convertase. AC5- convertase cliva C5 para gerar C5b, o evento iniciador das etapas de ativação da via terminal do complemento.



FIGURA 13-8 Ligações tioéster internas de moléculas de C3. 
Aclivagem proteolítica da cadeia α de C3 converte essa proteína em uma forma meta-estável na qual as ligações tioésteres internas são expostas e tornam-se suscetíveis ao ataque nucleofílico de átomos de oxigênio (como mostrado) ou de nitrogênio. O resultado é a formação covalente de ligações com proteínas ou carboidratos nas superfícies celulares. C4 é estruturalmente homólogo a C3 e possui um grupamento tioéster idêntico.
Quando o C3b sofre sua mudança conformacional pós--clivagem, há exposição de um local de ligação para uma proteína plasmática chamada Fator B. O Fator B liga-se, então, à proteína C3b, que fica agora presa de forma covalente à superfície de uma célula microbiana ou do hospedeiro. O Fator B é, por sua vez, clivado por uma serinoprotease plasmática chamada Fator D, liberando um fragmento pequeno denominado Ba e gerando um fragmento maior chamado Bb, o qual permanece ligado ao C3b. O complexo C3bBb é a C3-convertase da via alternativa e funciona para clivar mais moléculas de C3, estabelecendo, assim, uma sequência de amplificação. Mesmo quando C3b é gerado pelas vias clássica ou das lectinas, ele pode formar um complexo com Bb e esse complexo é capaz de clivar mais C3. Assim, a C3-convertase da via alternativa funciona para amplificar a ativação do complemento iniciado por qualquer uma das vias, alternativa, clássica ou das lectinas. Quando C3 é clivado, o C3b permanece ligado às células e o C3a é liberado. Esse fragmento solúvel tem várias atividades biológicas que serão discutidas mais adiante.  
A ativação da via alternativa ocorre prontamente nas superfícies de células microbianas e não em células de mamífero. Se o complexo C3bBb é formado sobre células de mamíferos, é rapidamente degradado e a reação é finalizada pela ação de diversas proteínas reguladoras presentes nessas células (discutido mais adiante). A ausência de proteínas reguladoras nas células microbianas permite a ligação e a ativação da C3- convertase da via alternativa. Além disso, uma outra proteína da via alternativa, denominada properdina, pode se ligar e estabilizar o complexo C3bBb e a ligação da properdina é favorecida sobre microrganismos, em oposição às células normais do hospedeiro. A properdina é o único fator de regulação positiva conhecida do complemento. 
Algumas das moléculas de C3b geradas pela C3-convertase da via alternativa ligam-se à própria convertase. Isso resulta na formação de um complexo contendo uma molécula de Bb e duas moléculas de C3b, que funciona como a C5-convertase da via alternativa, que cliva C5 e inicia as etapas da ativação da via terminal do complemento.

Via Clássica

 A via clássica é iniciada pela ligação da proteína C1 do complemento aos domínios CH2 de IgG ou aos domínios CH3 de moléculas de IgM que estão ligadas ao antígeno (Fig. 13-9 e Tabela 13-5). Entre os anticorpos IgG, IgG3 e IgG1 (em humanos) são ativadores do complemento mais eficazes do que as outras subclasses. C1 é um complexo de proteína grande e multimérico, composto por C1q, C1r e subunidades C1s; C1q liga-se ao anticorpo, e C1r e C1s são proteases. A subunidade C1q é constituída por um arranjo radial de seis cadeias, como um guarda-chuva, cada uma das quais possui uma cabeça globular ligada por um braço semelhante a colágeno a uma haste central (Fig. 13-10). Esse hexâmero executa a função de reconhecimento da molécula e liga-se especificamente às regiões Fc das cadeias pesadas µ e de algumas γ.
Tabela 13-5
 Proteínas da Via Clássica do Complemento 


FIGURA 13-9 Via clássica da ativação do complemento. 
Os complexos antígeno-anticorpo que ativam a via clássica podem ser solúveis, fixados sobre a superfície de células (como mostrado) ou depositados em matrizes extracelulares. Avia clássica é iniciada pela ligação do C1 a moléculas de anticorpo complexadas ao antígeno, que leva à produção das convertases de C3 e de C5 ligadas às superfícies nas quais os anticorpos foram depositados. A C5-convertase cliva C5 para iniciar as etapas de ativação da via terminal do complemento.





FIGURA13-10 Estrutura de C1. 
C1q consiste em seis subunidades idênticas arranjadas para formar um núcleo central e com braços radiais simetricamente projetados. As cabeças globulares na terminação de cada braço, designadas H, são as regiões de contato para a imunoglobulina. C1r e C1s formam um tetrâmero composto de duas moléculas de C1r e duas de C1s. As extremidades de C1r e de C1s contêm os domínios catalíticos dessas proteínas. Um tetrâmero C1r2s2 enrola-se em volta dos braços radiais do complexo C1q de tal maneira que os domínios catalíticos de C1r e de C1s ficam justapostos.
Somente anticorpos ligados a antígenos, e não anticorpos livres circulantes, podem iniciar a ativação da via clássica (Fig. 13-11). A razão para isso é que cada molécula de C1q deve se ligar a, pelo menos, duas cadeias pesadas de Ig e ser ativada e cada região Fc de Ig possui apenas um único local de ligação a C1q. Dessa maneira, duas ou mais regiões Fc precisam estar acessíveis para C1, para que a ativação da via clássica seja iniciada. Como cada molécula de IgG possui apenas uma região Fc, várias moléculas de IgG precisam ser aproximadas antes de se ligar a C1q, e esse agrupamento de diversos anticorpos de IgG apenas quando eles se ligam a um antígeno multivalente. Ainda que IgM livre (circulante) seja pentamérica, ela não se liga a C1q porque as regiões Fc estão em uma configuração que as torna inacessíveis a C1q. A ligação da IgM a um antígeno induz uma alteração conformacional que expõe os locais de ligação nas regiões Fc, permitindo a ligação a C1q. Em virtude da sua estrutura pentamérica, uma única molécula de IgM pode se ligar a duas moléculas de C1q, e esta é uma das razões que explicam por que a IgM é um anticorpo mais eficaz para a ligação ao complemento (ou fixação do complemento) do que a IgG.
FIGURA 13-11 Ligação de C1 a porções Fc da IgM e da IgG. 
C1 deve se ligar a duas ou mais porções Fc para iniciar a cascata do complemento. As porções Fc da IgM solúvel pentamérica não são acessíveis a C1 (A). Após a IgM se ligar aos antígenos ligados à superfície, ela sofre uma alteração no formato que possibilita a ligação de C1 e a ativação (B). As moléculas solúveis de IgG também não poderão ativar C1 porque cada IgG possui apenas uma região Fc (C), mas após a ligação a antígenos da superfície celular, porções Fc de IgGs adjacentes podem se ligar a e ativar C1 (D).
C1r e C1s são serinoproteases que formam um tetrâmero contendo duas moléculas de cada uma das proteínas. A ligação de duas ou mais das cabeças globulares de C1q a regiões Fc de IgG ou de IgM leva à ativação enzimática do C1r associado, que cliva e ativa C1s (Fig. 13-9). C1s ativado cliva a proteína seguinte na cascata, C4, para gerar C4b. (O menor fragmento C4a é liberado e possui atividades biológicas que serão descritas mais adiante.) C4 é homóloga a C3, e C4b contém uma ligação de tioéster interno, semelhante àquele em C3b, que forma ligações covalentes do tipo amida ou éster com o complexo antígeno-anticorpo ou com a superfície adjacente de uma célula à qual o anticorpo está ligado. Esta ligação de C4b assegura que a ativação da via clássica prossiga sobre uma superfície celular ou complexo imune. A proteína seguinte do complemento, C2, forma então complexo com o C4b ligado à superfície celular e é clivada por uma molécula de C1s próxima para gerar um fragmento solúvel de C2b, de importância desconhecida, e um fragmento C2a maior que permanece fisicamente associado a C4b na superfície da célula. (Nota-se que a nomenclatura dos fragmentos C2 é diferente da das outras proteínas do complemento porque o fragmento ligado maior é chamado de peça a e a parte do fragmento liberado é b.) O complexo resultante, C4b2a, é a C3-convertase da via clássica; ela tem a capacidade de se ligar e clivar proteoliticamente C3. A ligação deste complexo enzimático a C3 é mediada pelo componente C4b, e a proteólise é catalisada pelo componente C2a. A clivagem de C3 resulta na remoção do fragmento pequeno C3a; e C3b pode formar ligações covalentes com as superfícies das células ou com o anticorpo em que está ocorrendo a ativação do complemento. C3b, uma vez depositado, pode se ligar ao Fator B e gerar mais C3-convertase pela via alternativa, como discutido anteriormente. O resultado final das diversas etapas enzimáticas e da amplificação é que uma única molécula de C3 convertase pode levar à deposição de centenas ou milhares de moléculas de C3b na superfície da célula em que o complemento é ativado. Os passoschave iniciais das vias alternativas e clássica são análogos: C3 na via alternativa é homóloga a C4 na via clássica, e o Fator B é homólogo a C2.  
Algumas das moléculas de C3b geradas pela C3-convertase da via clássica ligam-se à convertase (como na via alternativa) e formam um complexo C4b2a3b. Este complexo funciona como a C5-convertase da via clássica; cliva C5 e inicia as etapas terminais da ativação do complemento.
Em infecções por pneumococos, ocorre uma forma não usual da via clássica, independente de anticorpo mas dependente de C1, que é ativada pela ligação de carboidratos a uma lectina de superfície celular. Macrófagos da zona marginal esplênica expressam um tipo de C-lectina de superfície celular chamada SIGN-R1 que pode reconhecer polissacarídios de pneumococos e também pode se ligar a C1q. A ligação multivalente de bactérias inteiras ou do polissacarídio a SIGN-R1 ativa a via clássica e permite o eventual revestimento do pneumococo com C3b. Este é um exemplo de uma lectina de superfície celular que medeia a ativação da via clássica, mas sem a necessidade de anticorpo.

Fonte: Livro Imunologia Celular e Molecular - 8ª Ed.

Autores: Abul Lichtman, Andrew Abbas

Via das Lectinas 

A via das lectinas de ativação do complemento é desencadeada pela ligação de polissacarídios microbianos a lectinas circulantes, tais como a lectina ligadora de manose (ou manana) plasmática (MBL) ou as ficolinas, sempre na ausência de anticorpo (Tabela 13-6). Essas lectinas solúveis são proteínas colágeno-símile que se assemelham estruturalmente a C1q (Fig. 4-10). MBL, L-ficolina e H-ficolina são proteínas plasmáticas. A M-ficolina é secretada principalmente por macrófagos ativados nos tecidos. A MBL é um membro da família das colectinas e possui um domínio N-terminal colágeno-símile e um domínio de reconhecimento de carboidrato (lectina) C-terminal. As ficolinas apresentam uma estrutura similar, com um domínio N-terminal colágeno-símile e um domínio C-terminal fibrinogênio-símile. Os domínios colágeno-símile auxiliam na composição das estruturas básicas em tripla hélice que pode formar oligômeros de ordem superior. A MBL liga-se a resíduos de manose em polissacarídios; o domínio fibrinogênio-símile da ficolina liga-se aos glicanos contendo N-acetilglicosamina. A MBL e as ficolinas ligam-se às serinoproteases associadas à MBL (MASPs, do inglês MBLassociated serine proteases), incluindo MASP1, MASP2 e MASP3 (Tabela 13-6). As MASPs são estruturalmente homólogas às proteases C1r e C1s e apresentam função similar, a saber, a clivagem de C4 e de C2 para ativar o complemento. Os oligômeros de ordem superior da MBL associam-se a MASP1 e MASP2, embora também se observe a formação do complexo MASP3/MASP2. MASP1 (ou MASP3) podem formar um complexo tetramérico com MASP2 de modo semelhante ao observado com C1r e C1s; e MASP2 é a protease que cliva C4 e C2. Os eventos subsequentes nesta via são idênticos aos que ocorrem na via clássica. 
Tabela 13-6 
Proteínas da Via das Lectinas do Complemento

  
*As concentrações publicadas podem ter sofrido influência de reatividade cruzada dos anticorpos com MASP3; as concentrações da última são derivadas do uso de anticorpos monoclonais específicos. Amaior parte dessas proteínas é plasmática, exceto a M-ficolina, que é secretada por macrófagos ativados.  

Etapas Finais da Ativação do Complemento 

As C5-convertases geradas pela alternativa clássica ou das lectinas iniciam a ativação dos componentes da via terminal do sistema complemento, o que culmina na formação do complexo citocida de ataque à membrana (MAC) (Tabela 13-7 e Fig. 13-12). As C5- convertases clivam C5 em um pequeno fragmento, C5a, que é liberado, e outro fragmento com duas cadeias C5b, que permanece ligado às proteínas do complemento depositadas na superfície da célula. C5a possui potentes efeitos biológicos em diversas células que serão discutidos mais adiante neste capítulo. Os demais componentes da cascata do complemento, C6, C7, C8 e C9, são proteínas estruturalmente relacionadas e sem atividade enzimática. C5b sustenta uma conformação transitória que é capaz de se ligar às proteínas seguintes da cascata, C6 e C7. O componente C7 do complexo resultante C5b,6,7 é hidrofóbico e se insere na bicamada lipídica das membranas celulares, onde se torna um receptor de alta afinidade para a molécula C8. A proteína C8 é um trímero composto por três cadeias distintas, uma das quais se liga ao complexo C5b,6,7 e forma um heterodímero covalente com a segunda cadeia; a terceira cadeia se insere na bicamada lipídica da membrana. Este complexo C5b,6,7,8 (C5b-8) inserido estavelmente tem uma capacidade limitada de lisar as células. A formação de um MAC completamente ativo é alcançada pela ligação de C9, o componente final da cascata do complemento, ao complexo C5b-8. C9 é uma proteína sérica que se polimeriza no local de ligação de C5b-8 para formar poros nas membranas plasmáticas. Esses poros têm aproximadamente 100 Å de diâmetro e formam canais que permitem a livre circulação de água e de íons. A entrada de água resulta em aumento osmótico e ruptura das células em cuja superfície o MAC foi depositado. Os poros formados pela C9 polimerizada são semelhantes aos poros de membrana formada por perforina, a proteína do grânulo citolítico encontrado em linfócitos T citotóxicos e em células NK (Cap. 11), e C9 é estruturalmente homóloga à perforina. 
Tabela 13-7 
Proteínas das Etapas de Ativação da Via Terminal do Complemento 

MAC, complexo de ataque à membrana (do inglês membrane attack complex).


FIGURA 13-12 Etapas finais da ativação do complemento e formação do MAC. 
AC5-convertase associada à célula cliva C5 e gera C5b, que fica ligada à convertase. C6 e C7 ligam-se sequencialmente e o complexo C5b,6,7 se insere na membrana plasmática; em seguida, ocorre a inserção de C8. Até 15 moléculas de C9 podem, então, polimerizar em torno do complexo para formar o MAC, o que cria poros e induz a lise celular. O C5a liberado na proteólise do C5 estimula a inflamação.  

Receptores para Proteínas do Complemento 

Muitas das atividades biológicas do sistema do complemento são mediadas pela ligação de fragmentos do complemento a receptores de membrana expressos em vários tipos celulares. Desses receptores, o mais bem caracterizados são específicos para os fragmentos de C3 e são descritos aqui (Tabela 13-8). Outros receptores incluem aqueles para C3a, C4a e C5a, que estimulam a inflamação, e alguns que regulam a ativação do complemento.
Tabela 13-8 
Receptores para Fragmentos de C3 

CCPRs, proteínas de controle do complemento em repetição (do inglês complement control protein repeats); EBV, vírus Epstein-Barr; FDCs, células dendríticas foliculares (do inglês
• O receptor de complemento do tipo 1 (CR1 ou CD35) funciona principalmente para promover fagocitose de partículas recobertas por C3b e C4b e remoção dos imunocomplexos da circulação. CR1 é um receptor de alta afinidade para C3b e C4b. É expresso principalmente em células derivadas da medula óssea, incluindo eritrócitos, neutrófilos, monócitos, macrófagos, eosinófilos e linfócitos T e B; ele também é encontrado em células dendríticas foliculares no interior dos folículos de órgãos linfoides periféricos. Fagócitos utilizam esse receptor para se ligar a partículas opsonizadas com C3b ou C4b e internalizá-las. A ligação das partículas recobertas por C3b ou C4b a CR1 também transduz sinais que ativam os mecanismos microbicidas dos fagócitos, especialmente quando o receptor de Fcγ é simultaneamente envolvido por partículas revestidas de anticorpo. CR1 em eritrócitos liga-se a imunocomplexos circulantes ligados a C3b e C4b e transporta esses complexos para o fígado e para o baço. Nesses órgãos, os fagócitos removem os imunocomplexos da superfície dos eritrócitos e os eritrócitos continuam a circular. O CR1 também é um regulador da ativação do complemento (discutido na seção a seguir). 
• O receptor do complemento do tipo 2 (CR2 ou CD21) tem como função estimular as respostas imunes humorais, aumentando a ativação de células B por antígenos e promovendo a retenção de complexos antígeno-anticorpo nos centros germinativos. CR2 está presente em linfócitos B, células dendríticas foliculares e em algumas células epiteliais. Liga-se especificamente aos produtos de clivagem de C3b, denominados C3d, C3dg e iC3b (i referindo-se a inativo), que são gerados por proteólise mediada pelo Fator I (discutido mais adiante). Em células B, o CR2 é expresso como parte de um complexo trimolecular que inclui duas outras proteínas não ligadas covalentemente, denominadas CD19 e CD81 (ou TAPA-1, alvo do anticorpo antiproliferativo-1). Este complexo fornece sinais para as células B, aumentando suas respostas ao antígeno (Fig. 7-20). Em células dendríticas foliculares, o CR2 serve para capturar complexos antígeno-anticorpo revestidos de iC3b e C3dg nos centros germinativos. As funções do complemento relacionadas com a ativação de células B serão descritas mais adiante. Em humanos, CR2 é o receptor de superfície celular para o vírus Epstein-Barr, um herpes-vírus que causa a mononucleose infecciosa e também é associado a diversos tumores malignos. O vírus Epstein-Barr entra na célula B via CR2, infecta essas células e nelas pode permanecer latente por toda a vida. 
• O receptor do complemento do tipo 3, também chamado Mac-1 (CR3, CD11bCD18), é uma integrina que funciona como um receptor para o fragmento iC3b gerado por proteólise de C3b. Mac-1 é expresso em neutrófilos, fagócitos mononucleares, mastócitos e células NK. Esse receptor é um membro da família de integrinas de receptores de superfície celular (Cap. 3) e consiste em uma cadeia α (CD11b) não covalentemente ligada a uma cadeia β (CD18) que é idêntica às cadeias β de duas moléculas de integrina estreitamente relacionadas, o antígeno associado à função de leucócitos 1 (LFA-1, do inglês leukocyte function-associated antigen 1) e p150,95. Em neutrófilos e monócitos, Mac-1 promove a fagocitose de microrganismos opsonizados com iC3b. Além disso, Mac-1 pode fazer o reconhecimento direto de bactérias para a fagocitose ao se ligar a algumas moléculas microbianas desconhecidas (Cap. 4). Também se liga à molécula de adesão intercelular 1 (ICAM-1, do inglês, intercellular adhesion molecule 1) em células endoteliais e promove a adesão estável dos leucócitos ao endotélio, mesmo sem ativação do complemento. Essa ligação leva ao recrutamento de leucócitos para os locais de infecção e de lesão tecidual (Cap. 3).
 • O receptor de complemento do tipo 4 (CR4, p150,95, CD11c/CD18) é uma outra integrina com uma cadeia α diferente (CD11c) e a mesma cadeia β do Mac-1. Também se liga a iC3b e tem provavelmente uma função semelhante à do Mac-1. CD11c é abundantemente expresso em células dendríticas, sendo utilizado como um marcador para este tipo de células. 
• O receptor do complemento da família das imunoglobulinas (CRIg) é expresso na superfície de macrófagos no fígado e é conhecido como célula de Kupffer. CRIg é uma proteína integral de membrana com uma região extracelular constituída por domínios de Ig. Liga-se aos fragmentos C3b e iC3b do complemento e está envolvido na eliminação de bactérias opsonizadas e de outros patógenos transmitidos por via sanguínea. 

Regulação da Ativação do Complemento 

A ativação da cascata do complemento e a estabilidade de proteínas ativas do complemento são finamente reguladas para evitar a ativação do complemento em células normais do hospedeiro e para limitar a duração da ativação do complemento, mesmo em células microbianas e complexos antígeno-anticorpo. A regulação do complemento é mediada por diversas proteínas circulantes e de membrana celular (Tabela 13-9). Muitas dessas proteínas, bem como as várias proteínas das vias clássica e alternativa, pertencem a uma família denominada reguladores da atividade do complemento (RCA, do inglês regulators of complement activity) e são codificadas por genes homólogos que estão localizados de forma adjacente um ao outro no genoma.
Tabela 13-9 
Reguladores da Ativação do Complemento 

CCPRs, proteínas de controle do complemento em repetição (do inglês complement control protein repeats); conc., concentração; GPI, glicofosfatidilinositol; MAC, complexo de ataque à membrana.
A ativação do complemento precisa ser regulada por dois motivos. Primeiro, a ativação do complemento ocorre contínua e espontaneamente em um nível baixo e, se for permitido que tal ativação simplesmente prossiga, o resultado pode ser danoso para as células e tecidos normais. Segundo, mesmo quando o complemento é ativado onde é realmente necessário, como sobre células microbianas ou complexos antígeno-anticorpo, ele precisa ser controlado porque os produtos da degradação de proteínas do complemento podem se difundir para as células adjacentes e produzir lesão. Diferentes mecanismos reguladores inibem a formação da C3-convertase nas etapas iniciais da ativação do complemento, quebram e inativam as convertases de C3 e de C5 e inibem a formação do MAC nas etapas posteriores da via do complemento.
• A atividade proteolítica de C1r e de C1s é inibida por uma proteína plasmática denominada inibidor de C1 (C1-INH). C1-INH é um inibidor de serinoproteases (serpina) que mimetiza os substratos normais de C1r e de C1s. Se o C1q se ligar a um anticorpo e iniciar o processo de ativação do complemento, C1-INH torna-se um alvo da atividade enzimática da ligação C1r2 -C1s2 . C1-INH é clivado por e se torna covalentemente ligado a essas proteínas do complemento e, como resultado, o tetrâmero C1r2 -C1s2 se dissocia de C1q, impedindo, assim, a ativação da via clássica (Fig. 13-13). Dessa maneira, C1-INH impede o acúmulo de C1r2 -C1s2 enzimaticamente ativo no plasma e limita o tempo durante o qual C1r2 -C1s2 ativo fica disponível para ativar as etapas subsequentes na cascata do complemento. Uma doença hereditária autossômica dominante denominada angioedema hereditário ocorre em virtude de uma deficiência de C1-INH. As manifestações clínicas da doença incluem edema agudo intermitente na pele e mucosas, o que provoca dor abdominal, vômitos, diarreia e obstrução das vias respiratórias potencialmente fatal. Nesses pacientes, os níveis plasmáticos da proteína C1-INH são bastante reduzidos (< 20% a 30% do normal), fazendo com que a ativação de C1 por imunocomplexos não seja adequadamente controlada e ocorra aumento da degradação de C4 e de C2. Os mediadores de formação do edema em pacientes com angioedema hereditário incluem um fragmento proteolítico de C2, chamado quinina C2, e bradicinina. Além de C1, C1-INH é um inibidor de outras serinoproteases plasmáticas, incluindo a calicreína e o fator XII da coagulação, e a ativação dessas duas proteases pode promover maior formação de bradicinina. Atualmente, o tratamento da deficiência de C1-INH emprega uma versão recombinante dessa proteína.

FIGURA 13-13 Regulação da atividade de C1 por C1-INH. 
C1-INH desloca C1r2s2 de C1q e interrompe a via clássica de ativação.
• A montagem dos componentes das convertases de C3 e de C5 é inibida pela ligação de proteínas reguladoras para C3b e C4b depositados nas superfícies das células (Fig. 13- 14). Se C3b for depositado sobre as superfícies de células normais de mamífero, ele pode se ligar a várias proteínas de membrana, incluindo a proteína de cofator de membrana (MCP ou CD46), o receptor do complemento do tipo 1 (CR1), o fator de aceleração do decaimento (DAF) e uma proteína plasmática chamada Fator H. O C4b depositado na superfície celular é ligado de maneira semelhante por DAF, CR1, MCP e uma outra proteína plasmática denominada proteína ligadora de C4 (C4BP, do inglês C4-binding protein). Ao se ligar a C3b ou C4b, essas proteínas inibem competitivamente a ligação de outros componentes da C3-convertase, como Bb da via alternativa e C2a da via clássica, bloqueando, assim, a progressão da cascata do complemento. (O Fator H inibe somente a ligação de C3b a Bb e é, assim, um regulador da via alternativa, mas não da via clássica.) MCP, CR1 e DAF são produzidas por células de mamíferos, mas não por microrganismos. Dessa maneira, esses reguladores do complemento inibem seletivamente a ativação dessa cascata sobre células hospedeiras e permitem que a ativação do complemento prossiga em microrganismos. Além disso, as superfícies celulares ricas em ácido siálico favorecem a ligação da proteína reguladora Fator H em relação à proteína da via alternativa conhecida como Fator B. As células de mamíferos expressam níveis mais elevados de ácido siálico que a maioria dos microrganismos, o que é outra razão pela qual a ativação do complemento é evitada nas células normais do hospedeiro e permitida sobre os microrganismos.

FIGURA 13-14 Inibição da formação de C3-convertases. 
AC3-convertase da via clássica, C4b2a, ou a da via alternativa, C3bBb, podem ser dissociadas pela substituição de um componente pelo fator de aceleração do decaimento (DAF). Outras proteínas reguladoras, como MCP e CR1, funcionam de maneira similar ao DAF (ver texto).
DAF é uma proteína de membrana ligada a glicofosfatidilinositol expresso em células endoteliais e os eritrócitos. Uma deficiência em células-tronco hematopoéticas da enzima necessária para formar essas ligações lipoproteicas resulta na incapacidade de expressar muitas proteínas de membrana ligadas ao glicofosfatidilinositol, incluindo DAF e CD59 (ver a seguir) e provoca uma doença chamada hemoglobinúria paroxística noturna. Essa doença é caracterizada por episódios recorrentes de hemólise intravascular, pelo menos parcialmente atribuíveis à ativação desregulada do complemento na superfície de eritrócitos. A hemólise intravascular recorrente, por sua vez, leva a anemia hemolítica crônica e trombose venosa. Uma característica incomum dessa doença é que a mutação do gene causador não é herdada, mas trata-se de uma mutação adquirida em célulastronco hematopoéticas.
• O C3b associado à célula é degradado proteoliticamente por uma serinoprotease plasmática chamada Fator I, que só é ativa na presença de proteínas reguladoras (Fig. 13-15). MCP, Fator H, C4BP e CR1, todos servem como cofatores para clivagem de C3b (e C4b) mediada por Fator I. Assim, essas proteínas reguladoras das células hospedeiras promovem a degradação proteolítica das proteínas do complemento; como discutido anteriormente, as mesmas proteínas reguladoras provocam a dissociação dos complexos contendo C3b (e C4b). A clivagem de C3b mediada pelo Fator I gera os fragmentos chamados iC3b, C3d e C3dg, que não participam na ativação do complemento, mas são reconhecidos por receptores em fagócitos e linfócitos B.  

FIGURA 13-15 Clivagem de C3b mediada por Fator I. 
Na presença de cofatores ligados à membrana celular (MCP ou CR1), o Fator I plasmático cliva proteoliticamente o C3b aderido às superfícies celulares, produzindo uma forma inativa de C3b (iC3b). O fator H e a proteína ligadora de C4 também podem servir de cofatores para a clivagem de C3b mediada por Fator I. O mesmo processo ocorre na proteólise de C4.
• A formação do MAC é inibida por uma proteína de membrana chamada CD59. O CD59 é uma proteína ligada ao glicofosfatidilinositol expressa em muitos tipos celulares. Ele funciona por meio da incorporação de si mesmo nos MACs que estão sendo montados após a inserção de C5b-8 na membrana, inibindo, assim, a subsequente adição de moléculas C9 (Fig. 13-16). O CD59 está presente nas células normais do hospedeiro, onde limita a formação de MAC, mas está ausente em microrganismos. A formação do MAC também é inibida por proteínas plasmáticas como a proteína S, que funciona por meio da ligação aos complexos C5b, 6,7 solúveis e, assim, impede sua inserção em membranas celulares próximas ao local onde a cascata do complemento foi iniciada. Os MACs em formação podem se inserir em qualquer membrana celular vizinha além da membrana em que foram gerados. Os inibidores do MAC no plasma e nas membranas celulares hospedeiras asseguram que não ocorra a lise de células que simplesmente estejam próximas ao local da ativação do complemento.

 
FIGURA 13-16 Regulação da formação do MAC. 
O MAC é formado sobre as superfícies celulares como resultado final da ativação do complemento. Aproteína de membrana CD59 e a proteína S inibem a formação do MAC no plasma.  

Muito da análise da função de proteínas reguladoras do complemento baseou-se em experimentos in vitro, e a maior parte destes experimentos concentrou-se em ensaios que determinam a lise celular mediada pelo MAC como um ponto final. Com base nesses estudos, acredita-se que haja uma hierarquia em termos de importância para a inibição da ativação do complemento, sendo CD59 > DAF > MCP; esta hierarquia pode refletir a relativa abundância dessas proteínas nas superfícies celulares. 
A função das proteínas reguladoras pode ser superada pela excessiva ativação das vias do complemento. Temos enfatizado a importância dessas proteínas reguladoras na prevenção da ativação do complemento em células normais. No entanto, a fagocitose mediada pelo complemento e os danos às células normais são mecanismos patogênicos importantes em muitas doenças imunológicas (Cap. 19). Nessas doenças, grandes quantidades de anticorpos podem ser depositadas nas células hospedeiras, gerando proteínas ativas do complemento suficientes para que as moléculas reguladoras sejam incapazes de controlar a ativação da cascata.  

Funções do Complemento 

As principais funções efetoras do sistema do complemento na imunidade inata e na imunidade adaptativa humoral são promover a fagocitose de microrganismos sobre os quais o complemento é ativado, estimular a inflamação e induzir a lise desses microrganismos. Além disso, os produtos de ativação do complemento facilitam a ativação de linfócitos B e a produção de anticorpos. A fagocitose, inflamação e a estimulação da imunidade humoral são mediadas pela ligação de fragmentos proteolíticos de proteínas do complemento para vários receptores da superfície celular, enquanto a lise celular é mediada pelo MAC. Na seção a seguir, vamos descrever essas funções do sistema complemento e seus papéis na defesa do hospedeiro.

Opsonização e Fagocitose

 Os microrganismos sobre os quais o complemento é ativado pela via clássica ou pela via alternativa tornam-se revestidos com C3b, iC3b ou C4b e são fagocitados pela ligação dessas proteínas aos receptores específicos em macrófagos e neutrófilos (Fig. 13-17, A). Como discutido anteriormente, a ativação do complemento leva à geração de C3b e de iC3b ligado covalentemente a superfícies celulares. Tanto C3b quanto iC3b atuam como opsoninas, em virtude do fato de que se ligam especificamente a receptores em neutrófilos e macrófagos. C3b e C4b (o último gerado somente pela via clássica) ligam-se a CR1, e iC3b liga-se a CR3 (Mac-1) e CR4. Por si só, o CR1 é ineficaz na indução da fagocitose de microrganismos revestidos com C3b, mas isso pode ser aumentado se os microrganismos estiverem revestidos com anticorpos IgG que se ligam simultaneamente a receptores Fcγ. A ativação de macrófagos pela citocina IFN-γ também melhora a fagocitose mediada por CR1. A fagocitose de microrganismos dependente de C3b e de iC3b é um importante mecanismo de defesa contra infecções nas imunidades inata e adaptativa. Um exemplo da importância do complemento é a defesa do hospedeiro contra bactérias com cápsulas ricas em polissacarídios, tais como pneumococos e meningococos, que é mediada primariamente pela imunidade humoral. Os anticorpos IgM contra polissacarídios capsulares ligam-se às bactérias, ativam a via clássica do complemento e estimulam a eliminação das bactérias por fagocitose no baço. É por isso que indivíduos sem o baço (p. ex., como resultado da remoção cirúrgica após ruptura traumática ou em pacientes com anemia hemolítica autoimune ou trombocitopenia) são suscetíveis a septicemia pneumocócica e meningocócica disseminada. Humanos e camundongos deficientes em C3 são extremamente suscetíveis a infecções bacterianas letais.

 
FIGURA 13-17 Funções do complemento. 
As principais funções do sistema complemento na defesa do hospedeiro são mostradas nesta figura. O C3b ligado à célula é uma opsonina que promove a fagocitose das células revestidas (A); os produtos proteolíticos C5a, C3a e (em menor extensão) C4a estimulam o recrutamento de leucócitos e a inflamação (B); e o MAC lisa as células (C).

Estimulação das Respostas Inflamatórias

 Os fragmentos proteolíticos dos complementos C5a, C4a e C3a induzem inflamação aguda, ativando mastócitos, neutrófilos e células endoteliais (Fig. 13-17, B). Todos os três peptídios ligam-se a mastócitos e induzem a desgranulação, com a liberação de mediadores vasoativos como a histamina. Esses peptídios também são denominados anafilatoxinas porque as reações de mastócitos que desencadeiam são características de anafilaxia (Cap. 20). Em neutrófilos, C5a reforça a motilidade, a adesão firme às células endoteliais e, em altas concentrações, o estímulo do burst respiratório e da produção de espécies reativas de oxigênio. Além disso, C5a pode atuar diretamente sobre as células endoteliais vasculares e induzir aumento da permeabilidade vascular e expressão de Pselectina, o que promove a ligação de neutrófilos. Essa combinação de ações de C5a em mastócitos, neutrófilos e células endoteliais contribui para a inflamação nos locais da ativação do complemento. O C5a é o mediador mais potente de desgranulação de mastócitos; C3a é cerca de 20 vezes menos potente; e C4a, aproximadamente 2.500 vezes menos potente. Os efeitos pró-inflamatórios de C5a, C4a e C3a são mediados pela ligação dos peptídios aos receptores específicos em vários tipos celulares. O receptor de C5a é o mais bem caracterizado. Ele é um membro da família de receptores acoplados à proteína G. O receptor de C5a é expresso em muitos tipos celulares, incluindo neutrófilos, eosinófilos, basófilos, monócitos, macrófagos, mastócitos, células endoteliais, células musculares lisas, células epiteliais e astrócitos. O receptor de C3a também é um membro da família de receptores acoplados à proteína G.  

Citólise Mediada pelo Complemento 

A lise mediada pelo complemento de organismos estranhos é mediada pelo MAC (Fig. 13- 17, C). A maioria dos patógenos desenvolveu durante sua evolução paredes celulares espessas ou cápsulas que impedem o acesso do MAC em suas membranas celulares. A lise mediada pelo complemento parece ser essencial apenas para a defesa contra alguns poucos agentes patogênicos que são incapazes de resistir à inserção do MAC, como bactérias do gênero Neisseria, que possuem paredes celulares muito delgadas.

Outras Funções do Sistema Complemento 

Ao se ligar aos complexos antígeno-anticorpo, as proteínas do complemento promovem a solubilização destes complexos e sua eliminação por fagócitos. Um pequeno número de imunocomplexos é formado frequentemente na circulação quando um indivíduo monta uma vigorosa resposta de anticorpos a um antígeno circulante. Se os imunocomplexos se acumulam no sangue, eles podem ser depositados na parede dos vasos e induzir reações inflamatórias que danificam os vasos e o tecido circundante. A formação de imunocomplexos pode exigir não apenas a ligação multivalente das regiões Fab de Ig a antígenos, mas também as interações não covalentes das regiões Fc das moléculas de Ig justapostas. A ativação do complemento sobre moléculas de Ig pode bloquear estericamente essas interações Fc-Fc, promovendo, assim, a dissolução dos imunocomplexos. Além disso, como foi discutido anteriormente, os imunocomplexos com C3b aderido são ligados a CR1 em eritrócitos e os complexos são eliminados pelos fagócitos no fígado.
 A proteína C3d gerada a partir de C3 liga-se a CR2 em células B e facilita a ativação dessas células e o início das respostas imunes humorais. C3d é gerado quando o complemento é ativado por um antígeno, seja diretamente (p. ex., quando o antígeno é um polissacarídio microbiano) ou após a ligação ao anticorpo. A ativação do complemento resulta na ligação covalente de C3b e de seu produto de clivagem, C3d, ao antígeno. Os linfócitos B podem se ligar ao antígeno através de seus receptores de Ig e também, simultaneamente, ao C3d ligado ao antígeno por meio do CR2, o correceptor para o receptor de antígeno das células B, aumentando, assim, a sinalização induzida pelo antígeno em células B (Cap. 12). Antígenos opsonizados também estão ligados a células dendríticas foliculares nos centros germinativos dos órgãos linfoides. As células dendríticas foliculares apresentam os antígenos às células B nos centros germinativos; este processo é importante para a seleção de células B de alta afinidade (Fig. 12-19). A importância do complemento nas respostas imunes humorais é ilustrada pela deficiência grave na produção de anticorpos e na formação do centro germinativo que se observa em camundongos geneticamente deficientes para C3 e C4 ou para a proteína CR2. 

Deficiências do Complemento 

As deficiências genéticas das proteínas do complemento e de proteínas reguladoras são as causas de várias doenças humanas. Foram descritas deficiências herdadas e espontâneas em muitas das proteínas do complemento em humanos.  
• Foram descritas deficiências genéticas em componentes da via clássica, incluindo C1q, C1r, C4, C2 e C3; a deficiência de C2 é a deficiência do complemento mais comum em humanos. Mais de 50% dos pacientes com deficiências em C1q, C2 e C4 desenvolvem lúpus eritematoso sistêmico. A razão para essa associação é desconhecida, mas pode estar relacionada com o fato de que os defeitos na ativação do complemento levam à falha na eliminação de imunocomplexos circulantes. Se os imunocomplexos normalmente gerados não forem eliminados da circulação, podem ser depositados em paredes dos vasos sanguíneos e tecidos, onde ativam leucócitos por vias dependentes do receptor de Fc e produzem inflamação local. O complemento também pode exercer um papel importante na eliminação de corpos apoptóticos contendo DNA fragmentado. Esses corpos apoptóticos são fontes prováveis de antígenos nucleares que desencadeiam respostas de autoanticorpos observadas no lúpus. Além disso, proteínas do complemento regulam sinais mediados por antígenos recebidos pelas células B; na ausência desses antígenos, os antígenos próprios podem não induzir tolerância das células B e isso pode resultar em autoimunidade. Surpreendentemente, as deficiências de C2 e de C4 não são geralmente associadas a aumento da suscetibilidade a infecções, o que sugere que a via alternativa e os mecanismos efetores mediados por receptores de Fc são adequados para a defesa do hospedeiro contra a maioria dos microrganismos. A deficiência de C3 está associada a infecções por bactérias piogênicas, frequentes e graves, que podem ser fatais, ilustrando o papel central de C3 na opsonização, fagocitose aumentada e destruição desses organismos. 
• As deficiências em componentes da via alternativa, incluindo properdina e Fator D, resultam em aumento da suscetibilidade à infecção por bactérias piogênicas. Uma mutação do gene que codifica a lectina ligadora de manose (MBL) contribui para a imunodeficiência em alguns pacientes; isso é discutido no Capítulo 21.
 • Também foram descritas deficiências em componentes da via terminal do complemento, incluindo C5, C6, C7, C8 e C9. Curiosamente, tal como mencionado anteriormente, o único problema clínico consistente nesses pacientes é uma propensão para infecções disseminadas por bactérias do gênero Neisseria, incluindo Neisseria meningitidis e Neisseria gonorrhoeae, indicando que a lise bacteriana mediada pelo complemento é particularmente importante para a defesa contra esses organismos. 
• As deficiências em proteínas reguladoras do complemento estão associadas a ativação anormal do complemento e uma variedade de anormalidades clínicas relacionadas. As deficiências no inibidor de C1 e no fator de aceleração do decaimento foram mencionadas anteriormente. Em pacientes com deficiência de Fator I, há depleção do C3 plasmático como resultado da formação desregulada de C3-convertase da fase fluida (por mecanismo normal de amplificação de C3b). A consequência clínica é aumento na incidência de infecções por bactérias piogênicas. A deficiência de fator H é rara e caracterizada por excesso de ativação da via alternativa, consumo de C3 e glomerulonefrite causada por eliminação inadequada de imunocomplexos e deposição renal de subprodutos do complemento. Uma forma atípica de síndrome hemolíticourêmica envolve a regulação defeituosa do complemento, e as mutações mais comuns nesta condição ocorrem no gene do Fator H. Variantes alélicas específicas do Fator H estão fortemente associadas à degeneração macular relacionada com a idade. Os efeitos da falta de Fator I ou de Fator H são semelhantes aos de um autoanticorpo, denominado fator nefrótico de C3 (C3NeF), que é específico para C3-convertase da via alternativa (C3bBb). C3NeF estabiliza C3bBb e protege o complexo de dissociação mediada pelo Fator H, o que resulta em consumo desregulado de C3. Os pacientes com esse anticorpo frequentemente apresentam glomerulonefrite, possivelmente causada pela retirada inadequada de imunocomplexos circulantes. 
• Deficiências em receptores do complemento incluem a ausência de CR3 e CR4, ambas resultantes de mutações raras na cadeia β (CD18), que é compartilhada pela família CD11CD18 de moléculas de integrina. A doença congênita causada por este defeito genético é chamada deficiência de adesão de leucócitos (Cap. 20). Este distúrbio é caracterizado por infecções piogênicas recorrentes e é causado por adesão inadequada de neutrófilos ao endotélio nos locais de infecção no tecido e, talvez, pela fagocitose de bactérias dependente de iC3b, que se encontra prejudicada. 

Efeitos Patológicos do Sistema Complemento

 Mesmo quando é devidamente regulado e apropriadamente ativado, o sistema complemento pode causar lesão tecidual significativa. Alguns dos efeitos patológicos associados a infeções bacterianas podem ocorrer em decorrência de respostas inflamatórias agudas mediadas pelo complemento a organismos infecciosos. Em algumas situações, a ativação do complemento está associada à trombose intravascular e pode levar a lesões isquêmicas de tecidos. Por exemplo, os anticorpos antiendotélio contra órgãos vascularizados transplantados e os imunocomplexos produzidos em doenças autoimunes podem se ligar ao endotélio vascular e ativar o complemento, induzindo a inflamação e a geração do MAC com danos à superfície endotelial, o que favorece a coagulação. Também existe evidência de que algumas das proteínas terminais do complemento podem ativar protrombinases na circulação, iniciando a trombose independente de danos endoteliais mediados pelo MAC. Na nefropatia membranosa, um distúrbio renal mediado por autoanticorpos, danos sublíticos de células epiteliais glomerulares podem ser mediados pelo MAC, o qual é gerado após a ligação do anticorpo a um autoantígeno glomerular. Nesta doença, não há qualquer inflamação ou presença de imunocomplexos circulantes e esvaziamento glomerular é uma consequência da ativação do complemento.
Os exemplos mais claros de patologia mediada pelo complemento são doenças mediadas por imunocomplexos. A vasculite sistêmica e a glomerulonefrite por imunocomplexo resultam da deposição de complexos antígeno-anticorpo nas paredes dos vasos e glomérulos renais (Cap. 19). O complemento ativado por esses imunocomplexos depositados inicia as respostas inflamatórias agudas que destroem as paredes dos vasos ou glomérulos e levam a trombose, dano isquêmico tecidual e cicatrizes. Estudos com camundongos geneticamente deficientes para as proteínas C3 ou C4 do complemento ou para receptores de Fcγ sugerem que a ativação de leucócitos mediada pelo receptor de Fc também pode causar inflamação e lesão tecidual como resultado da deposição de IgG, mesmo na ausência de ativação do complemento. 

Evasão do Complemento por Microrganismos 

Os patógenos evoluíram desenvolvendo diversos mecanismos para se evadir do sistema complemento. Alguns microrganismos possuem paredes celulares espessas capazes de impedir a ligação das proteínas de complemento, como o MAC. As bactérias Grampositivas e alguns fungos são exemplos de microrganismos que usam essa estratégia de evasão relativamente inespecífica. Alguns dos mecanismos mais específicos utilizados por um pequeno subconjunto de patógenos serão aqui considerados. Esses mecanismos de evasão podem ser divididos em três grupos.
• Microrganismos podem se evadir do sistema complemento por meio do recrutamento de proteínas reguladoras do complemento do hospedeiro. Muitos patógenos, contrapondose aos microrganismos não patogênicos, expressam ácidos siálicos, que podem inibir a via alternativa do complemento por recrutamento do Fator H que dissocia C3b de Bb. Alguns patógenos, como esquistossomas, Neisseria gonorrhoeae e certas espécies de Haemophilus, vasculham os resíduos de ácido siálico do hospedeiro e transferem o açúcar enzimaticamente para suas superfícies celulares. Outros, incluindo Escherichia coli K1 e alguns meningococos, desenvolveram rotas biossintéticas especiais para a geração de ácido siálico. Alguns microrganismos sintetizam proteínas que podem recrutar a proteína reguladora Fator H para a superfície da célula. A GP41, no vírus da imunodeficiência humana (HIV), pode se ligar ao Fator H, e acredita-se que esta propriedade do vírus possa contribuir para a proteção do vírion. Muitos outros patógenos desenvolveram proteínas que facilitam o recrutamento do Fator H para as suas paredes celulares. Estão incluídos nesse grupo bactérias, como Streptococcus pyogenes, Borrelia burgdorferi (o agente causador da doença de Lyme), Neisseria gonorrhoeae, Neisseria meningitidis; o agente patogênico fúngico Candida albicans; e nematoides, como o Echinococcus granulosus. Outros microrganismos, tais como HIV, incorporam várias proteínas reguladoras do hospedeiro em seus envelopes. Por exemplo, o HIV incorpora as proteínas reguladoras do complemento ancoradas em GPI, como o DAF e o CD59, quando brota de uma célula infectada. 
• Diversos agentes patogênicos produzem proteínas específicas que imitam as proteínas reguladoras do complemento humano. Escherichia coli produz uma proteína que se liga a C1q (C1qBP) capaz de inibir a formação de um complexo entre C1q, C1r e C1s. Staphylococcus aureus produz uma proteína chamada SCIN (inibidor do complemento de estafilococos, do inglês staphylococcal complement inhibitor) que se liga às C3- convertases, tanto da via clássica quanto da alternativa, e as inibe de forma estável. Dessa forma, inibe todas as três vias do complemento. A glicoproteína C-1 do vírus herpes simples desestabiliza a convertase da via alternativa, impedindo que seu componente C3b se ligue à properdina. GP160, uma proteína de membrana do Trypanosoma cruzi, o agente causador da doença de Chagas, liga-se ao C3b e evita a formação da C3-convertase, além de acelerar seu decaimento. VCP-1 (proteína do vírus vacínia inibidora de complemento-1, do inglês vaccinia virus complement inhibitory protein 1), uma proteína produzida pelo vírus vacínia, assemelha-se estruturalmente à C4BP humana, mas pode se ligar tanto a C4b quanto a C3b e acelera o decaimento de ambas as convertases de C3 e de C5.
 • A inflamação mediada pelo complemento também pode ser inibida por produtos de genes microbianos. O Staphylococcus aureus sintetiza uma proteína chamada CHIPS (quimiocina proteína inibidora de estafilococos, do inglês chemokine inhibitory protein of staphylococci), que é um antagonista da anafilatoxina C5a. Esses exemplos ilustram como os microrganismos adquiriram a capacidade de se evadir do sistema complemento, presumivelmente contribuindo para sua patogenicidade.

Imunidade neonatal 

Neonatos mamíferos são protegidos contra a infecção por anticorpos produzidos pela mãe que atravessam a placenta, sendo transportados para a circulação fetal, e pelos anticorpos ingeridos no leite e transportados através do epitélio intestinal de recém-nascidos por um processo especializado conhecido como transcitose. Os recém-nascidos não têm a capacidade de montar respostas imunes eficazes contra microrganismos e, durante vários meses após o nascimento, sua principal defesa contra a infecção é a imunidade passiva fornecida pelos anticorpos maternos. A IgG materna é transportada através da placenta, e a IgA e IgG presentes no leite materno são ingeridas pelo lactente. O transporte transepitelial de IgA materna para o leite depende do receptor de poli-Ig descrito no Capítulo 14. As moléculas de IgA e IgG ingeridas podem neutralizar organismos patogênicos que tentam colonizar o intestino do bebê, e os anticorpos IgG ingeridos também são transportados através do epitélio intestinal para a circulação do neonato. Assim, um recém-nascido possui, essencialmente, os mesmos anticorpos IgG que sua mãe. 
O transporte da IgG materna através da placenta e do epitélio intestinal neonatal é mediado por um receptor de Fc específico para IgG denominado receptor de Fc neonatal (FcRn). O FcRn é único entre os receptores de Fc em que se assemelha a uma molécula do complexo de histocompatibilidade principal de classe I (MHC) contendo uma cadeia pesada transmembrânica que é não covalentemente associada a β2-microglobulina. No entanto, a interação de IgG com o FcRn não envolve a porção da molécula que é análoga à fenda de ligação do peptídio usado pela moléculas de MHC de classe I para apresentar os peptídios para o reconhecimento pelas células T.
Os adultos também expressam o FcRn no endotélio, em macrófagos e em muitos outros tipos celulares. Esse receptor tem como função proteger os anticorpos IgG plasmáticos do catabolismo. Descrevemos esse processo no Capítulo 5.

Resumo 

A imunidade humoral é mediada por anticorpos e é o braço efetor do sistema imune adaptativo, responsável pela defesa contra microrganismos extracelulares e toxinas microbianas. Os anticorpos que proporcionam proteção contra a infeção podem ser produzidos por células secretoras de anticorpos de vida longa, que são geradas após a primeira exposição ao antígeno microbiano ou por reativação de células B de memória quando da reexposição ao antígeno.  
Anticorpos bloqueiam, ou neutralizam, a infectividade de microrganismos por meio da ligação a esses organismos e impedindo estereoquimicamente suas interações com receptores celulares. De maneira semelhante, os anticorpos bloqueiam as ações patológicas de toxinas, impedindo sua ligação às células hospedeiras.
As partículas revestidas com anticorpo (opsonizadas) são fagocitadas após a ligação das porções Fc de anticorpos aos respectivos receptores em fagócitos. Existem vários tipos de receptores de Fc específicos para distintas subclasses de IgG, IgA e IgE, e diferentes receptores de Fc ligam-se aos anticorpos com afinidades variáveis. A adesão de imunocomplexos aos receptores de Fc em fagócitos também libera sinais que estimulam as atividades microbicidas dos fagócitos.
O sistema complemento é composto por proteínas séricas e de membrana que interagem de um modo altamente regulado para produzir produtos biologicamente ativos. As três principais vias de ativação do complemento são a via alternativa, que é ativada em superfícies microbianas em ausência de anticorpo; a via clássica, que é ativada por complexos antígeno-anticorpo; e a via das lectinas, que é iniciada por lectinas circulantes que se ligam a carboidratos presentes na superfície de patógenos. Estas vias geram enzimas que clivam a proteína C3 e os produtos clivados de C3 tornam-se covalentemente ligados a superfícies microbianas ou anticorpos, limitando, assim, os passos subsequentes da ativação do complemento a esses locais. Todas as vias convergem para uma via comum que envolve a formação de um poro na membrana após a clivagem proteolítica de C5.  
A ativação do complemento é regulada por várias proteínas plasmáticas e de membrana celular que inibem diferentes etapas nas cascatas.
As funções biológicas do sistema complemento incluem opsonização de organismos e de imunocomplexos por fragmentos proteolíticos de C3, seguida pela ligação a receptores específicos para esses fragmentos em fagócitos e eliminação fagocitária; ativação de células inflamatórias por fragmentos proteolíticos de proteínas do complemento denominadas anafilatoxinas (C3a, C4a, C5a); citólise mediada pela formação de MAC nas superfícies celulares; solubilização e remoção dos imunocomplexos; e aumento das respostas imunes humorais.
A imunidade protetora em neonatos é uma forma de imunidade passiva fornecida pelos anticorpos maternos transportados através da placenta por um receptor Fc neonatal especializado

Fonte: Livro Imunologia Celular e Molecular - 8ª Ed.

Autores: Abul Lichtman, Andrew Abbas

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