sexta-feira, 27 de outubro de 2017

CAPÍTULO 6 Moléculas do Complexo Principal de Histocompatibilidade e Apresentação de Antígenos aos Linfócitos T

Fonte: Livro Imunologia Celular e Molecular - 8ª Ed.

Autores: Abul Lichtman, Andrew Abbas

Moléculas do Complexo Principal de Histocompatibilidade e Apresentação de Antígenos aos Linfócitos T 

PROPRIEDADES DE ANTÍGENOS RECONHECIDAS POR LINFÓCITOS T CAPTURA DE ANTÍGENOS E FUNÇÕES DAS CÉLULAS APRESENTADORAS DE ANTÍGENOS 
Papel das Células Dendríticas na Captura e Apresentação de Antígenos
 Funções de outras Células Apresentadoras de Antígenos 
COMPLEXO PRINCIPAL DE HISTOCOMPATIBILIDADE (MHC) 
Descoberta do MHC 
Os Genes do MHC 
As Moléculas do MHC
 Ligação de Peptídios às Moléculas do MHC 
PROCESSAMENTO DE PROTEÍNAS ANTIGÊNICAS
 Via de Processamento e Apresentação de Proteínas Citossólicas do MHC da Classe I 
Via de Processamento e Apresentação de Proteínas Vesiculares pelo MHC da Classe II 
Apresentação Cruzada Importância Fisiológica da Apresentação de Antígenos Associada ao MHC APRESENTAÇÃO DE ANTÍGENOS NÃO PROTEICOS A SUBCONJUNTOS DE CÉLULAS T RESUMO


As principais funções dos linfócitos T são erradicar infecções por microrganismos intracelulares e ativar outras células, tais como os macrófagos e os linfócitos B. Para cumprir estas funções, as células T devem superar vários desafios.
• Existem muito poucas células T virgens específicas para determinado antígeno, e este pequeno número deve ser capaz de localizar o antígeno estranho e eliminá-lo. Os microrganismos e outros antígenos podem ser localizados virtualmente em qualquer local no corpo. É impossível que as poucas células T específicas patrulhem constantemente todos os possíveis tecidos nos quais os antígenos possam entrar ou ser produzidos. A solução para este problema requer um sistema especializado para capturar antígenos e trazê-los aos órgãos linfoides, onde circulam células T e podem ser iniciadas respostas. As células especializadas que capturam e apresentam antígenos e ativam linfócitos T são chamadas células apresentadoras de antígenos (APCs).
• As funções da maioria dos linfócitos T requer que eles interajam com outras células, que podem ser células dendríticas, macrófagos, linfócitos B, ou qualquer célula hospedeira infectada. Para garantir que as células T interajam com outras células e não com os antígenos solúveis, os receptores de antígenos de células T são desenhados de modo a enxergar antígenos apresentados por moléculas de superfície celular e não antígenos em microrganismos ou antígenos que estão livres na circulação ou em fluidos extracelulares. Isto está em forte contraste com os linfócitos B, cujos receptores de antígeno e produtos de secreção, os anticorpos, são capazes de reconhecer antígenos em superfícies microbianas e antígenos solúveis, bem como antígenos associados a células. A tarefa de apresentar os antígenos associados às células hospedeiras para reconhecimento por células T CD4 + e CD8 + é realizado por proteínas especializadas denominadas complexo principal de histocompatibilidade (MHC), moléculas que são expressas na superfície das células hospedeiras.
• As diferentes células T devem ser capazes de responder a antígenos microbianos em diferentes compartimentos celulares. Por exemplo, a defesa contra vírus na circulação tem de ser mediada por anticorpos e a produção dos anticorpos mais eficazes requer a participação das células T auxiliares CD4 + . Mas, se o mesmo vírus infectar uma célula de tecido, ele se torna inacessível ao anticorpo e sua erradicação requer que os linfócitos T citotóxicos CD8 + (CTLs) matem células infectadas e eliminem o reservatório de infecção. Esta dicotomia existe, pois as APCs lidam com os antígenos derivados de locais extracelulares ou intracelulares e apresentam-nos para as diferentes classes de células T de maneiras diferentes. As moléculas do MHC possuem um papel crítico na segregação de antígenos a partir do exterior versus interior das células e na apresentação para as diferentes populações de células T.
Assim, a captura de antígenos e de apresentação para as células T é um processo especializado essencial para desencadear respostas de células T ótimas. A elucidação da biologia celular e da base molecular deste processo complexo foi uma realização impressionante, com base nos experimentos funcionais, análises bioquímicas e biologia estrutural. Neste capítulo, iremos descrever como os antígenos são capturados e apresentados às células T. No Capítulo 7, vamos descrever os receptores de antígeno de células T e, nos Capítulos 9, 10 e 11, vamos discutir as funções de ativação e de ação de linfócitos T.

Propriedades de antígenos reconhecidas por linfócitos T A nossa atual compreensão do reconhecimento de antígenos pelas células T é resultado de uma grande quantidade de pesquisas iniciadas através de estudos sobre a natureza dos antígenos que estimulam a imunidade mediada por células. As primeiras experiências revelaram que as formas físico-químicas dos antígenos reconhecidos por células T são diferentes daquelas reconhecidas por linfócitos B e anticorpos, e este conhecimento conduziu à descoberta de como os antígenos são enxergados pelas células T. Vários recursos de reconhecimento de antígeno são exclusivos aos linfócitos T (Tabela 6-1).
 Tabela 6-1 
Características do Reconhecimento de Antígenos Dependente de MHC pelos Linfócitos T
      
A maior parte dos linfócitos T reconhece apenas peptídios pequenos, ao passo que células B são capazes de reconhecer peptídios, proteínas, ácidos nucleicos, carboidratos, lipídios e pequenas substâncias químicas. Como resultado, respostas imunes mediadas por células T são normalmente induzidas por antígenos de proteínas exógenas (a fonte natura lde peptídios exógenos), ao passo que as respostas imunes humorais são induzidas por antígenos proteicos e não proteicos. Algumas células T são específicas para substâncias químicas pequenas, tais como dinitrofenol, urushiol de hera venenosa, β-lactamase de antibióticos de penicilina e até íons de níquel. Nestas situações, é provável que substâncias químicas chamadas haptenos liguem-se a proteínas próprias, incluindo moléculas do MHC, e que células T reconheçam peptídios hapteno-conjugados ou moléculas do MHC alteradas. A especificidade de células T a peptídios é verdadeira para as células T CD4 + e CD8 + ; como veremos ao final deste capítulo, existem algumas pequenas populações de células T que são capazes de reconhecer antígenos não proteicos.
Os receptores de antígenos de células T CD4 + e CD8 + são específicos para antígenos peptídicos que são apresentados por moléculas do MHC (Fig. 6-1). Os receptores de células T (TCRs) evoluíram para serem específicos para moléculas do MHC, cuja função normal consiste em apresentar peptídios. Como veremos no Capítulo 8, o reconhecimento do MHC também é necessário para a maturação de células T CD4 + e CD8 + e garante que todas as células T maduras sejam restritas apenas ao reconhecimento de moléculas do MHC com antígenos ligados. Moléculas do MHC podem ligar-se e apresentar somente peptídios, e não outras estruturas químicas, e é por isso que a maioria das células T reconhece apenas peptídios. Como discutiremos posteriormente, as moléculas do MHC são altamente polimórficas e variações de moléculas do MHC entre indivíduos influenciam a ligação a peptídios e o reconhecimento de células T. Uma única célula T é capaz de reconhecer um peptídio específico, apresentado por apenas uma de um grande número de moléculas do MHC diferentes que existem. Este fenômeno é chamado de restrição do MHC e sua base molecular será descrita mais adiante neste capítulo.


 FIGURA 6-1 Modelo de reconhecimento de um complexo peptídio-MHC pelas células T. 
Esta ilustração esquemática mostra uma molécula do MHC ligando e apresentando um peptídio e um receptor de célula T reconhecendo dois resíduos polimórficos da molécula do MHC e um resíduo do peptídio. 

Iniciaremos nossa discussão sobre a apresentação de antígenos descrevendo como as APCs capturam antígenos e transportam-nos para as células T. 

Captura de antígenos e funções das células apresentadoras de antígenos

 A constatação de que várias células diferentes das células T são necessárias para apresentar antígenos aos linfócitos T veio inicialmente de estudos em que antígenos proteicos, conhecidos por provocar respostas de células T, foram marcados e injetados em ratos para verificar quais células se ligavam (e, portanto, reconheciam) estes antígenos. O resultado foi que os antígenos injetados se associaram principalmente a células não linfoides, o que foi uma surpresa, uma vez que era conhecido que os linfócitos eram as células que respondiam a antígenos estranhos. Este tipo de experimento foi rapidamente seguido por estudos que mostraram que antígenos de proteínas fisicamente ligados a macrófagos eram muito mais imunogênicos, em uma base molar, que os mesmos antígenos injetados na forma solúvel em camundongos. Nestes experimentos iniciais, as populações de macrófagos estudadas podem ter contido células dendríticas, uma vez que, como veremos na seção seguinte, as células T imaturas são melhor ativadas pelas células dendríticas. Experimentos posteriores com cultura de células mostraram que células T CD4 + purificadas não eram capazes de responder a antígenos proteicos, mas elas respondiam muito bem se células não T, tais como células dendríticas ou macrófagos, fossem adicionadas às culturas. Estes resultados levaram ao conhecimento de que uma etapa crítica na indução de respostas em células T é a apresentação do antígeno aos linfócitos T por meio de outras células, que foram denominadas células apresentadoras de antígenos. As primeiras APCs identificadas foram os macrófagos, e as células T que respondiam eram as células auxiliares CD4 + . Logo ficou claro que várias populações de células eram capazes de atuar como APCs em diferentes situações. Por convenção, APC ainda é o termo usado para referir-se a células especializadas que exibem antígenos aos linfócitos T CD4 + ; como veremos mais adiante neste capítulo, todas as células nucleadas podem apresentar antígenos proteicos a linfócitos T CD8 + , mas nem todas são chamadas APCs.
Iniciaremos com uma discussão sobre algumas das propriedades gerais das APCs para os linfócitos T CD4 +  .
• Diferentes tipos de células atuam como APCs para ativar as células T imaturas ou células T efetoras previamente diferenciadas (Fig. 6-2 e Tabela 6-2). As células dendríticas são as APCs mais eficazes para a ativação de células T imaturas e, portanto, para iniciar as respostas de células T. Os macrófagos e os linfócitos B também atuam como APCs, mas principalmente para as células T auxiliares CD4 + previamente ativadas e não para células T imaturas. Seus papéis como APCs são descritos mais adiante neste capítulo e em mais detalhes nos Capítulos 10 e 12. As células dendríticas, macrófagos e linfócitos B expressam moléculas do MHC de classe II e de outras moléculas envolvidas na estimulação das células T e são, portanto, capazes de ativar os linfócitos T CD4 + . Por este motivo, estes três tipos de células têm sido chamados APCs profissionais; no entanto, este termo é por vezes utilizado para se referir apenas às células dendríticas, porque este é o único tipo de célula cuja principal função é capturar e apresentar antígenos e única APC capaz de iniciar respostas primárias de células T. 
Tabela 6-2 
Propriedades e Funções das Células Apresentadoras de Antígenos 


IFN-γ, interferon- γ, IL-4, interleucina-4; LPS, lipopolissacarídeo.


FIGURA6-2 Funções de diferentes de células apresentadoras de antígenos. 
Os três principais tipos de APCs para as células T CD4 + possuem a função de apresentar antígenos em diferentes estágios e tipos de respostas imunes. Observe que as células T efetoras ativam os macrófagos e linfócitos B através da produção de citocinas e expressão de moléculas de superfície; isto será descrito em capítulos posteriores.

• As APCs apresentam complexos peptídio-MHC, para o reconhecimento por células T e também proporcionam estímulos adicionais, que são necessários para as respostas completas das células T. Considerando que o antígeno é o primeiro sinal, estes estímulos adicionais são, por vezes, chamados de segundos sinais. Eles são mais importantes para a ativação de células T imaturas que para a reestimulação de células efetoras e de memória previamente ativadas. As moléculas ligadas às membranas das APCs destinadas a ativar as células T são chamadas coestimuladoras, pois funcionam em conjunto com o antígeno para estimular as células T. As APCs também secretam citocinas que desempenham papéis críticos na diferenciação de células T em células efetoras. Estes coestimuladores e de citocinas são descritos nos Capítulos 9 e 10.
• A função de apresentação de antígenos das APCs é aumentada pela exposição a produtos microbianos. Esta é uma das razões pela qual o sistema imune responde melhor a microrganismos do que a substâncias inofensivas, não microbianas. As células dendríticas e macrófagos expressam receptores tipo Toll e outros sensores microbianos (Cap. 4) que respondem a microrganismos através do aumento da expressão de moléculas do MHC e de coestimuladores, melhorando a eficiência da apresentação de antígenos e ativando as APCs para produzirem citocinas, todas as quais estimulam respostas de células T. Além disso, as células dendríticas ativadas por microrganismos expressam receptores de quimiocinas, que estimulam a sua migração para os locais onde as células T estão presentes. A indução de respostas ótimas de células T a antígenos de proteínas purificados requer que os antígenos sejam administrados com substâncias chamadas adjuvantes. Os adjuvantes são produtos de microrganismos, tais como micobactérias mortas (utilizadas experimentalmente), ou mimetizam microrganismos e aumentam a expressão dos coestimuladores e de citocinas, bem como as funções de apresentação de antígenos das APCs.
• As APCs que apresentam antígenos às células T também recebem sinais destes linfócitos que melhoram sua função de apresentação de antígenos. Em particular, as células T CD4 + , que são ativadas por reconhecimento de antígeno e coestimulação, expressam moléculas de superfície, particularmente uma denominada ligante CD40 (CD154) que se liga à CD40 das células dendríticas e macrófagos, e as células T secretam citocinas tais como interferon-γ (IFN-γ), que se ligam aos seus receptores nestas APCs. A combinação dos sinais da CD40 e das citocinas ativa as APCs, o que resulta no aumento da capacidade de processar e apresentar antígenos, no aumento da expressão de coestimuladores e na secreção de citocinas que ativam as células T. Esta interação bidirecional entre APCs apresentando o antígeno e os linfócitos T que reconhecem os antígenos atua como uma retroalimentação positiva que desempenha um papel importante na maximização da resposta imune (Cap. 9).

Papel das Células Dendríticas na Captura e Apresentação de Antígenos


As respostas primárias de células T imaturas são iniciadas nos órgãos linfoides secundários, aos quais microrganismos e antígenos proteicos são transportados após serem recolhidos a partir da sua via de entrada (Fig. 6-3). As rotas comuns através das quais os antígenos estranhos, tais como microrganismos, entram em um hospedeiro são a pele e o epitélio do sistema respiratório e gastrintestinal. Além disso, os antígenos microbianos podem ser produzidos em qualquer tecido que tenha sido colonizado ou infectado por um microrganismo. A pele, o epitélio mucoso e os órgãos parenquimatosos contêm grande número de capilares linfáticos que drenam a linfa destes locais para os linfonodos locais. Alguns antígenos são transportados na linfa por APCs (células dendríticas principalmente) que capturam o antígeno e entram nos vasos linfáticos, e outros antígenos penetram nos vasos linfáticos sem estarem ligados a outras células. Assim, a linfa contém uma amostra de todos os antígenos presentes nos tecidos nas formas solúvel e associados a células. Os antígenos tornam-se concentrados nos linfonodos, que são interpostos ao longo dos vasos linfáticos e atuam como filtros que testam a linfa antes de chegar ao sangue (Cap. 2). Os antígenos que entram na corrente sanguínea podem ser monitorados de forma semelhante pelo baço.

FIGURA6-3 Vias de entrada de antígenos. 
Os antígenos microbianos geralmente entram através da pele e tratos gastrintestinal e respiratório, onde são capturados pelas células dendríticas e transportados para os nódulos linfáticos regionais. Os antígenos que entram na corrente sanguínea são capturados pelas APCs no baço.

As células mais capazes de captar, transportar e apresentar antígenos para as células T são as células dendríticas. Nós descreveremos a seguir as suas principais características e suas funções na iniciação das respostas por células T.  

Morfologia e Populações de Células Dendríticas

As células dendríticas foram descobertas como uma população de células do baço de ratos que possuía uma morfologia característica, com projeções membranosas marcantes ou tipo espinhosas que se assemelhavam aos dendritos dos neurônios (Fig. 6-4). Estas células estão presentes na maioria dos tecidos e são mais ricas nos órgãos linfoides e nas interfaces com o ambiente externo, tais como na pele e nos tratos gastrintestinal e respiratório. Acredita-se que a maioria das células dendríticas seja proveniente de precursores da medula óssea adultos, com exceção das células de Langerhans na pele, que se desenvolvem a partir de precursores embrionários que se estabelecem na pele antes do nascimento (Fig. 2-4). Atualmente, está claro que existem duas grandes populações de células dendríticas que diferem em propriedades fenotípicas e funções principais (Tabela 6-3). 
Tabela 6-3 
Principais Subpopulações de Células Dendríticas 




FIGURA6-4 Células dendríticas. 
 A, Micrografia de luz de células dendríticas em cultura derivadas de precursores da medula óssea. B, Micrografia eletrônica de varrimento de uma célula dendrítica mostrando extensas projeções de membrana. C, D, Células dendríticas na pele, ilustradas esquematicamente (C) e em uma secção de pele (D) tingidas com um anticorpo específico para células de Langerhans (visualizados na cor azul nesta coloração imunoenzimática). E, F, Células dendríticas em um linfonodo, ilustradas esquematicamente (E) e em uma secção de linfonodo de camundongo (F) tingidas com anticorpos marcados com fluorescência contra células B nos folículos (verde) e células dendríticas na zona de células T (vermelho). (A, B e D, Cortesia de Dr. Y-J Liu, MD, Anderson Cancer Center, Houston, Texas. F, Cortesia de Drs. Kathryn Pape e Jennifer Walter, University of Minnesota School of Medicine, Minneapolis).


As CDs Clássicas (também chamadas de CDs convencionais) foram inicialmente identificadas por sua morfologia e capacidade de estimular respostas intensas de células T, e constituem o subconjunto de células dendríticas mais numeroso nos órgãos linfoides. A maioria delas é derivada de precursores mieloides, que migram da medula óssea para se diferenciarem localmente em células dendríticas residentes em tecidos linfoides e não linfoides. Semelhante aos macrófagos teciduais, elas estão constantemente monitorando o ambiente em que residem. No intestino, por exemplo, as células dendríticas parecem enviar processos que atravessam as células epiteliais e que se projetam para o lúmen, onde podem atuar na captura de antígenos luminais. As células de Langerhans são células dendríticas que povoam a epiderme; elas atuam da mesma forma em relação aos antígenos encontrados na pele. 
Na ausência de infecções ou inflamações, as células dendríticas clássicas capturam antígenos dos tecidos e migram para os linfonodos de drenagem, mas não produzem as citocinas e moléculas da membrana que são necessários para induzir respostas imunes eficazes. A função destas células dendríticas poderia ser de apresentar antígenos próprios a células T autorreativas e, assim, provocar a inativação ou morte das células T ou gerar células T reguladoras. Estes mecanismos são importantes para a manutenção da autotolerância e prevenção de autoimunidade (Cap. 15). No encontro com microrganismos ou citocinas, as células dendríticas se tornam ativadas: elas regulam positivamente moléculas coestimuladoras, produzem citocinas inflamatórias e migram dos tecidos periféricos para os linfonodos de drenagem, onde iniciam as respostas das células T (discutido posteriormente).
As células dendríticas clássicas podem ser divididas em dois grandes subgrupos. Um deles, caracterizado por uma elevada expressão de BDCA-1/CD1c em seres humanos ou da integrina CD11b em camundongos, é mais eficaz em dirigir as respostas das células T CD4 + . O outro subgrupo, caracterizado pela expressão de BDCA-3 em seres humanos ou, em camundongos, de CD8 em tecidos linfoides ou da integrina CD103 em tecidos periféricos, é particularmente eficiente no processo de apresentação cruzada (descrito mais adiante neste capítulo). Algumas células dendríticas podem ser derivadas de monócitos, especialmente em situações de inflamação.
• As CDs plasmocitoides assemelham-se morfologicamente às células plasmáticas e adquirem a morfologia e as propriedades funcionais das células dendríticas somente após a ativação. Elas desenvolvem-se na medula óssea a partir de um precursor que também dá origem às células dendríticas clássicas, e são encontradas no sangue e em pequeno número nos órgãos linfoides. Em contraste com as células dendríticas clássicas, as células dendríticas plasmocitoides são pobremente fagocíticas e não monitoram a presença de antígenos ambientais. A principal função de células dendríticas plasmacitoides é a secreção de grandes quantidades de interferons do tipo I em resposta a infecções virais (Capítulo 4). Nas infecções virais, as células dendríticas plasmocitoides também se diferenciam em células que se assemelham a células dendríticas clássicas e desempenham um papel na apresentação de antígenos a células T específicas para vírus.

Captura e Transporte de Antígenos por Células Dendríticas


As células dendríticas residentes em epitélios e tecidos captam antígenos proteicos e transportam os antígenos para linfonodos de drenagem (Fig. 6-5). As células dendríticas em repouso que residem nos tecidos (por vezes referidas como células dendríticas imaturas) expressam receptores de membrana, como lectinas do tipo C, que se ligam a microrganismos. As células dendríticas utilizam estes receptores para capturar e endocitar microrganismos ou produtos microbianos e, em seguida, processar as proteínas ingeridas em peptídios capazes de se ligar a moléculas do MHC. Além da endocitose e da fagocitose mediada por receptor, as células dendríticas são capazes de endocitar antígenos por micropinocitose e macropinocitose, processos que não envolvem receptores de reconhecimento específicos, mas capturam tudo que possa estar na fase fluida nas vizinhanças das células dendríticas.


FIGURA6-5 Papel das células dendríticas na captura e apresentação de antígenos. A, Células imaturas dendríticas (CDs) na pele (células de Langerhans) ou derme (CDs da derme) capturam antígenos que entram através da epiderme e transportam os antígenos para os linfonodos regionais. Durante esta migração, as células dendríticas amadurecem e se tornam APCs eficientes. B, Atabela resume algumas das alterações durante a maturação das células dendríticas que são importantes para as funções destas células.

No instante em que os antígenos microbianos são capturados, os produtos microbianos são reconhecidos por receptores do tipo Toll e por outros receptores de reconhecimento de padrões inatos das células dendríticas e de outras células, gerando respostas imunes inatas (Cap. 4). As células dendríticas são ativadas por estes sinais e por citocinas, tais como o fator de necrose tumoral (TNF), produzido em resposta aos microrganismos. As células dendríticas ativadas (também chamadas de células dendríticas maduras) perdem a sua capacidade de adesão a epitélios ou tecidos e migram para os linfonodos. As células dendríticas também começam a expressar um receptor de quimiocinas denominado CCR7 que é específico para duas quimiocinas, CCL19 e CCL21, produzidas em vasos linfáticos e nas zonas das células T dos linfonodos. Estas quimiocinas atraem as células dendríticas que carregam antígenos microbianos para vasos linfáticos de drenagem e, finalmente, para as zonas de células T dos linfonodos regionais. As células T imaturas também expressam o CCR7, e é por isso que as células T imaturas migram para as mesmas regiões de linfonodos onde as células dendríticas carregando antígenos estão concentradas (Cap. 3). A colocalização de células dendríticas ativadas carregando antígenos e células T virgens aumenta as chances de que células T com receptores para o antígeno encontrem esse antígeno.  
A ativação também converte as células dendríticas, passam de células cuja função principal é de capturar antígenos para células capazes de apresentar antígenos a células T imaturas e de ativar os linfócitos. As células dendríticas ativadas expressam níveis elevados de moléculas do MHC com peptídios ligados, bem como os coestimuladores necessários para a ativação das células T. Assim, no momento em que estas células chegam aos linfonodos, elas já se desenvolveram em potentes APCs com capacidade de ativar linfócitos T. As células T imaturas que recirculam através dos linfonodos encontram estas APCs, e as células T específicas para os complexos de peptídio-MHC apresentados são ativados. Esta é a etapa inicial para a indução de respostas de células T contra antígenos proteicos.
Os antígenos também podem ser transportados para órgãos linfoides na forma solúvel. As células dendríticas residentes nos linfonodos e baço podem capturar os antígenos presentes nos linfonodos e no sangue, respectivamente, e também podem ser tornados maduros por produtos microbianos. Quando a linfa entra em um linfonodo através de um vaso linfático aferente, ela drena para o seio subcapsular e parte da linfa adentra as canalizações das células reticulares de fibroblastos (FRC) que se originam a partir do seio e atravessam o córtex (Cap. 2). Uma vez dentro das canalizações, os antígenos de baixo peso molecular podem ser extraídos pelas células dendríticas, cujos processos interdigitam-se entre as FRCs. Outros antígenos no seio subcapsular são capturados por macrófagos e células dendríticas, que levam os antígenos para o córtex. As células B do nódulo também são capazes de reconhecer e interiorizar os antígenos solúveis. As células dendríticas, os macrófagos e as células B que capturaram os antígenos proteicos podem, então, processar e apresentar esses antígenos às células T virgens e às células T efetoras que foram geradas por prévia estimulação antigênica.  
A captura e concentração de antígenos exógenos em linfonodos é complementada por outras adaptações anatômicas de funções similares. As superfícies mucosas dos sistemas gastrintestinal e respiratório, além de serem drenadas pelos capilares linfáticos, contêm porções especializadas de tecido linfoide secundário que podem monitorar diretamente o conteúdo luminal desses órgãos quanto à presença de material antigênico. Destes órgãos linfoides das mucosas, os melhor caracterizados são as placas de Peyer do íleo e da tonsila faríngea (Cap. 14). As APCs no baço monitoram o fluxo de sangue para quaisquer antígenos que chegam à circulação. Tais antígenos podem chegar ao sangue diretamente a partir dos tecidos ou por meio da linfa do ducto torácico.

Função de Apresentação de Antígenos pelas Células Dendríticas 

Diversos estudos realizados in vitro e in vivo demonstraram que a indução de respostas imunes primárias dependentes de células T contra proteínas antigênicas requer a presença de células dendríticas para capturar e apresentar antígenos às células T. Isto foi mostrado pela primeira vez para as respostas de células T CD4 + , mas agora é conhecidamente verdadeiro também para as células T CD8 + .  
Diversas propriedades das células dendríticas tornam-nas as APCs mais eficientes para iniciar respostas primárias de células T.
• As células dendríticas estão estrategicamente localizadas nos locais comuns de entrada de microrganismos e antígenos exógenos (em epitélios) e em tecidos que podem ser colonizados por microrganismos.  
• As células dendríticas expressam receptores que lhes permitem capturar e responder aos microrganismos.  
• As células dendríticas migram preferencialmente pela via linfática dos epitélios e tecidos para as zonas de células T dos linfonodos, e os linfócitos T virgens também migram da circulação para as mesmas regiões dos linfonodos. 
• As células dendríticas maduras expressam altos níveis de complexos peptídio-MHC, coestimuladores e citocinas, que são necessários para ativar os linfócitos T virgens.
Células dendríticas são capazes de endocitar células infectadas e apresentar antígenos destas células para os linfócitos T CD8 + . As células dendríticas são as APCs que melhor induzem respostas primárias de células T CD8 + , mas isto gera um problema especial porque os peptídios antigênicos que esses linfócitos reconhecem devem ser derivados das proteínas citossólicas das células dendríticas. No entanto, as proteínas virais podem ser produzidas em qualquer tipo de célula infectada por um vírus, não necessariamente em células dendríticas. Algumas células dendríticas especializadas são capazes de endocitar células infectadas com vírus ou fragmentos celulares e de liberar proteínas virais para o citosol, permitindo que eles sejam apresentados aos linfócitos T CD8 + . Este processo é chamado de apresentação cruzada e será descrito posteriormente neste capítulo.

Funções de outras Células Apresentadoras de Antígenos 

Embora as células dendríticas desempenhem um papel crucial na iniciação das respostas primárias das células T, outros tipos de células também são importantes APCs em diferentes situações (Fig. 6-2 e Tabela 6-2). 
• Nas respostas imunes mediadas por células, os macrófagos apresentam os antígenos de microrganismos fagocitados para células T efetoras, que respondem ativando os macrófagos para matar os microrganismos. Este processo é fundamental para a imunidade mediada por células e hipersensibilidade do tipo retardada (Cap. 10). Os monócitos circulantes são capazes de migrar para qualquer local de infecção e inflamação, onde se diferenciam em macrófagos e fagocitam e destroem microrganismos. As células T CD4 + reconhecem os antígenos microbianos apresentados pelos macrófagos e geram sinais que intensificam as atividades microbicidas destes macrófagos.  
• Nas respostas imunes humorais, os linfócitos B internalizam as proteínas antigênicas e apresentam peptídios derivados destas proteínas para células T auxiliares. Esta função de apresentação de antígenos das células B é essencial para a produção de anticorpos dependente de células T auxiliares (Cap. 12).
• Todas as células nucleadas são capazes de apresentar peptídios derivados de proteínas antigênicas citossólicas para CTL CD8 + . Todas as células nucleadas são suscetíveis a infecções virais e mutações que causam câncer. Portanto, é importante que o sistema imune seja capaz de reconhecer antígenos citossólicos, tais como antígenos virais e proteínas mutadas, em qualquer tipo de célula. As CTL CD8 + são as células que reconhecem estes antígenos e que eliminam as células em que os antígenos são produzidos. As CTL CD8 + também são capazes de reconhecer microrganismos fagocitados se estes microrganismos ou seus antígenos escapam das vesículas fagocíticas para o citosol.
• Outros tipos de células que expressam moléculas do MHC de classe II e podem apresentar antígenos a células T incluem as células endoteliais e algumas células epiteliais. As células endoteliais vasculares podem apresentar antígenos às células T do sangue que aderem às paredes dos vasos, e este processo pode contribuir para o recrutamento e ativação de células T efetoras em reações imunes mediadas por células. As células endoteliais em enxertos também são alvos de células T, que reagem contra os antígenos do enxerto (Cap. 17). Várias células epiteliais e mesenquimais podem expressar moléculas do MHC de classe II em resposta à citocina IFN-γ . O significado fisiológico da apresentação de antígenos por essas populações de células não é claro. Devido ao fato de que a maior parte delas não expressa coestimuladores e não é eficaz no processamento de proteínas em peptídios de ligação ao MHC, é pouco provável que contribuam de modo significativo para a maior parte das respostas de células T. As células epiteliais do timo expressam constitutivamente moléculas do MHC e desempenham um papel fundamental na apresentação de complexos peptídio-MHC para o amadurecimento das células T no timo, como parte dos processos de seleção que moldam o repertório de especificidades das células T (Cap. 8).

Complexo principal de histocompatibilidade (MHC) 

A descoberta do papel fundamental do MHC no reconhecimento de antígenos pelas células T CD4 + e CD8 + T revolucionou o campo da imunologia e abriu caminho para a nossa atual compreensão da ativação e funções dos linfócitos.

Descoberta do MHC 

O Camundongo do MHC (Complexo H-2) 
O MHC foi descoberto a partir de estudos de transplante de tecidos, e somente muitos anos mais tarde foram elucidadas a estrutura e a função das moléculas do MHC. Era sabido desde o início dos transplantes que tecidos, como a pele, trocados entre indivíduos não idênticos eram rejeitados, enquanto os mesmos enxertos entre gêmeos idênticos eram aceitos. Estes resultados mostraram que os genes herdados deveriam estar envolvidos no processo de rejeição de tecidos. Na década de 1940, para analisar a base genética da rejeição do enxerto, os investigadores produziram linhagens isogênicas de camundongos por acasalamento repetitivo de irmãos. Os camundongos isogênicos são homozigóticos em cada lócus genético (isto é, possuem duas cópias do mesmo alelo de cada gene, um de cada pai) e todos os camundongos de uma linhagem isogênica são geneticamente idênticos (singênicos) a outro camundongo de mesma linhagem (ou seja, todos expressam os mesmos alelos). Linhagens diferentes podem expressar alelos diferentes e são referidas como alogênicas umas às outras. Através da criação de linhagens congênitas de camundongos que rejeitavam enxertos de outras linhagens, mas que eram idênticos para todos os outros genes, esses pesquisadores mostraram que uma única região genética é a principal responsável pela rápida rejeição de enxertos de tecidos, e esta região foi chamada de lócus principal de histocompatibilidade (histo, de tecido). O lócus específico identificado em camundongos foi ligado a um gene no cromossomo 17 que codificava um antígeno de grupo sanguíneo chamado antígeno II e, por conseguinte, esta região foi chamada de histocompatibilidade-2 ou, simplesmente, H-2. Inicialmente, acreditava-se que esse lócus continha um único gene que controlava a compatibilidade de tecidos. No entanto, eventos ocasionais de recombinação ocorreram no lócus H-2 durante o intercruzamento de diferentes linhagens, indicando que, na verdade, ele continha vários genes diferentes mas estreitamente ligados, muitos dos quais estavam envolvidos na rejeição do enxerto. A região genética que controlava a rejeição do enxerto e continha vários genes ligados foi chamada de complexo principal de histocompatibilidade. Apesar de não conhecido durante os experimentos iniciais, a rejeição do transplante é, em grande parte, um processo mediado por células T (Cap. 17) e, por conseguinte, não é surpreendente que exista uma relação entre a rejeição do enxerto e os genes do MHC que codificam as moléculas do MHC que ligam a peptídios, reconhecidas pelas células T. 

O MHC Humano (HLA) 

O MHC humano foi descoberto através da procura por moléculas de superfície celular em um indivíduo que seriam reconhecidas como estrangeiras por outro indivíduo. Esta tarefa tornou-se viável quando descobriu-se que os indivíduos que receberam múltiplas transfusões de sangue e pacientes que receberam transplantes de rim continham anticorpos que reconheciam células dos doadores de sangue ou de rins e que as mulheres multíparas tinham anticorpos circulantes que reconheciam células paternas. As proteínas reconhecidas por estes anticorpos foram chamadas de antígenos de leucócitos humanos (HLA) (leucócitos, porque os anticorpos foram testados pela ligação a leucócitos de outros indivíduos e antígenos, porque as moléculas eram reconhecidas por anticorpos). Análises posteriores mostraram que, em camundongos, a herança de determinados alelos HLA é um dos principais determinantes da aceitação ou rejeição de enxertos (Cap. 17). Estudos bioquímicos deram o satisfatório resultado de que as proteínas H-2 de camundongos e as proteínas HLA tinham estruturas básicas semelhantes. A partir destes resultados, chegou-se à conclusão de que os genes que determinam o destino dos tecidos enxertados estão presentes em todas as espécies de mamíferos e são homólogos aos genes H-2 inicialmente identificados em camundongos; estes são chamados de genes do MHC. Outros genes polimórficos que contribuem para a rejeição do enxerto em menor grau são chamados genes de histocompatibilidade menor; voltaremos a eles no Capítulo 17, quando discutiremos a imunologia do transplante. 

Genes da Resposta Imune 

Durante quase 20 anos após o MHC ter sido descoberto, seu único papel documentado foi na rejeição do enxerto. Este foi um enigma para os imunologistas porque o transplante não é um fenômeno natural, e não havia nenhuma razão para que um conjunto de genes devesse ser preservado através da evolução se a única função dos genes fosse controlar a rejeição de enxertos de tecido externos. Nos anos de 1960 e 1970, descobriu-se que os genes do MHC são de fundamental importância para todas as respostas imunes a proteínas antigênicas. Os imunologistas descobriram que linhagens isogênicas de uma única espécie (cobaias ou camundongos) diferem na sua capacidade de produzir anticorpos contra alguns polipeptídios sintéticos simples, e a resposta foi herdada como uma característica mendeliana dominante. Os genes relevantes foram chamados de genes da resposta imune (IR) e descobriu-se que todos mapeavam para o MHC. Sabemos agora que os genes da Ir são, na verdade, os genes do MHC que codificam moléculas do MHC que diferem na sua capacidade de se ligar e apresentar peptídios derivados de várias proteínas antigênicas. Linhagens respondedoras, capazes de montar respostas imunes contra um antígeno polipeptídico em particular, herdam alelos do MHC cujos produtos podem ligar peptídios derivados destes antígenos, formando complexos peptídio-MHC que podem ser reconhecidos pelas células T auxiliares. Estas células T, em seguida, auxiliam as células B a produzir anticorpos. Linhagens não respondedoras expressam moléculas do MHC que não são capazes de se ligar a peptídios derivados do antígeno polipeptídico e, portanto, estas linhagens não são capazes de gerar células T auxiliares ou anticorpos específicos para o antígeno. Posteriormente também foi descoberto que muitas doenças autoimunes estavam associadas à herança de alelos particulares do MHC, posicionando firmemente esses genes no centro dos mecanismos que controlam as respostas imunes. Esses estudos forneceram o ímpeto para análises mais detalhadas dos genes e proteínas do MHC.  

O Fenômeno de Restrição do MHC 

A prova formal de que o MHC está envolvido no reconhecimento de antígenos por células T veio da demonstração experimental da restrição do MHC por Rolf Zinkernagel e Peter Doherty. Em seu estudo clássico, relatado em 1974, esses pesquisadores examinaram o reconhecimento de células infectadas por vírus por CTLs específicas para vírus em camundongos isogênicos. Se um camundongo fosse infectado por um vírus, CTLs CD8 + específicas para o vírus desenvolviam-se no animal. Estas CTLs reconheciam e matavam as células infectadas por vírus somente se as células infectadas expressassem os alelos de moléculas do MHC expressas no animal no qual as CTLs fossem geradas (Fig. 6-6). Através do uso de linhagens isogênicas de camundongos para o MHC, cuja derivação foi descrita anteriormente (camundongos idênticos em cada lócus genético exceto para o MHC), foi demonstrado que as CTLs e a célula-alvo infectada deveriam ser derivadas de camundongos que partilhavam um alelo do MHC de classe I. Assim, o reconhecimento de antígenos por células CTLs CD8 + era restringido pelos alelos próprios do MHC de classe I. Experimentos subsequentes demonstraram que as respostas dos linfócitos T auxiliares CD4 + para antígenos eram restringidas por alelos próprios do MHC de classe II.


FIGURA6-6 Demonstração experimental do fenômeno da restrição de linfócitos T ao MHC.
 Os linfócitos T citotóxicos vírus-específicos (CTLs) originados a partir de camundongos da linhagem Ainfectados com vírus matam somente as células alvo singênicas (linhagem A) infectadas com esse vírus. As CTLs não matam alvos da linhagem Anão infectados (que expressam peptídios próprios, mas não peptídios virais) ou alvos da linhagem B infectados (que expressam alelos do MHC diferentes daqueles da linhagem A). Através do uso de linhagens isogênicas de camundongos que diferem apenas em relação aos loci do MHC da classe I, comprovou-se que o reconhecimento de antígenos por CTLs CD8 + é restrito ao MHC da classe I próprio.

 Continuaremos nossa discussão sobre o MHC descrevendo as propriedades dos genes e, em seguida, as proteínas, e concluiremos descrevendo como estas proteínas se ligam e apresentam os antígenos exógenos.

Os Genes do MHC 

O lócus MHC contém dois tipos de genes polimórficos do MHC, os genes do MHC da classe I da classe II, que codificam dois grupos de proteínas estruturalmente distintas, mas homólogas, e outros genes não polimórficos, cujos produtos estão envolvidos na apresentação de antígenos (Fig. 6-7). As moléculas do MHC da classe I apresentam peptídios e são reconhecidos por células T CD8 + , e as moléculas do MHC da classe II apresentam peptídios para as células T CD4 + ; estes tipos de células T possuem diferentes funções na proteção contra microrganismos.


FIGURA6-7 Mapas esquemáticos de loci do MHC humanos e de camundongos.
 Aorganização básica dos genes no lócus do MHC é semelhante entre seres humanos e camundongos. Os tamanhos dos genes e os segmentos de DNAintervenientes não são apresentados em escala. Os loci da classe II são apresentados como blocos simples, mas cada lócus é composto de vários genes. O lócus do MHC da “classe III” refere-se aos genes que codificam moléculas diferentes das moléculas peptídicas de apresentação; normalmente, este termo não é usado. 

Os genes do MHC da classe I e classe II são os genes mais polimórficos presentes em qualquer genoma de mamífero. Os estudos do camundongo MHC foram realizados com um número limitado de linhagens. Embora tenha sido observado que os genes do camundongo do MHC eram polimórficos, somente cerca de 20 alelos de cada gene do MHC foram identificados nas linhagens isogênicas de camundongos. Estudos sorológicos humanos foram conduzidos em populações humanas não isogênicas. Uma característica notável que surgiu a partir dos estudos dos genes do MHC humanos é a extensão inesperada de variação entre os indivíduos, chamada de polimorfismo. Na população, o número total de alelos do HLA com diferentes sequências de aminoácidos está estimado em mais de 5.000, com mais de 2.500 alelos somente para o lócus HLA-B. As variações nas moléculas do MHC (representando o polimorfismo) resultam da herança de distintas sequências de DNA e não são induzidas por recombinação genética (já que estão em receptores de antígenos; Capítulo 8). Como discutiremos mais adiante neste capítulo, os resíduos polimórficos de moléculas do MHC determinam a especificidade da ligação de peptídios e o reconhecimento de antígenos pelas células T, o que levou à questão de por que os genes do MHC são polimórficos. O polimorfismo do MHC pode ter se desenvolvido porque garante que os indivíduos serão capazes de lidar com a diversidade de microrganismos e que as populações serão protegidas contra a perda devastadora da vida devido a infecções emergentes. Mas as pressões seletivas que preservaram um número tão grande de alelos como na população não são compreendidas.
Os genes do MHC são expressos de modo codominante em cada indivíduo. Em outras palavras, para determinado gene do MHC, cada indivíduo expressa os alelos que são herdados de cada um de seus progenitores. Para o indivíduo, isto aumenta o número de moléculas do MHC disponíveis para ligarem-se a peptídios para apresentação às células T.

Loci do MHC Humanos e de Camundongos

 Nos humanos, o MHC está localizado no braço curto do cromossomo 6 e ocupa um grande segmento de DNA, que se estende por cerca de 3.500 quilobases (kb). (Para efeito de comparação, um gene humano grande pode estender-se até 50 a 100 kb e o tamanho da totalidade do genoma da bactéria Escherichia coli é de aproximadamente 4500 kb.) Em termos genéticos clássicos, o lócus do MHC se estende por cerca de 4 centimorgans, o que significa que cruzamentos no MHC ocorrem em cerca de 4% das meioses. Um mapa molecular do MHC humano é mostrado na Figura 6-8.

FIGURA6-8 Mapa do MHC humano.
Os genes localizados no interior do lócus do MHC humano foram ilustrados. Além dos genes do MHC da classe I e classe II, o HLA-E, o HLA-F e o HLA-G e os genes MIC codificam moléculas semelhantes à classe I, muitas das quais são reconhecidas por células NK; os genes C4, C2, e do Fator B codificam proteínas do complemento; a tapasina, DM, DO, TAP e proteassoma codificam proteínas envolvidas no processamento de antígenos; LTα, LTβ, e TNF codificam citocinas. Muitos pseudogenes e genes cujos papéis na resposta imune não foram estabelecidos estão localizados no complexo do HLA, mas eles não foram ilustrados para simplificar o mapa.

Os genes do HLA de classe I humanos foram definidos pela primeira vez por abordagens sorológicas (ligação de anticorpos). Há três genes do MHC da classe I chamados de HLA-A, HLA-B e HLA-C que codificam para três tipos de moléculas do MHC da classe I com os mesmos nomes. Os genes do MHC da classe II foram identificados pela primeira vez através de ensaios nos quais as células T de um indivíduo seriam ativadas pelas células de outro indivíduo (chamado de reação mista de linfócitos; Capítulo 17). Existem três loci de HLA da classe II chamados de HLA-DP, HLA-DQ e HLA-DR. Cada molécula do MHC de classe II é composta por um heterodímero de polipeptídios α e β, e cada um dos loci DP, DQ e DR e contém genes separados designados A ou B que codificam as cadeias α e β, respectivamente, em cada cópia do cromossoma 6. Cada indivíduo possui dois genes HLA-DP (chamados de DPA1 e DPB1 que codificam cadeias α e β), dois genes HLA-DQα (DQA1, 2), um gene HLA-DQβ (DQB1), um gene HLA-DRα (DRA1) e um ou dois genes HLA-DRβ (DRB1 e DRB3, 4 ou 5). A nomenclatura do lócus do HLA leva em conta o enorme polimorfismo identificado por métodos sorológicos e moleculares. Assim, com base na tipagem molecular moderna, os alelos individuais podem ser chamados de HLA-A*0201, referindo-se ao subtipo 01 do HLA-A2, ou HLA-DRB1*0401, referindo-se subtipo 01 do gene DR4B1, e assim por diante.
 O camundongo do MHC, localizado no cromossomo 17, ocupa cerca de 2000 kb de DNA, e os genes são organizados em uma ordem ligeiramente diferente do gene do MHC humano. Um dos genes da classe I do camundongo (H-2K) é centromérico em relação à região da classe II, mas os outros genes da classe I são teloméricos em relação à região da classe II. Existem três genes do MHC da classe I de camundongo chamados H- 2K, H-2D, e H-2L que codificam três proteínas do MHC de classe I diferentes, K, D, e L. Esses genes são homólogos aos genes humanos HLA-A, -B, e -C. Os alelos do MHC de determinadas linhagens isogênicas de camundongos são designados por letras minúsculas (p. ex., a, b), levando o nome de todo o conjunto de genes do MHC da linhagem de camundongos em que foram identificados pela primeira vez. Na linguagem dos geneticistas de camundongos, o alelo do gene H-2K em uma linhagem com o MHC tipo k é chamado de K k (pronunciado K de k), enquanto o alelo do gene H-2K em uma linhagem com MHC tipo d é chamado K d (K de d). Semelhante terminologia é usada para alelos H-2D e H-2L. Os camundongos possuem dois loci do MHC de classe II chamados de I-A e I-E, que codificam as moléculas I-A e I-E, respectivamente. Estes estão localizados nas sub-regiões A e E da região de Ir do MHC e descobriu-se que correspondiam aos genes Ir discutidos anteriormente. Os genes da classe II do camundongo são homólogos aos genes humanos HLA-DP, DQ e DR. O alelo I-A descoberto na linhagem isogênica de camundongo com os alelos K k e Dk é chamado de IAk (pronuncia I A de k). Semelhante terminologia é utilizada para o alelo I-E. Tal qual nos seres humanos, na verdade existem dois genes distintos, denominados A e B, nos loci I-A e I-E que codificam as cadeias α e β de cada molécula do MHC da classe II.
O conjunto de alelos do MHC presentes em cada cromossomo é chamado de haplótipo do MHC. Por exemplo, um haplótipo do HLA de um indivíduo pode ser a HLA-A2, B5, DR3, e assim por diante. Todos os indivíduos heterozigotos, é claro, possuem dois haplótipos do HLA. Camundongos isogênicos, sendo homozigotos, possuem um único haplótipo. Assim, o haplótipo de um camundongo H-2d é H-2Kd I-Ad I-E d Dd L d .

Expressão de Moléculas do MHC 

Devido às moléculas do MHC serem necessárias para apresentar antígenos aos linfócitos T, a expressão destas proteínas em uma célula determina se antígenos exógenos (p. ex., microbianos) nesta célula serão reconhecidos por células T. Existem várias características importantes da expressão de moléculas do MHC que contribuem para o seu papel na proteção dos indivíduos contra diversas infecções microbianas.
 As moléculas da classe I são expressas em virtualmente todas as células nucleadas, enquanto as moléculas da classe II são expressas apenas em células dendríticas, linfócitos B, macrófagos e alguns outros tipos de células. Este padrão de expressão do MHC está ligado às funções das células T restritas à classe I e restritas à classe II. Tal como discutido anteriormente, as CTL CD8 + restritas à classe I matam células infectadas com microrganismos intracelulares, tais como vírus, e tumores que expressam antígenos tumorais, e qualquer célula nucleada pode abrigar um vírus ou evoluir para um câncer.
Assim, a expressão de moléculas do MHC da classe I em células nucleadas fornece um essencial sistema de apresentação de antígenos virais e tumorais. Em contraste, os linfócitos T auxiliares CD4 + restritos à classe II possuem um conjunto de funções que requer o reconhecimento de antígenos apresentados por um número mais reduzido de tipos celulares. As células T CD4 + virgens, particularmente, precisam reconhecer que os antígenos são capturados e apresentados por células dendríticas em órgãos linfoides. Os linfócitos T auxiliares CD4 + diferenciados atuam principalmente na ativação (ou no auxílio) de macrófagos para a eliminação dos microrganismos extracelulares que foram fagocitados, e no auxílio dos linfócitos B na produção de anticorpos que também eliminam microrganismos extracelulares. As moléculas de classe II são expressas principalmente nestes tipos de células e promovem um sistema de apresentação de peptídios derivados de microrganismos e proteínas extracelulares.
A expressão de moléculas do MHC é aumentada pelas citocinas produzidas durante as respostas imunes inata e adaptativa. Apesar de moléculas da classe I serem expressas constitutivamente em células nucleadas, sua expressão é aumentada pelos interferons IFN-α, IFN-β e IFN-γ . Os interferons são citocinas produzidas durante a resposta imune inata inicial contra muitos vírus (Cap. 4). Assim, as respostas imunes inatas contra vírus aumentam a expressão das moléculas do MHC que apresentam antígenos virais para as células T específicas para vírus. Este é um dos mecanismos pelos quais a imunidade inata estimula as respostas imunes adaptativas.
A expressão de moléculas da classe II também é regulada por citocinas e outros sinais em diferentes células. O IFN-γ é a principal citocina envolvida no estímulo da expressão de moléculas da classe II em APCs tais como as células dendríticas e macrófagos (Fig. 6- 9). O IFN-γ pode ser produzido por células NK nas reações imunes inatas e por células T ativadas por antígenos durante as reações imunes adaptativas. A capacidade do IFN-γ de aumentar a expressão do MHC da classe II nas APCs corresponde a um mecanismo de amplificação na imunidade adaptativa. Como mencionado anteriormente, a expressão de moléculas da classe II também aumenta em resposta aos sinais emitidos pelos receptores do tipo Toll como resposta a componentes microbianos, promovendo desta forma a apresentação de antígenos microbianos. Os linfócitos B expressam constitutivamente moléculas da classe II e podem aumentar a expressão em resposta ao reconhecimento de antígenos e citocinas produzidas pelas células T auxiliares, aumentando assim a apresentação de antígenos para células auxiliares (Cap. 12). O IFN-γ também pode aumentar a expressão de moléculas do MHC nas células endoteliais vasculares e em outros tipos de células não imunes; o papel destas células na apresentação de antígenos aos linfócitos T não está claro, tal como mencionado anteriormente. Algumas células, tais como os neurônios, não parecem expressar moléculas da classe II. Após serem ativadas, as células T humanas, mas não de camundongos, expressam moléculas da classe II; no entanto, nenhuma citocina foi identificada nesta resposta e seu significado funcional é desconhecido.

FIGURA6-9 Aumento da expressão do MHC da classe II pelo IFN-γ. 
O IFN-γ, produzido pelas células NK e por outros tipos de células nas reações imunes inatas a microrganismos ou por células T nas reações imunes adaptativas, estimula a expressão do MHC da classe II nas APCs e, desta forma, aumenta a ativação de células T CD4 + . O IFN-γ e interferons do tipo I têm efeito semelhante na expressão de moléculas do MHC da classe I e na ativação de células T CD8 + .  

A taxa de transcrição é o principal determinante do nível da síntese de moléculas do MHC e expressão na superfície da célula. As citocinas aumentam a expressão do MHC estimulando a transcrição dos genes da classe I e da classe II em uma grande variedade de tipos de células. Estes efeitos são mediados pela ligação de fatores de transcrição ativados por citocinas às regiões promotoras de genes do MHC nas sequências de DNA. Vários fatores de transcrição podem ser construídos; eles se ligam a uma proteína chamada ativador de transcrição da classe II (CIITA) e todo o complexo se liga ao promotor da classe II, promovendo uma transcrição eficiente. Ao manter o complexo de fatores de transcrição unido, o CIITA atua como o principal regulador da expressão do gene da classe II. Mutações em vários destes fatores de transcrição foram identificadas como a causa de doenças da imunodeficiência humana, associada à expressão deficiente de moléculas do MHC. Destas, a doença mais bem estudada é a síndrome do linfócito nu (Cap. 21). Camundongos knockouts sem CIITA mostram também redução ou ausência da expressão da classe II em células dendríticas e linfócitos B e IFN-γ incapaz de induzir a expressão da classe II em todos os tipos de células.
A expressão de muitas proteínas envolvidas no processamento e apresentação de antígenos é coordenadamente regulada. Por exemplo, o IFN-γ aumenta a transcrição de genes não somente da classe I e da classe II, mas também de vários genes cujos produtos são necessários para a montagem do MHC da classe I e apresentação de peptídios, tais como genes que codificam o transportador TAP e de algumas das subunidades de proteassomas, discutido mais adiante neste capítulo. 

As Moléculas do MHC

 Estudos bioquímicos de moléculas do MHC solucionaram as estruturas cristalinas das porções extracelulares de moléculas da classe I e classe II humanas. Posteriormente, muitas moléculas do MHC ligadas a peptídios foram cristalizadas e analisadas em detalhes. Este conhecimento tem sido extremamente informativo e, por causa disso, agora entendemos como as moléculas do MHC se ligam e apresentam peptídios. Nesta seção, resumiremos inicialmente as características bioquímicas funcionalmente importantes comuns às moléculas do MHC da classe I e classe II. Descreveremos, então, a estrutura das proteínas da classe I e classe II, destacando suas significativas semelhanças e diferenças (Tabela 6-4).
Tabela 6-4 
Características das Moléculas do MHC da Classe I e da Classe II


Propriedades Gerais das Moléculas do MHC 

Todas as moléculas do MHC partilham determinadas características estruturais que são críticas para o seu papel na apresentação de peptídios e para o reconhecimento de antígenos por linfócitos T.
• Cada molécula do MHC é constituída por uma fenda de ligação a peptídios extracelulares, seguida de domínios tipo imunoglobulina (Ig) e domínios transmembrana e citoplasmáticos. As moléculas da classe I são compostas por uma cadeia de polipeptídios codificada no MHC e por uma segunda cadeia não codificada no MHC, enquanto as moléculas da classe II são constituídas por duas cadeias polipeptídicas codificadas no MHC. Apesar desta diferença, as estruturas tridimensionais globais das moléculas da classe I e classe II são semelhantes.
• Os resíduos de aminoácidos polimórficos de moléculas do MHC estão localizados no interior e nas adjacências da fenda de ligação do peptídio. Esta fenda (também chamada de sulco) é formada pelo dobramento dos terminais amina das proteínas codificadas no MHC e é composta por α-hélices pareadas que formam as duas paredes da fenda, que repousa sobre uma base de oito cadeias de folhas β-pregueadas. Os resíduos polimórficos, que correspondem aos aminoácidos variantes dentre os diferentes alelos do MHC, estão localizados na base e nas paredes desta fenda. Esta porção da molécula do MHC se liga aos peptídios para apresentá-los às células T e os receptores de antígenos das células T interagem com o peptídio apresentado e também com as α- hélices das moléculas do MHC (Fig. 6-1). Devido à variabilidade dos aminoácidos nesta região, diferentes moléculas do MHC se ligam e apresentam peptídios diferentes e são reconhecidas especificamente pelos receptores de antígenos de diferentes células T.
• Os domínios tipo Ig não polimórficos das moléculas do MHC contêm locais de ligação para as moléculas CD4 e CD8 das células T. O CD4 e o CD8 são expressos em subpopulações distintas de linfócitos T maduros e participam, junto aos receptores de antígenos, no reconhecimento do antígeno; ou seja, o CD4 e o CD8 são os correceptores das células T (Cap. 7). O CD4 se liga seletivamente a moléculas do MHC da classe II e o CD8 se liga a moléculas da classe I. É por isso que as células T auxiliares CD4 + reconhecem moléculas do MHC da classe II que apresentam peptídios, ao passo que as células T CD8 + reconhecem moléculas do MHC da classe I com peptídios ligados. Em outras palavras, as células T CD4 + são restritas ao MHC da classe II e as células T CD8 + são restritas ao MHC da classe I, porque os locais de ligação do CD4 e do CD8 estão sobre as moléculas do MHC da classe II e da classe I, respectivamente.

Fonte: Livro Imunologia Celular e Molecular - 8ª Ed.

Autores: Abul Lichtman, Andrew Abbas


As Moléculas do MHC da Classe I 

As moléculas da classe I são compostas por duas cadeias polipeptídicas ligadas de forma não covalente, por uma cadeia α (ou cadeia pesada) de 44 a 47 kD codificada no MHC e uma por uma subunidade de 12 kD não codificada no MHC chamada de microglobulina β2 (Fig. 6-10). Cada cadeia α está orientada de modo que cerca de três quartos do polipeptídio é extracelular, um curto segmento hidrofóbico atravessa a membrana plasmática e os resíduos carboxiterminais ficam localizados no citoplasma. Os segmentos aminoterminais α1 e α2 da cadeia α, cada um com aproximadamente 90 resíduos de comprimento, interagem de modo a formar uma base de oito cadeias de folhas β- pregueadas antiparalelas de que sustentam duas cadeias paralelas de α-hélice. Isto constitui a fenda de ligação do peptídio das moléculas da classe I. Seu tamanho é grande o suficiente (∼ 25 Å × 10 Å × 11 Å) para ligar-se a peptídios de 8 a 11 aminoácidos em uma conformação flexível e estendida. As extremidades da fenda de ligação do peptídio da classe I são fechadas, de modo que peptídios maiores não podem ser acomodados. Portanto, as proteínas globulares nativas devem ser convertidas em fragmentos suficientemente pequenos, em forma linear prolongada, para que possam ligar-se a moléculas do MHC e ser reconhecidas pelas células T (descrito mais adiante). Os resíduos polimórficos das moléculas da classe I são limitados aos domínios α1 e α2, onde contribuem para variações entre os diferentes alelos da classe I quanto à ligação de peptídios e ao reconhecimento das células T (Fig. 6-11). O segmento α3 da cadeia α se dobra em um domínio de Ig cuja sequência de aminoácidos está conservada entre todas as moléculas da classe I. Este segmento contém a maior parte do local de ligação ao CD8, mas o domínio β2m e uma pequena parte da porção inferior do domínio α2 também contribuem. Na extremidade carboxiterminal do segmento α3 existe uma cadeia de cerca de 25 aminoácidos hidrofóbicos que atravessam a bicamada lipídica da membrana plasmática. Imediatamente após, há aproximadamente 30 resíduos localizados no citoplasma que incluem um conjunto de aminoácidos básicos, que interagem com os grupos de cabeças de fosfolipídios do folheto interno da bicamada lipídica e ancoram a molécula do MHC na membrana plasmática.


FIGURA6-10 Estrutura de uma molécula do MHC da classe I.
O diagrama esquemático (esquerda) ilustra as diferentes regiões da molécula do MHC (não apresentado em escala). As moléculas da classe I são compostas por uma cadeia α polimórfica não covalentemente ligada à microglobulina β2 não polimórfica (β2m). Acadeia α é glicosilada; os resíduos de carboidratos não foram ilustrados. O diagrama de fitas (direita) apresenta a estrutura da porção extracelular da molécula HLA-B27 ligada a um peptídio, elucidada por cristalografia de raios X. (Cortesia de Dr. P. Bjorkman, California Institute of TechnologyPasadena.) 




FIGURA6-11 Resíduos polimórficos de moléculas do MHC. 
Os resíduos polimórficos das moléculas do MHC da classe I e classe II estão localizados nas fendas de ligação do peptídio e as α-hélices ao redor das fendas. As regiões de maior variabilidade entre os diferentes alelos do HLAforam indicadas em vermelho, de variabilidade intermediária em verde e de menor variabilidade em azul. (Reproduzido com a permissão de Margulies DH, Natarajan K, J Rossjohn, McCluskey J: Major histocompatibility complex [MHC] molecules: structure, function, and genetics. In Paul WE [ed]: Fundamental immunology, 6th ed, Philadelphia, 2008, Lippincott Williams & Wilkins). 

A microglobulina β2, a cadeia leve das moléculas da classe I, é codificada por um gene não presente no MHC e é nomeada desta forma devido à sua mobilidade eletroforética (β2 ), tamanho (micro) e solubilidade (globulina). A microglobulina β2 interage de maneira não covalente com o domínio α3 da cadeia α. Tal como o segmento α3, a microglobulina β2 é estruturalmente homóloga a um domínio Ig e é invariante entre todas as moléculas da classe I.
 A molécula da classe I totalmente montada corresponde a um trímero constituído por uma cadeia α, uma microglobulina β2 e um peptídio ligado, e a expressão estável das moléculas da classe I nas superfícies celulares requer a presença dos três componentes do complexo trimérico. A razão para isto é que a interação entre a cadeia α e a microglobulina β2 é estabilizada pela ligação de peptídios antigênicos à fenda formada pelos segmentos α1 e α2 e, reciprocamente, a ligação do peptídio é reforçada pela interação entre a microglobulina β2 e a cadeia α. Como os peptídios são necessários para estabilizar moléculas do MHC e complexos instáveis são degradados, somente as moléculas do MHC carregadas com peptídios e potencialmente úteis são expressas na superfície das células.
A maioria dos indivíduos são heterozigóticos para os genes do MHC e, portanto, expressam seis moléculas de classe I distintas em cada célula, as quais contêm cadeias α codificadas pelos dois alelos herdados dos genes HLA-A, B e C.

Moléculas do MHC da Classe II 

As moléculas do MHC da classe II são compostas por duas cadeias polipeptídicas não covalentemente associadas, uma cadeia α de 32 a 34 kD e uma cadeia β de 29 a 32 kD (Fig. 6-12). Ao contrário das moléculas da classe I, os genes que codificam ambas as cadeias de moléculas da classe II são polimórficos e estão presentes no lócus do MHC.


FIGURA6-12 Estrutura de uma molécula do MHC da classe II.
 O diagrama esquemático (esquerda) ilustra as diferentes regiões da molécula do MHC (não apresentado em escala). As moléculas da classe II são compostas por uma cadeia α polimórfica não covalentemente ligada a uma cadeia β polimórfica. Ambas as cadeias são glicosiladas; os resíduos de carboidratos não foram mostrados. O diagrama em fitas (direita) mostra a estrutura da porção extracelular da molécula do HLA-DR1 com um peptídio ligado, elucidada por cristalografia de raios-X. (Cortesia de Dr. P. Bjorkman, California Institute of Technology, Pasadena.)

Os segmentos amino-terminais α1 e β1 das cadeias da classe II interagem de maneira a formar a fenda de ligação do peptídio, estruturalmente semelhante à fenda das moléculas da classe I. Quatro cadeias da base da fenda e uma das paredes de α-hélice são formadas pelo segmento α1, e as outras quatro cadeias da base e a segunda parede são formadas pelo segmento β1. Os resíduos polimórficos estão localizados nos segmentos α1 e β1, dentro e em torno da fenda de ligação do peptídio, tal como nas moléculas da classe I (Fig. 6-11). Em moléculas humanas da classe II, a maior parte dos polimorfismos se encontra na cadeia β. Em moléculas da classe II, as extremidades da fenda de ligação do peptídio estão abertas, de modo que peptídios de 30 resíduos ou mais conseguem se encaixar.
Os segmentos α2 e β2 das moléculas da classe II, como o α3 e a microglobulina β2 da classe I, são dobrados em domínios de Ig e são não polimórficos, isto é, não variam entre alelos de um gene particular da classe II. Os domínios α2 e β2 das moléculas da classe II formam uma concavidade que acomoda uma protrusão da proteína CD4, permitindo assim que ocorra a ligação. As extremidades carboxiterminais dos segmentos α2 e β2 continuam como curtas regiões de ligação seguidas por porções de cerca de 25 aminoácidos de resíduos transmembranares hidrofóbicos. Em ambas as cadeias, as regiões transmembranares terminam com grupos de resíduos de aminoácidos básicos, seguidos por curtas caudas citoplasmáticas hidrofílicas.
A molécula da classe II totalmente montada corresponde a um trímero constituído por uma cadeia α, uma cadeia β e um peptídio antigênico ligado, e a expressão estável das moléculas da classe II na superfície das células requer a presença de todos os três componentes do trímero. Tal como nas moléculas da classe I, isto garante que as moléculas do MHC que terminam na superfície da célula sejam as moléculas que estão cumprindo sua função normal de apresentação de peptídios.
Os seres humanos herdam de cada progenitor um gene DPA e um gene DPB que codifica, respectivamente, as cadeias α e β de uma molécula do HLA-DP; um gene DQA funcional e um gene DQB; um gene DRA e um ou dois genes DRB funcionais. Assim, cada indivíduo heterozigoto herda de seis a oito alelos do MHC da classe II, de três ou quatro de cada progenitor (um conjunto de cada de DP e DQ, e um ou dois de DR). Normalmente, não ocorrem muitos emparelhamentos de proteínas do MHC de loci diferentes (ou seja, DRα com DQβ, e assim por diante) e cada haplótipo tende a ser herdado como uma única unidade. No entanto, como alguns haplótipos contêm loci de DRB extras que produzem cadeias β que se combinam com DRα e algumas moléculas DQα codificadas em um cromossomo podem ser combinadas com as moléculas DQβ produzidas a partir de outro cromossomo, o número total de moléculas de classe II expressas pode ser superior a oito.

Ligação de Peptídios às Moléculas do MHC

 Após a constatação de que a imunogenicidade das proteínas depende da capacidade de seus peptídios de serem exibidos por moléculas do MHC, um esforço considerável tem sido dedicado a elucidar a base molecular das interações peptídio-MHC e as características dos peptídios que lhes permitem ligar-se a moléculas do MHC. Estes estudos basearam-se, inicialmente, em ensaios funcionais com células T auxiliares e CTLs que respondem a APCs, as quais foram incubadas com diferentes peptídios. A ligação direta entre as moléculas do MHC e peptídios foi estudada com moléculas do MHC purificadas e peptídios em solução marcados com fluorescência ou radioativamente, utilizando métodos como diálise de equilíbrio e filtração em gel. A análise cristalográfica por raio X de complexos peptídio-MHC forneceu informações definitivas sobre como os peptídios se encaixam nas fendas das moléculas do MHC e quais resíduos de cada um participam nesta ligação. Na seção a seguir, resumiremos as principais características das interações entre os peptídios e as moléculas do MHC da classe I ou da classe II.

Características de Moléculas de Peptídio-MHC

 As moléculas do MHC mostram uma ampla especificidade de ligação a peptídios, em contraste com a fina especificidade de reconhecimento de antígenos dos receptores de antígenos dos linfócitos. Em outras palavras, um único alelo do MHC, por exemplo HLAA2, pode apresentar qualquer um dos muitos peptídios diferentes para as células T, mas uma única célula T irá reconhecer apenas um dos muitos complexos HLA-A2/peptídio possíveis. Existem diversas características importantes nas interações entre moléculas do MHC com peptídios antigênicos.
• Cada molécula do MHC da classe I ou da classe II tem uma única fenda de ligação do peptídio que se liga a um peptídio de cada vez, mas cada molécula do MHC pode se ligar a diversos peptídios diferentes. Uma das primeiras linhas de evidência que sustentaram esta conclusão foi o resultado experimental de que os diferentes peptídios que se ligam à mesma molécula do MHC são capazes de inibir competitivamente a apresentação do outro, o que implica que existe apenas uma única fenda de ligação do peptídio em cada molécula do MHC. A elucidação da estrutura cristalina das moléculas do MHC da classe I e da classe II confirmou a presença de uma única fenda de ligação do peptídio nestas moléculas (Figs. 6-10 e 6-12). Não é surpreendente que uma única molécula do MHC possa se ligar a diferentes peptídios porque cada indivíduo possui apenas algumas moléculas do MHC diferentes (6 da classe I e cerca de 8 a 10 moléculas da classe II em um indivíduo heterozigoto), que devem ser capazes de apresentar peptídios da enorme quantidade de proteínas antigênicas que seria possível encontrar.
• Os peptídios que se ligam a moléculas do MHC possuem características estruturais semelhantes que promovem esta interação. Uma dessas características é o tamanho do peptídio – as moléculas da classe I são capazes de acomodar peptídios com 8 a 11 resíduos de comprimento e as moléculas da classe II podem ligar-se a peptídios de 10 a 30 resíduos de comprimento ou mais, sendo 12-16 resíduos o comprimento ideal. Além disso, os peptídios que se ligam a uma forma alélica específica da molécula do MHC contêm resíduos de aminoácidos que permitem interações complementares entre os peptídios e este alelo da molécula do MHC. Alguns resíduos de aminoácidos que promovem a ligação a moléculas do MHC serão descritos posteriormente, quando discutiremos a base estrutural das interações peptídio-MHC. Os resíduos de um peptídio que se liga às moléculas do MHC são distintos daqueles reconhecidos pelas células T.
• As moléculas do MHC adquirem sua carga peptídica durante a sua biossíntese e montagem no interior das células. Consequentemente, as moléculas do MHC apresentam peptídios derivados de microrganismos localizados no interior das células hospedeiras, e é por isso que as células T MHC-restritas reconhecem microrganismos associados a células e são mediadoras da imunidade contra microrganismos intracelulares. É importante destacar que as moléculas do MHC da classe I adquirirem peptídios principalmente a partir das proteínas citossólicas e as moléculas da classe II a partir das proteínas presentes nas vesículas intracelulares. Os mecanismos e o significado destes processos serão discutidos mais adiante neste capítulo.
• A associação de peptídios e moléculas do MHC é uma interação saturável com uma taxa de dissociação muito lenta. Em uma célula, diversos chaperones e enzimas facilitam a ligação dos peptídios a moléculas do MHC (descrito posteriormente). Uma vez formados, a maioria dos complexos peptídio-MHC são estáveis e as constantes cinéticas de dissociação são indicativas de meias-vidas longas que variam de horas a muitos dias. Esta taxa extraordinariamente lenta da dissociação de peptídios e moléculas do MHC garante que, após uma molécula do MHC ter adquirido um peptídio, ela apresenta o peptídio tempo suficiente para aumentar as chances de que uma célula T em particular encontre o peptídio que é capaz de reconhecer e inicie uma resposta.
• Um número muito pequeno de complexos peptídio-MHC é capaz de ativar linfócitos T específicos. Como as APCs apresentam continuamente peptídios derivados de todas as proteínas que encontram, apenas uma fração muito pequena de complexos peptídioMHC da superfície celular irá conter o mesmo peptídio. Estimou-se que somente 100 complexos de um determinado peptídio com uma molécula do MHC da classe II na superfície de uma APC são capazes de iniciar uma resposta específica das células T. Isto representa menos de 0,1% do número total de moléculas da classe II que poderiam estar presentes na superfície da APC.
• As moléculas do MHC de um indivíduo não discriminam entre peptídios exógenos (p. ex., aqueles derivados de proteínas microbianas) e peptídios derivados de proteínas do próprio indivíduo (autoantígenos). Desta forma, as moléculas do MHC apresentam tanto peptídios próprios como peptídios exógenos, e as células T monitoram estes peptídios apresentados para a presença de antígenos estranhos. Na verdade, se os peptídios normalmente apresentados pelas APCs fossem purificados, a maioria deles seria derivada de proteínas próprias. A incapacidade das moléculas do MHC de discriminar entre peptídios próprios e estranhos levanta duas questões. Em primeiro lugar, como uma célula T é capaz de reconhecer e ser ativada por qualquer antígeno estranho se, normalmente, todas as APCs apresentam principalmente complexos peptídio próprio-MHC? A resposta, como mencionado anteriormente, é que as células T são muito sensíveis e precisam reconhecer especificamente poucos complexos peptídio-MHC para serem ativadas. Desta forma, um antígeno recentemente introduzido pode ser processado em peptídios que se associarão a um número suficiente de moléculas do MHC das APCs para ativar as células T específicas para esse antígeno, embora a maioria das moléculas do MHC esteja ocupada com os peptídios próprios. Além disso, os microrganismos (a fonte natural da maioria dos antígenos estranhos) aumentam a eficiência da apresentação de antígenos e induzem a expressão dos sinais secundários. Em segundo lugar, se os indivíduos processam suas próprias proteínas e apresentam-nas em associação a suas próprias moléculas do MHC, por que nós não desenvolvemos normalmente respostas imunes contra as proteínas próprias? A resposta a esta pergunta é que embora os complexos de peptídio próprio-MHC sejam formados, eles não induzem a autoimunidade, porque as células T específicas para tais complexos são mortas ou inativadas. Portanto, as células T não podem responder normalmente a antígenos próprios (Cap. 15).

Base estrutural da ligação de peptídios a moléculas do MHC 

A ligação dos peptídios às moléculas do MHC corresponde a uma interação não covalente mediada pelos resíduos dos peptídios e da fenda das moléculas do MHC. Como veremos posteriormente, os antígenos proteicos são proteoliticamente clivados nas APCs para gerar os peptídios que serão ligados e apresentados por moléculas do MHC. Estes peptídios ligam-se às fendas das moléculas do MHC sob conformação estendida. Uma vez ligados, os peptídios e suas moléculas de água associadas preenchem as fissuras, fazendo contatos com os resíduos de aminoácidos que formam as cadeias β da base e as α-hélices das paredes da fenda (Fig. 6-13). No caso das moléculas do MHC de classe I, a associação de um peptídio à fenda do MHC depende da ligação do terminal amina (N) carregado positivamente e do terminal carboxila (C) carregado negativamente do peptídio à molécula do MHC por interações eletrostáticas. Na maioria das moléculas do MHC, as cadeias β da base da fenda contêm bolsões onde os resíduos peptídicos se ligam. Muitas moléculas da classe I possuem um bolso hidrofóbico que reconhece um dos seguintes aminoácidos hidrofóbicos — valina, isoleucina, leucina, ou metionina — na extremidade C-terminal do peptídio. Algumas moléculas da classe I têm predileção por resíduos básicos (lisina ou arginina) no terminal C. Além disso, outros resíduos de aminoácidos de um peptídio podem conter cadeias laterais que se encaixam em bolsões específicos e se ligam aos aminoácidos complementares na molécula do MHC por meio de interações eletrostáticas (pontes iônicas), ligações de hidrogênio ou interações de van der Waals. Estes resíduos peptídicos são chamados de resíduos de ancoragem, porque contribuem com a maior parte das interações favoráveis da ligação (isto é, ancoram o peptídio na fenda da molécula do MHC). Geralmente, cada peptídio ligado ao MHC contém apenas um ou dois resíduos de ancoragem, e isto presumivelmente permite uma maior variabilidade dos outros resíduos do peptídio, que são resíduos reconhecidos por células T específicas. No caso de alguns peptídios que se ligam a moléculas do MHC, especialmente moléculas da classe II, as interações específicas dos peptídios com as porções α-hélices da fenda do MHC também contribuem para a ligação dos peptídios através da formação de pontes de hidrogênio ou interações iônicas. As moléculas do MHC da classe II acomodam peptídios maiores que as moléculas do MHC da classe I. Esses peptídios mais longos prolongam-se para além de cada extremidade da base de fenda. Como muitos resíduos do interior e entorno da fenda de ligação do peptídio das moléculas do MHC são polimórficos (isto é, diferem entre os diferentes alelos do MHC), diferentes alelos favorecem a ligação de diferentes peptídios. Esta é a base estrutural para a função de genes do MHC como genes da resposta imune; somente os indivíduos que expressam alelos do MHC capazes de se associar a um peptídio específico e exibi-lo às células T podem responder a esse peptídio.



FIGURA6-13 Peptídio ligado a moléculas do MHC.
A, Estas ilustrações do aspecto superior das estruturas cristalinas das moléculas do MHC mostram como peptídios se ligam às fendas de ligação do peptídio. Amolécula da classe I apresentada é o HLA-A2 e a molécula da classe II é o HLA-DR1. Afenda da molécula da classe I está fechada, enquanto a fenda da molécula da classe II está aberta. Como resultado, as moléculas da classe II acomodam peptídios mais longos que as moléculas da classe I. B, O aspecto lateral de um recorte de um peptídio ligado a uma molécula do MHC da classe II mostra como os resíduos de ancoragem do peptídio seguram-no nos bolsões da fenda da molécula do MHC. (A, Reproduzido com permissão de Macmillan Publishers Ltd. da Bjorkman PJ, Saper MA, Samraoui B, Bennett WS, Strominger JL, Wiley DC:. Structure of the human class I histocompatibility antigen HLA-A2. Nature 329:506-512, 1987 e Brown J, Jardetzky TS, Gorga JC, Stern LJ, RG Urban, Strominger JL, Wiley DC: Estrutura tridimensional do antígeno de histocompatibilidade da classe II humano HLA-DR1 Nature 364:33-39, 1993. B, De Scott CA, Peterson PA, Teyton L, Wilson IA: Estruturas cristalinas de dois complexos I-A d -peptídio revelam que uma elevada afinidade pode ser alcançada sem resíduos de ancoragem grandes. Immunity 8:319-329, 1998. Copyright © 1998, com a permissão da Elsevier Science.) 

Os receptores de antígenos das células T reconhecem o peptídio antigênico e as moléculas do MHC, sendo o peptídio responsável pela fina especificidade do reconhecimento do antígeno e os resíduos do MHC contribuindo para restrição das células T ao MHC. Uma porção do peptídio ligado é exposta na abertura da fenda da molécula do MHC, e as cadeias laterais de aminoácidos desta porção do peptídio são reconhecidas pelos receptores de antígenos de células T específicos. O mesmo receptor de células T também interage com os resíduos polimórficos das α-hélices da molécula do MHC (Fig. 6-1). Previsivelmente, variações no peptídio antigênico ou nas fendas de ligação do peptídio das moléculas do MHC irão alterar a apresentação deste peptídio ou seu reconhecimento pelas células T. Na verdade, pode-se aumentar a imunogenicidade de um peptídio incorporando-lhe um resíduo que reforça a sua ligação a moléculas do MHC geralmente herdadas em uma população.
Como as moléculas do MHC são capazes de ligar-se apenas aos peptídios, mas a maioria dos antígenos são proteínas grandes, deve haver maneiras pelas quais estas proteínas são transformadas em peptídios. A conversão é chamada de processamento do antígeno e é o foco do restante do capítulo.

Processamento de proteínas antigênicas 

As vias de processamento de antígenos convertem antígenos de proteínas presentes no citosol ou internalizadas a partir do meio extracelular em peptídios e ligam estes peptídios a moléculas do MHC para apresentação aos linfócitos T (Fig. 6-14). Os mecanismos do processamento de antígenos têm por objetivo produzir peptídios que possuem as características estruturais necessárias para a associação com moléculas do MHC e colocar esses peptídios na mesma localização celular que as moléculas do MHC recém-formadas com fendas de ligação dos peptídios disponíveis. A ligação de peptídios a moléculas do MHC ocorre antes de expressão na superfície das células e é um componente integral da biossíntese e montagem de moléculas do MHC. De fato, tal como mencionado anteriormente, a associação de peptídios é necessária para a montagem estável e expressão de moléculas do MHC da classe I e da classe II na superfície.


FIGURA6-14 Vias de processamento e apresentação de antígenos.
 Na via do MHC da classe I (painel superior), os antígenos de proteínas no citosol são processados por proteassomas e os peptídios são transportados para o retículo endoplasmático (ER), onde se ligam a moléculas do MHC da classe I. Na via do MHC da classe II (painel inferior), os antígenos de proteínas extracelulares são endocitados em vesículas, onde os antígenos são processados e os peptídios se ligam a moléculas do MHC da classe II. Os detalhes destas vias de processamento são ilustrados nas Figuras 6-16 e 6-17.

Os antígenos de proteínas presentes no citosol (geralmente sintetizados na célula) dão origem a peptídios associados à classe I que são reconhecidos por células T CD8 + , ao passo que os antígenos interiorizados do meio extracelular para as vesículas das APCs geralmente dão origem a peptídios apresentados pelas moléculas do MHC da classe II e reconhecidos pelas células T CD4 + . Os diferentes destinos dos antígenos citossólicos e vesiculares são devidos à segregação das vias de biossíntese e montagem de moléculas do MHC da classe I e da classe II (Fig. 6-14 e Tabela 6-5). A diferença fundamental entre as vias do MHC da classe I e do MHC da classe II reside principalmente no local da degradação do peptídio. As proteínas degradadas em proteassomas, muitas das quais provêm do citosol, fornecem principalmente peptídios para moléculas do MHC da classe I. Somente as proteínas degradadas em endolisossomos fornecem peptídios para moléculas do MHC da classe II. A diferença entre os antígenos citossólicos e vesiculares foi demonstrada experimentalmente por meio da análise da apresentação do mesmo antígeno introduzido nas APCs de maneiras diferentes (Fig. 6-15). Se um antígeno de proteína é produzido no citoplasma de APCs como produto de um gene transfectado (modificado de modo que seu produto proteico não seja capaz de entrar na via de secreção) ou introduzido diretamente no citoplasma das APCs por choque osmótico, os peptídios derivados da proteína são apresentados por moléculas do MHC da classe I e são reconhecidos pelas células T CD8 + . Em contraste, se a mesma proteína for adicionada na forma solúvel em APCs e endocitada nas vesículas das APCs, os peptídios (que podem ser diferentes daqueles apresentados pela classe I) são, subsequentemente, apresentados por moléculas da classe II e reconhecidos por células T CD4 + antígenoespecíficas.

Tabela 6-5
 Características Comparativas das Vias do MHC da Classe I e da Classe II para Processamento e Apresentação de Antígenos 

APC; célula apresentadora de antígenos; CIIV, vesícula da classe II; RE, retículo endoplasmático; MHC, complexo principal de histocompatibilidade; MIIC, compartimento do MHC da classe II; TAP, transportador associado ao processamento de peptídios



FIGURA6-15 Demonstração experimental da apresentação de antígenos citossólicos e extracelulares. Quando um modelo de antígeno proteico, a ovalbumina, é sintetizado intracelularmente como resultado da transfecção de seu gene modificado para a ausência das sequências de sinais Nterminais (A), ou quando o mesmo é introduzido no citoplasma através de membranas com vazamento devido a choque osmótico (B), os peptídios derivados da ovalbumina são apresentados em associação a moléculas do MHC da classe I. Quando a ovalbumina é apresentada como um antígeno extracelular para uma APC que expressa tanto moléculas do MHC da classe I como da classe II, os peptídios derivados da ovalbumina são apresentados somente em associação a moléculas da classe II (C). Aresposta das CTLs I é a morte das APCs, e a resposta das células T auxiliares restritas à classe II é a secreção de citocinas. 
 Inicialmente, descreveremos essas duas vias de processamento de antígenos e, em seguida, o seu significado funcional.

Via de Processamento e Apresentação de Proteínas Citossólicas do MHC da Classe I 

Os peptídios associados ao MHC da classe I são produzidos pela degradação proteolítica em proteassomas principalmente das proteínas citossólicas, e os peptídios produzidos são transportados para o retículo endoplasmático (ER), onde se ligam a moléculas da classe I recém-sintetizadas. Esta sequência de acontecimentos é ilustrada na Figura 6-16 e as etapas individuais serão descritas a seguir.


FIGURA6-16 Via de apresentação de antígenos do MHC da classe I. 
As etapas do processamento de proteínas citossólicas foram descritas no texto. ERAP, peptidase associada ao retículo endoplasmático; ER, retículo endoplasmático; β2m, microglobulina β2; TAP, transportador associado ao processamento de antígenos; Ub, ubiquitina.

Fontes de Antígenos de Proteínas Citossólicas 

A maioria dos antígenos de proteínas citossólicas é sintetizada dentro das células, alguns são injetados no citosol através mecanismos secretores bacterianos e outros são fagocitados e transportados de vesículas para o citosol. Os antígenos exógenos no citosol podem ser produtos de vírus, bactérias ou outros microrganismos intracelulares que infectam essas células. Em células tumorais, vários genes mutados ou superexpressados podem produzir antígenos de proteínas reconhecidas por CTLs restritas à classe I (Cap. 18). Os peptídios apresentados em associação a moléculas da classe I também podem ser derivados de microrganismos e outros antígenos particulados que são internalizados em fagossomas, mas escapam para o citosol. Alguns microrganismos são capazes de danificar membranas de fagossomas e criar poros através dos quais os microrganismos e os seus antígenos entram no citosol. Por exemplo, as linhagens patogênicas de Listeria monocytogenes produzem uma proteína chamada de listeriolisina que permite que as bactérias escapem de vesículas para o citosol. (Esta fuga é um mecanismo que as bactérias podem ter desenvolvido para resistir à morte pelos mecanismos microbicidas dos fagócitos, a maioria dos quais estão concentrados em fagolisossomas.) Uma vez que os antígenos dos microrganismos fagocitados estão no citosol, são processados como outros antígenos citossólicos. Nas células dendríticas, alguns antígenos ingeridos em vesículas entram na via citossólica da classe I, como parte do processo chamado de apresentação cruzada que será descrito posteriormente.
Embora as proteínas microbianas apresentadas por moléculas do MHC da classe I sejam tipicamente citossólicas, as proteínas de outros compartimentos celulares também podem entrar na via de processamento de antígenos do MHC da classe I. As sequências de sinais da membrana e as proteínas secretadas são geralmente clivadas pela peptidase de sinal e degradadas proteoliticamente logo após a síntese e a translocação para o RE. Este processamento pelo RE dá origem a peptídios de ligação à classe I, sem a necessidade de proteólise no citosol. Adicionalmente, as proteínas nucleares podem ser processadas por proteassomas no núcleo e apresentadas em moléculas do MHC da classe I.

Digestão de Proteínas em Proteassomas 

O mecanismo principal para a produção de peptídios a partir de proteínas antigênicas citossólicas e nucleares é a proteólise pelo proteassoma. Os proteassomas são grandes complexos enzimáticos multiproteicos com uma ampla faixa de atividade proteolítica encontrados no citoplasma e núcleo da maioria das células. O proteassoma é visualizado como um cilindro composto por um conjunto empilhado de dois anéis β interiores e dois anéis α exteriores, sendo cada anel composto por sete subunidades, com uma estrutura tipo tampa em cada extremidade do cilindro. As proteínas nos anéis α exteriores são estruturais e não possuem atividade proteolítica; nos anéis β interiores, três das sete subunidades (β1, β2, e β5) são os locais catalíticos para a proteólise.
O proteassoma desempenha uma função de limpeza básica nas células degradando muitas proteínas danificadas ou mal dobradas. A síntese de proteínas normalmente ocorre em uma velocidade rápida, cerca de seis a oito resíduos de aminoácidos sendo incorporados na elongação de cadeias a cada segundo. O processo é propenso a erros, e estima-se que aproximadamente 20% de proteínas recentemente sintetizadas são erroneamente dobradas. Estes polipeptídios recém-traduzidos, mas defeituosos, bem como as proteínas danificadas por estresse celular, são direcionados para a degradação proteassômica por ligação covalente a muitas cópias de um pequeno polipeptídio chamado ubiquitina. Proteínas ubiquitinadas, com cadeias de quatro ou mais ubiquitinas, são reconhecidas pela tampa proteassômica e, em seguida, são desdobradas, a ubiquitina é removida, e as proteínas são introduzidas nos proteassomas, onde são degradadas em peptídios. O proteassoma tem uma ampla especificidade pelo substrato e pode gerar uma grande variedade de peptídios a partir de proteínas citossólicas (mas normalmente não os degrada completamente até aminoácidos individuais).
Interessantemente, em células tratadas com a citocina IFN-γ, há um aumento da transcrição e síntese de três novas subunidades catalíticas do proteassoma conhecido como β1i, β2i e β5i, que substituem as três subunidades catalíticas do anel β do proteassoma. Isto resulta em uma mudança na especificidade do proteassoma para o substrato, de modo que os peptídios produzidos geralmente contêm aminoácidos hidrofóbicos carboxiterminais, tais como leucina, valina, isoleucina e metionina, ou resíduos básicos, tais como lisina ou arginina. Estes tipos de terminais C são típicos dos peptídios transportados para a via da classe I que se associam a moléculas da classe I. Este é um dos mecanismos pelos quais o IFN-γ aumenta a apresentação de antígenos, sendo o outro mecanismo o aumento da expressão de moléculas do MHC (Fig. 6-9). Assim, os proteassomas são organelas celulares cuja função básica foi adaptada para um papel especializado na apresentação de antígenos.

Transporte de Peptídios do Citosol para o Retículo Endoplasmático 

Peptídios gerados em proteassomas são translocados por um transportador especializado para o RE, onde as moléculas do MHC da classe I recentemente sintetizadas estão disponíveis para ligar aos peptídios. Como os peptídios antigênicos para a via da classe I são gerados por proteases citossólicas ou nucleares, enquanto as moléculas do MHC da classe I são sintetizadas no RE, é necessário um mecanismo para levar os peptídios citossólicos ao RE. Este transporte é mediado por uma proteína dimérica denominada transportador associado ao processamento de antígenos (TAP), que é um membro da família de proteínas transportadoras ABC, muitas das quais medeiam o transporte dependente de ATP de compostos de baixo peso molecular através das membranas celulares. A proteína TAP está localizada na membrana do RE, onde medeia o transporte dependente de ATP ativo de peptídios do citosol para o lúmen do RE. Embora o heterodímero do TAP possua uma vasta gama de especificidades, ele transporta de forma ótima os peptídios variando de 8 a 16 aminoácidos de comprimento e contendo terminais carboxila básicos (em seres humanos) ou hidrofóbicos (em seres humanos e camundongos). Como mencionado anteriormente, estas são as características dos peptídios gerados no proteassoma e capazes de se ligar a moléculas do MHC da classe I.
Na face luminal da membrana do RE, a proteína TAP se associa com uma proteína denominada tapasina que também possui afinidade pelas moléculas do MHC da classe I recém-sintetizadas e não associadas a peptídios. Desta forma, a tapasina traz o transportador TAP para um complexo com as moléculas do MHC da classe I aguardando a chegada de peptídios.

Montagem dos Complexos Peptídio-MHC da Classe I no Retículo Endoplasmático 

Os peptídios translocados para o RE se associam a moléculas do MHC da classe I ligadas ao dímero TAP através da tapasina. A síntese e montagem das moléculas da classe I envolve um processo de várias etapas, onde a ligação de peptídios desempenha um papel fundamental. As cadeias α e β2-microglobulinas da classe I são sintetizadas no RE. O dobramento adequado das cadeias α nascentes é assistido por proteínas chaperonas, tais como a chaperona de membrana calnexina e a chaperona luminal calreticulina. Dentro do RE, os dímeros da classe I recém-formados e não associados a peptídios permanecem ligados ao complexo TAP. As moléculas do MHC da classe I não associadas a peptídios, a tapasina e o TAP são parte de um complexo de carregamento de peptídios maior no RE, que também inclui a calnexina, a calreticulina e outros componentes que contribuem para a montagem e a ligação do MHC da classe I. Peptídios inseridos no RE pelo TAP e peptídios produzidos no RE, tais como os peptídios de sinal, são geralmente clivados no tamanho apropriado para ligação ao MHC pela aminopeptidase RE-residente (ERAP). O peptídio é então capaz de se ligar à fenda de moléculas da classe I adjacentes. Uma vez que as moléculas do MHC da classe I são associadas a um peptídio, elas já não possuem afinidade com a tapasina, de modo que o complexo peptídio-classe I é liberado, sendo capaz de sair do RE e ser transportado para a superfície celular. Na ausência de peptídio ligado, muitos dos dímeros de cadeia α-microglobulina-β2 recém-formados são instáveis e não podem ser transportados de maneira eficaz do RE para o complexo de Golgi. Estes complexos do MHC da classe I não associados a peptídios e dobrados de forma errônea são transportados para o citosol e degradados nos proteassomas.
Os peptídios transportados para o RE ligam-se preferencialmente às moléculas do MHC da classe I, mas não classe II, por duas razões. Primeiramente, moléculas da classe I recém-sintetizadas são ligadas ao aspecto luminal do complexo TAP e capturam peptídios rapidamente conforme os peptídios são transportados ao RE pelo TAP. Em segundo lugar, como será discutido posteriormente no RE as fendas de ligação do peptídio das moléculas da classe II recém-sintetizadas são bloqueadas por uma proteína denominada cadeia invariante.

Expressão na Superfície de Complexos Peptídio-MHC da Classe I 

As moléculas do MHC da classe I ligadas a peptídios são estruturalmente estáveis e são expressas na superfície da célula. Complexos peptídio-MHC da classe I estáveis que foram produzidos no RE se movimentam através do complexo de Golgi e são transportados para a superfície celular por vesículas exocíticas. Uma vez expressados na superfície da célula, os complexos peptídio-classe I podem ser reconhecidos por células T CD8 + específicas para peptídios antigênicos, com o correceptor CD8 desempenhando um papel essencial na ligação a regiões não polimórficas das moléculas da classe I. Diversos vírus desenvolveram mecanismos que interferem na montagem da classe I e na associação de peptídios, enfatizando a importância desta via para a imunidade antiviral (Cap. 16).

Via de Processamento e Apresentação de Proteínas Vesiculares pelo MHC da Classe II

 A geração de peptídios associados ao MHC da classe II a partir de antígenos endocitados envolve a degradação proteolítica das proteínas internalizadas em vesículas endocíticas e ligação de peptídios a moléculas do MHC da classe II nas vesículas. Esta sequência de eventos é ilustrada na Figura 6-17 e as etapas individuais são descritas a seguir.


FIGURA6-17 Via de apresentação de antígenos do MHC da classe II.
 As etapas do processamento de antígenos extracelulares foram descritas no texto. CLIP, peptídio de cadeia invariante associado à classe II; ER, retículo endoplasmático; I i , cadeia invariante. 

Geração de Proteínas Vesiculares 

A maioria dos peptídios associados ao MHC da classe II é derivada de proteínas antigênicas capturadas do meio extracelular e internalizadas em endossomas por APCs especializadas. As etapas iniciais na apresentação de um antígeno proteico extracelular são a ligação do antígeno nativo a uma APC e a internalização do antígeno. Diferentes APCs são capazes de se ligar a antígenos proteicos de várias formas e diferentes eficiências e especificidades. As células dendríticas e macrófagos expressam diversos receptores de superfície que reconhecem estruturas partilhadas por muitos microrganismos (Cap. 4). Estas APCs utilizam receptores para ligar-se aos microrganismos e internalizá-los eficientemente. Os macrófagos também expressam receptores para as porções Fc dos anticorpos e receptores para a proteína do complemento C3b, que se ligam a antígenos ligados a anticorpos ou complementam de proteínas e melhoram sua internalização. Outro exemplo de receptor específico nas APCs é a imunoglobulina da superfície das células B, que devido à sua elevada afinidade para antígenos é capaz de mediar de maneira eficaz a internalização de proteínas presentes em concentrações muito baixas no fluido extracelular (Cap. 12).
Após sua internalização, os antígenos proteicos ficam localizados em vesículas ligadas à membrana intracelular chamadas de endossomas. A via endossomal do tráfego intracelular de proteínas se comunica com os lisossomos, que são vesículas contendo enzimas ligadas a membranas densas. Um subconjunto de endossomas tardios ricos em MHC da classe II desempenha um papel especial no processamento e apresentação de antígenos pela via da classe II; isto será descrito posteriormente. Microrganismos particulados são internalizados em vesículas chamadas de fagossomos, que podem se fundir a lisossomos produzindo vesículas denominadas fagolisossomos ou lisossomos secundários. Alguns microrganismos, tais como as micobactérias e Leishmania, são capazes de sobreviver e até mesmo se replicar dentro de fagossomos ou endossomos, proporcionando uma fonte persistente de antígenos em compartimentos vesiculares.
Proteínas diferentes daquelas ingeridas do meio extracelular também podem entrar na via do MHC da classe II. Algumas moléculas de proteínas destinadas à secreção podem acabar nas mesmas vesículas das moléculas do MHC da classe II e serem processadas em vez de secretadas. Menos frequentemente, as proteínas citoplasmáticas e de membrana podem ser processadas e apresentadas por moléculas da classe II. Em alguns casos, isto pode resultar da digestão enzimática de conteúdos citoplasmáticos, referido como autofagia. Nesta via, as proteínas citossólicas são aprisionadas no interior de vesículas ligadas à membrana chamadas de autofagossomos; estas vesículas fundem-se com os lisossomos e as proteínas citoplasmáticas são degradadas proteoliticamente.
Os peptídios gerados por esta via podem ser entregues ao mesmo compartimento vesicular contendo a classe II, pois são peptídios derivados de antígenos ingeridos. A autofagia é essencialmente um mecanismo de degradação de proteínas celulares e reciclagem de seus produtos como fontes de nutrientes durante períodos de estresse. Participa também na destruição de microrganismos intracelulares, que são aprisionados em vesículas e entregues aos lisossomos. Por conseguinte, é previsível que os peptídios gerados pela autofagia sejam exibidos para o reconhecimento das células T. Alguns peptídios que se associam a moléculas da classe II são derivados de proteínas de membrana, que podem ser recicladas na mesma via endocítica uma vez que são proteínas extracelulares. Deste modo, até mesmo vírus que se replicam no citoplasma de células infectadas podem produzir proteínas que são degradadas a peptídios que entram na via de apresentação de antígenos do MHC da classe II. Este pode ser um mecanismo de ativação das células T CD4 + auxiliares antígeno-específicas virais.

Digestão Proteolítica das Proteínas nas Vesículas

 Proteínas internalizadas são degradadas enzimaticamente em endossomos e lisossomos tardios para gerar peptídios capazes de se ligar às fendas de ligação do peptídio das moléculas do MHC da classe II. A degradação de antígenos proteicos em vesículas é um processo ativo mediado por proteases que possuem pH ótimo ácido. As proteases mais abundantes de endossomas tardios são as catepsinas, que correspondem a proteases tiol e aspartil com ampla especificidade aos substratos. Vários catepsinas contribuem para a geração de peptídios para a via da classe II. Proteínas parcialmente degradadas ou clivadas se ligam às fendas abertas de moléculas do MHC da classe II e são, então, clivadas enzimaticamente ao seu tamanho final. A imunomicroscopia eletrônica e estudos de fraccionamento subcelulares conseguiram definir um subconjunto de endossomas tardios ricos em MHC da classe II que desempenham um papel importante na apresentação de antígenos (Fig. 6-18). Em macrófagos e células B humanas, ele é chamado de compartimento do MHC da classe II, ou MIIC. (Em algumas células B de camundongos, uma organela similar contendo moléculas do MHC da classe II foi identificada e chamada de vesícula da classe II.) O MIIC possui um aspecto multilamelar característico na microscopia eletrônica. É importante destacar que ele contém todos os componentes necessários para a associação peptídio-MHC da classe II, incluindo as enzimas que degradam proteínas antigênicas, moléculas do MHC da classe II e duas moléculas envolvidas na ligação de peptídios a moléculas do MHC da classe II, a cadeia invariante e o HLA-DM, cujas funções serão descritas posteriormente.



FIGURA6-18 Morfologia das vesículas endossomais ricas em MHC da classe II. 
A, Micrografia imunoelétrica de um linfócito B após internalização de albumina sérica bovina em endossomas precoces (marcados com partículas de ouro de 5 nm, seta) e que contém moléculas do MHC da classe II (marcadas com partículas de ouro de 10 nm, pontas de seta) em MIICs. A albumina internalizada chegará em última instância aos MIICs. B, Micrografia imunoelétrica de uma célula B apresentando a localização das moléculas do MHC da classe II e do DM em MIICs (estrelas) e a cadeia invariante concentrada no complexo de Golgi (G). Neste exemplo, não há praticamente nenhuma cadeia invariante detectada no MIIC, presumivelmente porque foi clivada para gerar CLIP. (A, De Kleijmeer MJ, Morkowski S, Griffith JM, RudenskyAY, Geuze HJ: Major histocompatibility complex class II compartments in human and mouse B lymphoblasts represent conventional endocytic compartments.. Reproduzido de The Journal of Cell Biology 139:639-649, 1997, com a permissão de direitos autorais de The Rockefeller UniversityPress. B, Cortesia de Drs. HJ Geuze e M. Kleijmeer, Department of Cell Biology, Utrecht University, The Netherlands..)

Biossíntese e Transporte de Moléculas do MHC da Classe II para Endossomas 

As moléculas do MHC da classe II estão sintetizadas no RE e transportadas para os endossomas associadas a uma proteína, a cadeia invariante, que ocupa as fendas de ligação do peptídio das moléculas do MHC da classe II recém-sintetizadas (Fig. 6-19). As cadeias α e β das moléculas do MHC da classe II são coordenadamente sintetizadas e associadas uma à outra no RE. Os dímeros nascentes do MHC da classe II são estruturalmente instáveis e seu dobramento e montagem são auxiliados por chaperonas residentes no RE, tais como a calnexina. A cadeia invariante (l i ) promove o dobramento e a montagem de moléculas do MHC da classe II e direciona as moléculas do MHC da classe II recém-formadas para os endossomas e lisossomas tardios, onde as proteínas internalizadas proteoliticamente foram degradadas em peptídios. A cadeia invariante corresponde a um trímero composto por três subunidades de 30 kDa, as quais se ligam individualmente a um heterodímero αβ do MHC da classe II recém-sintetizado de forma a bloquear a fenda de ligação do peptídio e impedi-la de aceitar peptídios. Como resultado, as moléculas do MHC da classe II perdem a capacidade de se ligar e apresentar peptídios que encontram no RE, possibilitando que tais peptídios se associem a moléculas da classe I (descrito anteriormente). As moléculas do MHC da classe II são transportadas para vesículas exocíticas em relação à superfície da célula. Durante esta passagem, as vesículas que retiram as moléculas do MHC da classe II do RE encontramse e fundem-se com vesículas endocíticas contendo antígenos internalizados e processados. Assim, as moléculas do MHC da classe II encontram-se com peptídios antigênicos gerados pela proteólise de proteínas endocitadas, e a associação peptídioMHC ocorre nas vesículas.

Associação de Peptídios Processados a Moléculas do MHC da Classe II em Vesículas 

No interior das vesículas endossomais, a cadeia invariante se dissocia das moléculas do MHC da classe II através da ação combinada entre as enzimas proteolíticas e a molécula do HLA-DM, e os peptídios antigênicos tornam-se, então, capazes de ligar-se às fendas de ligação do peptídio disponíveis nas moléculas da classe II (Fig. 6-19). Como a cadeia invariante bloqueia o acesso à fenda de ligação do peptídio das moléculas do MHC da classe II, ela precisa ser removida antes que os complexos de peptídios e moléculas do MHC da classe II possam se formar. As mesmas enzimas proteolíticas que dão origem a peptídios a partir de proteínas internalizadas, tais como as catepsinas, também atuam sobre a cadeia invariante, degradando-a e deixando apenas um remanescente de 24 aminoácidos chamado de peptídio de cadeia invariante associado à classe II (CLIP), que se liga à fenda de ligação do peptídio de maneira semelhante àquela com que outros peptídios se ligam às moléculas do MHC da classe II. Em seguida, o CLIP deve ser removido para que a fenda se torne acessível a peptídios antigênicos produzidos a partir de proteínas extracelulares. Esta remoção é conseguida através da ação de uma molécula chamada de HLA-DM (ou H-2M no camundongo), que é codificada no MHC, tem uma estrutura semelhante àquela das moléculas do MHC da classe II e se localiza, juntamente com as moléculas do MHC da classe II, no compartimento endossomal do MIIC. Ao contrário das moléculas do MHC da classe II, as moléculas do HLA-DM não são polimórficas e não são expressas na superfície da célula. O HLA-DM atua como um permutador de peptídios, facilitando a remoção do CLIP e a adição de outros peptídios às moléculas do MHC da classe II.
Se peptídios com maior afinidade para a fenda do MHC da classe II em relação ao CLIP estiverem disponíveis nos endossomas, eles serão capazes de deslocar o CLIP devido ao mecanismo de permutação mediado pelo HLA-DM. Se peptídios com maior afinidade não estiverem disponíveis, o CLIP permanecerá na fenda do MHC da classe II e estas moléculas não sofrerão a alteração e estabilização conformacional presumida, que são necessárias para que possam se deslocar de forma eficiente até a superfície celular. Como as extremidades da fenda de ligação do peptídio do MHC da classe II estão abertas, peptídios grandes podem ligar-se, sendo, então, clivados por enzimas proteolíticas ao tamanho apropriado para o reconhecimento das células T. Como resultado, os peptídios realmente apresentados ligados à superfície celular das moléculas do MHC da classe II possuem, normalmente, de 10 a 30 aminoácidos de comprimento e, geralmente, foram gerados por esta etapa de clivagem.

Expressão de Complexos Peptídio-MHC da Classe II na Superfície Celular

 As moléculas do MHC da classe II são estabilizadas pelos peptídios ligados e os complexos peptídio-classe II estáveis são apresentados na superfície da APC, onde são apresentados para reconhecimento pelas células T CD4 + . Acredita-se que o transporte dos complexos peptídio-MHC da classe II à superfície celular ocorre por meio da fusão das extensões vesiculotubulares do lisossomo à membrana plasmática, resultando na apresentação dos complexos do MHC da classe II carregados na superfície da célula. Uma vez expressos na superfície da APC, os complexos peptídio-classe II são reconhecidos por células T CD4 + específicas para peptídios antigênicos, com o correceptor CD4 desempenhando um papel essencial, ligando-se a regiões não polimórficas das moléculas da classe II. Curiosamente, enquanto as moléculas da classe II carregadas com peptídios trafegam dos endossomas e lisossomas tardios para a superfície celular, outras moléculas envolvidas na apresentação de antígenos, tais como o DM, permanecem nas vesículas e não são expressas na membrana plasmática. O mecanismo que explica este tráfego seletivo é desconhecido.

Apresentação Cruzada 

Algumas células dendríticas possuem a capacidade de captar e endocitar células infectadas por vírus ou células tumorais e apresentar os antígenos virais ou tumorais aos linfócitos T CD8 + virgens (Fig. 6-20). Nesta via, os antígenos endocitados são transportados das vesículas para o citosol, onde os peptídios entram na via da classe I. Como discutimos anteriormente, a maioria das proteínas endocitadas não entra na via citossólica de apresentação de antígenos da classe I. Esta permissividade para o tráfego de proteínas das vesículas endossomais para o citosol é exclusividade das células dendríticas. (Ao mesmo tempo, as células dendríticas são capazes de apresentar os peptídios associados ao MHC da classe II gerados em vesículas para as células T auxiliares CD4 + , que são muitas vezes necessárias para induzir respostas completas em células T CD8 + [Cap. 11].) Este processo é chamado de apresentação cruzada, ou cross-priming, para indicar que um tipo de célula (a célula dendrítica) é capaz de apresentar antígenos de outra célula (a célula infectada com vírus ou células tumorais) e prepara, ou ativa, as células T específicas para estes antígenos. Embora possa parecer que o processo de apresentação cruzada viola a regra de que antígenos endocitados devem ser apresentados ligados a moléculas do MHC da classe II, nesta situação os antígenos endocitados são degradados em proteossomas e entram na via da classe I.



FIGURA6-20 Apresentação cruzada de antígenos para células T CD8 + . 
As células infectadas com microrganismos intracelulares, tais como vírus, são endocitadas pelas células dendríticas e os antígenos dos microrganismos infecciosos são transportados para o citosol e processados e apresentados em associação com moléculas do MHC da classe I às células T CD8 + (Fig. 6-16). Desta forma, as células dendríticas são capazes de apresentar antígenos vesiculares endocitados pela via da classe I. Observe que as mesmas APCs de apresentação cruzada podem apresentar antígenos associados ao MHC da classe II de microrganismos para o reconhecimento pelas células T auxiliares CD4 + .

A apresentação cruzada envolve a fusão dos fagossomas contendo os antígenos endocitados com o RE. As proteínas endocitadas são, então, translocadas do RE para o citosol por vias mal definidas, que provavelmente estão envolvidas na apresentação de proteínas degradadas no RE. As proteínas que foram inicialmente internalizadas no fagossoma, por conseguinte, são liberadas para o compartimento (citosol) onde a proteólise para a via da classe I ocorre normalmente. Estas proteínas fagocitadas, então, sofrem uma degradação proteossômica e os peptídios derivados delas são transportados pela TAP para o RE, onde são ligados a moléculas do MHC da classe I recém-sintetizadas, tal como descrito para a via de classe I convencional.

Importância Fisiológica da Apresentação de Antígenos Associada ao MHC 

Até agora, discutimos a especificidade dos linfócitos T CD4 + e CD8 + a antígenos de proteínas exógenas associadas ao MHC e os mecanismos pelos quais os complexos de peptídios e moléculas do MHC são produzidos. Nesta seção, vamos discutir de que maneira o papel central do MHC na apresentação de antígenos influencia a natureza das respostas das células T aos diferentes antígenos e os tipos de antígenos que as células T reconhecem.

Natureza das Respostas das Células T

 A apresentação de proteínas citossólicas contra vesiculares pelas vias do MHC da classe I ou da classe II, respectivamente, determina qual subconjunto de células T irá responder aos antígenos encontrados nesses dois conjuntos de proteínas e está intimamente ligado às funções dessas células T (Fig. 6-21). Os antígenos sintetizados endogenamente, tais como as proteínas virais e tumorais, estão localizados no citosol e são reconhecidos pelas CTL CD8 + restritas ao MHC da classe I, que matam as células que produzem os antígenos intracelulares. Por outro lado, os antígenos extracelulares normalmente ficam localizados em vesículas endossomais e ativam as células T CD4 + restritas ao MHC da classe II, porque as proteínas vesiculares são processadas em peptídios de ligação à classe II. As células T CD4 + atuam como auxiliares para estimular as células B a produzirem anticorpos e ativarem macrófagos para que suas funções fagocíticas aumentem, mecanismos estes que servem para eliminar antígenos extracelulares. Desta forma, antígenos de microrganismos que residem em diferentes locais celulares estimulam seletivamente as respostas das células T, que são mais eficazes para eliminar esse tipo de microrganismo. Isto é especialmente importante porque os receptores de antígenos das CTL e células T auxiliares não são capazes de distinguir entre os microrganismos extracelulares e intracelulares. Segregando os peptídios derivados destes tipos de microrganismos, as moléculas do MHC orientam os subconjuntos de células T CD4 + e CD8 + a responderem aos microrganismos que cada subconjunto combate melhor



FIGURA6-21 Apresentação de antígenos extracelulares e citossólicas para diferentes subconjuntos de células T. 
A, Antígenos citossólicos são apresentados por células nucleadas para CTLs CD8 + , que matam (lisam) as células que expressam o antígeno. B, Antígenos extracelulares são apresentados por macrófagos ou linfócitos B para linfócitos T auxiliares CD4 + , que ativam os macrófagos ou as células B e eliminam os antígenos extracelulares.

A Imunogenicidade de Proteínas Antigênicas 

As moléculas do MHC de determinam a imunogenicidade de proteínas antigênicas através de duas maneiras inter-relacionadas.
• Os epítopos de proteínas complexas que provocam respostas mais fortes em células T são os peptídios gerados por proteólise em APCs e que se ligam com maior avidez às moléculas do MHC. Se um indivíduo for imunizado com uma proteína antigênica, em muitos casos, a maioria das células T que respondem são específicas para apenas uma ou algumas sequências de aminoácidos lineares do antígeno. Estes são chamados de epítopos imunodominantes ou determinantes. As proteases envolvidas no processamento de antígenos produz uma variedade de peptídios de proteínas naturais, e apenas alguns destes peptídios possuem características que lhes permitem ligar-se às moléculas do MHC presentes em cada indivíduo (Fig. 6-22). É importante definir a base estrutural da imunodominância, porque isto pode permitir a manipulação eficiente do sistema imune com peptídios sintéticos. Uma aplicação de tal conhecimento é o desenho de vacinas. Por exemplo, uma proteína viral poderia ser analisada para a presença de sequências de aminoácidos que formam epítopos imunodominantes típicos, capazes de ligar-se a moléculas do MHC com elevada afinidade. Os peptídios sintéticos que contêm esses epítopos podem tornar-se vacinas eficazes para desencadear respostas de células T contra o peptídio viral expresso em uma célula infectada.



FIGURA6-22 Imunodominância de peptídios.
 Os antígenos proteicos são processados para gerar diversos peptídios; os peptídios imunodominantes são aqueles que melhor se ligam às moléculas do MHC da classe I e classe II disponíveis. Ailustração mostra um antígeno extracelular gerando um peptídio de ligação à classe II, mas isto também se aplica aos peptídios de antígenos citossólicos apresentados pelas moléculas do MHC da classe I.

• A expressão de determinados alelos do MHC da classe II um indivíduo determina a capacidade que o indivíduo possui para responder a antígenos específicos. Como discutido anteriormente, os genes da resposta imune (Ir) que controlam as respostas dos anticorpos são os genes do MHC da classe II. Eles influenciam a capacidade de provocar uma resposta imune porque diversos alelos de moléculas do MHC da classe II diferem na capacidade de ligação a diferentes peptídios antigênicos e, por conseguinte, na estimulação de células T auxiliares específicas. A consequência de herdar um determinado alelo do MHC depende da natureza dos peptídios antigênicos que se ligam à molécula do MHC codificada por esse alelo. Por exemplo, se o antígeno for um peptídio de pólen de ambrósia, o indivíduo que expressa moléculas da classe II capazes de se ligarem ao peptídio seria geneticamente propenso a reações alérgicas contra pólen. Por outro lado, alguns indivíduos não respondem a vacinas (tais como a vacina do antígeno de superfície do vírus da hepatite B), presumivelmente porque as moléculas do HLA não são capazes de se ligar e apresentar os peptídios mais importantes do antígeno.

Apresentação de antígenos não proteicos a subconjuntos de células T 

Várias populações pequenas de células T são capazes de reconhecer antígenos não proteicos sem o envolvimento de moléculas do MHC da classe I ou da classe II. Assim, estas populações são exceções à regra de que células T são capazes de ver somente peptídios MHC-associados. Destas populações, as melhor definidas são as células T NK e células T γδ.
As NKT expressam marcadores característicos de células natural killer (NK) e linfócitos T e expressam receptores de células T αβ com diversidade muito limitada (Cap. 10). As NKT reconhecem lipídios e glicolipídios apresentados pela molécula do MHC tipo classe I não clássica chamada de CD1. Existem várias proteínas CD1 expressas em humanos e camundongos. Apesar de suas vias de tráfego intracelulares diferirem de maneiras sutis, todas as moléculas CD1 se ligam e apresentam lipídios através de um mecanismo único. Moléculas CD1 recém-sintetizadas capturam lipídios celulares e levam-nos para a superfície da célula. Ali, os complexos lipídio-CD1 são endocitados em endossomas ou lisossomas, onde os lipídios que foram endocitados a partir do ambiente externo são capturados e novos complexos lipídio-CD1 são devolvidos para a superfície celular. Assim, as moléculas CD1 adquirem antígenos lipídicos endocitados durante a reciclagem e apresentam esses antígenos sem transformação aparente. As células NKT que reconhecem os antígenos lipídicos podem desempenhar um papel na defesa contra microrganismos, especialmente micobactérias (que são ricas em componentes lipídicos).
As células T γδ são uma pequena população de células T que expressam proteínas receptoras de antígeno semelhantes, mas não idênticas às células T CD4 + e CD8 + (Cap. 10). As células T γδ reconhecem diversos tipos diferentes de antígenos, incluindo algumas proteínas e lipídios, bem como pequenas moléculas fosforiladas e alquilaminas. Esses antígenos não são apresentados pelas moléculas do MHC, e as células γδ não são restritas ao MHC. Não se sabe se um determinado tipo de célula ou de sistema de apresentação de antígenos é necessário para a apresentação de antígenos a estas células.

Resumo 

A maioria das células T reconhece antígenos somente na forma de peptídios apresentados pelos produtos de genes do MHC próprios na superfície das APCs. Os linfócitos T auxiliares CD4 + reconhecem antígenos associados a produtos do gene do MHC da classe II (reconhecimento restrito ao MHC da classe II) e CTLs CD8 + reconhecem antígenos associados a produtos do gene do MHC da classe I (reconhecimento restrito ao MHC da classe I).
As APCs especializadas, tais como as células dendríticas, macrófagos e linfócitos B, capturam antígenos proteicos extracelulares, internalizam e processam-nos, e apresentam peptídios associados à classe II para as células T CD4 + . As células dendríticas são as APC mais eficazes para iniciar respostas primárias através da ativação de células T virgens, e os macrófagos e linfócitos B apresentam antígenos para células T auxiliares diferenciadas na fase efetora da imunidade mediada por células e em respostas imunes humorais, respectivamente. Todas as células nucleadas são capazes de apresentar peptídios associados à classe I derivados de proteínas citossólicas, tais como antígenos virais e tumorais, para as células T CD8 + .
O MHC é uma grande região genética que codifica as moléculas do MHC da classe I e da classe II, expressas de modo codominante e altamente polimórficas.
As moléculas do MHC da classe I são compostas por uma cadeia α (ou pesada) que forma um complexo não covalente com um polipeptídio não polimórfico chamado de microglobulina β2. As moléculas do MHC da classe II contêm duas cadeias polimórficas que codificam o MHC, uma cadeia α e uma cadeia β. Ambas as classes de moléculas do MHC consistem em uma fenda de ligação do peptídio extracelular, uma região tipo Ig não polimórfica, uma região transmembrana e uma região citoplasmática. A fenda de ligação do peptídio das moléculas do MHC tem paredes α- helicoidais e uma base de oito cadeias de folhas β-pregueadas antiparalelas. Os domínios tipo Ig das moléculas do MHC da classe I e da classe II contêm os locais de ligação para a correceptores das células T CD8 e CD4, respectivamente. Os resíduos polimórficos das moléculas do MHC estão localizados no domínio de ligação do peptídio.
As moléculas do MHC da classe I e da classe II exercem a função de se ligarem aos antígenos peptídicos e apresentá-los para o reconhecimento por linfócitos T específicos para antígenos. Os antígenos peptídicos associados a moléculas do MHC da classe I são reconhecidos pelas células T CD8 + , ao passo que os antígenos peptídicos associados ao MHC da classe II são reconhecidos por células T CD4 + . As moléculas do MHC ligam-se a apenas um peptídio por vez, e todos os peptídios que se ligam a uma determinada molécula do MHC compartilham padrões estruturais comuns. Cada molécula do MHC possui uma ampla especificidade aos peptídios e é capaz de ligar-se a diversos peptídios com características estruturais em comum, tais como resíduos de ancoragem.
A fenda de ligação do peptídio das moléculas do MHC da classe I pode acomodar peptídios de 6 a 16 resíduos de aminoácidos de comprimento, enquanto a fenda das moléculas do MHC da classe II admite a ligação de peptídios maiores (até 30 resíduos de aminoácidos de comprimento, ou mais). Alguns resíduos polimórficos do MHC determinam a especificidade de ligação a peptídios através da formação de estruturas chamadas bolsos que interagem com os resíduos complementares do peptídio ligado, chamados resíduos de ancoragem. Outros resíduos polimórficos do MHC e alguns resíduos dos peptídios não estão envolvidos na ligação a moléculas do MHC mas, em vez disso, formam a estrutura reconhecida pelas células T.
As moléculas do MHC da classe I são expressas em todas as células nucleadas, enquanto as moléculas do MHC da classe II são expressas principalmente nas APCs especializadas, tais como células dendríticas, macrófagos e linfócitos B e alguns outros tipos de células, incluindo células endoteliais e células epiteliais do timo. A expressão dos produtos dos genes do MHC é aumentada por estímulos inflamatórios e imunes, em particular as citocinas como o IFN-γ, que estimulam a transcrição de genes do MHC.
O processamento do antígeno é a conversão das proteínas nativas em peptídios associados ao MHC. Este processo consiste na introdução de antígenos proteicos exógenos nas vesículas das APCs ou síntese de antígenos no citosol, na degradação proteolítica destas proteínas em peptídios, na ligação dos peptídios a moléculas do MHC e na apresentação dos complexos peptídio-MHC na superfície da APC para o reconhecimento pelas células T. Assim, tanto as proteínas extracelulares como as intracelulares são monitoradas por estas vias de processamento de antígenos, e os peptídios derivados tanto de proteínas próprias normais como de proteínas estranhas são apresentadas por moléculas do MHC para a vigilância por linfócitos T.
Na via do MHC da classe I, as proteínas citossólicas são proteoliticamente degradadas no proteassoma, dando origem a peptídios que se ligam a moléculas do MHC da classe I. Estes peptídios são levados do citosol para o RE por um transportador dependente de ATP, chamado de TAP. Dímeros de microglobulina-β2 do MHC da classe I recémsintetizados no RE estão associados ao complexo TAP e recebem peptídios transportados para o RE. Complexos estáveis de moléculas do MHC da classe I ligadas a peptídios saem do ER, através do complexo de Golgi, para a superfície celular.
Na via do MHC da classe II, as proteínas extracelulares são internalizadas em endossomas, onde estas proteínas são proteoliticamente clivadas por enzimas que funcionam em pH ácido. As moléculas do MHC da classe II recém-sintetizadas associadas ao Ii são transportadas do RE para as vesículas endossomais. Ali, a Ii é clivada proteoliticamente e um pequeno peptídio remanescente do Ii , chamado de CLIP, é removido da fenda de ligação dos peptídios da molécula do MHC pelas moléculas do DM. Os peptídios gerados a partir de proteínas extracelulares ligam-se, em seguida, à fenda disponível da molécula do MHC da classe II e o complexo trimérico (as cadeias α e β do MHC da classe II e o peptídio) move-se para a superfície da célula e é apresentado.
Estas vias de apresentação de antígeno restritas ao MHC garantem que a maioria das células do corpo seja monitorada quanto à possível presença de antígenos exógenos. As vias também garantem que as proteínas de microrganismos extracelulares deem origem, preferencialmente, a peptídios ligados a moléculas do MHC da classe II para reconhecimento pelas células T auxiliares CD4 + , que ativam mecanismos efetores que eliminam antígenos extracelulares. Por outro lado, as proteínas sintetizadas por microrganismos intracelulares (citossólicos) dão origem a peptídios ligados a moléculas do MHC da classe I para reconhecimento pelas CTL CD8 + , que atuam na eliminação das células portadoras de infecções intracelulares. A imunogenicidade de antígenos proteicos exógenos depende da capacidade das vias de processamento de antígenos de gerar peptídios a partir destas proteínas que se ligam às moléculas do MHC.

Fonte: Livro Imunologia Celular e Molecular - 8ª Ed.

Autores: Abul Lichtman, Andrew Abbas

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