sexta-feira, 27 de outubro de 2017

CAPÍTULO 18 Imunidade aos Tumores

Fonte: Livro Imunologia Celular e Molecular - 8ª Ed.


Autores: Abul Lichtman, Andrew Abbas


VISÃO GERAL DA IMUNIDADE TUMORAL ANTÍGENOS TUMORAIS 
Produtos de Genes Mutados 
Proteínas Celulares não Mutadas mas Anormalmente Expressadas 
Antígenos de Vírus Oncogênicos 
Antígenos Oncofetais 
Antígenos Glicolipídicos e Glicoproteicos Alterados 
Antígenos de Diferenciação Tecido-Específicos
RESPOSTAS IMUNES AOS TUMORES
 Linfócitos T 
Anticorpos Células Natural Killer (NK) (Assassinas Naturais)
 Macrófagos
EVASÃO TUMORAL DAS RESPOSTAS IMUNES 
Escape do Reconhecimento Imune por Perda da Expressão de Antígeno 
Inibição Ativa das Respostas Imunes
IMUNOTERAPIA PARA TUMORES Estimulação das Respostas Imunes Ativas do Hospedeiro contra Tumores
 Imunoterapia Passiva para Tumores com Células T e Anticorpos 
O PAPEL DA IMUNIDADE INATA E ADAPTATIVA NA PROMOÇÃO DO CRESCIMENTO TUMORAL
 RESUMO 

 O câncer é um grave problema de saúde em todo o mundo e uma das causas mais importantes de morbidade e mortalidade em crianças e adultos. A letalidade dos tumores malignos deve-se ao seu crescimento descontrolado dentro dos tecidos normais, causando danos e prejuízos funcionais. O fenótipo maligno dos cânceres reflete defeitos na regulação da proliferação celular, resistência das células tumorais à morte apoptótica, capacidade das células tumorais de invadir os tecidos do hospedeiro e formar metástases para locais distantes e evasão tumoral dos mecanismos de defesa imune. A possibilidade de que os cânceres possam ser erradicados pelas respostas imunológicas específicas tem sido impulso para uma grande quantidade de trabalhos na área da imunologia tumoral. O conceito de vigilância imune do câncer, proposto por Macfarlane Burnet na década de 1950, afirma que uma função fisiológica do sistema imune é de reconhecer e destruir clones de células transformadas antes que se transformem em tumores e de eliminar tumores depois de formados. A existência da vigilância imune foi demonstrada pelo aumento da incidência de alguns tipos de tumores em animais e seres humanos imunocomprometidos de forma experimental. Atualmente está claro que o sistema imune inato e adaptativo reage contra diversos tumores e explorar essas reações para destruir especificamente os tumores continua a ser um objetivo importante dos imunologistas tumorais. Neste capítulo, descreveremos os tipos de antígenos expressos pelos tumores malignos, como o sistema imune reconhece e responde a esses antígenos, como os tumores evadem do sistema imune do hospedeiro e a aplicação de abordagens imunológicas para o tratamento do câncer

Visão geral da imunidade tumoral 

Várias características dos antígenos tumorais e da Resposta Imune aos tumores são fundamentais para a compreensão da imunidade tumoral e para o desenvolvimento de estratégias na imunoterapia contra o câncer.
• Tumores estimulam respostas imunes adaptativas específicas. Observações clínicas e experimentos com animais demonstraram que, embora as células tumorais sejam derivadas das células do hospedeiro, os tumores provocam respostas imunes. Estudos histopatológicos mostram que muitos tumores são circundados por infiltrados de células mononucleares compostos por linfócitos T, células natural killer (NK) e macrófagos ativados, e que os linfócitos e macrófagos ativados estão presentes nos linfonodos que drenam os locais de crescimento tumoral (Fig. 18-1). A presença de linfócitos infiltrados em alguns tipos de melanomas e carcinomas do colo do intestino e da mama é preditiva de um prognóstico melhor. A primeira demonstração experimental de que tumores podem induzir uma Resposta Imune protetora ocorreu a partir de estudos de tumores transplantados realizados na década de 1950 (Fig. 18-2). Um sarcoma pode ser induzido em um camundongo isogênico pincelando-se a sua pele com o carcinógeno químico metilcolantreno (MCA). Se o tumor induzido pelo MCA for excisado e transplantado para outro camundongo singênico, o tumor cresce. Em contrapartida, se as células do tumor original forem transplantadas de volta para o hospedeiro original, o camundongo rejeita este transplante e nenhum tumor cresce. O mesmo camundongo que havia se tornado imune a seu tumor é incapaz de rejeitar tumores induzidos por MCA em outros camundongos. Além disso, as células T do animal portador do tumor podem transferir imunidade protetora contra o tumor para um animal livre do tumor. Portanto, as respostas imunes contra os tumores apresentam as características que definem a imunidade adaptativa, ou seja, a especificidade e a memória, e constituem a função fundamental dos linfócitos. Como previsto a partir destes experimentos de transplantes, a resposta mais eficaz contra tumores surge naturalmente e parece ser mediada principalmente pelos linfócitos T.
FIGURA18-1 Inflamação linfocítica associada a certos tumores. 
A, Carcinoma medular da mama. B, Melanoma maligno da pele. As setas vermelhas indicam células malignas. Setas amarelas indicam infiltrado inflamatório rico em linfócitos.



FIGURA18-2 Demonstração experimental da imunidade tumoral. 
Os camundongos cirurgicamente curados de um tumor induzido pelo carcinógeno químico (MCA) rejeitam transplantes subsequentes do mesmo tumor, enquanto um tumor transplantado cresce em um camundongo singênico. O tumor também é rejeitado nos camundongos normais que recebem transferência adaptativa de linfócitos T do animal portador do tumor original.  

• As respostas imunes frequentemente falham em evitar o crescimento de tumores. Podem existir várias razões para que a imunidade antitumoral seja incapaz de erradicar as células transformadas. Em primeiro lugar, muitos tumores apresentam mecanismos especializados para evadir da resposta imune do hospedeiro. Voltaremos a estes mecanismos no final do capítulo. Em segundo lugar, as células tumorais são derivadas das células do hospedeiro e assemelham-se a células normais em muitos aspectos. Assim, muitos tumores tendem a ser fracamente imunogênicos. Os tumores que induzem fortes respostas imunes incluem aqueles induzidos por vírus oncogênicos, nos quais as proteínas virais são antígenos estranhos. Muitos tumores espontâneos induzem a imunidade de forma fraca ou mesmo indetectável. Isto pode acontecer porque os tumores que crescem sofreram mutações que reduzem a sua capacidade de estimular fortes respostas imunes. Assim, a importância da vigilância imune e tumoral varia conforme o tipo de tumor. Em terceiro lugar, o crescimento rápido e a disseminação de um tumor pode superar a capacidade do sistema imune de controlar eficazmente o tumor, o que exige que todas as células malignas sejam eliminadas.
 • O sistema imune pode ser ativado para eliminar eficazmente as células tumorais e erradicar tumores. Como veremos no final deste capítulo, esta descoberta tem estimulado novos caminhos na imunoterapia tumoral, na qual o aumento da resposta antitumoral do hospedeiro é o objetivo do tratamento.
A existência de uma imunidade antitumoral específica indica que tumores devem expressar antígenos reconhecidos como estranhos pelo hospedeiro. A natureza e o significado desses antígenos serão descritos a seguir.

Antígenos tumorais 

A primeira classificação de antígenos tumorais baseou-se nos seus padrões de expressão. Os antígenos expressos em células tumorais, mas não em células normais, são chamados de antígenos específicos do tumor; alguns destes antígenos são exclusivos de alguns tumores, enquanto outros são compartilhados entre tumores do mesmo tipo. Antígenos tumorais que também são expressos em células normais são chamados de antígenos associados ao tumor; na maioria dos casos, estes antígenos são constituintes celulares normais cuja expressão é desregulada ou aberrante nos tumores. A classificação moderna dos antígenos tumorais baseia-se na estrutura molecular e origem dos antígenos expressos pelas células de tumor, que estimulam respostas de células T ou de anticorpos nos seus hospedeiros.
Várias abordagens bioquímicas e genéticas moleculares têm sido utilizadas para identificar antígenos tumorais. Para antígenos tumorais reconhecidos por linfócitos T CD8 + citotóxicos (CTL), os pesquisadores estabeleceram linhagens clonadas de CTLs reativas ao tumor a partir de pacientes com câncer e as utilizaram como estas sondas para identificar especificamente os antígenos peptídicos relevantes ou os genes que codificavam os peptídios. Estes clones de CTLs específicos de antígenos tumorais podem detectar respostas aos peptídios derivados de um tumor ou respostas às proteínas produzidas pelas bibliotecas de DNA complementar (cDNA) do tumor. Estas abordagens foram empregadas primeiramente para identificar os antígenos de melanoma humano que estimularam respostas de CTL em pacientes com o tumor. Os mesmos métodos têm sido utilizados para identificar os antígenos que são reconhecidos pelas células T CD4 + auxiliares, nos quais as sondas são clones de células T auxiliares derivadas de células T CD4 + de pacientes.
Um método de identificação de antígenos tumorais que estimula a resposta imune humoral no paciente é chamado de análise sorológica da expressão de cDNA recombinante (SEREX). Neste método, bibliotecas de cDNA derivadas do RNA do tumor de um paciente são transferidas para uma linhagem de células e testes são realizados para detectar a ligação das imunoglobulinas séricas do paciente com câncer às células transfectadas. Desta forma, são obtidas sequências de genes de proteínas alvo de anticorpos e proteínas codificadas que estimulam a resposta de anticorpos no paciente são identificadas.
Na seção seguinte, descrevemos as principais classes de antígenos tumorais (Tabela 18- 1). Incluiremos antígenos tumorais conhecidos por induzir respostas imunes em humanos com câncer, bem como os antígenos associados ao tumor que não podem induzir naturalmente respostas imunes no hospedeiro, mas que são alvos potenciais para a imunoterapia ou são marcadores úteis para o diagnóstico clínico e para observação e acompanhamento do paciente.
Tabela 18-1 
Antígenos Tumorais

CML, leucemia mielogênica crônica; CTL, linfócito T citotóxico; EBNA, antígeno nuclear do vírus Epstein-Barr; EBV, vírus Epstein-Barr; MART, antígeno do melanoma reconhecido pelas células T.


Produtos de Genes Mutados

 Os oncogenes e genes supressores de tumores mutados produzem proteínas diferentes das proteínas celulares normais e, portanto, podem induzir respostas imunes. Muitos tumores expressam genes cujos produtos são necessários para a transformação maligna ou para a manutenção do fenótipo maligno. Muitas vezes, estes genes são produzidos por mutações pontuais, deleções, translocações cromossômicas ou inserções de genes virais que afetam os proto-oncogenes celulares ou os genes supressores de tumor. Os produtos de muitos destes oncogenes mutados e genes supressores de tumores são proteínas nucleares e citossólicas que são degradadas no proteassoma e podem ser apresentadas às moléculas do MHC de classe I nas células tumorais. Estas proteínas podem entrar na via de apresentação de antígeno do MHC de classe I e classe II nas células dendríticas que fagocitaram células tumorais mortas ou corpos apoptóticos derivados das células tumorais. Como os genes alterados não estão presentes nas células normais, os peptídios codificados por eles não induzem a autotolerância e podem estimular respostas das células T no hospedeiro. Alguns pacientes com câncer exibem células T CD4 + e CD8 + circulantes que podem responder aos peptídios codificados por oncogenes mutados, como RAS, ou novos peptídios derivados de proteínas de fusão, tais como Bcr/Abl gerados por translocações cromossômicas relacionadas ao tumor, bem como peptídios codificados por genes supressores de tumor mutados, como o p53. Além disso, nos animais, a imunização com as proteínas Ras ou p53 mutadas ativa os CTL e a resposta de rejeição contra tumores que expressam esses mutantes. No entanto, essas proteínas não parecem ser alvos principais dos CTLs específicos de tumores na maioria dos pacientes com diversos tumores.
Antígenos tumorais podem ser produzidos por genes mutados aleatoriamente cujos produtos não estão relacionados ao fenótipo maligno. Os antígenos tumorais que foram definidos pelo transplante de tumores induzidos por carcinógenos em animais, denominados antígenos de transplante específicos de tumor, são mutantes de várias proteínas celulares do hospedeiro. Estudos com sarcomas induzidos quimicamente em roedores, como aqueles ilustrados na Figura 18-2, estabeleceram que diferentes tumores de roedores, todos induzidos pelo mesmo agente carcinógeno, expressavam diferentes antígenos de transplante. Os antígenos tumorais identificados por essas experiências são peptídios derivados de proteínas próprias mutadas e apresentados na forma de complexos peptídio-MHC de classe I capazes de estimular os CTLs. Esses antígenos são extremamente diversos porque os agentes carcinogênicos que induzem os tumores podem mutar aleatoriamente qualquer gene do hospedeiro, e a via apresentadora de antígeno do MHC de classe I pode apresentar os peptídios a partir de qualquer proteína citossólica mutada de qualquer tumor. Mais recentemente, o sequenciamento de genes em cânceres humanos comuns revelou que muitos tumores carregam um grande número de mutações específicas do tumor, sendo que a maioria envolve genes que não se acreditava estarem relacionados ao desenvolvimento e fenótipo maligno do tumor. Proteínas mutadas podem servir como antígenos do tumor se puderem ser ligadas a alelos do MHC do indivíduo afetado. Recentemente, tumores comuns e células normais pareadas de um mesmo indivíduo foram analisados para todas as possíveis mutações de codificação através de uma abordagem denominada Next Generation Sequencing. Tais análises levaram à identificação de peptídios específicos de tumores.

Proteínas Celulares não Mutadas mas Anormalmente Expressadas 

Antígenos tumorais que induzem respostas imunes podem ser proteínas celulares normais, que são anormalmente expressadas nas células tumorais. Muitos destes antígenos foram identificados em tumores humanos, como nos melanomas, por clonagem molecular de antígenos reconhecidos pelas células T e de anticorpos de pacientes portadores de tumor. Uma das descobertas que surgiram a partir destes estudos foi a de que alguns antígenos tumorais são proteínas não mutadas produzidas em níveis baixos nas células normais e superexpressas nas células tumorais. Um desses antígenos é a tirosinase, uma enzima envolvida na biossíntese da melanina expressa nos melanócitos normais e nos melanomas. Tanto os clones de CTL CD8 + restritos ao MHC de classe I como os clones de células T CD4 + auxiliares restritos ao MHC de classe II de pacientes com melanoma reconhecem peptídios derivados da tirosinase. Assim, é surpreendente que esses pacientes sejam capazes de responder a um antígeno próprio normal. A explicação provável é de que a tirosinase é produzida normalmente em quantidades tão pequenas e em tão poucas células que não é reconhecida pelo sistema imune e não induz a tolerância. Portanto, o aumento da quantidade produzida pelas células do melanoma pode desencadear respostas imunes. A descoberta da resposta de células T específicas para tirosinase em pacientes aumenta a possibilidade de que as vacinas que incluam peptídios tirosinase possam estimular estas respostas contra os melanomas; ensaios clínicos com essas vacinas estão em andamento.
Antígenos de câncer/testículos são proteínas expressas nos gametas e trofoblastos e em muitos tipos de cânceres, mas não nos tecidos somáticos normais. Os primeiros antígenos câncer/ testículos foram identificados por clonagem de genes de melanomas humanos que codificavam antígenos de proteínas celulares reconhecidos por clones de CTL específicos de melanoma derivados de pacientes portadores de melanoma. Estas foram denominadas proteínas MAGE e posteriormente descobriu-se que eram expressas em outros tumores além dos melanomas, incluindo carcinomas da bexiga, da mama, da pele, do pulmão, da próstata e alguns sarcomas, bem como em testículos normais. Subsequentemente à identificação dos genes MAGE, foram identificadas várias outras famílias de genes não relacionados que codificam antígenos de melanoma reconhecidos por clones de CTL derivados de pacientes com melanoma. Como as proteínas MAGE, estes antígenos de melanoma são silenciosos na maioria dos tecidos normais, exceto nos testículos ou trofoblastos na placenta, mas são expressos em vários tumores malignos. Foram identificadas mais de 40 famílias diferentes de antígenos de câncer/testículos. Cerca de metade é codificada por genes no cromossomo X; o restante é codificado por genes distribuídos ao longo do genoma. Apesar de ter sido demonstrado que alguns antígenos de câncer/testículos regulem a transcrição ou tradução de outros genes, as funções da maior parte destas proteínas são desconhecidas. Em geral, não são necessários para o fenótipo maligno das células, e as suas sequências são idênticas às de genes correspondentes em células normais; isto é, eles não são mutados. Vários antígenos de câncer/testículos ligados ao X estão sendo usados em testes de vacinas tumorais.

Antígenos de Vírus Oncogênicos 

Os produtos de vírus oncogênicos funcionam como antígenos tumorais e induzem respostas de células T específicas que podem servir para erradicar tumores. Vírus de DNA estão envolvidos no desenvolvimento de uma variedade de tumores em humanos e em animais experimentais. Exemplos em seres humanos incluem o vírus Epstein-Barr (EBV), que está associado ao linfoma de células B e ao carcinoma nasofaríngeo; o Papilomavírus humano (HPV), que está associado ao carcinoma do colo do útero, orofaringe e em outros locais; o Herpes-vírus associado ao sarcoma de Kaposi (KSHV/HHV-8), associado a tumores vasculares. Os Papovavírus, incluindo Poliomavírus e Vírus símio 40 (SV40), e adenovírus induzem tumores malignos em roedores recém-nascidos ou adultos imunodeficientes. Na maioria destes tumores induzidos por vírus de DNA, os antígenos proteicos codificados pelos vírus são encontrados no núcleo, citoplasma ou membrana plasmática das células tumorais. Estas proteínas virais sintetizadas endogenamente podem ser processadas e apresentadas por moléculas do MHC na superfície da célula tumoral. Como os peptídios virais são antígenos estranhos, os tumores induzidos pelos vírus de DNA estão entre os tumores mais imunogênicos conhecidos.
A capacidade da imunidade adaptativa de impedir o crescimento de tumores induzidos por vírus de DNA foi comprovada por meio de várias observações. Por exemplo, os linfomas associados ao EBV e cânceres de colo do útero associados ao HPV surgem com maior frequência em indivíduos imunossuprimidos, como pacientes transplantados que fazem terapia imunossupressora e pacientes com síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS), do que em indivíduos saudáveis, e o sarcoma de Kaposi ocorre mais comumente nos pacientes com AIDS. Estudos com transplantes de tumores do tipo ilustrado na Figura 18-2 demonstraram que os animais podem ser imunizados especificamente contra tumores induzidos por vírus de DNA e rejeitam transplantes destes tumores. Ao contrário dos antígenos de tumores induzidos por MCA, que são produtos de genes celulares mutados aleatoriamente, os antígenos tumorais codificados pelos vírus não são exclusivos para cada tumor, mas são compartilhados por todos os tumores induzidos pelo mesmo tipo de vírus.
A constatação de que as respostas imunes contra o vírus protegem os indivíduos de cânceres induzidos pelos vírus levou ao desenvolvimento de vacinas contra vírus oncogênicos. Por exemplo, a vacina contra o HPV, usada atualmente por homens e mulheres, tem reduzido a incidência de lesões uterinas pré-malignas em mulheres vacinadas. A vacina é composta por proteínas recombinantes do capsídeo do HPV de cepas oncogênicas mais comuns, que formam as partículas semelhantes aos vírus livres do genoma viral. A vacinação contra o vírus da hepatite B reduziu a incidência de câncer hepático. Neste caso, o vírus não é oncogênico, mas promove o desenvolvimento de câncer hepático provavelmente por meio da indução de inflamação crônica, que é um fator de risco para desenvolvimento de câncer (discutido mais adiante neste capítulo).
Vírus tumorais de RNA (retrovírus) são importantes causas de tumores em animais. Produtos de oncogenes retrovirais, teoricamente, apresentam as mesmas potenciais propriedades antigênicas que os oncogenes celulares mutados e respostas imunes humorais e mediadas por células contra os produtos de genes retrovirais nas células tumorais podem ser observadas experimentalmente. O único retrovírus humano bem definido conhecido por causar tumores é o vírus linfotrópico da célula T humana tipo 1 (HTLV-1), agente etiológico da leucemia/linfoma de células T de adultos (ATL), um tumor maligno de células T CD4 + . Embora respostas imunes específicas contra antígenos codificados pelo HTLV-1 tenham sido demonstradas em indivíduos infectados com o vírus, não está esclarecido se desempenham um papel na imunidade protetora contra o desenvolvimento dos tumores. Além disso, pacientes com ATL estão, muitas vezes, profundamente imunossuprimidos, provavelmente porque o vírus infecta as células T CD4 + e induz alterações funcionais nestas células.

Antígenos Oncofetais 

Antígenos oncofetais são proteínas expressas em níveis elevados nas células cancerosas e em condições normais de desenvolvimento de tecidos fetais, mas não em adultos. Acreditase que os genes que codificam estas proteínas são silenciados durante o desenvolvimento e são reativados na transformação maligna. Os antígenos oncofetais são identificados por meio de anticorpos produzidos em outras espécies, e sua principal importância é a de fornecer marcadores que auxiliam no diagnóstico de tumores. No entanto, a sua expressão em adultos não está limitada aos tumores, mas encontra-se aumentada em tecidos e na circulação em várias condições inflamatórias, sendo estes encontrados em pequenas quantidades, mesmo nos tecidos normais. Não há evidências de que os antígenos oncofetais sejam importantes indutores ou alvos da imunidade antitumoral. Os dois antígenos oncofetais mais bem caracterizados são o antígeno carcinoembrionário (CEA) e a α-fetoproteína (AFP).
O CEA (CD66) é uma proteína de membrana altamente glicosilada que é um membro da superfamília de imunoglobulinas (Ig) e funciona como uma molécula de adesão intercelular. A alta expressão do CEA normalmente está restrita às células do intestino, pâncreas, fígado e durante os dois primeiros trimestres da gravidez, e uma expressão reduzida é observada na mucosa de colo do intestino normal no adulto e na mama durante a lactação. A expressão do CEA está elevada em muitos carcinomas do colo do intestino, pâncreas, estômago e da mama, e os níveis séricos encontram-se aumentados nestes pacientes. O nível sérico do CEA é utilizado para monitorar a persistência ou recorrência de tumores após tratamento, mas não é um marcador de diagnóstico porque o CEA sérico também pode estar elevado em quadros de doenças não neoplásicas, como doenças inflamatórias crônicas do intestino ou fígado.
A AFP é uma glicoproteína circulante normalmente sintetizada e secretada na vida fetal pelo saco vitelino e pelo fígado. As concentrações séricas fetais podem ser tão elevadas quanto 2 a 3 mg/mL, mas na vida adulta, a proteína é substituída pela albumina, e apenas níveis baixos estão presentes no plasma. Os níveis séricos da AFP podem estar significativamente elevados em pacientes com carcinoma hepatocelular, tumores de células germinativas, e, ocasionalmente, cânceres gástrico e pancreático. Um nível sérico elevado de AFP é um indicador de tumores hepáticos ou de células germinativas avançados ou de recidiva destes tumores após o tratamento. Além disso, a detecção da AFP em cortes de tecido por meio de técnicas de imuno-histoquímicas pode ajudar na identificação histopatológica das células tumorais. Da mesma forma que o CEA, a AFP sérica não é um marcador útil para o diagnóstico de tumores, porque níveis elevados também são encontrados em doenças não neoplásicas, como a cirrose hepática.

Antígenos Glicolipídicos e Glicoproteicos Alterados 

A maioria dos tumores humanos e experimentais expressam níveis acima do normal ou formas anormais de glicoproteínas e glicolipídios de superfície, que podem ser marcadores de diagnóstico e alvos para terapia. Estas moléculas alteradas incluem gangliosídeos, antígenos do grupo sanguíneo e mucinas. Alguns aspectos do fenótipo maligno dos tumores, incluindo a invasão tecidual e o comportamento metastático, podem refletir propriedades alteradas da superfície celular, resultantes da síntese de glicolipídios e glicoproteínas anormais. Foram criados em animais muitos anticorpos capazes de reconhecer grupos de carboidratos ou núcleos peptídicos destas moléculas. Embora a maioria dos epítopos reconhecidos por estes anticorpos não seja especificamente expressa em tumores, eles estão presentes em níveis mais elevados em células cancerosas do que nas células normais. Esta classe de antígenos associados a tumores é um alvo para a terapia com anticorpos específicos contra o câncer .
Os gangliosídeos, incluindo GM2, GD2, GD3 e, são glicolipídios expressos em níveis elevados em neuroblastomas, melanomas e diversos sarcomas. Em função da expressão seletiva do tumor destas moléculas, elas são alvos interessantes para terapias específicas contra tumores, como terapia com anticorpos. Estudos clínicos com anticorpos antigangliosídeos e imunização com vacinas de gangliosídeos estão em andamento em pacientes com melanoma. As mucinas são glicoproteínas de elevado peso molecular que contêm inúmeras cadeias laterais de carboidratos O-ligadas a um núcleo polipeptídico. Os tumores frequentemente apresentam uma expressão desregulada das enzimas que sintetizam estas cadeias laterais de carboidratos, o que leva ao aparecimento de epítopos específicos de tumores nas cadeias laterais carboidratos ou no núcleo polipeptídico anormalmente exposto. Várias mucinas são objeto de estudos diagnósticos e terapêuticos, incluindo CA-125 e CA-19-9, expressa em carcinomas de ovário, e a MUC- 1, expressa em carcinomas da mama e do colo do intestino. Ao contrário de muitas mucinas, a MUC-1 é uma proteína integral da membrana, normalmente expressa apenas na superfície apical do epitélio ductal da mama, região relativamente isolada do sistema imunológico. No carcinoma ductal da mama, no entanto, a molécula está expressa de forma despolarizada, contendo novos epítopos peptídicos e de carboidratos específicos de tumores detectáveis por anticorpos monoclonais de camundongos. Os epítopos peptídicos induzem respostas de anticorpos e de células T em pacientes com câncer, e esforços estão sendo realizados para desenvolver vacinas que contenham formas imunogênicas de epítopos de MUC-1.

Antígenos de Diferenciação Tecido-Específicos 

Os tumores podem expressar moléculas que são normalmente expressas apenas nas células de origem do tumor e não nas células de outros tecidos. Estes antígenos são denominados antígenos de diferenciação porque são específicos para determinadas linhagens ou estágios de diferenciação de vários tipos de células. A sua importância é de potenciais alvos para a imunoterapia e para identificação do tecido de origem dos tumores. Por exemplo, vários antígenos de melanoma que são alvos dos CTL nos pacientes são antígenos de diferenciação de melanócitos, como a tirosinase, mencionada anteriormente. Os linfomas podem ser diagnosticados como tumores derivados de células B por meio da detecção de marcadores de superfície característicos desta linhagem, como o CD10 (anteriormente chamado antígeno da leucemia linfoblástica aguda comum, ou CALLA) e o CD20. Anticorpos contra estas moléculas também são utilizados para a imunoterapia antitumoral; a imunoterapia mais bem-sucedida para os linfomas de células B não Hodgkin é com um anticorpo anti-CD20 (rituximab). Estes antígenos de diferenciação são moléculas próprias normais, e, portanto, normalmente não induzem fortes respostas imunes em hospedeiros portadores de tumor.

Respostas imunes aos tumores 

Foi demonstrado que respostas imunes adaptativas, mediadas principalmente por células T, controlam o desenvolvimento e a progressão de tumores malignos. Ambas as respostas imunes inata e adaptativa podem ser detectadas em pacientes e animais experimentais, e diversos mecanismos imunes podem eliminar células tumorais in vitro. O desafio para os imunologistas de tumores é determinar quais destes mecanismos podem contribuir de forma significativa para a proteção contra tumores e melhorar estes mecanismos efetores de forma que sejam específicos para o tumor. Nesta seção, revisaremos as evidências da eliminação de tumores por vários mecanismos imunes efetores e discutiremos quais seriam, provavelmente, os mais relevantes para os tumores humanos.

Linfócitos T 

O principal mecanismo de proteção imune adaptativa contra tumores está na eliminação das células tumorais por CTL CD8 + . A capacidade dos CTLs de proporcionar imunidade antitumoral eficaz in vivo, pode ser observada claramente em estudos experimentais com animais usando tumores induzidos por carcinógenos e por vírus de DNA. Como discutido anteriormente, os CTLs podem desempenhar uma função de vigilância por reconhecer e destruir células potencialmente malignas que expressam peptídios derivados de antígenos tumorais que são apresentados associados a moléculas do MHC de classe I. CTLs específicos de tumor podem ser isolados de animais e seres humanos com tumores estabelecidos, e há evidências de que o prognóstico dos tumores humanos, incluindo tumores comuns, como carcinomas do colo do intestino, é mais favorável quanto mais CTLs estiverem presentes no interior do tumor. Além disso, células mononucleares derivadas do infiltrado inflamatório em tumores sólidos humanos, denominadas de linfócitos infiltrantes do tumor (TILs), contêm CTL com a capacidade de destruir o tumor a partir do qual foram derivadas. Essencialmente, a incapacidade de detectar CTLs específicos de tumores em alguns pacientes pode ser devido a mecanismos de regulação explorados pelo tumor. Um dos resultados mais impressionantes de ensaios clínicos recentes é que o bloqueio destas vias inibitórias, eliminando, assim, as contenções das respostas imunes, induz o desenvolvimento de fortes respostas de células T contra o tumor. Voltaremos a esse conceito mais adiante neste capítulo.
As respostas de células T CD8 + específicas para antígenos tumorais podem exigir apresentação cruzada dos antígenos tumorais pelas células dendríticas. A maioria das células tumorais não são derivadas de APCs e, portanto, não expressa os coestimuladores necessários para iniciar as respostas das células T ou das moléculas de MHC de classe II necessárias para estimular as células T auxiliares, que promovem a diferenciação de células T CD8 + . Uma explicação provável de como as respostas das células T contra tumores são iniciadas é e que as células tumorais ou seus antígenos sejam ingeridos pelas APCs do hospedeiro, particularmente pelas células dendríticas, e os antígenos tumorais sejam processados no interior das APCs. Os peptídios derivados destes antígenos são em seguida exibidos ligados às moléculas do MHC de classe I para reconhecimento pelas células T CD8 + . As APCs expressam coestimuladores que fornecem os sinais necessários para a diferenciação de células T CD8 + em CTLs antitumorais. Este processo de apresentação cruzada, ou cross-priming, foi descrito nos capítulos anteriores (Fig. 6-20). Uma vez sendo gerados os CTL efetores, eles são capazes de reconhecer e destruir as células tumorais sem a necessidade de haver uma coestimulação. A aplicação prática do conceito de cross-priming é de cultivar as células dendríticas de um paciente com câncer, incubar as APCs com células ou antígenos do tumor desse paciente, e utilizar estas APCs pulsadas com antígenos como vacinas para estimular a resposta de células T antitumorais.
A importância das células T CD4 + auxiliares na imunidade tumoral está menos esclarecida. As células CD4 + podem desempenhar um papel nas respostas imunes antitumorais, proporcionando citocinas para a diferenciação de células T CD8 + naive e de memória em CTL efetores (Cap. 11). Além disso, as células T auxiliares específicas para antígenos tumorais são capazes de secretar citocinas, como TNF e IFN-γ, que podem aumentar expressão do MHC de classe I pelas células tumorais e a sensibilidade à lise por CTLs. O IFN-γ também pode ativar macrófagos para eliminar células tumorais. A importância do IFN-γ na imunidade antitumoral é demonstrada pelo achado de que há aumento da incidência de tumores em camundongos knockout desprovidos dessa citocina, o receptor de IFN-γ ou dos componentes da cascata de sinalização do receptor de IFN-γ.

Fonte: Livro Imunologia Celular e Molecular - 8ª Ed.

Autores: Abul Lichtman, Andrew Abbas


Anticorpos 

Hospedeiros portadores de tumores podem produzir anticorpos contra vários antígenos tumorais. Por exemplo, pacientes com linfomas associados ao EBV apresentam anticorpos séricos contra antígenos codificados pelo EBV expressos na superfície das células do linfoma. Os anticorpos podem destruir as células tumorais através da ativação do complemento ou por citotoxicidade dependente de anticorpos, na qual macrófagos portadores do receptor Fc ou células NK medeiam a eliminação. No entanto, a capacidade dos anticorpos de eliminar as células tumorais tem sido amplamente demonstrada in vitro, e há poucas evidências de respostas imunes humorais efetivas contra tumores. Alguns anticorpos antitumorais terapêuticos efetivos estão sendo administrados passivamente a pacientes propensos a desenvolver a citotoxicidade mediada por células dependentes de anticorpos, como discutiremos mais adiante.

Células Natural Killer (NK) (Assassinas Naturais)

 As células NK eliminam muitos tipos de células tumorais, especialmente células que apresentam expressão diminuída do MHC de classe I e expressam ligantes para receptores de ativação da célula NK. In vitro, as células NK podem destruir células infectadas por vírus e certas linhagens de células tumorais, especialmente de tumores hematopoéticos. As células NK também respondem à ausência de moléculas do MHC de classe I porque o reconhecimento destas proporciona sinais inibidores para as células NK (Fig. 4-8). Como veremos mais adiante, alguns tumores perdem a expressão de moléculas do MHC de classe I, talvez como resultado da seleção contra as células que expressam MHC de classe I pelos CTLs. Esta perda de moléculas do MHC de classe I torna os tumores bons alvos particularmente para as células NK. Alguns tumores também expressam MIC-A, MIC-B, e ULB, que são ligantes de ativação do receptor NKG2D nas células NK. Além disso, as células NK podem ser direcionadas para as células tumorais revestidas por anticorpo IgG pelos receptores Fc (Fc RIII γ ou CD16). A capacidade tumoricida das células NK é aumentada pelas citocinas, incluindo o interferon-γ (IFN-γ), IL-15 e IL-12, e os efeitos antitumorais destas citocinas são parcialmente atribuídos à estimulação da atividade das células NK. As células NK ativadas por IL-2, chamadas de células assassinas ativadas por linfocina (LAK), são obtidas por cultura de células em doses elevadas de IL-2 a partir do sangue periférico ou de linfócitos infiltrativos do tumor de pacientes com tumores. Estas células são as assassinas mais potentes de tumores do que as células NK não ativadas. A utilização de células LAK na imunoterapia adaptativa de tumores será discutida posteriormente.
 A importância das células NK na imunidade contra tumores, in vivo, não está clara. Em alguns estudos sugeriu-se que camundongos deficientes de células T não apresentam alta incidência de tumores espontâneos devido à presença de números normais de células NK que desempenham a função de vigilância imune. Já foram descritos alguns poucos pacientes com deficiência de células NK e alta incidência de linfomas associados ao EBV.

Macrófagos 

 Os macrófagos são capazes tanto de inibir como de promover o crescimento e a propagação de cânceres, dependendo do seu estado de ativação. Classicamente, os macrófagos M1 ativados, discutidos no capítulo 10, podem destruir muitas células tumorais. Como os macrófagos são ativados por tumores não foi descoberto ainda. Possíveis mecanismos incluem o reconhecimento de padrões moleculares associados a danos a partir das células tumorais em processo de morte por macrófagos TLRs e outros receptores da imunidade inata, e ativação dos macrófagos pelo IFN-γ produzido pelas células T específicas do tumor. Macrófagos M1 podem destruir células tumorais por mecanismos que eles também usam para matar organismos infecciosos. Entre estes está a produção de óxido nítrico (NO), que, como já demonstrado, destrói tumores in vitro e em modelos murinos in vivo.
 Existem evidências de que alguns macrófagos em tumores contribuem para a progressão tumoral e apresentam um fenótipo M2. Estas células secretam fator de crescimento endotelial vascular (VEGF), fator transformador do crescimento β (TGF-β), e outros fatores solúveis que promovem a angiogênese tumoral. O papel destas células e de outros componentes da resposta do hospedeiro no crescimento tumoral será discutido no final deste capítulo.

Evasão tumoral das respostas imunes

 Muitos tumores malignos desenvolvem mecanismos que lhes permitem escapar das respostas imunes antitumorais. Estes mecanismos podem ser divididos entre aqueles que são intrínsecos às células tumorais e aqueles que são mediados por outras células (Fig. 18-3). Um dos principais focos da imunologia de tumores é compreender os mecanismos de evasão imune dos tumores, com a esperança de que intervenções que evitem a evasão imune aumentem a imunogenicidade dos tumores e maximizem as respostas do hospedeiro.
FIGURA 18-3 Mecanismos pelos quais os tumores escapam das defesas imunes. 
Aimunidade antitumoral desenvolve-se quando as células reconhecem antígenos tumorais e são ativadas. As células tumorais podem evadir das respostas imunes por meio da perda da expressão de antígenos ou moléculas do MHC ou pela produção de ligantes para receptores inibidores das células T e citocinas imunossupressoras.

Escape do Reconhecimento Imune por Perda da Expressão de Antígeno 

As respostas imunes contra células tumorais conferem pressões seletivas que resultam na sobrevivência e no crescimento de células tumorais variantes com imunogenicidade reduzida, um processo que tem sido chamado de imunoedição tumoral. Por exemplo, quando os tumores são induzidos por tratamento com carcinógenos em camundongos imunodeficientes ou imunocompetentes, e os tumores são então transplantados para outros camundongos imunocompetentes, os tumores que foram obtidos a partir dos camundongos imunodeficientes são mais rejeitados com mais frequência pelo sistema imune do animal receptor do que os tumores derivados dos camundongos imunocompetentes (Fig. 18-4). Este resultado indica que os tumores que se desenvolveram na configuração de um sistema imune normal, se tornam menos imunogênicos ao longo do tempo, o que é consistente com a seleção de células variantes menos imunogênicas. Dada a elevada taxa mitótica das células tumorais e a sua instabilidade genética, mutações ou deleções em genes que codificam antígenos tumorais são comuns. Se estes antígenos não são necessários para o crescimento de tumores ou a manutenção do fenótipo transformado, as células de tumor antígenonegativas apresentam uma vantagem de crescimento em relação ao sistema imune do hospedeiro. Assim, acredita-se que a imunoedição tumoral seja a base do surgimento de tumores que escapam da vigilância imune.
FIGURA 18-4 Imunoedição tumoral. 
Este experimento demonstra que as células tumorais que crescem sob pressão seletiva do sistema imune normal serão editadas de forma a se obter células tumorais que possam escapar da imunidade. As células sobreviverão após transferência para um hospedeiro secundário. De forma contrária, tumores removidos de um camundongo RAG KO, sem sistema imune adaptativo, não sentirão as mesmas pressões seletivas, permanecerão imunogênicos e serão rejeitadas após transferência para um camundongo normal.

Além da perda de antígenos específicos do tumor, a expressão do MHC de classe I pode estar regulada negativamente nas células tumorais de modo que não pode ser reconhecida pelos CTLs. Vários tumores exibem diminuição da síntese de moléculas do MHC de classe I, microglobulina-β2, ou de componentes da maquinaria de processamento do antígeno, incluindo o transportador associado ao processamento do antígeno e algumas subunidades do proteassoma. Estes mecanismos são presumivelmente adaptações dos tumores que surgem em resposta às pressões seletivas da imunidade do hospedeiro, e podem permitir que as células tumorais escapem das respostas imunes mediadas por células T. No entanto, não existe uma correlação clara entre o nível de expressão do MHC em uma ampla variedade de células tumorais humanas e experimentais ou o crescimento in vivo destas células.

Inibição Ativa das Respostas Imunes 

Os tumores podem envolver mecanismos inibitórios que suprimem as respostas imunes. Existem fortes evidências experimentais e clínicas, de que a resposta das células T para alguns tumores são inibidas pelo envolvimento de CTLA-4 ou PD-1, duas das vias inibitórias mais bem definidas nas células T (Cap. 15). Uma possível razão para esse papel de CTLA-4 é que os antígenos tumorais são apresentados pelas APCs na ausência de uma forte imunidade inata e, então, com baixos níveis de coestimuladores de B7. Estes níveis baixos podem ser suficientes para ocupar o receptor de alta afinidade CTLA-4. PDL1, uma proteína da família B7 que é um ligante do receptor inibitório de DP-1 das células T (Cap. 15), é expressa em muitos tumores humanos e estudos em animais indicam que as respostas antitumorais das células T ficam comprometidas pela expressão de PD-L1. PD-L1 nas APCs também pode estar envolvida na inibição da ativação de células T específicas do tumor. Como discutiremos mais adiante, o bloqueio das vias de CTLA-4 e PD-L1/PD-1 já está sendo usado clinicamente para melhorar a imunidade tumoral.
Produtos secretados pelas células tumorais podem suprimir as respostas imunes antitumorais. Um exemplo de produto tumoral imunossupressor é o TGF-β, secretado em grandes quantidades por muitos tumores e inibe a proliferação e as funções efetoras dos linfócitos e macrófagos (Cap. 15).
As células T regulatórias podem suprimir a resposta antitumoral das células T. Evidência a partir de sistemas de modelos murinos e pacientes com câncer que indicam que o número de células T regulatórias está elevado em indivíduos portadores de tumores e as células podem ser encontradas em infiltrados celulares em certos tumores. A depleção de células T regulatórias em camundongos portadores de tumor aumenta a imunidade antitumoral e reduz o crescimento do tumor.
Macrófagos associados a tumores podem promover o crescimento tumoral e invasão por alterar o microambiente do tecido e por supressão de respostas das células T. Estes macrófagos apresentam um fenótipo M2, como discutido anteriormente de forma breve, e secretam mediadores, como IL-10 e prostaglandina E2 , que prejudicam as funções ativadoras e efetoras das células T. Por outro lado, macrófagos associados aos tumores também secretam fatores que promovem a angiogênese, como TGF-β e VEGF, que podem favorecer o crescimento do tumor
Células supressoras mieloide-derivadas (MDSCs) são precursores mieloides imaturos recrutados a partir da medula óssea e que se acumulam nos tecidos linfoides, sangue ou tumores de animais portadores de tumores e pacientes com câncer e suprimem as respostas das células T e inatas antitumorais. As MDSCs são um conjunto heterogêneo de tipos celulares, incluindo precursores de células dendríticas, monócitos e neutrófilos. Eles compartilham alguns marcadores de superfície comuns, como Ly6C ou Ly6G e CD11b em camundongos e CD33, CD11b e CD15 em humanos. O recrutamento das MDSCs da medula óssea para linfonodos e outros tecidos é induzido por vários mediadores pró- inflamatórios produzidos pelos tumores. Estes mediadores, dentre os quais se inclui a prostaglandina E2, IL-6, VEGF e fragmento C5a do complemento, não são específicos para tumores, e, na verdade, as MDSCs se acumulam nos locais de inflamação crônica não relacionados aos tumores. As MDSCs suprimem as respostas imunes inatas por meio da secreção de IL-10, que inibe várias funções inflamatórias dos macrófagos ativados e das células dendríticas. As MDSCs também suprimem as respostas das células T, por meio de diversos mecanismos. Elas geram radicais livres que inibem a ativação das células T, como peroxinitrito, e produzem indolamina 2,3-disoxigenase, que cataboliza o triptofano necessário para a proliferação das células T. As MDSCs afetam indiretamente a resposta antitumoral das células T através da indução do desenvolvimento de linfócitos T regulatórios e distorcendo a diferenciação das células T auxiliares em relação às células TH2.

Imunoterapia para tumores 

O potencial para o tratamento de pacientes com câncer através de abordagens imunológicas é promissor para oncologistas e imunologistas por muitos anos. A principal razão para interesse em uma abordagem imunológica é que a maioria das terapias atuais para o câncer depende de medicamentos que destroem as células em divisão ou a divisão celular e estes tratamentos têm efeitos nocivos sobre as células normais em proliferação. Como consequência, o tratamento do câncer é causa de morbidade e mortalidade significativas. As respostas imunes contra tumores podem ser específicas para antígenos tumorais e não lesarão a maioria das células normais. Assim, a imunoterapia apresenta o potencial para ser o tratamento mais específico que pode ser concebido contra os tumores. Avanços na compreensão do sistema imunológico e na definição dos antígenos das células tumorais têm incentivado muitas estratégias novas. A imunoterapia contra tumores tem como objetivo aumentar a resposta imunológica fraca do hospedeiro contra os tumores (imunização ativa) ou para administrar anticorpos ou células T específicos contra tumores, uma forma de imunidade passiva. Nesta seção, descrevemos algumas formas de imunoterapia tumoral que foram experimentadas no passado ou que estão sendo investigadas atualmente.

Estimulação das Respostas Imunes Ativas do Hospedeiro contra Tumores 

As primeiras tentativas de aumentar a imunidade antitumoral basearam-se na estimulação imune inespecífica. Mais recentemente, vacinas compostas de células tumorais mortas, antígenos tumorais ou células dendríticas incubadas com antígenos tumorais foram administradas a pacientes, e estratégias para aumentar as respostas imunes contra os tumores estão sendo desenvolvidas.

Vacinação com Antígenos Tumorais 

A imunização de indivíduos portadores de tumores com antígenos tumorais resulta em melhora da resposta imune contra o tumor. A identificação de peptídios reconhecidos por CTLs específicos do tumor e a clonagem de genes que codificam antígenos específicos de tumores reconhecidos por CTL têm fornecido muitos antígenos candidatos a vacinas tumorais (Tabela 18-2). Para antígenos que são exclusivos de um único tumor, como antígenos produzidos por mutações pontuais aleatórias em genes celulares, abordagens personalizadas de vacinação já estão sendo tentadas. Uma abordagem que tem demonstrado algum sucesso é a utilização de peptídios imunogênicos longos que contêm alterações de aminoácidos individuais correspondentes às mutações do tumor, juntamente com adjuvantes selecionados.
Tabela 18-2 
Vacinas Tumorais

CLL, leucemia linfocítica crônica; HSP, proteína de choque térmico.
Esta tabela foi compilada com a ajuda do Dr. Catherine Wu, do Dana-Farber Cancer Institute and Harvard Medical School, Boston, Massachusetts.

Estratégias de vacinação contra tumores empregam vários adjuvantes e métodos de liberação.
• Moléculas pró-inflamatórias são usadas para aumentar o número de células dendríticas ativadas no local de vacinação. Estes adjuvantes incluem ligantes de TLR, tal como o RNAds, DNA CpG, BCG e citocinas, como CSF-GM e IL-12.
• Os antígenos tumorais são liberados na forma de vacinas de células dendríticas. Nesta abordagem, as células dendríticas são purificadas a partir dos pacientes, incubadas com os antígenos tumorais e, em seguida, injetadas de volta nos pacientes. Atualmente, uma vacina com base celular está aprovada para o tratamento do câncer da próstata avançado. Esta vacina é composta de um preparado de leucócitos do sangue periférico de um paciente enriquecido em células dendríticas, que são expostas a uma proteína de fusão recombinante que consiste de fator estimulador de colônia de granulócitos-macrófagos (GM-CSF) e fosfatase ácida prostática do antígeno associado ao tumor. O GM-CSF promove a maturação das células dendríticas, que apresentam o antígeno tumoral e estimulam as respostas antitumorais das células T.
• Outra abordagem consiste na utilização de vacinas de DNA e vetores virais que codificam antígenos tumorais; algumas delas estão sob estudos clínicos ativos ou planejados. As vacinas à base de células e DNA podem ser a melhor forma para induzir respostas de CTLs porque os antígenos codificados são sintetizados no citoplasma celular, como as células dendríticas, que assumem estes antígenos, plasmídeos e vetores, e peptídios entram na via de apresentação de antígeno do MHC de classe I.
 Em geral, os resultados dos ensaios com muitos tipos diferentes de vacinas tumorais têm sido inconsistentes, e isso provavelmente reflete o fato de que uma das características do câncer é evadir da imunidade do hospedeiro. Os tumores costumam fazer isso inibindo respostas imunes. A maioria das vacinas contra tumores são vacinas terapêuticas; elas devem ser administradas após o tumor ser encontrado no hospedeiro (ao contrário de vacinas preventivas para infecções), e, para ser eficaz, deve superar a regulação imune que os cânceres estabelecem.
 O desenvolvimento de tumores induzidos por vírus pode ser reduzido pela vacinação preventiva com antígenos virais ou vírus vivos atenuados. Como mencionado anteriormente, as vacinas contra o HPV, recentemente desenvolvidas, têm sido eficazes na redução da incidência de lesões pré-malignas induzidas pelo HPV no colo do útero. Esta abordagem tem sido bastante bem-sucedida na redução da incidência de tumores malignos hematológicos induzidos pelo vírus da leucemia felina em gatos e na prevenção da doença de Marek, um linfoma induzido por Herpes-vírus, em galinhas.

Bloqueio de Vias Inibitórias para Promover Imunidade Tumoral 

O bloqueio de moléculas inibidoras de células T tem emergido como um dos métodos mais promissores para melhorar efetivamente as respostas imunes dos pacientes contra os tumores. Esta abordagem baseia-se na ideia de que as células tumorais exploram diversas vias normais de regulação imune ou da tolerância para escapar da resposta imune do hospedeiro, como discutido anteriormente. Uma vez que estes inibidores estabeleçam pontos de verificação (do inglês, checkpoints) nas respostas imunes, a abordagem de estimulação das respostas imunes através da remoção de inibição muitas vezes é chamada de bloqueio dos pontos de verificação. Um anticorpo específico para o CTLA-4, o receptor inibitório das células T para B7 ( Capítulo 15), é uma terapia aprovada para o melanoma avançado, e que é eficaz em retardar a progressão dos tumores em muitos pacientes. Este anticorpo pode funcionar não só bloqueando a ação do CTLA-4, mas talvez também depletando as células T regulatórias, que expressam altos níveis de CTLA- 4. Como discutido anteriormente, as respostas das células T contra os tumores também podem ser inibidas pela via de PD-L1/PD-1 (Fig. 18-5). O anticorpo que bloqueia DP-1 ou seu ligante é eficaz no aumento da morte de células T de tumores em camundongos, e vários estudos clínicos em humanos têm mostrado que o bloqueio de DP-1 ou PD-L1 pode limitar a progressão tumoral e reduzir a carga do tumor em pacientes com cânceres avançados. Estudos combinando o bloqueio de DP-1 e CTLA-4 parecem ser muito eficazes. As complicações mais comuns destes tratamentos têm sido as reações autoimunes e inflamatórias, fato previsível levando em consideração as funções conhecidas de CTLA-4 e DP-1 na manutenção da autotolerância e da regulação das respostas das células T, mas estas reações podem ser controladas com uso de medicamentos anti-inflamatórios, como corticoides. Os agentes que bloqueiam a supressão imune e, assim, aumentam as respostas imunes antitumorais podem ser mais eficazes em combinação com vacinas de tumores ou outras medicações que apresentem como alvo as vias moleculares intrínsecas que contribuem para o crescimento tumoral.
FIGURA 18-5 Bloqueio inibidor de células T. 
Pacientes portadores de tumor frequentemente produzem respostas ineficazes das células T contra seus tumores devido à superregulação de receptores inibitórios como PD-1 sobre as células T específicas do tumor e a expressão do ligante PD-L1 nas células tumorais. Os ensaios clínicos que usam anticorpos bloqueadores anti-PD-L1 ou anti-DP-1 têm demonstrado eficácia no tratamento de vários tipos de tumores avançados. Uma estratégia semelhante, utilizando anti-CTLA-4, foi aprovada para o tratamento de melanomas, que pode funcionar através do bloqueio de CTLA-4 nas células efetoras ou Treg.

Aumento da Imunidade do Hospedeiro contra Tumores com Citocinas 

A imunidade mediada por células contra os tumores pode, teoricamente, ser melhorada através do tratamento de indivíduos que possuem tumores com citocinas que estimulam a proliferação e diferenciação de linfócitos T e células NK. Uma possível abordagem para aumentar a resposta do hospedeiro ao tumor é fornecer artificialmente citocinas que podem aumentar a ativação das células dendríticas e das células T específicas do tumor, particularmente CTL CD8 + . Muitas citocinas também apresentam o potencial de induzir respostas inflamatórias inespecíficas, o que por si só pode ter uma atividade antitumoral.
A maior experiência clínica com altas doses de IL-2 administradas via intravenosa, que foi eficaz na indução de resposta mensurável de regressão tumoral foi de cerca de 10% em pacientes com melanoma avançado e carcinoma de células renais, e atualmente é um tratamento aprovado para estes cânceres. No entanto, o uso de altas doses de IL-2 é limitado, porque ela estimula a produção de quantidades tóxicas de citocinas pró- inflamatórias, como TNF e IFN-γ, que agem no endotélio vascular e em outras células desencadeando uma síndrome de permeabilidade vascular grave.
O IFN-α está aprovado para o tratamento do melanoma maligno, combinado à quimioterapia, e para tumores carcinoides. Também é utilizado para o tratamento de certos linfomas e leucemias. Os mecanismos dos efeitos antineoplásicos do IFN-α provavelmente incluem a inibição da proliferação das células tumorais, aumento da atividade citotóxica das células NK e aumento da expressão do MHC de classe I nas células tumorais, o que as torna mais susceptíveis à morte mediada por CTL.
Outras citocinas, como TNF e IFN-γ, são agentes antitumorais eficazes em modelos animais, mas a sua utilização em pacientes é limitada pelos seus efeitos tóxicos secundários. Fatores de crescimento hematopoéticos incluindo GM-CSF e G-CSF, são utilizados em protocolos de tratamento de câncer para encurtar os períodos de neutropenia e trombocitopenia após a quimioterapia ou transplante autólogo de medula óssea.

Estimulação Inespecífica do Sistema Imune

 As respostas imunes a tumores podem ser estimuladas pela administração local de substâncias inflamatórias ou por tratamento sistêmico com agentes que funcionem como ativadores policlonais de linfócitos. A estimulação imune inespecífica de pacientes com tumores por meio de injeção de substâncias inflamatórias, como o bacilo de CalmetteGuérin morto (BCG) nos locais de crescimento tumoral tem sido experimentada há muitos anos. As micobactérias BCG ativam os macrófagos e, assim, promovem a morte das células tumorais mediada por macrófagos. Além disso, as bactérias funcionam como adjuvantes e podem estimular respostas de células T contra antígenos tumorais. Atualmente, a BCG intravesicular é usada para o tratamento do câncer de bexiga urinária. O tratamento com citocinas, discutido anteriormente, representa outro método para aumentar as respostas imunes de forma inespecífica.

Imunoterapia Passiva para Tumores com Células T e Anticorpos 

Imunoterapia passiva envolve a transferência de efetores imunológicos, incluindo células T e anticorpos específicos para os tumores, para os pacientes. A imunização passiva contra tumores é rápida, mas não leva à imunidade de longa duração. Atualmente, alguns anticorpos antitumorais estão aprovados para o tratamento de certos cânceres. Várias outras abordagens para imunoterapia passiva estão sendo estudadas, com sucesso variável.

Terapia Celular Adotiva 

Imunoterapia celular adaptativa é a transferência de células imunes em cultura que tenham reatividade antitumoral para um hospedeiro portador de tumor. As células do sistema imune são derivadas do sangue ou de um tumor sólido de um paciente com câncer, e, em seguida, são tratadas de várias maneiras para expandir numericamente e melhorar a sua atividade antitumoral, antes da reinfusão no paciente (Fig. 18-6, A).
FIGURA 18-6 Terapia celular adotiva. 
Linfócitos isolados do sangue ou de um infiltrado tumoral do paciente podem ser expandidos em cultura em IL-2 e devolvidos por infusão ao paciente (A). Os linfócitos podem ser transfectados com os genes do CAR (B). Este tratamento, muitas vezes combinado à administração sistêmica de IL-2, leva à regressão de tumores em alguns pacientes. Em alguns casos, as células T do paciente podem ser geneticamente transduzidas ex vivo para expressar receptores de antígeno quiméricos recombinantes (CARs) antes de serem transferidos de volta para o paciente. CARs (B) são compostos por domínios de receptores específicos para antígenos tumorais e domínios de sinalização, como ITAMs e motivos citossólicos de CD28, que promovem uma robusta ativação das células T.

A terapia adaptativa utilizando células T que expressam receptores de antígeno quimérico (CAR) tem sido bem-sucedida em algumas doenças hematológicas, e esta abordagem está em estudo para outros tumores. CARs são receptores construídos geneticamente com locais de ligação específicos para antígenos tumorais codificados por genes Ig-variáveis e caudas citoplasmáticas contendo domínios de sinalização tanto de receptores de antígenos como de moléculas de coestimulatórias por engenharia genética (Fig. 18-6, B). Nos protocolos recentes, as células T do sangue periférico do paciente são isoladas, estimuladas com anti-CD3 e/ou anticorpos anti-CD28, e submetidas à transdução do gene com vetores de codificação de CAR. As células T que expressam o CAR são, então, expandidas in vitro e injetadas no paciente. As células T transferidas sofrem uma proliferação mais intensa no paciente, em resposta ao reconhecimento do antígeno tumoral pelo CAR. A morte do tumor é alcançada tanto por mecanismos citotóxicos diretos como por mediados por citocinas. Os pacientes com doenças malignas das células B, incluindo leucemia linfocítica crônica e leucemia linfoblástica aguda, têm sido tratados eficazmente com células T que expressam CAR específicas para CD19, um marcador celular pan-B também expresso nas células tumorais. A morte de células B normais ocorre, mas os pacientes podem tolerá-la porque as células produtoras de anticorpos de vida longa não expressam CD19 e não são destruídas, e continuam a fornecer imunidade mediada por anticorpos. Um grande obstáculo para a expansão do uso da terapia com células T-CAR para tumores, como carcinomas, é identificar os antígenos-alvo que sejam relativamente específicos do tumor.
Outro protocolo mais antigo em relação à imunoterapia celular adaptativa consiste em gerar células LAK a partir de cultura de leucócitos do sangue periférico de pacientes com tumor em altas concentrações de IL-2 e injetar as células LAK de volta nos pacientes. Como discutido anteriormente, as células LAK são derivadas principalmente de células NK. A terapia adaptativa com células LAK autólogas em conjunto com a administração in vivo de IL-2 ou medicações quimioterápicas produziu resultados impressionantes em camundongos, que apresentaram regressão de tumores sólidos. Estudos de terapia com células LAK humanos até agora estão em grande parte restritos a casos de tumores metastáticos avançados, e a eficácia desta abordagem parece variar de paciente para paciente. Uma variação desta abordagem consiste em isolar TILs do infiltrado inflamatório presente em tumores sólidos e ao seu redor, obtidos a partir de amostras de ressecção cirúrgica, e propagação dos TILs em cultura com IL-2. A justificativa para esta abordagem é que os TILs podem ser enriquecidos por CTLs específicos para o tumor e células NK ativadas. A terapia com TIL para melanoma metastático é utilizada em vários centros.

Efeito Enxerto-Versus-Leucemia 

Em pacientes com leucemia, a administração de células T e células NK juntamente com células-tronco hematopoéticas de um doador alogênico pode contribuir para a erradicação do tumor. O efeito enxerto-versus-leucemia mediado por células T é dirigido a moléculas do MHC alogênicas presentes nas células hematopoéticas do receptor, inclusive as células leucêmicas. As células NK doadoras respondem às células tumorais porque os tumores podem expressar baixos níveis de moléculas do MHC de classe I, que normalmente inibem a ativação das células NK (Cap. 4). O desafio no uso deste tratamento para melhorar o resultado clínico é minimizar a doença do enxerto-versushospedeiro que pode ser mediada pelas mesmas células T doadoras (Cap. 17).

Terapia com Anticorpos Antitumorais 

Anticorpos monoclonais específicos do tumor podem ser úteis para a imunoterapia específica contra tumores. A possibilidade do uso de anticorpos como “balas mágicas” tem sido atraente para os pesquisadores há muitos anos, e ainda é uma área ativa da pesquisa. Atualmente, há mais de 100 diferentes anticorpos monoclonais sendo considerados como agentes terapêuticos para o câncer, em estudos experimentais em animais ou em humanos, e alguns foram aprovados para uso clínico (Tabela 18-3). Os anticorpos antitumorais podem erradicar tumores pelos mesmos mecanismos efetores que são utilizados para eliminar os microrganismos, incluindo opsonização e fagocitose, ativação do sistema de complemento, e citotoxicidade celular dependente de anticorpos (Cap. 13). Estes mecanismos, provavelmente, funcionem em pacientes com linfoma de células B tratadas com anti-CD20, um dos tratamentos com anticorpos antitumorais mais bem-sucedidas até o momento. Além disso, alguns anticorpos podem ativar diretamente as vias intrínsecas da apoptose nas células tumorais; este é o mecanismo proposto para o uso do anti-CD30 no tratamento de linfomas, atualmente em ensaios clínicos. Um anticorpo monoclonal específico para o produto do oncogene HER2/Neu é um tratamento aprovado para pacientes com câncer de mama, cujos tumores expressam níveis elevados desta proteína. Além de estimular os mecanismos imunitários efetores, o anticorpo anti-HER2/Neu interfere nas funções de sinalização de crescimento da molécula HER2/Neu.
Tabela 18-3
Anticorpos Monoclonais Antitumorais em Estudo ou Aprovados para Uso Clínico

Uma vez que os anticorpos antitumorais utilizados nos estudos iniciais em humanos eram anticorpos monoclonais de camundongos, frequentemente a resposta imune ocorria contra a Ig do camundongo, resultando em anticorpos anti-Ig murinos, o que causava o aumento da eliminação dos anticorpos antitumorais ou bloqueio da ligação do agente terapêutico no seu alvo. Este problema foi reduzido com a utilização de anticorpos humanizados que consistem em regiões variáveis específicas de um anticorpo monoclonal murino para o antígeno tumoral combinadas com porções de Fc humanas. Um dos problemas mais difíceis no uso de anticorpos antitumorais é aumento de variantes com perda de antígenos das células tumorais que não expressam mais os antígenos reconhecidos pelos anticorpos. Uma forma de evitar este problema pode ser o uso de coquetéis de anticorpos específicos para diferentes antígenos expressos no mesmo tumor.
Muitas variações de anticorpos antitumorais têm sido experimentadas na tentativa de melhorar a sua eficácia. Anticorpos específicos para tumor podem ser acoplados a moléculas tóxicas, radioisótopos e fármacos antitumorais a fim de promover a liberação destes agentes citotóxicos especificamente para o tumor. Toxinas como a ricina e a toxina diftérica são inibidores potentes de síntese de proteínas e podem ser eficazes em doses extremamente baixas, se forem transportadas para tumores ligados a anticorpos antitumorais; tais conjugados são denominados imunotoxinas. Esta abordagem requer a ligação covalente da toxina (sem o seu componente de ligação celular) a uma molécula de anticorpo antitumoral sem haver toxicidade ou perda de especificidade do anticorpo. A imunotoxina injetada sistemicamente está sujeita a endocitose pelas células tumorais, e a porção com a toxina é liberada no seu local de ação intracelular. Várias dificuldades práticas devem ser superadas para que esta técnica seja bem-sucedida. A especificidade do anticorpo deve ser de tal forma que ele não se ligue às células não tumorais. Uma quantidade suficiente de anticorpos deve atingir o alvo tumoral apropriado antes de serem eliminados do sangue pelas células fagocíticas portadoras de receptores Fc. As toxinas, os fármacos, os radioisótopos ligados ao anticorpo podem apresentar efeitos sistêmicos, como resultado da circulação através dos tecidos normais. Por exemplo, hepatotoxicidade e síndrome de permeabilidade vascular são problemas comuns na terapia com imunotoxinas. Administração de imunotoxinas pode causar respostas de anticorpos contra as toxinas e os anticorpos injetados. Devido a essas dificuldades práticas, os ensaios clínicos com as imunotoxinas têm obtido sucesso variável e modesto.
O crescimento do tumor geralmente depende de fatores de crescimento, que são possíveis alvos para terapia. Anticorpos que bloqueiam o receptor do fator de crescimento epidérmico são aprovados para o tratamento de tumores colorretais. Os tumores dependem da formação de novos vasos sanguíneos que suprem o tumor com oxigênio e nutrientes. Este processo, chamado de angiogênese tumoral, depende de outros fatores de crescimento especializados, inclusive VEGF. Vários inibidores destes fatores angiogênicos podem bloquear o crescimento do tumor. Atualmente, anticorpos anti-VEGF estão aprovados para uso clínico combinados a agentes quimioterápicos para o tratamento de alguns tumores metastáticos, embora a sua eficácia seja modesta.

O papel da imunidade inata e adaptativa na promoção do crescimento tumoral 

Embora grande parte da ênfase em imunologia tumoral seja sobre o papel do sistema imune na erradicação de tumores, é evidente que o sistema imune também pode contribuir para o desenvolvimento de alguns tumores sólidos. Na verdade, a inflamação crônica tem sido reconhecida como um fator de risco para o desenvolvimento de tumores em muitos diferentes tecidos, especialmente aqueles afetados por doenças inflamatórias crônicas, como por exemplo, o esôfago de Barrett, a doença de Crohn e a colite ulcerativa. Alguns tipos de câncer associados a infecções também são considerados como resultado indireto dos efeitos carcinogênicos dos estados inflamatórios crônicos induzidos pelos organismos infecciosos. Estes incluem carcinoma gástrico e o linfoma dentro do quadro de infecção crônica por Helicobacter pylori e carcinoma hepatocelular associado a hepatite B crônica e infecções por vírus C. Embora os mecanismos pelos quais a inflamação crônica pode promover o desenvolvimento do tumor não sejam bem compreendidos, existem várias possibilidades sustentadas por dados em modelos de roedores.
As células do sistema imune inato são consideradas as culpadas mais diretas pela promoção de tumores entre as células do sistema imunológico. Macrófagos do fenótipo alternativamente ativado (M2) associados a tumores, assim como outras células são fontes de VEGF, o que promove a angiogênese, e de metaloproteinases de matriz, que modificam o tecido extracelular. Portanto, a ativação crônica de algumas células do sistema imune inato é caracterizada pela angiogênese e pela remodelação do tecido, o que favorece o crescimento de tumores e seu espalhamento. Células imunes inatas também podem contribuir para a transformação maligna celular através da geração de radicais livres que causam danos no DNA e desencadeiam mutações em genes supressores de tumor e oncogenes. Alguns dados sugerem que as células do sistema imune inato, incluindo mastócitos, neutrófilos e macrófagos, secretam fatores solúveis que promovem a progressão do ciclo celular e a sobrevivência das células tumorais. O fator de transcrição NF-κB, que é um importante mediador da resposta imune inata, pode desempenhar um papel importante na progressão do câncer associado à inflamação.
O sistema imune adotivo pode promover a ativação crônica das células imunitárias inatas de várias maneiras, incluindo a ativação dos macrófagos mediada por células T nos quadros de infecções microbianas intracelulares persistentes, bem como durante a doença maligna inicial, mesmo quando os agentes infecciosos não estão presentes. Existem também evidências experimentais de que os linfócitos B podem contribuir para a progressão do tumor pela secreção de fatores que regulam diretamente a proliferação das células tumorais, bem como pela capacidade de ativar células do sistema imune inato cronicamente presentes em tumores iniciais. Os efeitos da promoção de tumores do sistema imunitário são paradoxais e constituem um assunto de investigação ativa neste momento. Estes efeitos da inflamação crônica são, teoricamente, também alvo para intervenção farmacológica porque há uma grande variedade de fármacos antiinflamatórios eficazes já disponíveis. O desafio para os oncologistas é alcançar um equilíbrio benéfico no qual as respostas imunes adaptativas antitumorais protetoras não fiquem comprometidas enquanto as reações inflamatórias promotoras tumorais potencialmente prejudiciais estejam controladas.

Resumo 

Os tumores expressam antígenos que são reconhecidos pelo sistema imune, mas a maioria dos tumores suprime as respostas imunes ou é fracamente imunogênica, e as respostas imunes muitas vezes não conseguem impedir o crescimento tumoral. O sistema imune pode ser estimulado a destruir efetivamente os tumores.
Antígenos tumorais reconhecidos por CTLs são os principais indutores e alvos para a imunidade antitumoral. Estes antígenos incluem mutantes de oncogenes e de outras proteínas celulares, proteínas normais cuja expressão é aumentada ou desregulada em tumores, e os produtos de vírus oncogênicos.
Anticorpos específicos para antígenos de células tumorais são utilizados para diagnóstico, e os antígenos são alvos potenciais para a terapia com anticorpos. Estes antígenos incluem os antígenos oncofetais, que normalmente são expressos durante a vida fetal e cuja expressão está desregulada em alguns tumores; glicoproteínas e glicolipídios da superfície alterados; e moléculas que normalmente são expressas nas células das quais os tumores se originam e constituem, assim, antígenos de diferenciação para tipos específicos de células.
As respostas imunes que são capazes de destruir as células tumorais são mediadas por CTL, células NK e macrófagos ativados. Entre esses mecanismos efetores imunitários, o papel dos CTLs na proteção de indivíduos com tumores é o mais bem definido.
Os tumores evadem das respostas imunes através de vários mecanismos, incluindo a regulação negativa da expressão de moléculas do MHC, crescimento seletivo de células que não expressam antígenos tumorais, produção de substâncias imunossupressoras solúveis, acoplamento dos receptores inibitórios nos linfócitos por seus ligantes expressos nas células tumorais, e a indução de células T regulatórias. Macrófagos associados ao tumor e células supressoras derivadas mieloides, encontrados na maioria dos tumores sólidos, podem suprimir a imunidade antitumoral.
A imunoterapia contra tumores é desenvolvida para aumentar as respostas imunes ativas contra estes tumores ou para administrar efetores imunitários específicos para o tumor nos pacientes. A imunidade antitumor pode ser potencializada através do bloqueio de mecanismos de regulação imune. As respostas imunes também podem ser ativamente estimuladas pela vacinação com células tumorais ou antígenos, e pela administração sistêmica de citocinas que estimulam as respostas imunes. A estratégia de sucesso mais recente é o bloqueio do ponto de verificação (checkpoint), onde anticorpos contra os receptores inibitórios nas células T ou seus ligantes são administrados para remover as travas da ativação de linfócitos e, assim, promover a imunidade antitumoral.
Abordagens para a imunoterapia passiva incluem a administração de anticorpos antitumorais, anticorpos conjugados com fármacos tóxicos (imunotoxinas), e células T reativas ao tumor e células NK isoladas de pacientes e propagadas em cultura com fatores de crescimento. Uma nova abordagem promissora é a transferência adaptativa de células T transfectadas para expressar receptores de antígeno quimérico específicos para antígenos tumorais.

Fonte: Livro Imunologia Celular e Molecular - 8ª Ed.

Autores: Abul Lichtman, Andrew Abbas

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