sexta-feira, 27 de outubro de 2017

CAPÍTULO 21 Imunodeficiências Congênitas e Adquiridas

Fonte: Livro Imunologia Celular e Molecular - 8ª Ed.


Autores: Abul Lichtman, Andrew Abbas


VISÃO GERAL DAS DOENÇAS POR IMUNODEFICIÊNCIAS IMUNODEFICIÊNCIAS CONGÊNITAS (PRIMÁRIAS) 
Defeitos na Imunidade Inata 
Imunodeficiências Combinadas Graves Deficiências de Anticorpos: Defeitos no Desenvolvimento e Ativação das Células B 
Defeitos na Ativação e Função do Linfócito T
Desordens Multissistêmicas com Imunodeficiência 
Abordagens Terapêuticas para Imunodeficiências Congênitas 
IMUNODEFICIÊNCIAS ADQUIRIDAS (SECUNDÁRIAS) VÍRUS DA IMUNODEFICIÊNCIA HUMANA E A SÍNDROME DA IMUNODEFICIÊNCIA ADQUIRIDA 
Características Moleculares e Biológicas do HIV Patogênese da Infecção pelo HIV e AIDS Características Clínicas da Doença Causada pelo HIV 
Resposta Imune ao HIV 
Mecanismos de Evasão Imune do HIV 
Controladores de Elite e Não Progressores de Longo Prazo: Uma Possível Função para os Genes do Hospedeiro 
Tratamento e Prevenção da AIDS e Desenvolvimento da Vacina
RESUMO 

A integridade do sistema imune é essencial para a defesa contra organismos infecciosos e seus produtos tóxicos e, portanto, para a sobrevivência de todos os indivíduos. Defeitos em um ou mais componentes do sistema imune podem desencadear distúrbios graves e muitas vezes fatais, que são chamados conjuntamente de imunodeficiências. Estas doenças são amplamente classificadas em dois grupos. As imunodeficiências congênitas ou primárias são defeitos genéticos que resultam no aumento da susceptibilidade à infecção, que frequentemente se manifesta na infância e início da adolescência, mas às vezes é clinicamente detectada mais tarde na vida. Estimase que nos Estados Unidos, cerca de 1 em cada 500 indivíduos nasce com um defeito em algum componente do sistema imune, embora apenas uma pequena proporção seja afetada de forma grave o suficiente para desenvolver complicações com risco de vida. As imunodeficiências adquiridas, ou secundárias, não são doenças hereditárias, mas ocorrem como consequência de desnutrição, câncer disseminado, tratamento com fármacos imunossupressores ou infecção das células do sistema imune, especialmente pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV), agente etiológico da síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS). Este capítulo descreve os principais tipos de imunodeficiências congênitas e adquiridas, com ênfase na sua patogênese e nos componentes do sistema imune envolvidos nestes distúrbios.
Visão geral das doenças por imunodeficiências Antes de iniciar a discussão sobre as doenças individualmente, é importante resumir algumas características gerais das imunodeficiências.
 • A principal consequência da imunodeficiência é o aumento da susceptibilidade à infecção. A natureza da infecção em um determinado paciente depende em grande parte do componente do sistema imune que está defeituoso (Tabela 21-1). A imunidade humoral defeituosa normalmente desencadeia o aumento da susceptibilidade à infecção por bactérias encapsuladas, formadoras de pus e alguns vírus, enquanto os defeitos na imunidade mediada por célula levam à infecção por vírus e outros microrganismos intracelulares. As deficiências combinadas, tanto da imunidade humoral como da mediada por células, tornam os pacientes susceptíveis à infecção por todas as classes de microrganismos. Pacientes imunodeficientes, especialmente aqueles com defeitos na imunidade celular, geralmente apresentam infecções por microrganismos comumente encontradas, mas que são eficientemente eliminadas nas pessoas saudáveis; tais infecções são chamadas de oportunistas. Defeitos na imunidade inata podem resultar em diferentes categorias de infecções microbianas, dependendo da via ou do tipo de células afetadas. Por exemplo, as deficiências do complemento e as deficiências de anticorpos assemelham-se na sua apresentação clínica, enquanto as deficiências das células natural killer (NK) resultam principalmente em infecções virais recorrentes. Há evidências crescentes de que adultos com infecções recorrentes ou graves, muitas vezes, apresentam mutações em genes que regulam a função imunológica. A disponibilidade de novas abordagens de sequenciamento de DNA rápido e eficiente tem melhorado exponencialmente a capacidade de identificar o lócus genético específico que, quando mutado, confere suscetibilidade aos patógenos. Tabela 21-1 
Características das Imunodeficiências que Afetam os Linfócitos T e B 

DTH, Hipersensibilidade retardada.

 • Pacientes com imunodeficiências também são suscetíveis a certos tipos de câncer. Muitos destes cânceres parecem ser causados por vírus oncogênicos, como o vírus EpsteinBarr e o papilomavírus humano. Um aumento da incidência de câncer é, mais frequentemente observado nas imunodeficiências de células T, porque, como discutido no Capítulo 18, as células T desempenham uma função importante na vigilância contra tumores malignos.
 • Paradoxalmente, algumas imunodeficiências estão associadas a maior incidência de autoimunidade. Os mecanismos subjacentes desta associação ainda não são totalmente compreendidos.
 • A imunodeficiência pode ser resultado de defeitos do desenvolvimento ou da ativação dos linfócitos ou de defeitos nos mecanismos efetores da imunidade inata e adaptativa. As imunodeficiências são clínica e patologicamente heterogêneas, em parte porque diferentes doenças envolvem diferentes componentes do sistema imune.
Neste capítulo, descreveremos, em primeiro lugar, as imunodeficiências congênitas, incluindo defeitos em componentes do sistema imune inato e defeitos humorais e mediados por células do sistema imune adaptativo. Concluiremos com uma discussão sobre imunodeficiências adquiridas, com ênfase na AIDS.

Imunodeficiências congênitas (primárias) 

Em diferentes imunodeficiências congênitas, a anormalidade etiológica pode estar em componentes do sistema inato, em diferentes estágios de desenvolvimento dos linfócitos ou nas respostas dos linfócitos maduros aos estímulos antigênicos. As anormalidades herdadas relacionadas à imunidade inata mais comumente envolvem a via do complemento ou os fagócitos. Anormalidades no desenvolvimento dos linfócitos podem ser causadas por mutações em genes que codificam enzimas, proteínas de transporte, adaptadores e fatores de transcrição. Estes defeitos hereditários e as anomalias correspondentes específicas em camundongos foram úteis na elucidação de mecanismos de desenvolvimento dos linfócitos e sua função (Cap. 8). Anormalidades no desenvolvimento e na função dos linfócitos B resultam na produção de anticorpos deficiente e são diagnosticadas pelos níveis reduzidos de imunoglobulina (Ig) sérica, respostas defeituosas dos anticorpos à vacinação e, em alguns casos, números reduzidos de células B circulantes ou tecidos linfoides ou ausência de plasmócitos nos tecidos (Tabela 21-1). Anormalidades na maturação e na função dos linfócitos T levam à imunidade mediada por células deficiente e também podem resultar na redução da produção de anticorpos dependentes de células T. Imunodeficiências das células T primárias são diagnosticadas através da redução do número de células T no sangue periférico, baixa resposta proliferativa de linfócitos sanguíneos a ativadores de células T policlonais, como fito-hemaglutinina, e reações de hipersensibilidade cutânea retardada (DTH) deficiente antígenos microbianos ubíquos, como antígenos de Candida. Defeitos tanto na imunidade humoral como na imunidade mediada por células são classificadas como imunodeficiências combinadas graves. Nas seções seguintes descreveremos as imunodeficiências causadas por mutações hereditárias nos genes que codificam componentes do sistema imune inato ou em genes necessários para o desenvolvimento e ativação de linfócitos. Concluiremos com uma breve discussão sobre estratégias terapêuticas para estas doenças.

Defeitos na Imunidade Inata 

A imunidade inata constitui a primeira linha de defesa contra organismos infecciosos. Dois importantes componentes da imunidade inata são os fagócitos e o complemento, os quais também participam nas fases efetoras da imunidade adaptativa. Portanto, distúrbios congênitos dos fagócitos e do sistema complemento resultam em infecções recorrentes. As deficiências do complemento foram descritas no Capítulo 13. As deficiências descritas estão relacionadas à via clássica e alternativa do complemento, bem como da via da lectina.
Nesta seção do capítulo, discutiremos alguns exemplos de distúrbios congênitos dos fagócitos (Tabela 21-2) e defeitos hereditários nas vias do receptor do tipo Toll (TLR, do inglês Toll like receptor) e na via IL-12/IFN-γ. Os defeitos dos fagócitos geralmente resultam em infecções da pele e das vias respiratórias por bactérias ou fungos, que envolvem predominantemente espécies de Aspergillus e Candida. Abscessos profundos e estomatite oral também são comuns. Os defeitos de sinalização de TLR e na sinalização de interferon tipo I podem contribuir para infecções piogênicas recorrentes, bem como para infecções virais graves; defeitos na via de IL-12 e do IFN-γ aumentam a susceptibilidade a patógenos intracelulares, particularmente infecções por micobactérias.
Tabela 21-2 
Distúrbios Congênitos da Imunidade Inata

BCG, bacilo Calmette-Guérin; IRAK-4, quinase 4 associada ao receptor IL-1; LYST, proteína de tráfico lisossômico; NEMO, modulador essencial NF-κB.

Atividades Microbicidas Defeituosas dos Fagócitos: Doença Granulomatosa Crônica 

A doença granulomatosa crônica (DGC) é causada por mutações em componentes do complexo enzimático da oxidase dos fagócitos (phox). É uma doença rara e estima-se que afete cerca de 1 em um milhão de pessoas nos Estados Unidos. Cerca de dois terços dos casos exibem um padrão de herança recessivo ligado ao X e o restante exibe um padrão autossômico recessivo. Na forma mais comum da doença, ligada ao X, há uma mutação no gene que codifica a subunidade α 91-kD do citocromo b558 , uma proteína integral de membrana, também conhecida como phox-91. Esta mutação resulta na produção defeituosa do ânion superóxido, uma das várias espécies reativas do oxigênio que constituem um importante mecanismo microbicida dos fagócitos, principalmente nos neutrófilos (Cap. 4). As mutações em outros componentes do complexo phox contribuem para as variantes autossômicas recessivas da DGC. A produção defeituosa de espécies reativas do oxigênio resulta em falha na destruição dos microrganismos fagocitados.
A DGC é caracterizada por infecções recorrentes por fungos e bactérias intracelulares, como Staphylococcus, geralmente a partir da primeira infância. A infecção invasiva pelo fungo Aspergillus é a principal causa de morte. Muitos dos organismos que são particularmente problemáticos para os pacientes com DGC são produtores de catalase, que destrói o peróxido de hidrogênio microbicida que pode ser produzido pelas células hospedeiras a partir do superóxido de radicais reativos do oxigênio residuais. Como as infecções não são controladas pelos fagócitos, há estímulo da resposta imune mediada por células crônicas, o que resulta na ativação de macrófagos mediados por células T e a formação de granulomas compostos por macrófagos ativados. Assim, estes macrófagos ativados tentam eliminar os microrganismos, apesar da produção deficiente de espécies reativas de oxigênio. Esta é a base do aspecto histológico que dá nome à desordem. A doença é frequentemente fatal, mesmo com tratamento antibiótico agressivo.
A citocina interferon-γ (IFN-γ) aumenta a transcrição do gene que codifica phox-91 e também estimula outros componentes do complexo enzimático da oxidase dos fagócitos. Assim, o IFN-γ estimula a produção de superóxido por neutrófilos na DGC, especialmente nos casos em que a porção codificadora do gene phox-91 está intacta, mas a sua transcrição está reduzida. Uma vez que a produção de superóxido dos neutrófilos é restabelecida para cerca de 10% dos níveis normais, a resistência à infecção torna-se melhor. Atualmente, o tratamento com IFN-γ é utilizado para o tratamento da DGC ligada ao X.

Deficiências de Adesão dos Leucócitos 

As deficiências de adesão de leucócitos compõem um grupo de distúrbios autossômicos recessivos causados por defeitos nas moléculas de adesão dos leucócitos e endotélio. Estas doenças são caracterizadas por uma falha no recrutamento dos leucócitos, principalmente nos neutrófilos, para os locais de infecção, resultando em periodontite grave e outras infecções recorrentes cedo na vida, bem como incapacidade de formar pus. Diferentes tipos de deficiências de adesão dos leucócitos são causados por mutações em genes diferentes.
• Deficiência de adesão de leucócitos tipo 1 (LAD-1) é uma doença autossômica recessiva rara, caracterizada por infecções bacterianas e fúngicas recorrentes e comprometimento na cicatrização de feridas. Nestes pacientes, a maioria das funções dependentes da adesão dos leucócitos está defeituosa, incluindo a adesão ao endotélio, a agregação de neutrófilos e quimiotaxia, fagocitose e citotoxicidade mediada por neutrófilos, células NK e linfócitos T. A base molecular do defeito é a expressão reduzida ou ausente das integrinas β2 (heterodímeros de CD18 e da família CD11 de glicoproteínas), devido a várias mutações no gene CD18. As integrinas β2 incluem o antígeno 1 associado à função dos leucócitos (LFA-1 ou CD11aCD18), Mac-1 (CD11bCD18) e p150,95 (CD11cCD18). Estas proteínas participam na adesão dos leucócitos a outras células, particularmente as células endoteliais, e a ligação dos linfócitos T às células apresentadoras de antígenos (APCs) (Cap. 3).
• Deficiência de adesão de leucócitos tipo 2 (LAD-2) é outra desordem rara clinicamente semelhante à LAD-1, mas não é causada por defeitos das integrinas. A LAD-2 é resultante da ausência de sialil Lewis X, o ligante de carboidratos tetrassacarídicos em neutrófilos e outros leucócitos, necessário para ligar a E-selectina e a P-selectina no endotélio ativado por citocinas (Cap. 3). Este defeito é causado pela mutação de um transportador de GDP- fucose responsável pelo transporte de fucose no Golgi, resultando na incapacidade de sintetizar sialil Lewis X. A ausência de sialil Lewis X resulta em uma ligação defeituosa dos leucócitos ao endotélio, a ausência de rolamento dos leucócitos, e, então, o defeituoso recrutamento de leucócitos para os locais de infecção. Esta anormalidade na fucosilação observada em LAD-2 também contribui para um fenótipo de grupo sanguíneo Bombay, que é a falta de antígenos do grupo sanguíneo A ou B, devido à ausência do núcleo H precursor fucosilado de glicano. A LAD-2 também está associada a retardo mental e outros defeitos do desenvolvimento.
 • A deficiência de adesão de leucócitos tipo 3 (LAD-3) envolve um defeito na via de sinalização de dentro para fora, que medeia a ativação da integrina induzida por quimiocina, necessária para a ligação firme dos leucócitos ao endotélio (Cap. 3). Em um subgrupo de pacientes, ela é causada por mutações no gene que codifica KINDLIN-3, uma proteína que se liga à cauda citoplasmática de algumas integrinas e está envolvida na sinalização. O aumento do sangramento também é observado em indivíduos com KINDLIN-3 mutações por causa da disfunção da integrina nas plaquetas.

Defeitos nas Células NK e Fagócitos 

Raros pacientes carecem de células NK devido a mutações dominantes autossômicas no gene que codifica o fator de transcrição GATA-2. A perda da atividade de GATA-2 resulta em diminuição nas populações precursoras na medula óssea e consequente perda de células NK, bem como diminuição de monócitos, células dendríticas e células B. Mutações autossômicas recessivas em MCM4 (componente 4 do complexo de manutenção do minicromossoma), uma DNA helicase, também resulta na perda de células NK acompanhada por insuficiência suprarrenal e retardo do crescimento. Mutações autossômicas recessivas em CD16 (Fcγ RIIIA), um receptor Fc que medeia ADCC, resulta em perda da função das células NK que vai além da perda da atividade de ADCC. Como CD16 é necessária para a função da célula NK ainda não está claro. Os pacientes apresentam infecções graves causadas por vírus, principalmente das famílias Herpesvírus e Papilomavírus.
A síndrome de Chédiak-Higashi é uma doença autossômica recessiva rara, caracterizada por infecções recorrentes por bactérias piogênicas, albinismo oculocutâneo parcial e infiltração de diversos órgãos por linfócitos não neoplásicos. Os neutrófilos, monócitos e linfócitos dos pacientes contêm lisossomos gigantes. Esta doença é causada por mutações no gene que codifica a proteína LYST, que regula o tráfico intracelular dos lisossomas. As mutações resultam em fusão defeituosa do fagossoma-lisossoma em neutrófilos e macrófagos (causando diminuição da resistência às infecções), formação defeitos do melanossoma nos melanócitos (causando albinismo) e anormalidades lisossômicas em células do sistema nervoso (causando defeitos em nervos) e plaquetas (o que leva a distúrbios hemorrágicos). Há formação de lisossomos gigantes nos neutrófilos durante a maturação destas células a partir de precursores mieloides. Alguns destes precursores dos neutrófilos morrem prematuramente, resultando em leucopenia moderada. Os neutrófilos que sobrevivem podem conter níveis reduzidos de enzimas lisossômicas, que normalmente agem na morte microbiana. Estas células também são defeituosas para exercer quimiotaxia e fagocitose, contribuindo ainda mais para a sua atividade microbicida deficiente. A função da célula NK nestes pacientes é prejudicada, provavelmente por causa de anormalidades nos grânulos citoplasmáticos que armazenam as proteínas que medeiam a citotoxicidade. A gravidade do defeito da função de linfócitos T citotóxicos (CTL) varia entre os pacientes. Uma cepa de camundongo mutante chamada de “camundongo bege” é um modelo animal para a síndrome de Chédiak-Higashi. Esta linhagem é caracterizada por defeitos na função das células NK e lisossomas gigantes em leucócitos. A mutação bege foi mapeada para o lócus Lyst do camundongo.

Defeitos Hereditários nas Vias TLR, Sinalização de Fator Nuclear κ B e Interferons Tipo I 

Os defeitos hereditários nas respostas TLR-dependentes são raros e foram reconhecidos somente recentemente. Os defeitos na sinalização via TLR tendem a causar fenótipos clínicos bastante circunscritos. A principal via de sinalização da maioria dos TLRs, bem como do receptor de interleucina-1 (IL-1R) envolve o adaptador MyD88 e o IRAK-4 e quinases IRAK- 1 (Cap. 4), e esta via resulta na indução dependente do fator nuclear-κB (NF-κ B) das citocinas pró-inflamatórias. Indivíduos com mutações em MyD88 e IRAK4 sofrem de infecções bacterianas invasivas graves no início da vida, especialmente pneumonia pneumocócica. Mais tarde, as infecções tendem a ser menos graves. A sinalização via TLR3 utiliza a proteína adaptadora TRIF, em vez de MyD88, e TBK1, uma serina-treonina-quinase com função abaixo da TRIF para ativar IRF3 bem como NFκB de forma não canônica. Mutações autossômicas recessivas autossômicas em TRIF e mutações autossômicas dominantes na ligase TRAF3 E3 resulta em suscetibilidade à encefalite herpética. Um fenótipo semelhante é observado quando há mutações autossômicas dominantes no gene que codifica TBK1. TLR 3, 7, 8 e 9 e reconhecem ácidos nucleicos, estão localizados em endossomas e necessitam de uma proteína chamada UNC93B (descoordenada 93B) para exercer a sua função. A UNC93B é uma proteína da membrana do retículo endoplasmático que interage com os TLRs endossomais quando são sintetizados no retículo endoplasmático e ajuda a fornecer estes TLRs para os endossomas. A proteína UNC93B também é crítica para a sinalização de TLR específicos de ácido nucleico. Mutações heterozigóticas em TLR3, bem como mutações homozigóticas em UNC93B resultam na redução da geração de interferon tipo I e também no aumento da susceptibilidade à encefalite por herpes simples.
A sinalização cascata abaixo dos TLRs endossomais resulta na síntese e secreção de interferons tipo 1, que se ligam a receptores de interferon tipo 1 e ativam o fator de transcrição STAT1. Em alguns pacientes, mutações em STAT1 estão ligadas a infecções virais graves e encefalite por Herpes simples.
Algumas deficiências imunes são causadas por defeitos que afetam especificamente a ativação do NF-κB. As mutações pontuais no inibidor de quinase γ κB (IKKγ), também conhecido como modulador essencial do fator nuclear κB (NEMO), um componente do complexo da quinase IκB necessário para a ativação do NF-κB, contribuem para a condição recessiva ligada ao X conhecida como displasia ectodérmica anidrótica com imunodeficiência (EDA-ID). Nesta desordem, a diferenciação de estruturas derivadas do ectoderma é anormal e a função imunológica é prejudicada em inúmeras vias. As respostas a sinais de TLR, bem como sinais de CD40 ficam comprometidas. Estes pacientes sofrem de infecções por bactérias piogênicas encapsuladas, bem como por patógenos intracelulares incluindo micobactérias, vírus e fungos, como Pneumocystis jiroveci (ver também a discussão adiante na seção sobre síndromes de Hiper-IgM). Já foi descrita uma forma autossômica recessiva de EDA-ID, na qual uma mutação no ponto hipermórfico em IκBα evita a fosforilação, a ubiquitinação e a degradação de IκBα, desencadeando assim alterações na ativação de NF-κB.

Defeitos na Via IL-12/IFN-γ 

A IL-12 é secretada por células dendríticas e macrófagos, e a sinalização de IL-12R estimula a síntese de IFN-γ pelas células T auxiliares, as células T citotóxicas e células NK (Cap. 4). Mutações nos genes que codificam a IL-12p40, a cadeia IL-12R β1, e ambas as cadeias do receptor de IFN-γ, bem como algumas mutações em STAT1 e IKKγ/NEMO, resultam em suscetibilidade às espécies de Mycobacterium ambientais (muitas vezes chamadas de micobactérias atípicas), como Mycobacterium avium, Mycobacterium kansasii e Mycobacterium fortuitum. O termo Susceptibilidade Mendeliana à Doença Micobacteriana (MSMD) é usado para estes transtornos nos quais os indivíduos estão predispostos a doenças graves causadas por micobactérias fracamente virulentas como micobactérias não tuberculosas ambientais e BCG (Bacilo Calmette-Guérin). Mutações autossômicas recessivas em ISG15 (Interferon estimulado pelo gene 15) também causam MSMD. O ISG15 é um fator induzido pelo interferon liberado por células fagocíticas, incluindo neutrófilos, que induz a secreção de IFN-γ por outras células, principalmente as células NK. O ISG15 também tem mostrado uma função intracelular, modificando proteínas de forma do tipo ubiquitina, mas é a forma secretada desta proteína que parece ser necessária para a proteção contra infecções por micobactérias.

Defeitos no Desenvolvimento Esplênico 

O desenvolvimento esplênico pode ser prejudicado devido a uma condição autossômica dominante (e às vezes esporádica) chamada de Asplenia Congênita Isolada. Nestes pacientes, mutações de sentido errado (missense) heterozigotas têm sido encontradas em NBX2.5, que codifica uma proteína envolvida na regulação transcricional do desenvolvimento do baço. A asplenia também pode ser causada por mutações em genes que controlam lateralidade esquerda-direita, que também afetam outros órgãos. Pacientes asplênicos congenitamente apresentam infecções graves por bactérias encapsuladas, especialmente Streptococcus pneumoniae.

Imunodeficiências Combinadas Graves 

As imunodeficiências que afetam tanto a imunidade humoral como a celular são chamadas de imunodeficiências combinadas graves (SCID) (Tabela 21-3). A SCID é o resultado de problemas no desenvolvimento dos linfócitos T com ou sem defeitos na maturação de células B (Fig. 21-1). Quando não há bloqueio no desenvolvimento das células B, o defeito de imunidade humoral deve-se à ausência de células T auxiliares.
Tabela 21-3
 Imunodeficiências Combinadas Graves

ADA, adenosina desaminase; AK2, adenilato quinase 2; ATM, ataxia-telangiectasia mutada; CRAC, canal de liberação de cálcio ativado; DNA-PKcs, subunidade catalítica de quinase de proteína dependente de DNA; LIG4, DNAligase 4; MRE11, Homólogo 11 da recombinação meiótica; NBS1, síndrome do breakpoint 1 de Nijmegen; PNP, purina nucleosídeo fosforilase.
*Mutações hipomórficas nos genes RAG e ARTEMIS podem contribuir para a Síndrome de Omenn.


FIGURA 21-1 Imunodeficiência causada por defeitos na maturação de células T e B. 
As imunodeficiências primárias causadas por defeitos genéticos na maturação de linfócitos são mostradas. Estes defeitos podem afetar somente a maturação das células T, somente a maturação das células B, ou de ambas. CLP, progenitor linfoide comum; DP, duplo positivo; FoB, células B foliculares; HSC, células-tronco hematopoéticas; MZB, células B da zona marginal.

A principal manifestação clínica da SCID são as graves infecções que podem ser fatais. Estas infecções incluem pneumonia, meningite e bacteremia disseminada. Entre os organismos mais perigosos está um fungo denominado Pneumocystis jiroveci, que pode causar pneumonia grave. Muitos vírus causam doenças graves em pacientes com SCID. A catapora (varicela) normalmente permanece limitada à pele e membranas mucosas em crianças saudáveis e normalmente se resolve em dias, mas em pacientes com SCID ela pode progredir com envolvimento dos pulmões, fígado e cérebro. O Citomegalovírus (CMV), que está presente como uma infecção latente na maioria das pessoas, pode ser reativado e provocar pneumonia fatal em pacientes com SCID. Crianças com SCID normalmente desenvolvem infecções gastrintestinais, em geral, causadas por rotavírus, espécies de Crytosporidium, Giardia lamblia e citomegalovírus, causando diarreia persistente e má absorção.
Crianças com SCID também podem desenvolver infecções causadas por vacinas vivas atenuadas, que não são prejudiciais em crianças que apresentam a imunidade normal. Vacinas para varicela, sarampo, caxumba, rubéola e rotavírus são vacinas de vírus vivos e as crianças com SCID podem contrair as infecções a partir destas vacinas.
Pacientes com SCID também podem desenvolver uma erupção cutânea crônica da pele que frequentemente é confundida com uma infecção. O prurido é causado por uma reação enxerto-versus-hospedeiro na qual as células T maternas entram no feto, mas não são rejeitadas (porque o feto não apresenta um sistema imune competente) e reagem contra os tecidos do bebê.
Mutações em genes envolvidos em diferentes etapas do desenvolvimento de linfócitos podem causar SCID. O processo de maturação de linfócitos T e B a partir de célulastronco hematopoéticas em linfócitos maduros funcionalmente competentes envolve a proliferação de células progenitoras de linfócitos inicialmente, rearranjo do lócus que codifica uma cadeia do receptor de antígeno seguido pela seleção de células que se formaram nos rearranjos produtivos in-frame (estruturais) em um ponto de checagem do receptor pré-antígeno, a expressão de ambas as cadeias do receptor de antígeno e a seleção de células com especificidades úteis (Cap. 8). Já foram descritos defeitos em muitas destas etapas nas várias formas de SCID. Cerca de 50% das SCID são autossômicas recessivas; o restante é ligado ao X. A causa mais comum de SCID autossômica recessiva é a deficiência da enzima adenosina desaminase, necessária para o metabolismo da purina. A SCID ligada ao X é causada por mutações no gene que codifica um componente do receptor de citocina chamado de cadeia γ comum.

A Síndrome de DiGeorge e Outras Formas de SCID devido ao Desenvolvimento Epitelial Defeituoso do Timo 

A falha completa ou parcial do desenvolvimento do primórdio do timo pode causar a falha na maturação das células T. O defeito mais comum no desenvolvimento do timo ligado ao SCID é observado em crianças com a síndrome de DiGeorge. Esta deficiência das células T seletivas deve-se a uma malformação congênita que resulta em desenvolvimento defeituoso do timo e das glândulas paratireoides, bem como de outras estruturas que se desenvolvem a partir da terceira e quarta bolsas faríngeas durante a vida fetal. O defeito congênito manifesta-se por hipoplasia ou agenesia do timo causando problemas na maturação das células T, ausência das glândulas paratireoides causando a homeostase anormal do cálcio e espasmos musculares (tetania), desenvolvimento anormal dos vasos e deformidades faciais. Diferentes pacientes podem apresentar diferentes graus dessas anormalidades. A doença é causada mais frequentemente por uma deleção na região cromossômica 22q11. Uma linhagem de camundongos que apresenta um defeito semelhante no desenvolvimento do timo é portadora de uma mutação em um gene que codifica o fator de transcrição denominado T-box 1 (TBX1), que se situa dentro da região deletada na síndrome de DiGeorge. É provável que a imunodeficiência associada à síndrome de DiGeorge possa ser explicada, pelo menos em parte, pela deleção do gene TBX1. Nesta síndrome, os linfócitos T do sangue periférico estão em número muito reduzidos ou ausentes, e as células não respondem aos ativadores de células T policlonais ou em reações de leucócitos mistos. Os níveis de anticorpos geralmente estão normais, mas podem estar reduzidos nos pacientes gravemente afetados. Como em outras deficiências graves de células T, os pacientes são susceptíveis a infecções micobacterianas, virais e fúngicas.
A imunodeficiência associada à síndrome de DiGeorge pode ser corrigida por transplante fetal tímico ou transplante de medula óssea. No entanto, este tratamento geralmente não é necessário porque a função das células T tende a melhorar com a idade e uma grande parte dos pacientes com esta síndrome muitas vezes fica normal por volta dos 5 anos. A melhora com a idade provavelmente ocorre devido à presença de algum tecido tímico ou porque alguns locais extratímicos ainda não definidos assumem a função de maturação das células T. É também possível que, à medida que estes pacientes envelhecem, o tecido do timo desenvolva-se em locais ectópicos (ou seja, fora do local típico).
Um modelo animal de imunodeficiência de células T resultante do desenvolvimento anormal do timo é o camundongo nude (atímico). Estes camundongos apresentam um defeito hereditário de certos tipos de células epiteliais na pele, levando à ausência de pelos e no revestimento da terceira e quarta bolsas faríngeas, causando hipoplasia do timo. A desordem é causada por uma mutação no gene FoxN1, que codifica um fator de transcrição da família Forkhead, necessário para o desenvolvimento normal de certos tipos de células derivadas do ectoderma. Os camundongos afetados apresentam um timo rudimentar no qual a maturação das células T não ocorre normalmente. Como resultado, pouca ou nenhuma célula T madura está presente nos tecidos linfoides periféricos e as reações imunológicas mediadas por células não podem ocorrer. Mutações autossômicas recessivas em FOXN1 foram descritas em um pequeno número de pacientes que apresentam SCID, alopecia (perda de cabelo) e distrofia ungueal.
Um defeito ainda mais raro no timo foi descrito envolvendo uma mutação em CORONIN-1A, que codifica uma proteína que regula a actina do citoesqueleto. A ausência de CORONIN-1A funcional resulta em defeitos no egresso das células T maduras do timo. Mutações homozigotas no gene MST1, que codifica uma proteína quinase serina/treonina, resulta na perda de células T inativas (naïve) em circulação e falha das células T para emigrar do timo. Os pacientes apresentam infecções bacterianas e virais recorrentes, e alguns desenvolvem linfomas associados ao vírus de Epstein-Barr (EBV). Alguns pacientes apresentam a epidermodisplasia verruciforme, apresentando verrugas infectadas pelo HPV e carcinomas de pele. O MST1 desempenha diversos papéis na proliferação, sobrevivência e migração celular. Embora o principal defeito seja na emigração de células T do timo, também existem defeitos imunes humorais em alguns pacientes que apresentam diminuição no número de células B e hipogamaglobulinemia.

Deficiência de ADA e outras Formas de SCID Causada por Defeitos no Metabolismo Nucleotídico 

A causa mais comum de SCID autossômica recessiva é a deficiência de uma enzima chamada adenosina desaminase (ADA), devido a mutações no gene ADA. ADA apresenta funções na via de salvamento da síntese da purina e catalisa a desaminação irreversível de adenosina e da 2’-desoxiadenosina em inosina e 2’-desoxi-inosina, respectivamente. A deficiência da enzima leva ao acúmulo de desoxiadenosina e seus precursores, Sadenosil-homocisteína e trifosfato de desoxiadenosina (dATP). Estes subprodutos apresentam vários efeitos tóxicos, incluindo a inibição da síntese de DNA. Embora ADA esteja presente na maioria das células, os linfócitos em desenvolvimento são menos eficientes do que a maioria dos outros tipos celulares para degradar dATP em 2’- desoxiadenosina, e, portanto, a maturação dos linfócitos é particularmente sensível para a deficiência de ADA. Outras características da doença podem incluir surdez, anormalidades costocondrais, lesões hepáticas e problemas comportamentais. A deficiência de ADA leva à redução do número de células B e T; os números de linfócitos geralmente estão normais no nascimento, mas diminuem drasticamente durante o primeiro ano de vida. Alguns pacientes podem apresentar um número quase normal de células T, mas estas células não proliferam em resposta à estimulação antigênica.
Uma forma autossômica recessiva mais rara de SCID deve-se à deficiência de purina nucleosídeo fosforilase (PNP), uma enzima que também está envolvida no catabolismo da purina. A PNP catalisa a conversão de inosina em hipoxantina e guanosina para guanina, e a deficiência de PNP leva ao acúmulo de desoxiguanosina e desoxiguanosinatrifosfato, com efeitos tóxicos sobre os linfócitos imaturos, principalmente as células T. Anemia hemolítica autoimune e deterioração neurológica progressiva também são características desta desordem.
Uma forma particularmente grave de SCID é observada em uma doença chamada disgenesia reticular. Esta doença rara é caracterizada pela ausência de linfócitos T e B e células mieloides, incluindo granulócitos, e deve-se a um defeito no desenvolvimento de progenitores linfoides e mieloides. Esta doença autossômica recessiva é causada por uma mutação no gene adenilatocinase 2 (AK2). A proteína AK2 regula o nível de difosfato de adenosina, e na ausência de AK2 há aumento da apoptose de precursores mieloides e linfoides.

SCID Ligada ao X 

A SCID ligada ao X é causada por mutações no gene que codifica a cadeia γ comum (γc ) partilhada pelos receptores das interleucinas IL-2, IL-4, IL-7, IL-9, e IL-15 (Caps. 4, 9 e 10). A SCID ligada ao X caracteriza-se pela maturação deficiente de células T e células NK e números muito reduzidos de células T maduras e células NK, mas o número de células B, geralmente, está normal ou aumentado. A imunodeficiência humoral nesta doença deve-se à falta de ajuda das células T na produção de anticorpos. Esta doença é um resultado da incapacidade da citocina linfopoiética IL-7, cujo receptor utiliza a cadeia γc para sinalização, de estimular o crescimento de timócitos imaturos. Além disso, o receptor para IL-15, que é necessária para o desenvolvimento das células NK, também utiliza a cadeia de sinalização γc , e a falha de função de IL-15 contribui para a deficiência de células NK.
Mulheres heterozigotas geralmente são portadoras fenotipicamente normais, enquanto os homens que herdam o cromossomo X anormal manifestam a doença. Como as células em desenvolvimento nas mulheres aleatoriamente inativam um dos dois cromossomos X, o alelo normal, que codifica uma proteína γc funcional não será expresso na metade dos precursores de linfócitos em uma mulher portadora. Estas células não conseguirão amadurecer e, consequentemente, todos os linfócitos maduros em uma mulher portadora terá desativado o mesmo cromossomo X (portador do alelo mutante). Em contraste, a metade de todas as células não linfoides terá um cromossomo X inativado, e metade do outro. Uma comparação da inativação do cromossomo X nas células linfoides versus células não linfoides podem ser usadas para identificar portadores do alelo mutante. O uso não aleatório do cromossomo X em linfócitos maduros também é uma característica de mulheres portadoras de outros genes ligados ao X mutados que afetam o desenvolvimento dos linfócitos, como discutido mais adiante.

Mutações Autossômicas Recessivas em Componentes de Sinalização de Citocinas 

Alguns pacientes com doença clinicamente idêntica à SCID ligada ao X- exibem uma herança autossômica recessiva. Estes pacientes apresentam mutações na cadeia α do receptor de IL-7 ou na quinase JAK3, que se associa à cadeia γc e é necessário para a sinalização por este receptor (Cap. 7). Os pacientes com mutações no gene que codifica a cadeia IL-7Rα exibem um defeito no desenvolvimento das células T, mas apresentam desenvolvimento normal das células NK, porque a sinalização via IL-15 não é afetada, e apresentam números normais de células B.

Imunodeficiência Combinada Grave Causada por Defeitos na Recombinação V(D)J e Sinalização do Pré-TCR 

A ausência de recombinação V(D)J desencadeia uma falha na expressão do receptor de célula pré-T (TCR) e do receptor de célula pré-B (BCR), e um bloqueio no desenvolvimento das células T e B. Mutações nos genes RAG1 ou RAG2, cujos produtos proteicos são mediadores da etapa de clivagem durante a recombinação V(D)J, ou no gene ARTEMIS, que codifica uma endonuclease que elimina alças em formato de grampo de códigos terminais durante a recombinação V(D)J, resultam em defeitos na recombinação V(D)J. Estas doenças são raras, mas são responsáveis por uma grande porcentagem de formas autossômicas recessivas de SCID. As funções destes genes são discutidas no Capítulo 8. Em crianças com estas mutações, os linfócitos B e T estão ausentes e a imunidade gravemente comprometida. As mutações em genes que codificam proteínas envolvidas no reparo da quebra da cadeia dupla/junção terminal não homóloga do DNA também desencadeiam SCID causa de em função de defeitos na recombinação V(D)J. Mutações homozigotas no gene que codifica a subunidade catalítica da proteína quinase dependente de DNA (DNA-PK) e a DNA LIGASE 4 levam à SCID. Defeitos genéticos neste processo de junção final também resultam no aumento da sensibilidade celular à radiação e podem resultar em outras manifestações, como microcefalia, dismorfias faciais e o desenvolvimento dos dentes defeituosos.
Mutações hipomórficas (que reduzem apenas parcialmente a função) nos genes RAG, ARTEMIS, ou no gene IL7RA são a causa de uma doença chamada síndrome de Omenn, caracterizada pela redução na geração de células T e B, imunodeficiência e manifestações autoimunes e alérgicas. A síndrome de Omenn é fenotipicamente diferente das doenças descritas anteriormente porque a imunodeficiência existe com ativação imune exagerada e autoimunidade. Isto pode ser causado pela proporção anormalmente baixa de células T reguladoras em relação à de células T efetoras, ou nos casos de diminuição da recombinação V(D)J, edição de receptor deficiente nas células B imaturas.
Embora a maioria das formas autossômicas recessivas de SCID estejam ligadas a mutações em ADA, RAG1, RAG2 e ARTEMIS, outras formas desta síndrome são causadas por mutações nos genes que codificam para a fosfatase CD45 (que é um regulador positivo da família quinases Src, como Fyn, Lck, e Lyn) e mutações na cadeia δ ou do CD3 ou cadeia ζ associada ao CD3. Estas mutações contribuem para um defeito de sinalização pré-TCR e resultam em bloqueio no desenvolvimento de células Tαβ.
Outro distúrbio do desenvolvimento de células T é causado por mutações homozigotas em RHOH (gene homólogo de Ras membro da família H), uma GTPase atípica da família Rho necessária para sinalização pré-TCR e TCR. A falha no ponto de checagem do pré- TCR resulta em bloqueio no desenvolvimento de células T αβ. A apresentação clínica inclui epidermodisplasia verruciforme, que é uma infecção cutânea difusa pelo HPV, que provoca o crescimento de máculas e pápulas.
Um defeito específico no desenvolvimento de células T αβ e um quadro clínico que envolve infecções virais recorrentes é causado por mutações homozigotas no gene que codifica a região constante da cadeia α do receptor de células T (TCRα). Os indivíduos afetados apresentam maior susceptibilidade a infecções, incluindo infecções pelo vírus Varicela-zóster e o EBV, bem como autoimunidade e características de atopia. A desregulação imune pode retratar a ausência de células T reguladoras; as únicas células T presentes em crianças com esta doença são as células T γδ. As características clínicas incluem eosinofilia, vitiligo, eczema, alopecia areata, anemia hemolítica autoimune, e a presença de outros autoanticorpos.
Mutações autossômicas recessivas em LCK, uma tirosina quinase crítica envolvida na sinalização pré-TCR e TCR, também contribuem para a SCID com deficiência de células T, a falta de células T reguladoras, infecções recorrentes, e características desregulação imune.

Síndrome do Linfócito Nu e outros Defeitos na Seleção Positiva das Células T

 A geração de células T CD4 + e CD8 + apenas positivas a partir de timócitos duplo-positivos depende de eventos de seleção positiva e comprometimento da linhagem. Mutações hereditárias específicas em genes que regulam o processo de seleção positiva anulam o desenvolvimento de células T CD4 + ou de células T CD8 + .
A deficiência do complexo principal de histocompatibilidade (MHC) de classe II, também chamada de síndrome do linfócito nu, é um grupo heterogêneo raro de doenças autossômicas recessivas, nas quais os pacientes expressam pouco ou nenhum HLA-DP, HLA-DQ, ou HLA-DR nos linfócitos B, macrófagos, e células dendríticas e não conseguem expressar moléculas do MHC de classe II em resposta ao IFN-γ. Apresentam níveis normais ou levemente reduzidos de moléculas do MHC de classe I e microglobulina β2. A maioria dos casos de síndrome do linfócito nu é causada por mutações nos genes que codificam proteínas que regulam a transcrição de genes do MHC de classe II. Por exemplo, mutações que afetam a expressão do fator de transcrição RFX5 ou do ativador de transcrição CIITA induzido por IFN-γ causam redução na expressão do MHC de classe II e incapacidade das APCs em ativar os linfócitos T CD4 + . A falha na apresentação de antígenos pode resultar na seleção positiva defeituosa das células T no timo, com uma redução no número de células T CD4 + maduras ou ativação defeituosa das células na periferia. Indivíduos afetados apresentam deficiência nas respostas de DTH e nas respostas de anticorpos a antígenos proteicos dependentes de células T. O aparecimento da doença acontece durante o primeiro ano de vida e normalmente é fatal a menos que seja tratada com transplante de medula óssea.
Deficiências autossômicas recessivas do MHC de classe I também têm sido descritas e são caracterizadas pela diminuição do número e da função das células T CD8 + . Em alguns casos, a ausência da expressão de moléculas de MHC de classe I deve-se a mutações nos genes TAP-1 ou TAP-2, que codificam as subunidades do complexo TAP (transportador associado a processamento de antígeno), que normalmente transporta peptídios do citosol para o retículo endoplasmático, onde são montados em moléculas do MHC de classe I (Cap. 6). Como as moléculas do MHC estão vazias e são degradadas no meio intracelular, o nível de moléculas do MHC de classe I da superfície celular está reduzido nestes pacientes com deficiência de TAP; um fenótipo semelhante ao de camundongos knockouts para o gene TAP. Estes pacientes sofrem principalmente de lesões granulomatosas necrosantes da pele e infecções bacterianas do trato respiratório, mas não de infecções virais, o que é surpreendente, considerando que a principal função das células T CD8 + é a defesa contra os vírus. Uma deficiência semelhante na expressão de MHC classe I tem sido observada em pacientes com mutações no gene que codifica a proteína tapasina (Cap. 6).
Os pacientes com deficiência de ZAP-70 apresentam um defeito que compromete a linhagem resultando na redução das células T CD8 + , mas números normais de células T CD4 + ; a razão para a perda seletiva ainda não foi esclarecida. Embora o desenvolvimento das células T CD4 + ou a migração para a periferia não esteja comprometida, as células não conseguem proliferar normalmente quando desafiadas por antígenos.
Mutações negativas dominantes heterozigóticas no gene que codifica a UNC119 (Uncoordinated 119), uma proteína que libera proteínas miristiladas, incluindo a LCK, para a membrana plasmática, resultam em linfopenia de células T CD4 + . A LCK liga-se mais fortemente às células CD4 do que às células CD8, e na doença, a deficiência de LCK na superfície celular, presumivelmente produz um defeito de seleção positiva das células T CD4 + . O quadro clínico inclui infecções virais e fúngicas recorrentes.

SCDI Causada por Ativação Deficiente da Célula T 

Outra forma rara de SCID é causada por uma mutação no gene que codifica Orai1, um componente do canal CRAC (Cap. 7). A sinalização do receptor de antígeno desencadeia a ativação da isoforma γ da fosfolipase C (PLCγ) e a liberação de íons cálcio dependente de trifosfato de inositol (IP3) do retículo endoplasmático e mitocôndrias (Cap. 7). O cálcio liberado é reabastecido por canais CRAC controlados por estoque que facilitam o influxo de cálcio extracelular. Este processo é fundamental para a ativação dos linfócitos, e é deficiente nas células que apresentam ORAI1 mutante. Um fenótipo semelhante é observado em pacientes com mutações em STIM1, que codifica uma proteína do retículo endoplasmático que detecta o esgotamento das reservas de cálcio e contribui para a abertura do canal CRAC. Os pacientes com mutações em ORAI1 e STIM1 não apresentam um defeito no desenvolvimento de células T, mas as suas células T não são ativadas adequadamente.

Deficiências de Anticorpos: Defeitos no Desenvolvimento e Ativação das Células B 

Enquanto os defeitos no desenvolvimento das células T, ou no desenvolvimento de ambas células T e B contribuem para o fenótipo de SCID, defeitos mais restritos às células B resultam em desordens nas quais a anormalidade primária acontece na produção de anticorpos (Tabela 21-4). Algumas destas doenças são causadas por defeitos no desenvolvimento das células B (Fig. 21-1.), e outras são causadas pela ativação da célula B e a síntese de anticorpos anormais (Fig. 21-2). No entanto, em um subconjunto de síndromes hiper-IgM, discutidas adiante, as deficiências de anticorpos também são acompanhadas por defeitos na ativação de macrófagos e APCs, o que, por sua vez, resulta em uma atenuação da imunidade mediada por células.
Tabela 21-4 
Deficiências de Anticorpos

AID, citidina desaminase induzida por ativação; DNMT3B, DNAmetiltransferase 3B; ICF, imunodeficiências-instabilidade centromérica-anomalias faciais; ICOS, coestimulator induzível; NEMO, moduladtor essencial do NF-κB; TACI, ativador transmembrana e modulador de cálcio e interativo do ligante ciclofilina; UNG, uracil N-glicosilase.


FIGURA 21-2 Imunodeficiência causada por defeitos na ativação das células T e B. 
As imunodeficiências primárias podem ser causadas por defeitos genéticos em moléculas necessárias para a sinalização do receptor do antígeno do linfócito B ou T, para ativação de células B e APCs mediada por células T auxiliares, ou para ativação de linfócitos T citotóxicos ou células NK. CVID, imunodeficiência variável comum; HLH, linfo-histiocitose hemafagocítica

Agamaglobulinemia Ligada ao X: Um Defeito na Sinalização pré-BCR Ligada ao X 

A agamaglobulinemia ligada ao X, também chamada de agamaglobulinemia de Bruton, é causada por mutações ou deleções no gene que codifica uma enzima chamada tirosinoquinase de Bruton (Btk), que resultam na falha de amadurecimento das células B após a fase de pré-células B na medula óssea (Fig. 21-1). A doença é caracterizada pela ausência de gamaglobulina no sangue, conforme indica o nome. É uma das imunodeficiências congênitas mais comuns e o protótipo de uma falha de maturação das células B. A Btk está envolvida na transdução de sinais pré-BCR que são necessários para a sobrevivência e diferenciação de células pré-B (Cap. 8). Em mulheres portadoras da doença, apenas as células B que inativaram o cromossomo X portador do alelo mutante amadurecem. Pacientes com agamaglobulinemia geralmente apresentam quantidade de Ig sérica baixa ou indetectável, número de células B reduzido ou ausente no sangue e tecidos linfoides periféricos, inexistência de centros germinativos dos linfonodos, e ausência de plasmócitos nos tecidos. A maturação, o número e as funções das células T geralmente estão normais, embora alguns estudos tenham revelado redução do número de células T ativadas nestes pacientes, o que pode ser uma consequência da apresentação de antígenos reduzida causada pela falta de células B. Por razões desconhecidas, há o desenvolvimento de doenças autoimunes em quase 20% dos pacientes. As complicações infecciosas da agamaglobulinemia ligada ao X são muito reduzidas com a administração de injeções periódicas (p. ex., semanal ou mensal) de preparações de gamaglobulina em pool. Estas preparações contêm anticorpos pré-formados contra patógenos comuns e fornecem uma imunidade passiva eficaz.
Camundongos knockouts sem Btk, bem como camundongos Xid naturalmente mutantes para Btk, exibem um defeito menos grave na maturação das células B do que os seres humanos o fazem, porque uma tirosinoquinase semelhante à Btk (Btk-like) chamada de Tec está ativa nas células pré-B dos camundongos que não possuem Btk e compensam parcialmente a Btk mutante. As principais alterações em camundongos Xid são as respostas por anticorpos defeituosas para alguns antígenos polissacarídicos e deficiência de células B foliculares maduras e células B-1.

Defeitos Autossômicos Recessivos em Pontos de Checagem do pré- BCR

 Formas autossômicas recessivas de agamaglobulinemia foram descritas, a maioria delas pode ser desencadeada por defeitos na sinalização pré-BCR. Genes mutantes que foram identificados neste contexto incluem os genes que codificam a cadeia pesada µ (IgM), o substituto da cadeia leve λ5, Igα (um componente de sinalização pré-BCR e BCR), a subunidade p85α de PI3quinase, e BLNK (uma proteína adaptadora abaixo de pré-BCR e BCR).

Deficiências Seletivas de Isotipo de Imunoglobulina 

Muitos defeitos imunológicos que envolvem seletivamente um ou alguns isotipos de Ig foram descritos. O mais comum é a deficiência seletiva de IgA, que afeta cerca de 1 em 700 caucasianos e é, portanto, a imunodeficiência primária conhecida mais comum. A deficiência de IgA geralmente ocorre esporadicamente, mas muitos casos familiares com padrões de herança autossômica recessiva ou autossômica dominantes também são conhecidos. As manifestações clínicas são variáveis. Muitos pacientes são totalmente normais; outros apresentam infecções respiratórias e diarreia ocasionais; e raramente, os pacientes apresentam infecções graves, recorrentes que provocam lesões intestinais e das vias aéreas permanentes, associados a doenças autoimunes. Estas manifestações refletem a importância da IgA secretora na proteção das barreiras mucosas de comensais e microrganismos patogênicos (Cap. 14). A deficiência de IgA é caracterizada por baixos níveis séricos de IgA, geralmente inferiores a 50 pg/mL (normal, 2 a 4 mg/mL), com níveis normais ou elevados de IgM e IgG, nível baixo de IgA nas secreções mucosas. O defeito nestes pacientes é um bloqueio na diferenciação de células B em plasmócitos secretores de anticorpos IgA. Os genes de cadeia pesada α e a expressão de IgA associada à membrana são normais. Não foram observadas alterações relevantes nos números, fenótipos, ou respostas funcionais das células T nestes pacientes. Em uma pequena proporção de pacientes com deficiência seletiva de IgA, têm sido descritas mutações em TACI (ativador transmembrana e modulador de cálcio e interativo do ligante ciclofilina), um dos três tipos de receptores para as citocinas FABF (fator de ativação de células B) e APRIL (um ligante indutor de proliferação), que estimulam a sobrevivência e a proliferação das células B, ainda que em diferentes estágios de diferenciação de células B. As mutações em TACI também são uma importante causa de imunodeficiência variável comum, discutida mais adiante.
Deficiências seletivas da subclasse IgG foram descritas, onde o nível total de IgG sérica está normal, mas as concentrações de uma ou mais subclasses estão abaixo do normal. A deficiência de IgG3 é a deficiência de subclasse mais comum em adultos, e a deficiência de IgG2 relacionada à deficiência de IgA é mais comum em crianças. Algumas pessoas com estas deficiências desenvolvem infecções bacterianas recorrentes, mas muitas não apresentam quaisquer problemas clínicos. Deficiências seletivas nas subclasses de IgG geralmente devem-se à diferenciação anormal de células B e raramente à deleções homozigotas de vários genes de região constante (Cγ ).

Defeitos na Diferenciação de Células B: Imunodeficiência Comum Variável

 A imunodeficiência variável comum é um grupo heterogêneo de doenças definidas pela redução dos níveis séricos de Ig, falha na resposta de anticorpos à infecção e vacinas, e aumento da incidência de infecções. O diagnóstico geralmente é realizado por exclusão quando outras imunodeficiências primárias são descartadas. A apresentação e a patogênese são, como o nome indica, muito variáveis. A deficiência de Ig e as infecções patogênicas associadas, normalmente por Haemophilus influenzae e Streptococcus pneumoniae, são as principais características desta desordem, mas doenças autoimunes, incluindo a anemia perniciosa, anemia hemolítica, doença inflamatória do intestino e artrite reumatoide, podem ser clinicamente significativas. A elevada incidência de tumores malignos, em particular linfomas, também está associada à imunodeficiência variável comum. Estes distúrbios podem ser diagnosticados na infância ou mais tarde. Ocorrem tanto casos esporádicos como casos familiares, e estes últimos apresentam dois padrões de herança, um padrão autossômico dominante e um autossômico recessivo. Nestes pacientes, os linfócitos B maduros estão presentes, mas os plasmócitos estão ausentes nos tecidos linfoides, sugerindo um bloqueio da diferenciação das células B em células secretoras de anticorpos.
Tem-se atribuído à produção defeituosa de anticorpos a múltiplas anormalidades, incluindo defeitos intrínsecos das células B ou deficiência de células T auxiliares. Uma pequena proporção de pacientes com imunodeficiência variável comum apresenta uma mutação no do gene ICOS (coestimulador das células T indutoras). O ICOS é necessário para a geração das células T auxiliares foliculares (Cap. 12). A causa mais comum da síndrome é a existência de mutações no TACI, descrito anteriormente, no teto sobre deficiência seletiva de IgA. Alguns casos de imunodeficiência variável comum estão ligados a mutações no gene CD19. O CD19 é um componente de sinalização do complexo receptor CR2 (CD21) (Cap. 7).

Defeitos na Ativação da Célula B Dependente da Célula T: Síndromes Hiper-IgM 

A síndrome da hiper-IgM ligada ao X é causada por mutações no gene que codifica ao ligante CD40 da molécula efetora da célula T (CD154). É uma doença rara associada a uma troca defeituosa nas células B para os isotipos IgG e IgA; portanto, a produção destes anticorpos fica reduzida e o principal isotipo detectado no sangue é IgM. As formas mutantes do ligante do CD40 produzidas nestes pacientes não se ligam ao CD40 ou nem executam a transdução de sinais através do CD40 e, portanto, não estimulam as células B a trocar de isotipo da cadeia pesada, o que requer a ajuda das células T (Cap. 12). Os pacientes apresentam infecções semelhantes àquelas observadas em outras hipogamaglobulinemias. Os pacientes com síndrome de hiper-IgM ligada ao X também exibem defeitos na imunidade mediada por células, com um aumento da susceptibilidade à infecção pelo fungo intracelular Pneumocystis jiroveci. Esta imunidade mediada por célula defeituosa ocorre porque o ligante de CD40 também está envolvido na ativação de macrófagos e células dendríticas dependentes de células T (Cap. 10). Camundongos knockouts para o CD40 ou para o ligante de CD40 apresentam um fenótipo similar ao da doença humana.
Casos raros de síndrome de hiper-IgM exibem um padrão de herança autossômica recessiva. Nestes pacientes, os defeitos genéticos podem estar no CD40 ou na desaminase induzida por ativação enzimática (AID), que está envolvida na troca de isotipo da cadeia pesada e maturação por afinidade (Cap. 12). As mutações na AID geralmente são homozigotas recessivas. Uma pequena fração de mutações na região do gene AID que corresponde à parte C terminal da enzima exibe um padrão de herança autossômica dominante. Uma forma da síndrome da hiper-IgM é causada por mutações recessivas autossômicas no gene que codifica a uracila N-glicosilase (UNG; Capítulo 12), uma enzima que remove os resíduos de U dos genes de Ig durante a troca de classe e de mutação somática. Uma desordem hereditária, a EDA-ID, na qual mutações hipomórficas em NEMO contribuem para um estado de hiper-IgM, bem como para defeitos em estruturas de origem ectodérmica, foi descrita anteriormente nesta seção sobre defeitos na imunidade inata.
Mutações em AID e UNG afetam a recombinação de troca de classe e hipermutação somática em diferentes vias. Na ausência de AID, tanto a troca de classe como a hipermutação estão defeituosas, porque a AID é necessária em ambos os processos. Na ausência de UNG, a troca de classe de isotipo é defeituosa, mas a hipermutação somática está amplamente preservada, embora exiba menos mutações A:T sem a atividade da UNG. O papel das mutações no gene de reparo do DNA nos defeitos de troca de classe será considerado quando discutirmos sobre a ataxia-telangiectasia mais adiante neste capítulo.

Defeitos na Ativação e Função do Linfócito T

 À medida que nosso conhecimento aumenta e a compreensão das bases moleculares melhora, são descobertas cada vez mais anomalias congênitas na ativação dos linfócitos T (Tabela 21-5). Incluem-se nesta categoria geral alguns distúrbios de composição do grânulo celular de células CTL e NK ou de exocitose. Embora as doenças ligadas à expressão defeituosa do MHC sejam classificadas com as desordens ligadas ao desenvolvimento de células T, estas anormalidades também resultam na ativação deficiente das células T que amadurecem e emergem do timo.
Tabela 21-5 
Defeitos na Ativação das Células T

AP3, complexo da proteína relacionado ao adaptador 3; LYST, proteína reguladora do tráfego de lisossomos; SAP, proteína associada a SLAM; TAP, transportador associado ao processamento de antígeno; WASP, proteínas da síndrome de Wiskott-Aldrich.

Defeitos na Transdução do Sinal do TCR

 Muitas doenças de imunodeficiências raras são causadas por defeitos na expressão de moléculas necessárias para a ativação e função das células T. Análises bioquímicas e moleculares de indivíduos afetados revelaram mutações em genes que codificam várias proteínas das células T (Tabela 21-5). Entre os exemplos estão a expressão ou função do complexo TCR causada por mutações no gene CD3 ou γ, a sinalização mediada por TCR defeituosa devido a mutações no gene ZAP70, a redução da síntese de citocinas, como IL- 2 e IFN-γ (em alguns casos, devido a defeitos de fatores de transcrição) e a falta de expressão de cadeias de receptores de IL-2. Esses defeitos são encontrados em apenas alguns casos isolados ou em algumas poucas famílias, e as características clínicas e a gravidade variam muito. Os pacientes com estas alterações podem apresentar deficiências predominantemente na função das células T ou imunodeficiências mistas de células T e B, apesar de números normais ou mesmo elevados de linfócitos sanguíneos. Foi considerada anteriormente a importância do complexo CD3, RHOH, LCK e o checkpoint de pré-TCR; o papel das mutações em ZAP70 no desenvolvimento de células T CD8 + ; o papel das mutações em LCK e UNC119 no desenvolvimento de células T CD4 + ; e a relevância das mutações em ORAI1 e STIM1 na ativação das células T, tudo no contexto clínico da SCID. Outras síndromes que envolvem a ativação defeituosa de células T maduras são consideradas aqui.

Síndrome de Wiskott-Aldrich

 Graus variáveis de imunodeficiência de células T e B ocorrem em determinadas doenças congênitas com um amplo espectro de anormalidades envolvendo muitos sistemas de órgãos. A síndrome de Wiskott-Aldrich é uma doença ligada ao X, caracterizada por eczema, trombocitopenia (diminuição das plaquetas sanguíneas) e susceptibilidade à infecção bacteriana. Algumas das anormalidades nesta desordem podem ser causadas por defeitos na ativação da célula T, embora a perda intrínseca da função das células Btambém contribua para a patogênese. Nas fases iniciais da doença, o número de linfócitos está normal e o principal defeito é a incapacidade de produzir anticorpos em resposta a antígenos polissacarídeos independente de células T, e desta forma, esses pacientes são especialmente suscetíveis a infecções por bactérias encapsuladas. Os linfócitos (e as plaquetas) são menores do que o normal. À medida que a idade aumenta, os pacientes apresentam redução do número de linfócitos e imunodeficiência mais grave.
O gene defeituoso responsável pela síndrome de Wiskott- Aldrich codifica uma proteína citoplasmática chamada WASP (proteína da síndrome de Wiskott-Aldrich), expressa exclusivamente em células derivadas de medula óssea. A WASP interage com diversas proteínas, incluindo moléculas adaptadoras abaixo do receptor de antígeno, como a Grb-2 (Cap. 7), o complexo Arp2/3 envolvido na polimerização da actina e as pequenas proteínas G da família Rho que regulam o rearranjo do citoesqueleto de actina. A ativação defeituosa e a formação de sinapses em linfócitos e a mobilidade defeituosa de todos os leucócitos podem ser responsáveis pela imunodeficiência observada nesta síndrome. Uma doença autossômica recessiva que se assemelha à síndrome de WiskottAldrich foi descrita. Esta doença é causada por mutações no gene que codifica WIP (Proteína de Interação-WASP), uma proteína que liga-se a WASP e a estabiliza.

Síndrome Linfoproliferativa Ligada ao X 

A síndrome linfoproliferativa ligada ao X (XLP) é uma desordem caracterizada pela incapacidade de eliminar o EBV, levando eventualmente à mononucleose infecciosa fulminante e ao desenvolvimento de tumores de células B. Em cerca de 80% dos casos, a doença é causada por mutações no gene que codifica uma molécula adaptadora chamada SAP (proteína associada à SLAM) que se liga a uma família de moléculas da superfície celular envolvida na ativação de células NK e linfócitos T e B, incluindo a molécula de sinalização de ativação do linfócito (SLAM). A SAP liga-se a proteínas de membrana SLAM e à 2B4 (Cap. 7) para a quinase Fyn da família Src. Defeitos na SAP contribuem para falha na ativação de células T e NK, resultando no aumento da susceptibilidade a infecções virais. Como discutido no Capítulo 12, a SAP é necessária para o desenvolvimento das células T auxiliares foliculares (TFH ), e a incapacidade dos pacientes com XLP de gerar centros germinais e anticorpos de alta afinidade, provavelmente, também contribui para a hipogamaglobulinemia associada e à susceptibilidade a infecções virais. Em cerca de 20% dos casos de XLP, o defeito genético não está no SAP, mas no gene que codifica o XIAP (inibidor de apoptose ligado ao X). O resultante aumento da apoptose de células T e células T NK desencadeia uma depleção acentuada destes tipos de células. Esta imunodeficiência manifesta-se mais comumente através de graves infecções pelo EBV, que provavelmente surgem de forma oportunista, devido à natureza ubíqua do EBV.

Defeitos na Função das Células CTL e NK: Síndromes Familiares de Linfo-Histiocitose Hemofagocítica 

As síndromes de linfo-histiocitose hemofagocítica (HLH) constituem um grupo de doenças de imunodeficiência potencialmente fatais, nas quais a capacidade de eliminar células infectadas da células NK e as CTLs está defeituosa. Como resultado, as infecções virais não são controladas e a ativação excessiva compensatória dos macrófagos é uma característica destas síndromes. Uma característica tardia, mas marcante nestes transtornos, é a ingestão de glóbulos vermelhos por macrófagos ativados (hemofagocitose). As mutações no gene perforina são a causa mais comum de HLH, mas mutações em genes que codificam a maquinaria celular envolvida na exocitose de grânulos são encontradas em alguns casos da síndrome. Especificamente, as mutações no RAB27A, uma pequena guanosina trifosfatase envolvida na fusão vesicular, e em MUNC13-4, que codifica um adaptador que participa na exocitose de grânulos, comprometem a fusão dos grânulos líticos com a membrana plasmática e, assim, contribuem para vários subtipos de HLH. Da mesma forma, mutações no gene para um componente do complexo da proteína adaptadora citossólica de AP-3 também podem interromper o transporte intracelular e contribuir para uma forma de HLH. Acredita-se que as células T e as células NK respondem fortemente aos microrganismos persistentes através da secreção de IFN-γ, mas na ausência de atividade citotóxica, os CTL e as células NK não podem eliminar as infecções, e o excesso de ativação de IFN-γ mediada por macrófagos se manifesta por meio de hemofagocitose e linfadenopatia no quadro da imunodeficiência.

Desordens Multissistêmicas com Imunodeficiência 

A imunodeficiência frequentemente é uma constelação de sintomas em inúmeras desordens hereditárias. Alguns exemplos destas síndromes discutidas anteriormente incluem a síndrome de Chédiak-Higashi, síndrome de Wiskott-Aldrich e síndrome de DiGeorge.

Ataxia Telangiectasia 
Ataxia-telangiectasia é uma doença autossômica recessiva caracterizada por marcha anormal (ataxia), malformações vasculares (telangienctasias), déficits neurológicos, aumento da incidência de tumores e imunodeficiência. Os defeitos imunológicos são de intensidade variável e podem afetar tanto células B como células T. O defeito imune humoral mais comum é a deficiência de IgA e de IgG2, provavelmente por causa do papel crucial de uma proteína chamada ATM (ataxia-telangiectasia mutada) que atua na recombinação de troca de classe. Os defeitos das células T, que geralmente são menos pronunciados, estão associados à hipoplasia do timo. Os pacientes apresentam infecções bacterianas do trato respiratório superior e inferior, vários fenômenos autoimunes e cânceres cada vez mais frequentes à medida que a idade avança.
A ATM é uma proteína quinase relacionada estruturalmente a fosfatidilinositol 3- quinase. Esta proteína pode ativar os pontos de verificação do ciclo celular e de apoptose em resposta a quebras da cadeia dupla do DNA. Também tem sido mostrada sua função na estabilidade do complexo de quebra da cadeia dupla do DNA durante a recombinação V(D)J. Na síndrome de Wiskott-Aldrich, estas anormalidades no reparo do DNA contribuem para a geração anormal de receptores de antígenos. Além disso, a ATM contribui para a estabilidade do ADN quando quebras na cadeia dupla de DNA são geradas no decorrer da recombinação de troca de isotipo, e mutações na ATM resultam em uma troca de classe defeituosa e níveis reduzidos de IgG, IgA e IgE.

Abordagens Terapêuticas para Imunodeficiências Congênitas 

O tratamento atual para as imunodeficiências tem dois objetivos: minimizar e controlar as infecções, e substituir os componentes defeituosos ou ausentes do sistema imunológico por transferência adotiva ou transplante. A imunização passiva com gamaglobulina é muito benéfica para os pacientes agamaglobulinêmicos, salvando a vida de muitos meninos com agamaglobulinemia ligada ao X. Atualmente, o transplante de células-tronco hematopoéticas é o tratamento de escolha para muitas doenças de imunodeficiência e tem sido bem-sucedido no tratamento de SCID com deficiência de ADA, síndrome de Wiskott-Aldrich, síndrome do linfócito nu, e deficiências de adesão dos leucócitos. É mais bem-sucedido quando há depleção de células T da medula e compatibilidade HLA para prevenir a doença do enxerto-versus-hospedeiro (Cap. 17). Tem sido tentada a terapia de reposição enzimática para deficiências de ADA e PNP, com transfusões de eritrócitos utilizados como fonte enzimática. Esta abordagem produziu melhora clínica temporária em vários pacientes com SCID autossômica. A injeção de ADA bovina, conjugada com polietilenoglicol para prolongar sua meia-vida no soro, revelou-se bem-sucedida em alguns casos, mas os benefícios geralmente são de curta duração.
Teoricamente, a terapia de escolha das desordens congênitas dos linfócitos é a reposição do gene defeituoso em células-tronco autorrenováveis. A substituição do gene permanece como um objetivo distante para a maioria das imunodeficiências humanas até o momento, apesar de um esforço considerável. Os principais obstáculos para este tipo de terapia genética são as dificuldades para a purificação das células-tronco autorrenováveis, que são o alvo ideal para a introdução do gene de substituição, e a introdução de genes em células de forma a alcançar uma expressão estável, de longa duração e de alto nível. Além disso, os receptores do transplante devem ser condicionados por meio de depleção das células da medula óssea para permitir o enxerto das células-tronco transplantadas e isto acarreta riscos potenciais devido à redução transitória das células sanguíneas. Algum progresso foi realizado na terapia genética para a deficiência de ADA através da utilização de uma abordagem de condicionamento mais branda. Um pequeno número de pacientes com SCID ligada ao X foi tratado com sucesso por meio de transplante de células autólogas de medula óssea modificadas para expressar um gene normal de γc . No entanto, alguns destes pacientes tratados desenvolveram leucemia, aparentemente porque o gene γc foi inserido adjacente a um oncogene e ativou este gene. O desenvolvimento de vetores lentivirais de autoinativação reduziu o risco de mutagênese de inserção, e, recentemente, houve algum sucesso com a terapia genética, especialmente para ADA-SCID.

Imunodeficiências adquiridas (secundárias) 

As deficiências do sistema imunológico, muitas vezes se desenvolvem devido a normalidades que não são genéticas, mas adquiridas durante a vida (Tabela 21-6). Doenças de imunodeficiência adquirida são causadas por diversos mecanismos patogênicos. Em primeiro lugar, a imunossupressão pode ocorrer como uma complicação biológica de outro processo de doença. Em segundo lugar, as chamadas imunodeficiências iatrogênicas podem se desenvolver como complicações do tratamento de outras doenças. Em terceiro lugar, a imunodeficiência pode ser adquirida por uma infecção que depleta as células do sistema imune. A mais importante delas é a infecção pelo HIV, que será descrita mais adiante separadamente neste capítulo.
Tabela 21-6 
Imunodeficiências Adquiridas

Doenças nas quais a imunodeficiência é um elemento complicador frequente incluem desnutrição, neoplasias e infecções. A desnutrição proteico-calórica é comum nos países em desenvolvimento e está associada à imunidade celular e humoral diminuída contra microrganismos. Grande parte da morbidade e mortalidade que atingem as pessoas desnutridas deve-se a infecções. A base para a imunodeficiência não está bem definida, mas é razoável presumir que os distúrbios metabólicos globais nestes indivíduos, causados pela ingestão deficiente de proteína, gordura, vitaminas, minerais afeta de forma adversa a maturação e a função das células do sistema imune.
Os pacientes com câncer generalizado avançado, geralmente, são suscetíveis à infecção por causa do comprometimento da resposta imune celular e humoral contra vários organismos. Tumores da medula óssea, incluindo os cânceres metastáticos para a medula óssea e as leucemias que se desenvolvem na medula, podem interferir no crescimento e desenvolvimento dos linfócitos e outros leucócitos. Além disso, os tumores podem produzir substâncias que interferem no desenvolvimento ou na função dos linfócitos. Um exemplo de imunodeficiência associada à malignidade é o comprometimento da função das células T, normalmente observada em pacientes com um tipo de linfoma chamado de doença de Hodgkin. Os pacientes são incapazes de produzir reações DTH à injeção intradérmica de vários antígenos comuns aos quais foram previamente expostos, como Candida ou o toxoide tetânico. Outras medidas in vitro da função das células T, como a resposta proliferativa a ativadores policlonais, também são defeituosas nos pacientes com doença de Hodgkin. Esta deficiência generalizada nas respostas imunes mediadas por células tem sido chamada de anergia. A causa destas anormalidades das células T é desconhecida.
Vários tipos de infecções levam à imunossupressão. Alguns vírus, além do HIV, são conhecidos por prejudicar as respostas imunes; exemplos deles incluem o vírus do sarampo e o vírus linfotrópico de células T humanas tipo 1 (HTLV-1). Ambos os vírus podem infectar os linfócitos, o que pode ser a base para os seus efeitos imunossupressores. Tal como o HIV, o HTLV-1 é um retrovírus com tropismo para as células T CD4 + ; no entanto, em vez de matar as células T auxiliares, ele as transforma e produz uma neoplasia maligna agressiva chamada de leucemia/linfoma de células T do adulto (ATL). Os pacientes com ATL normalmente desenvolvem uma imunossupressão grave, com múltiplas infecções oportunistas. Infecções crônicas por Mycobacterium tuberculosis e vários fungos frequentemente resulta em anergia para muitos antígenos. Infecções parasitárias crônicas também podem levar à imunossupressão. Por exemplo, as crianças africanas com malária crônica apresentam depressão da função das células T, e isso pode ser uma razão pela qual estas crianças têm maior propensão a desenvolver tumores malignos associados ao EBV.
A imunossupressão iatrogênica é mais frequentemente causada por terapias com fármacos que eliminam linfócitos ou os inativam funcionalmente. Alguns fármacos são administrados intencionalmente para imunossuprimir os pacientes, seja para o tratamento de doenças inflamatórias ou para evitar a rejeição de aloenxertos de órgãos. Os medicamentos anti-inflamatórios e imunossupressores mais comumente utilizados são os corticosteroides e a ciclosporina, respectivamente, mas atualmente muitos outros estão sendo amplamente utilizados (Caps. 17 e 19). Vários fármacos hemoterápicos são administrados a pacientes com câncer, e estes medicamentos geralmente são citotóxicos para proliferação de células, incluindo linfócitos maduros e em desenvolvimento, bem como para outros precursores de leucócitos. Assim, quimioterapia para o câncer é quase sempre acompanhada por um período de imunossupressão e risco de infecção. A imunossupressão iatrogênica e os tumores que envolvem a medula óssea são as causas mais comuns de imunodeficiência nos países desenvolvidos.
Uma outra forma de imunodeficiência adquirida é causada pela ausência do baço, que pode acontecer por remoção cirúrgica do órgão após um trauma, bem como pelo tratamento de certas doenças hematológicas, ou por infarto na doença das células falciformes. Pacientes sem baço são mais susceptíveis a infecção por alguns organismos, especialmente bactérias encapsuladas, como Streptococcus pneumoniae. Esta susceptibilidade aumentada deve-se, em parte, ao defeito na eliminação fagocitária de microrganismos opsonizados transmissíveis pelo sangue, uma importante função fisiológica do baço, e em parte, deve-se às respostas de anticorpos defeituosas resultantes da ausência de células B da zona marginal.

Vírus da imunodeficiência humana e a síndrome da imunodeficiência adquirida 

A AIDS é uma doença causada pela infecção com HIV e caracteriza-se por uma profunda imunossupressão acompanhada por infecções oportunistas e tumores malignos, emaciação e degeneração do sistema nervoso central (SNC). O HIV infecta vários tipos de células do sistema imunológico, incluindo células T CD4 + auxiliares, macrófagos e células dendríticas. O HIV evoluiu como um patógeno humano muito recentemente em relação à maioria dos outros patógenos humanos conhecidos e a epidemia do HIV só foi identificada pela primeira vez em 1980. No entanto, o grau de morbidade e mortalidade causado pelo HIV e o impacto global desta infecção em relação a recursos da saúde e da economia já são enormes e continuam a crescer. O HIV já infectou entre 50 a 60 milhões de pessoas e causou a morte de mais de 25 milhões de adultos e crianças. Aproximadamente 35 milhões de pessoas vivem com a infecção pelo HIV e AIDS, dos quais aproximadamente 70% estão na África e 20% na Ásia, e quase 1-2.000.000 morrem devido à doença a cada ano. A doença é particularmente devastadora porque cerca de metade dos aproximadamente 3 milhões de novos casos anuais ocorrem em adultos jovens (entre 15 e 24 anos de idade). A AIDS deixou cerca de 14 milhões de órfãos. Atualmente, não existe vacina ou cura permanente para a AIDS, mas existem medicamentos antirretrovirais bastante eficazes desenvolvidos, que são capazes de controlar a infecção. Nesta seção do capítulo, descrevemos as propriedades do HIV, a patogênese da imunodeficiência induzida pelo HIV, e as características clínicas e epidemiológicas de doenças relacionadas ao HIV.

Características Moleculares e Biológicas do HIV 

O HIV é um membro da família dos Lentivírus de retrovírus animais. Os Lentivírus, incluindo o vírus Visna dos ovinos e bovinos, felinos, e o vírus da imunodeficiência símia, são capazes de desencadear uma infecção latente de longo prazo nas células e efeitos citopáticos de curto prazo, e todos eles são causadores de doenças fatais de progressão lenta, que incluem síndromes de emaciação e degeneração do SNC. Dois tipos de HIV intimamente relacionados, denominados de HIV-1 e HIV-2, foram identificados. O HIV-1 é, de longe, a causa mais comum de AIDS; o HIV-2, que é diferente na sua estrutura genômica e antigenicidade, causa uma forma de AIDS de progressão mais lenta do que a doença desencadeada pelo HIV-1.

Fonte: Livro Imunologia Celular e Molecular - 8ª Ed.

Autores: Abul Lichtman, Andrew Abbas


Estrutura e Genes do HIV 

Uma partícula infecciosa do HIV consiste em duas cadeias idênticas de RNA acondicionadas dentro de um núcleo de proteínas virais, circundado por um envelope composto por uma bicamada fosfolipídica derivada da membrana da célula hospedeira, mas com inclusões de proteínas de membrana codificadas pelo vírus (Fig. 21-3). O genoma de RNA do HIV é de aproximadamente 9,2 kb de comprimento e apresenta um arranjo básico de sequências de ácido nucleico característico de todos os retrovírus conhecidos (Fig. 21-4). Repetições terminais longas (LTR) em cada extremidade do genoma regulam a expressão dos genes virais, a integração viral no genoma do hospedeiro, e a replicação viral. A sequência gag codifica proteínas estruturais do núcleo. A sequência env codifica glicoproteinas gp120 e gp41 do envelope, que não estão covalentemente associadas uma à outra e são necessárias para a infecção das células. A sequência pol codifica as enzimas virais transcriptase reversa, integrase e protease, que são necessárias para a replicação viral. Além destes genes, como nos retrovírus típicos, o genoma do HIV-1 contém seis outros genes reguladores, ou seja, os genes tat, rev, vif, nef, vpr, vpu, cujos produtos regulam a replicação viral e a evasão imune ao hospedeiro de várias formas. As funções destes genes estão resumidas na Figura 21-4 e discutidas mais adiante.
FIGURA 21-3 Estrutura do HIV-1. 
Afigura ex ibe um vírion do HIV-1 próximo da superfície de uma célula T. O HIV-1 consiste em duas fitas idênticas de RNA(genoma viral) e enzimas associadas, incluindo a transcriptase reversa, integrase e protease, acondicionadas em um cerne em forma de cone composto pela proteína do capsídeo p24, envolvida por uma proteína de matriz p17, e toda estrutura circundada por um envelope fosfolipídico derivado da membrana das células do hospedeiro. As proteínas da membrana codificadas pelo vírus (gp41 e gp120) estão ligadas ao envelope. Receptores de CD4 e de quiimiocinas na superfície da célula do hospedeiro agem como receptores do HIV-1. (© 2000 Terese Winslow.)
FIGURA 21-4 Genoma do HIV. 
Os genes ao longo do genoma linear estão representados por blocos de diferentes cores. Alguns genes usam uma parte da mesma sequência de outros genes, como indicado pelos blocos sobrepostos, mas são lidos de forma diferente pela RNApolimerase da célula hospedeira. De forma semelhante, os blocos sombreados separados por linhas indicam genes cujas sequências de codificação são separadas no genoma e requerem o splicing de RNApara produzir um RMAm funcional. env, envelope; gag, antígeno específico do grupo; LTR, repetição terminal longa; nef, efetor negativo; pol, polimerase; rev, regulador da expressão de genes virais; tat, ativador transcricional; vif, fator de infecciosidade viral; vpr, proteína R viral; vpu, proteína viral u. (Modificado de Greene W: AIDS and the immune system. Copyright © 1993 byScientific American, Inc. Todos os direitos reservados.)

Ciclo de Vida Viral 

A infecção das células pelo HIV inicia-se quando a glicoproteína do envelope gp120 do vírus liga-se a duas proteínas da célula hospedeira, ao CD4 e um correceptor que é um membro da família de receptores de quimiocinas (Fig. 21-5). As partículas virais que iniciam a infecção geralmente estão presentes no sangue, sêmen ou outros fluidos corporais de um indivíduo e são introduzidas em outro indivíduo pelo contato sexual, perfuração por agulha ou passagem transplacentária. O complexo de glicoproteína do envelope viral, chamado Env, é composto por uma subunidade gp41 transmembranar e uma subunidade gp120 externa, associados de forma não covalente. Estas subunidades são produzidas por clivagem proteolítica de um precursor de gp160. O complexo Env é expresso como uma estrutura trimérica de três pares de gp120/gp41. Este complexo medeia um processo de múltiplas etapas da fusão do envelope do vírion à membrana da célula-alvo (Fig. 21-6). O primeiro passo deste processo é a ligação das subunidades de gp120 a moléculas CD4, o que induz uma alteração conformacional que promove a ligação secundária de gp120 a um correceptor de quimiocinas. A ligação ao correceptor induz uma alteração conformacional em gp41 que expõe uma região hidrofóbica, chamada de peptídio de fusão, que se insere na membrana celular, permitindo que a membrana viral se una à membrana da célula-alvo. Após o vírus completar o seu ciclo de vida na célula infectada (descrito mais adiante), as partículas virais livres são liberadas da célula infectada e se ligam a uma célula não infectada, propagando assim a infecção. Além disso, a gp120 e a gp41, que são expressas na membrana plasmática das células infectadas antes de o vírus ser liberado, podem servir como mediadores da fusão célulacélula com uma célula não infectada que expressa CD4 e correceptores, e, então, o genoma do HIV pode ser repassado entre as células fusionadas diretamente.
FIGURA 21-5 Ciclo de vida do HIV.
As etapas sequenciais do ciclo de vida do HIV são exibidas, desde a infecção inicial de uma célula do hospedeiro até a replicação viral e liberação de um novo vírion. Para fins didáticos, foi demonstrada a produção e a liberação de somente um vírion. Uma célula infectada normalmente produz muitos vírions, e cada um deles é capaz de infectar células e ampliar o ciclo infeccioso.


FIGURA 21-6 Mecanismo de entrada do HIV em uma célula.
 No modelo apresentado, alterações conformacionais sequenciais em gp120 e em gp41 são induzidas pela ligação ao CD4. Estas alterações promovem a ligação do vírus ao correceptor (um receptor de quimiocina) e a fusão do HIV-1 com as membranas da célula hospedeira. O peptídio de fusão da gp41 ativada contém resíduos de aminoácidos hidrofóbicos que são mediadores da inserção na membrana plasmática da célula do hospedeiro.

Os receptores de quimiocinas mais importantes que agem como correceptores para o HIV são o CXCR4 e o CCR5. Já foi demonstrado que mais de sete receptores de quimiocinas servem como correceptores para a entrada do HIV nas células e várias outras proteínas que pertencem à família do receptor acoplado a proteína G que atravessa a membrana sete vezes, como o receptor do leucotrieno B4, também podem mediar a infecção das células pelo HIV. Diferentes isolados de HIV apresentam tropismos distintos para diferentes populações celulares relacionadas à expressão de diferentes receptores de quimiocina nestas células.
Todas as cepas de HIV podem infectar e replicar em células T CD4 + humanas isoladas a fresco ativadas in vitro. Por outro lado, algumas cepas infectarão culturas primárias de macrófagos humanos, mas não linhagens de células T contínuas (sendo chamados de vírus macrófago-trópico, ou M-trópico), enquanto outras cepas infectarão linhagens de células T, mas não de macrófagos (vírus T-trópico), e algumas infectarão ambas as linhagens de células T e macrófagos (vírus dual-trópico). Isolados de vírus macrófagotrópico expressam uma gp120 que se liga ao CCR5, que é expresso nos macrófagos (e algumas células de T de memória), enquanto os vírus de células T-trópico ligam-se ao CXCR4, que é expresso nas linhagens de células T. Variantes do HIV são descritas como X4 quando se ligam ao CXCR4, R5 quando se ligam ao CCR5, ou R5X4 quando há a capacidade de se ligar a ambos os receptores de quimiocinas. Em muitos indivíduos infectados pelo HIV, existe uma alteração da produção viral que utiliza o CCR5, predominantemente macrófago-trópico no início da doença para o vírus que se liga a CXCR4 e é T-trópico tardiamente na doença. As cepas T-trópicas tendem a ser mais virulentas, presumivelmente porque elas infectam e destroem mais células T do que as cepas M-trópicas. A importância do CCR5 na infecção pelo HIV in vivo é suportada pela descoberta de que os indivíduos que não expressam este receptor na superfície da célula devido a herança homozigota de uma deleção de 32pb no gene CCR5 são resistentes à infecção pelo HIV.
Uma vez que um vírion do HIV entra em uma célula, as enzimas do complexo de nucleoproteína tornam-se ativas e iniciam o ciclo replicativo viral (Fig. 21-5). O núcleo da nucleoproteína viral rompe-se, há transcrição reversa do genoma de RNA do HIV para uma forma de DNA de cadeia dupla pela transcriptase reversa viral, e o DNA do vírus entra no núcleo. A integrase viral também entra no núcleo e catalisa a integração do DNA viral ao genoma da célula hospedeira. O DNA do HIV integrado é chamado de provírus. Os provírus podem permanecer transcricionalmente inativos durante meses ou anos, com pouca ou nenhuma produção de novas proteínas virais ou vírions, e deste modo a infecção pelo HIV de uma célula individual pode permanecer latente.
A transcrição dos genes do provírus de DNA integrado é regulada pela LTR superior dos genes estruturais virais, e citocinas e outros estímulos que ativam as células T e macrófagos acentuam a transcrição dos genes virais. As LTRs contêm sequências de sinal de poliadenilação, a sequência promotora “TATA Box” e os locais de ligação para dois fatores de transcrição da célula hospedeira, NF-κB e SP1. O início da transcrição do gene do HIV nas células T está associado à ativação das células T por antígenos ou citocinas. Por exemplo, ativadores policlonais de células T, como fito-hemaglutinina, e citocinas, como a IL-2, o fator de necrose tumoral (TNF) e a linfotoxina, estimulam a expressão do gene do HIV nas células T infectadas; e IL-1, IL-3, IL -6, TNF, linfotoxina, IFN-γ, e o fator estimulador de colônias de granulócitos-macrófagos (GM-CSF) estimulam a expressão do gene do HIV e da replicação viral em monócitos e macrófagos infectados. A estimulação de TCR e citocinas para a transcrição de genes do HIV provavelmente envolve a ativação de NF-κB e a sua ligação às sequências em LTR. Este fenômeno é significativo para a patogênese da AIDS porque a resposta normal de uma célula T infectada de forma latente a um microrganismo pode ser a maneira pela qual a latência do HIV é encerrada e a produção de vírus iniciada. Desta forma, as múltiplas infecções que os pacientes com AIDS adquirem, estimulam a produção de HIV e a infecção de células adicionais.
A proteína Tat é necessária para a expressão do gene do HIV e age acentuando a produção de transcritos completos do RNAm viral. Mesmo na presença de sinais perfeitos para iniciar a transcrição, pouca ou nenhuma molécula de RNAm do HIV é, na verdade, sintetizada sem a ação da Tat, porque a transcrição de genes do HIV pela polimerase de RNA de mamíferos é ineficiente e o complexo da polimerase geralmente termina antes do RNAm estar concluído. A Tat permite que a polimerase de RNA dependente de DNA permaneça ligada à molécula de DNA viral tempo suficiente para a transcrição para ser completada e, portanto, haja produção de um RNAm viral funcional.
A síntese de partículas virais infecciosas maduras começa após os transcritos totalmente completos de RNA viral serem sintetizados e os genes virais expressos como proteínas. Os mRNAs que codificam as várias proteínas do HIV são derivados de um único transcrito completo do genoma por eventos de splicing diferencial. A expressão do gene do HIV pode ser dividida em uma fase precoce, durante a qual são expressos os genes reguladores, e uma fase tardia, durante a qual são expressos os genes estruturais e o genoma viral de comprimento total são empacotados. As proteínas Rev, Tat e Nef são produtos de genes precoces codificadas por mRNAs totalmente emendados que são exportados do núcleo e traduzidos em proteínas no citoplasma logo após a infecção de uma célula. Os genes tardios incluem os genes env, gag e pol, que codificam os componentes estruturais dos vírus e são traduzidos a partir de um único RNA unido ou isolado. A proteína Rev inicia a mudança da expressão de genes precoces para tardios, promovendo a exportação destes RNAs dos genes tardios ligados incompletamente para fora do núcleo. O produto do gene pol é uma proteína precursora que é sequencialmente clivada para formar as enzimas transcriptase reversa, protease, ribonuclease e integrase. Como mencionado anteriormente, as proteínas da transcriptase reversa e da integrase são necessárias para a produção de uma cópia de DNA do genoma a partir do RNA viral e por sua integração como provírus no genoma do hospedeiro. O gene gag codifica uma proteína de 55-kDa que é clivada proteoliticamente para p24, p17, p15 e polipeptídios pela ação da protease viral codificada pelo gene pol. Estes polipeptídios são as proteínas do núcleo necessárias para a montagem das partículas virais infecciosas. O produto primário do gene env é uma glicoproteína de 160 kDa (gp160) que é clivada por proteases celulares no retículo endoplasmático para as proteínas gp120 e gp41 necessárias para a ligação do HIV às células, como discutido anteriormente. Atualmente, a terapia antirretroviral para o HIV inclui inibidores das enzimas transcriptase reversa, protease e integrase.
Após a transcrição de vários genes virais, são sintetizadas as proteínas virais no citoplasma. A montagem das partículas virais infecciosas, a seguir, inicia-se pelo acondicionamento dos transcritos completos de RNA do genoma proviral dentro de um complexo de nucleoproteína que inclui as proteínas do núcleo codificadas por gag e enzimas codificadas por pol necessárias para o próximo ciclo de integração. Este complexo de nucleoproteína então brota através da membrana plasmática, capturando Env e glicoproteínas do hospedeiro como parte de seu envelope. A taxa de produção de vírus pode atingir níveis suficientemente altos para causar morte celular, como discutido mais adiante.
Fatores de restrição do hospedeiro inibem a infecção viral e muitas proteínas virais evoluíram para combater estes fatores de restrição. Um fator do hospedeiro que impede a liberação do vírion em certos tipos de células é uma proteína chamada teterina. A teterina evita a pressão de certos vírus, inclusive do HIV, e a inibição do processo de brotamento pode ser antagonizado por uma proteína do HIV chamada Vpu. As células hospedeiras incorporam certos fatores de restrição nas partículas virais, incluindo proteínas APOBEC3 (enzima catalítica polipeptídica 3 de edição de mRNA da apolipoproteína B). Estas proteínas do hospedeiro são citidinas desaminases que interferem na replicação viral nas células infectadas. A proteína Vif do HIV auxilia as proteínas-alvo APOBEC3 para ubiquitinação e degradação proteossomal e, assim, promove a replicação viral. Nas células infectadas, outro fator de restrição do hospedeiro importante é a TRIM5α da família Tripartite Motif (TRIM) de ubiquitina ligases E3. A TRIM5α interage com as proteínas do capsídeo do HIV causando o desnudamento prematuro do vírus e degradação proteossômica do complexo da transcriptase reversa viral. Ela também pode bloquear a translocação nuclear dos complexos virais de pré- integração.

Patogênese da Infecção pelo HIV e AIDS 

A doença causada pelo HIV começa com uma infecção aguda, que é apenas parcialmente controlada pela resposta imune do hospedeiro, e avança para uma infecção crônica progressiva de tecidos linfoides periféricos (Fig. 21-7). O vírus, normalmente, penetra através de epitélios da mucosa. Os eventos subsequentes à infecção podem ser divididos em várias fases.


FIGURA 21-7 Progressão da infecção pelo HIV. 
Aprogressão da infecção pelo HIV se relaciona com a disseminação do vírus a partir do local da infecção inicial para tecidos linfoides por todo o corpo. Aresposta imune do hospedeiro controla temporariamente a infecção aguda, mas não evita o estabelecimento da infecção crônica das células do tecido linfoide. O estímulo das citocinas induzido por outros microrganismos acentuam a produção do HIV e a progressão para a AIDS.

A infecção aguda (inicial) caracteriza-se pela infecção das células T de memória CD4 + em tecidos linfoides das mucosas e morte de muitas células infectadas. Como os tecidos da mucosa constituem o maior reservatório de células T no corpo e o principal reservatório das células T de memória, esta perda local se reflete em uma depleção considerável de linfócitos. Na verdade, cerca de duas semanas após a infecção, uma grande fração de células T CD4 + pode estar destruída.
A transição da infecção da fase aguda para a fase crônica é acompanhada pela disseminação do vírus, viremia e o desenvolvimento de respostas imunes pelo hospedeiro. As células dendríticas do epitélio no local de entrada viral captura o vírus e, em seguida, migram para os linfonodos. As células dendríticas expressam uma proteína com um domínio de lectina ligante de manose, chamada de DC-SIGN, que pode ser particularmente importante na ligação do envelope do HIV e no transporte do vírus. Uma vez nos tecidos linfoides, as células dendríticas podem transmitir o HIV aos linfócitos T CD4 + por contato direto célula-célula. Após alguns dias a primeira exposição ao HIV, a replicação viral pode ser detectada nos linfonodos. Esta replicação causa viremia, quando há um grande número de partículas do HIV presentes no sangue do paciente, acompanhada por uma síndrome aguda do HIV, que inclui vários sinais e sintomas inespecíficos típicos de muitas infecções virais (descritos mais adiante). A viremia permite que o vírus se dissemine por todo o corpo e infecte as células T auxiliares, macrófagos e células dendríticas nos tecidos linfoides periféricos. À medida que a infecção pelo HIV se espalha, o sistema imune adquirido desenvolve respostas imunes humoral e celular direcionadas aos antígenos virais, descritos mais adiante. Estas respostas imunes controlam parcialmente a infecção e a produção viral, e este controle reflete-se em diminuição da viremia para níveis baixos, mas detectáveis, aproximadamente 12 semanas após a exposição primária.
Na fase seguinte da doença, a fase crônica, o baço e os linfonodos constituem locais de replicação contínua do HIV e de destruição celular (Fig. 21-7). Durante este período da doença, o sistema imune permanece capaz de combater a maioria das infecções por microrganismos oportunistas, e poucas ou nenhuma manifestação clínica da infecção pelo HIV está presente. Portanto, esta fase da infecção pelo HIV é chamada de período de latência clínica. Embora a maioria das células T do sangue periférico não abrigue o vírus, a destruição das células T CD4 + no interior de tecidos linfoides progride de forma constante durante o período latente e o número de células T CD4 + sanguíneas circulantes declina constantemente (Fig. 21-8). Mais de 90% das cerca de 10 12 células T do organismo normalmente são encontradas em tecidos linfoides periféricos e das mucosas, e estima-se que o HIV destrua até 1 a 2 × 10 9 células T CD4 + por dia. No início da doença, o indivíduo pode continuar produzindo novas células T CD4 + , e, portanto, estas células podem ser substituídas quase tão rapidamente quanto são destruídas. Nesta fase, até 10% das células T CD4 + dos órgãos linfoides podem estar infectadas, mas o número de células T CD4 + circulante que está infectado pode ser inferior a 0,1% do total de células T CD4 + de um indivíduo. Por fim, ao longo de anos, o ciclo contínuo de infecção pelo vírus, morte de células T e nova infecção leva a uma perda considerável de células T CD4 + dos tecidos linfoides e circulantes.

FIGURA 21-8 Evolução clínica da doença causada pelo HIV. 
A. Viremia plasmática, contagem de células T CD4 + no sangue e estágios clínicos da doença. Cerca de 12 semanas após a infecção, a concentração de vírus no sangue (viremia plasmática) é reduzida para níveis muito baixos (detectável apenas por ensaios sensíveis de reação em cadeia da polimerase da transcriptase reversa) e assim permanecem por muitos anos. Contudo, a contagem de células T CD4 + continua a declinar durante este período de latência clínica porque há replicação viral ativa e infecção de células T nos linfonodos. Quando a contagem de células T CD4 + está abaixo de um determinado nível crítico (cerca de 200/mm3 ), o risco de infecção e outras características clínicas da AIDS é alto. B, Resposta imune a infecção pelo HIV. Aresposta de CTLs contra o HIV é detectável em 2 ou 3 semanas após a infecção inicial e atinge seu pico entre 9 e 12 semanas. Uma expansão expressiva de células T CD8 + específicas para o vírus ocorre durante este período e até 10% dos CTLs do paciente podem ser específicos para o HIV em 12 semanas. O pico da resposta imune humoral ao HIV ocorre aproximadamente 12 semanas após a infecção inicial. (A, De Pantaleo G, Graziosi C, Fauci AS: New concepts in the immunopathogenesis of human immunodeficiency virus infection, New England Journal of Medicine 328:327-335, 1993. Copyright © 1993 Massachusetts Medical Society. Todos os direitos reservados.)

Mecanismos de Imunodeficiência Causada pela Infecção pelo HIV 

O HIV causa problemas tanto na função imune adaptativa como na inata. Os defeitos mais proeminentes pertencem à imunidade mediada por células, o que pode ser atribuído a vários mecanismos, inclusive aos efeitos citopáticos diretos e indiretos do vírus. Os efeitos indiretos podem ser especialmente importantes na patogênese da infecção pelo HIV, porque muitas ou mesmo a maioria das células T infectadas pode ser abortivamente infectada, de tal modo que não há nenhuma produção viral e nenhum efeito citopático direto.
Uma causa importante da perda de células T CD4 + em pessoas infectadas pelo HIV é o efeito direito da infecção viral nestas células. A morte das células T CD4 + está associada à produção de vírus nas células infectadas e é uma das principais causas da diminuição do número destas células, em especial na fase inicial (aguda) da infecção. Vários efeitos tóxicos diretos do HIV nas células T CD4 + infectadas foram descritos.
• O processo de produção viral, com a expressão da gp41 na membrana plasmática e o brotamento de partículas virais, pode levar a um aumento da permeabilidade da membrana plasmática e influxo de quantidades letais de cálcio, o que induz apoptose ou lise osmótica da célula causada pelo influxo de água.
• A produção viral pode interferir na síntese proteica celular e, assim, levar à morte da célula.
• A infecção não citopática (abortiva) do HIV ativa a via do inflamassoma e desencadeia uma forma de morte celular chamada de piroptose. Durante este processo, as citocinas inflamatórias e os conteúdos celulares são liberados, levando ao recrutamento de novas células e aumento do número de células que podem ser infectadas. Esta forma de morte celular pode desempenhar um papel importante não só na destruição das células infectadas, mas também na propagação da infecção.
• As membranas plasmáticas das células T infectadas pelo HIV fusionam-se com as das células T CD4 + não infectadas devido a interações gp120-CD4, e há formação de células gigantes multinucleadas ou sincícios. O processo de formação de sincícios induzido pelo HIV pode ser letal para as células T infectadas, bem como para as células T CD4 + não infectadas pelo vírus que se fundem às células infectadas. No entanto, este fenômeno tem sido amplamente observado in vitro, e os sincícios raramente são vistos nos tecidos de pacientes com AIDS.
Mecanismos adicionais de morte de células T CD4 + infectadas pelos vírus foram propostos para a depleção e perda da função destas células em indivíduos infectados pelo HIV. Um dos mecanismos está relacionado a ativação crônica de células não infectadas pelas infecções que são comuns em pacientes infectados pelo HIV e também pelas citocinas produzidas em resposta a estas infecções. A ativação crônica das células T pode predispô-las à apoptose; a via molecular envolvida neste tipo de morte celular induzida pela ativação ainda não está definida. A morte de linfócitos ativados por apoptose pode ser responsável pela observação de que a perda das células T excede em muito o número de células infectadas pelo HIV. CTLs específicos para o HIV estão presentes em muitos pacientes com AIDS, e estas células podem matar as células T CD4 + infectadas. Além disso, anticorpos contra as proteínas do envelope do HIV podem se ligar às células T CD4 + infectadas e as marcar para a citotoxicidade mediada por células dependente de anticorpos. A ligação da gp120 ao CD4 intracelular recém-sintetizado pode interferir no processamento normal de proteínas no retículo endoplasmático e bloquear a expressão do CD4 na superfície celular, tornando as células incapazes de responder à estimulação antigênica. Também tem sido sugerido que a maturação das células T CD4 + no timo torne-se defeituosa em indivíduos infectados. A importância relativa destes mecanismos indiretos de depleção das células T CD4 + em pacientes infectados pelo HIV é incerto e controverso.
  Defeitos funcionais do sistema imune em indivíduos infectados pelo HIV agravam a deficiência imunológica causada pela depleção das células T CD4 + . Estes defeitos funcionais incluem a diminuição das respostas das células T aos antígenos e fraca resposta imune humoral, mesmo com níveis totais elevados de Ig sérica. Os defeitos podem ser resultantes dos efeitos diretos da infecção pelo HIV nas células T CD4 + , incluindo os efeitos da gp120 solúvel liberada pelas células infectadas que se ligam às células não infectadas. Por exemplo, o CD4 que se ligou à gp120 pode não estar disponível para interagir com as moléculas do MHC de classe II nas APCs, e, desta forma, a resposta das células T aos antígenos seria inibida. Como alternativa, a ligação do CD4 à gp120 pode fornecer sinais que regulam negativamente a função das células T auxiliares. As células T infectadas pelo HIV são incapazes de formar sinapses fortes com as APCs e isso também pode interferir na ativação das células T. Alguns estudos têm demonstrado que os pacientes infectados pelo HIV apresentam aumento no número de células T reguladoras CD4 + e CD25 + , mas ainda não foi esclarecido se este é um achado consistente ou se estas células contribuem realmente para os defeitos da imunidade.
 A proteína Tat pode ter alguma participação na patogênese da imunodeficiência causada pelo HIV. Dentro das células T, a Tat pode interagir com várias proteínas reguladoras, e estas interações podem interferir nas funções das células T normais, como a síntese de citocinas. Notavelmente, Tat não só entra no núcleo das células T infectadas, como também pode escapar através da membrana plasmática e entrar nas células vizinhas, interferindo assim na ativação das células T não infectadas de forma parácrina.
  Os macrófagos, as células dendríticas e as células dendríticas foliculares podem ser infectadas ou lesadas pelo HIV, e as suas anormalidades contribuem para a progressão da imunodeficiência.
 • Os macrófagos expressam níveis muito mais baixos de CD4 do que os linfócitos T auxiliares, mas eles expressam os correceptores CCR5, sendo suscetíveis à infecção pelo HIV. No entanto, os macrófagos são relativamente resistentes aos efeitos citopáticos do HIV. Os macrófagos também podem ser infectados por uma via independente da gp120/gp41, como fagocitose de outras células infectadas ou endocitose mediada pelo receptor Fc de vírions do HIV cobertos por anticorpos. Como os macrófagos podem ser infectados, mas, geralmente, não são destruídos pelo HIV, eles podem se tornar um reservatório viral. Na verdade, a quantidade de HIV associada aos macrófagos excede a quantidade de vírus associado às células T na maioria dos tecidos de pacientes com AIDS, incluindo o cérebro e os pulmões. Os macrófagos infectados pelo HIV podem ter a função de apresentação de antígenos e secreção de citocinas deficiente.
• As células dendríticas também podem ser infectadas pelo HIV. Como os macrófagos, as células dendríticas não são diretamente danificadas pela infecção do HIV. No entanto, estas células apresentam um contato íntimo com as células T inativas (naïves) no decorrer da apresentação do antígeno. Sugere-se que as células dendríticas infectam as células T inativas (naïves) durante estes encontros, podendo constituir uma via de propagação da infecção.
 • As células dendríticas foliculares (CDFs) nos centros germinativos dos linfonodos e no baço aprisionam grandes quantidades de HIV em suas superfícies, em parte pela ligação, mediada por receptores Fc, aos vírus cobertos de anticorpos. Embora as CDFs não sejam eficientemente infectadas, elas contribuem para a patogênese da imunodeficiência associada ao HIV, pelo menos, de duas maneiras. Em primeiro lugar, a superfície das CDFs constitui um reservatório para o HIV que pode infectar os macrófagos e células T CD4 + nos linfonodos. Em segundo lugar, as funções normais das CDFs nas respostas imunes estão prejudicadas, e elas podem, eventualmente, ser destruídas pelo vírus. Embora os mecanismos de morte das CDFs induzidos pelo HIV não sejam compreendidos, o resultado da perda da rede de CDFs nos linfonodos e baço é uma profunda dissolução da arquitetura do sistema linfoide periférico.

Reservatórios do HIV e Renovação Viral 

Os vírus detectados no sangue dos pacientes são produzidos principalmente pelas células T CD4 + infectadas de vida curta e em menores quantidades por outras células infectadas. Três fases de redução da viremia plasmática têm sido observadas nos pacientes tratados com fármacos antirretrovirais ou previstos por modelos matemáticos, e estas curvas de redução foram usadas para deduzir a distribuição do HIV em diferentes reservatórios celulares. Acredita-se que mais de 90% dos vírus encontrados no plasma sejam produzidos por células de vida curta (meia-vida de ∼1 dia), que provavelmente são células T CD4 + ativadas, principais reservatórios e fontes de vírus nos pacientes infectados. Cerca de 5% do vírus no plasma é produzido por macrófagos, que apresentam um tempo de renovação mais lento (meia-vida de cerca de 2 semanas). Suspeita-se, também, que haja uma pequena fração do vírus, talvez cerca de 1%, presente em células de memória T infectadas de forma latente. Devido ao ciclo de vida longo das células de memória, pode demorar décadas para que este reservatório viral seja eliminado, mesmo que todos os novos ciclos de infecção sejam bloqueados.

Características Clínicas da Doença Causada pelo HIV 

Há uma grande quantidade de informação acumulada sobre a epidemiologia e a progressão clínica da infecção pelo HIV. À medida que a terapia antirretroviral melhora, muitas das manifestações clínicas se alteram. Na seção seguinte, descreveremos as características clássicas da infecção pelo HIV e discutiremos as mudanças, quando relevantes.

Transmissão do HIV e Epidemiologia da AIDS 

O HIV é transmitido de uma pessoa para outra através de três vias principais:
• O contato sexual é o modo mais frequente de transmissão, tanto entre casais heterossexuais (o modo mais frequente de transmissão na África e na Ásia) como entre parceiros do sexo masculino homossexuais. Na África Subsaariana, onde a taxa de infecção é a mais alta do mundo (estima-se que surjam cerca de 10.000 novos casos por dia), mais da metade das pessoas infectadas são mulheres.
 • A transmissão do HIV de mãe para filho é responsável pela maioria dos casos pediátricos de AIDS. Este tipo de transmissão ocorre mais frequentemente na vida intrauterina ou durante o parto, embora a transmissão através do leite materno também seja possível.
• A inoculação de um receptor com sangue ou hemoderivados infectados também é um modo frequente de transmissão do HIV. Agulhas compartilhadas por usuários de drogas intravenosas são responsáveis pela maioria dos casos nesta forma de transmissão. Com o advento da triagem laboratorial de rotina, a transfusão de sangue ou hemoderivados em uma clínica é responsável por uma pequena porção de infecções pelo HIV.

Progressão Clínica da Infecção pelo HIV 

A evolução da doença causada pelo HIV pode ser acompanhada por meio da medição da quantidade de vírus no plasma do paciente e pela contagem de células T CD4 + (Fig. 21-8) no sangue.
• A fase aguda da doença, também chamada de síndrome aguda do HIV, é o período de viremia caracterizada por sintomas inespecíficos da infecção. Desenvolve-se em 50% a 70% de adultos infectados, normalmente entre 3 a 6 semanas após a infecção. Há um pico na concentração viral plasmática e uma redução discreta na contagem de células T CD4 + , mas o número de células sanguíneas T CD4 + geralmente retorna ao normal. Em muitos pacientes, no entanto, a infecção é oculta e não há nenhuma sintomatologia.
 • A fase crônica da latência clínica pode durar muitos anos. Durante este tempo, o vírus permanece contido no interior de tecidos linfoides e a perda de células T CD4 + é corrigida por reconstituição a partir de células progenitoras. Os pacientes permanecem assintomáticos ou apresentam infecções secundárias. Dentro de 2 a 6 meses após a infecção, a concentração viral plasmática se estabiliza em um determinado nível, que difere entre os pacientes. Este nível de concentração viral e o número de células sanguíneas T CD4 + são preditores clinicamente úteis na progressão da doença. Conforme a doença progride, os pacientes tornam-se suscetíveis a outras infecções e as respostas imunes a estas infecções podem estimular a produção de HIV e acelerar a destruição dos tecidos linfoides. Como discutido anteriormente, a transcrição do gene do HIV pode ser aumentada por estímulos que ativam as células T, como antígenos e várias citocinas. As citocinas, como TNF, que são produzidas durante a resposta imune inata contra as infecções microbianas, são particularmente eficazes no aumento da produção do HIV. Assim, conforme o sistema imune tenta erradicar outros microrganismos, ele causa sua própria destruição pelo HIV.
 • A doença pelo HIV progride para a fase final e, quase que invariavelmente para uma fase fatal, chamada AIDS, quando a contagem de células T CD4 + diminui para menos de 200 células/mm3 . A viremia pode aumentar drasticamente à medida que a replicação viral acelera em outros reservatórios além das células T. Os pacientes com AIDS desenvolvem vários tipos de infecções oportunistas, neoplasias, caquexia (síndrome de emaciação pelo HIV), insuficiência renal (nefropatia pelo HIV) e degeneração do SNC (encefalopatia da AIDS) (Tabela 21-7). Como as células T CD4 + auxiliares são essenciais para a resposta imune humoral e mediadas por células para vários microrganismos a perda destes linfócitos é a principal razão pela qual os pacientes com AIDS se tornam susceptíveis a muitos tipos diferentes de infecções. Além disso, muitos dos tumores que surgem em pacientes com AIDS apresentam etiologia viral, e a sua prevalência no contexto da AIDS reflete a incapacidade do paciente infectado pelo HIV de desenvolver uma resposta imune eficaz contra os vírus oncogênicos. A caquexia é frequentemente observada em pacientes com doenças inflamatórias crônicas e pode ser resultante dos efeitos das citocinas inflamatórias (como TNF) sobre o apetite e o metabolismo. A doença do SNC na AIDS deve-se à lesão neuronal pelo vírus ou pelas proteínas virais liberadas, como a gp120 e Tat, bem como pelos efeitos das citocinas produzidas pelas células micróglia infectadas. Muitas destas consequências devastadoras da infecção pelo HIV, incluindo infecções oportunistas e tumores, foram reduzidas significativamente pela terapia antirretroviral altamente ativa.
Tabela 21-7 
Características Clínicas da Infecção pelo HIV

Embora este resumo da evolução clínica seja verdadeiro para os casos mais graves, a taxa de progressão da doença é altamente variável, e alguns indivíduos são não progressores de longo prazo. As correlações imunológicas dessa progressão variável permanecem desconhecidas. Além disso, a terapia antirretroviral recente alterou a progressão da doença e reduziu enormemente a incidência de infecções oportunistas graves (como Pneumocystis) e tumores (como o sarcoma de Kaposi).

Resposta Imune ao HIV 

Respostas imunes humorais e celulares específicas para o HIV se desenvolvem após a infecção, mas geralmente proporcionam proteção limitada. A resposta inicial à infecção pelo HIV é, de fato, em muitos aspectos, semelhante ao da resposta imune a outros vírus e serve para remover a maior parte do vírus presente no sangue e nas células T circulantes. No entanto, é claro que estas respostas imunes não erradicam todos os vírus, e, geralmente, a infecção perpassa o sistema imunológico na maioria dos indivíduos. Apesar da falta de eficácia da resposta imune ao vírus, é importante caracterizá-la por três razões. Em primeiro lugar, as respostas imunes podem ser prejudiciais para o hospedeiro, por exemplo, por estimular a captura de vírus opsonizados por células não infectadas por endocitose mediada por receptor Fc ou por erradicação de células T CD4 + que expressam antígenos virais pelos CTLs CD8 + . Em segundo lugar, os anticorpos contra o HIV são marcadores diagnósticos da infecção pelo HIV que são amplamente utilizados para triagem. Em terceiro lugar, o desenvolvimento de vacinas eficazes para a imunização contra o HIV requer conhecimento dos tipos de resposta imune mais propensa a ser protetora (os “correlatos de proteção”).
Muitas respostas imunes inatas contra o HIV foram descritas. Estas incluem a produção de peptídios antimicrobianos (defensinas) e a ativação de células NK, células dendríticas (células dendríticas particularmente plasmocitoides produtoras de interferon do tipo I) e o sistema complemento. A função destas respostas no combate contra a infecção não está estabelecida.
A resposta imune adaptativa inicial contra a infecção pelo HIV é caracterizada pela expansão de células T CD8 + específicas para peptídios do HIV. Até 10% ou mais das células T CD8 + circulantes podem ser específicos para o HIV durante a infecção aguda. Estes CTLs controlam a infecção na fase inicial (Fig. 21-8), mas adiante revelam-se ineficazes por causa do surgimento de mutantes virais (variantes com antígenos mutados). As células T CD4 + também respondem ao vírus, e estas células T CD4 + podem contribuir para o controle viral de inúmeras de maneiras. Uma resposta das células T CD4 + eficaz é necessária como uma fonte auxiliar para a geração de células T CD8 + de memória, mas também tem sido demonstrado que as células T CD4 + medeiam as respostas citolíticas contra células infectadas pelo HIV, talvez usando o ligando Fas como alvo nas células T CD4 + infectadas.
 A importância da resposta dos CTLs no controle do HIV é realçada pela evolução do vírus sob pressão imune, resultando em isolados virais que perderam seus epitopos de CTL originais. A evolução do vírus também resulta na perda dos epitopos reconhecidos pelas células T CD4 + , indicando que tanto as células T CD8 + como as células T CD4 + contribuem para a defesa do hospedeiro contra o vírus.
A resposta por anticorpos a uma variedade de antígenos do HIV é detectável dentro de 6 a 9 semanas após a infecção. As moléculas do HIV mais imunogênicas a induzir respostas por anticorpos parecem ser as glicoproteínas do envelope, e títulos elevados de anticorpos anti-gp120 e anti-gp41 estão presentes na maioria dos indivíduos infectados pelo HIV. Outros anticorpos anti-HIV encontrados frequentemente no soro dos pacientes são os anticorpos contra p24, transcriptase reversa e produtos de gag e pol (Fig. 20-8). O efeito destes anticorpos na evolução clínica da infecção por HIV é incerto. Os primeiros anticorpos geralmente não são neutralizantes e, portanto, são inibidores fracos da infecciosidade viral ou efeitos citopáticos. Os anticorpos neutralizantes contra gp120 desenvolvem-se de 2 a 3 meses após a infecção primária, mas mesmo estes anticorpos não pode lidar com um vírus que é capaz de mudar rapidamente os epítopos mais imunodominantes das glicoproteínas do seu envelope. O sequenciamento de genes para cadeia leve e pesada dos anticorpos a partir de células B gp-140-específicas de indivíduos que foram infectados pelo HIV-1 durante alguns anos tem revelado a presença de anticorpos amplamente neutralizantes. Estes anticorpos se ligam em um local na proteína viral que impede o vírus de sofrer mutações, por exemplo, o local de ligação de CD4 da gp140. Desta forma, eles são eficazes em eliminar o vírus. Uma característica marcante de todos estes anticorpos é que eles foram selecionados após extensa hipermutação somática, indicando resposta de anticorpos dependente de células T auxiliares. A complicação é que inicialmente o repertório de células B inativas (naïves) específicas para o HIV consiste principalmente de células B, cujos receptores para antígeno se ligam fracamente a certos epítopos antigênicos, como o local de ligação CD4 da gp140. Muitos ciclos de hipermutação somática e de seleção que podem ocorrer em uma infecção de longo prazo podem gerar, eventualmente, populações de células B que se ligam com alta afinidade ao epítopo original fracamente reconhecido. Uma das metas da vacinação é gerar anticorpos amplamente neutralizantes de alta afinidade, mas até agora isto não foi alcançado de nenhuma forma consistente.

Mecanismos de Evasão Imune do HIV 

O HIV é o protótipo de um patógeno infeccioso que escapa das defesas do hospedeiro pela destruição do sistema imune. Além disso, várias características do HIV podem ajudar o vírus a escapar da imunidade do hospedeiro.
O HIV apresenta uma taxa de mutação extremamente elevada por causa da propensão a erros da transcrição reversa, e, desta forma, pode evitar a detecção pelos anticorpos ou células T geradas em resposta às proteínas virais. Estimou-se que, em uma pessoa infectada, todas as possíveis mutações pontuais no genoma viral ocorram todos os dias. A região da molécula gp120, denominada alça V3, é um dos componentes mais antigenicamente variáveis do vírus; ela varia ainda em isolados do HIV retirados do mesmo indivíduo em momentos diferentes. Muitos epítopos do vírus que poderiam potencialmente servir como alvos para anticorpos amplamente neutralizantes também são protegidos por açúcares N-ligados que compõem o que é conhecido como campo de glicanas do HIV.
As células infectadas pelo HIV podem escapar dos CTLs através de regulação negativa da expressão de moléculas do MHC de classe I. A proteína Nef do HIV inibe a expressão de moléculas de MHC de classe I, principalmente através da promoção da internalização destas moléculas. Outros mecanismos de inibição da imunidade celular foram demonstrados em alguns casos. Como mencionado anteriormente, estes incluem uma inibição preferencial de citocinas TH1, ativação de células T reguladoras e supressão de funções das células dendríticas. Os mecanismos destas ações do vírus, bem como o seu significado patogênico não estão estabelecidos.

Controladores de Elite e Não Progressores de Longo Prazo: Uma Possível Função para os Genes do Hospedeiro 

Embora a maioria dos indivíduos infectados pelo HIV desenvolva AIDS, aproximadamente 1% dos indivíduos infectados não desenvolvem a doença. Estes indivíduos apresentam alta contagem de células T CD4 + e CD8 + , não exigindo tratamento, e apresentam viremia persistente, mas nenhuma doença por pelo menos 10 a 15 anos. Com base no grau de viremia, este grupo pode ser dividido em dois subconjuntos: não progressores de longo prazo com viremia detectável de cerca de 5.000 cópias de RNA do HIV-1 por mililitro de sangue; e um subconjunto muito menor de controladores de elite, que apresentam carga viral de cerca de 50 cópias, ou menos, de RNA do HIV-1 por mililitro de sangue. Há um grande interesse na compreensão da base genética de controle do HIV por meio de estudo minucioso destas coortes de indivíduos. Até agora, sugeriu-se um importante papel do lócus do MHC na proteção dos indivíduos e prevenção da progressão através de estudos de associação genética. Lócus do HLA de classe I específico e alguns lócus do HLA de classe II têm sido associados à ausência de progressão da doença. Nós já mencionamos anteriormente a importância da herança homozigótica da deleção de 32 pb do CCR5 na proteção contra infecções, e provavelmente outros fatores genéticos que contribuam para a resistência serão revelados nos próximos anos .

Tratamento e Prevenção da AIDS e Desenvolvimento da Vacina 

Esforços de pesquisa ativa estão destinados para desenvolver os reagentes que interfiram com o ciclo de vida viral. Atualmente, o tratamento da infecção pelo HIV e AIDS tipicamente envolve a administração de três fármacos antivirais, usados de forma combinada, cujos alvos são moléculas virais para as quais não existem homólogas humanas. Os primeiros medicamentos antirretrovirais amplamente utilizados foram os análogos de nucleosídeos que inibem a atividade da transcriptase reversa viral. Estas drogas incluem análogos do nucleosídeo desoxitimidina, como a 3’-azido-3’- desoxitimidina (AZT), análogos do nucleosídeo desoxicitidina e análogos do nucleosídeo desoxiadenosina. Quando estes medicamentos são usados isoladamente, eles, geralmente, são eficazes na redução significativa dos níveis plasmáticos de RNA do HIV durante vários meses ou anos, mas geralmente não evitam a progressão da doença induzida pelo HIV, principalmente por causa da evolução viral devido às formas mutantes da transcriptase reversa que são resistentes aos fármacos. Inibidores da transcriptase reversa não nucleosídicos se ligam diretamente à enzima e inibem a sua função. Inibidores de proteases virais têm sido desenvolvidos, e bloqueiam o processamento de proteínas precursoras em proteínas do capsídeo viral e nucleares maduras. Quando estes inibidores de protease são utilizados isoladamente, emergem vírus mutantes resistentes aos seus efeitos. No entanto, atualmente, os inibidores da protease fazem parte de um regime terapêutico constituído por três fármacos, juntamente com dois diferentes inibidores da transcriptase reversa. Esta nova terapia tripla, chamada de HAART (terapia antirretroviral altamente ativa) ou ART (terapia antirretroviral), provou ser eficaz na redução do RNA viral plasmático para níveis não detectáveis na maioria dos pacientes tratados durante alguns anos. Atualmente, um inibidor da integrase também está disponível para a terapia antiviral. Inibidores de entrada, que impedem a entrada viral via CD4 ou CCR5 na célula hospedeira, ou gp41 ou gp120 do vírus, compõe outra categoria nova de agentes terapêuticos. Os fármacos que têm como alvo a gp41 incluem compostos que impedem a fusão do envelope viral com a membrana plasmática da célula hospedeira. Embora a terapia antirretroviral reduza os títulos virais para níveis indetectáveis por até 10 anos, em alguns pacientes, é pouco provável que tal tratamento possa eliminar o vírus de todos os seus reservatórios (especialmente das células infectadas de vida longa), e pode haver o desenvolvimento de resistência às drogas. Outros problemas consideráveis associados a estes novos fármacos terapêuticos, que prejudicarão a sua utilização efetiva em muitas partes do mundo, incluem custo elevado, esquemas de administração complicados e os efeitos adversos significativos.
As infecções desenvolvidas por pacientes com AIDS são tratadas por meio de profilaxia adequada, antibióticos e medidas de suporte. Muitas vezes é necessária a utilização de um antibioticoterapia mais agressiva do que seria aplicada para infecções similares em hospedeiros menos comprometidos.
 As medidas de prevenção da infecção pelo HIV são extremamente importantes e potencialmente eficazes no controle da epidemia do HIV. Nos Estados Unidos, a triagem de rotina para detecção do HIV em doadores de sangue e hemoderivados já reduziu o risco desta forma de transmissão para níveis insignificantes. Atualmente, várias medidas de saúde pública para aumentar o uso de preservativos e para reduzir o uso de agulhas contaminadas por usuários de drogas injetáveis estão se generalizando. Talvez os esforços mais eficazes na prevenção sejam as campanhas para aumentar a consciência pública sobre o HIV. Ensaios clínicos recentes demonstraram que a administração de drogas antirretrovirais em mães grávidas é eficaz na prevenção da infecção dos recémnascidos. O uso profilático destes medicamentos em pacientes de alto risco também reduz a taxa de infecção.
 O desenvolvimento de uma vacina eficaz contra o HIV é prioridade em instituições de pesquisa bioclínica por todo o mundo. Esta tarefa foi complicada pela capacidade do vírus de mutar e variar muitos antígenos imunogênicos. É provável que uma vacina eficaz tenha que estimular tanto a resposta humoral como a celular contra antígenos virais essenciais para o ciclo de vida viral. Para atingir este objetivo, várias abordagens estão sendo consideradas para o desenvolvimento de vacinas contra o HIV. Muitos trabalhos preliminares envolveram a infecção de macacos pelo vírus da imunodeficiência símia (SIV), e vacinas eficazes contra o SIV já foram desenvolvidas. Este sucesso é encorajador, pois o SIV é molecularmente relacionado ao HIV e provoca uma doença em macacos semelhante à AIDS em seres humanos. Várias vacinas de vírus vivos foram testadas na esperança de que induzisse fortes respostas por CTLs. Tais vacinas incluem vírus híbridos recombinantes não virulentos compostos por sequências do SIV e parte do HIV ou de vírus que tenham sido atenuados por deleções em uma ou mais partes do genoma viral, como o gene nef. Uma preocupação em relação às vacinas de vírus vivos é o seu potencial de causar a doença, se não forem completamente atenuados e, possivelmente, a possibilidade de recombinar com HIV produzindo uma cepa selvagem variante e patogênica. Outra abordagem que evita este problema de segurança, mas retém a eficácia na indução da imunidade mediada por CTLs é a utilização de vetores recombinantes virais vivos não HIV que transportem genes do HIV. Testes preliminares em voluntários humanos têm mostrado que as vacinas de vírus da varíola do canário (canarypox) que expressam vários genes do HIV-1 podem induzir fortes respostas dos CTL contra os antígenos de HIV. Muitas vacinas de DNA também têm sido estudadas; estas vacinas são constituídas por combinações de genes estruturais e reguladores o HIV ou do SIV acondicionados em vetores que expressam DNA de mamíferos. As combinações de vacinas, tais como a imunização inicial com uma vacina de DNA seguida por um reforço com um vetor de vírus da varíola do canário que expressa genes do HIV, produziram alguns dos resultados mais promissores até o momento. Vacinas de subunidades de proteína ou peptídios recombinantes que induzem a produção de anticorpos apresentam, até agora, um valor limitado porque os anticorpos induzidos por estas vacinas geralmente não neutralizam isolados clínicos do HIV.

Resumo 

Imunodeficiências são causadas por defeitos congênitos ou adquiridos em linfócitos, fagócitos e outros mediadores da imunidade adaptativa e inata. Estas doenças estão associadas a um aumento da susceptibilidade à infecção e a natureza e gravidade delas dependem em grande parte de qual componente do sistema imune está anormal e a extensão desta anormalidade.
Distúrbios da imunidade inata incluem defeitos de eliminação microbiana por fagócitos (p. ex., CGD ou síndrome de Chédiak-Higashi), de migração e adesão de leucócitos (p. ex., deficiência de adesão de leucócitos) e de sinalização do TLR e complemento.
Imunodeficiências combinadas graves incluem defeitos no desenvolvimento dos linfócitos que afetam tanto as células T como as células B e são causadas por sinalização defeituosa de citocinas, metabolismo anormal da purina, recombinação V(D)J defeituosa e mutações que afetam a maturação das células T.
Imunodeficiências de anticorpos incluem doenças causadas por defeitos na maturação das células B ou defeitos na ativação e na colaboração das células B e T (síndrome da hiper-IgM ligado ao X).
Imunodeficiências das células T incluem doenças nas quais há defeitos na expressão das moléculas do MHC, desordens na sinalização de células T e doenças raras que envolvem as funções de CTLs e células NK.
O tratamento das imunodeficiências congênitas envolve transfusões de anticorpos, de transplante medula óssea ou de células-tronco ou substituição enzimática. A terapia genética pode oferecer melhores tratamentos no futuro.
Imunodeficiências adquiridas são causadas por infecções, desnutrição, câncer disseminado e terapia imunossupressora para a rejeição do transplante ou doenças autoimunes.
A AIDS é uma imunodeficiência grave causada pela infecção com HIV. Este retrovírus infecta os linfócitos T CD4 + , macrófagos e células dendríticas e desencadeia uma disfunção progressiva do sistema imune. A maior parte da imunodeficiência na AIDS pode ser atribuída à depleção de células T CD4 + .
O HIV entra nas células ligando-se à molécula CD4 e a um correceptor da família dos receptores de quimiocina. Uma vez no interior da célula, o genoma viral é transcrito de forma reversa em DNA e incorporado ao genoma celular. A transcrição dos genes virais e a replicação são estimulados por sinais que normalmente ativam a célula hospedeira. A produção viral é acompanhada pela morte das células infectadas.
A fase aguda da infecção é caracterizada por morte de células T CD4 + de memória em tecidos da mucosa e disseminação do vírus para os linfonodos. Na fase latente subsequente, há a replicação do vírus em níveis baixos nos tecidos linfoides e uma perda lenta e progressiva de células T. A ativação persistente das células T promove a sua morte, levando à perda rápida e deficiência imunológica na fase crônica da infecção.
A depleção das células T CD4 + em indivíduos infectados pelo HIV deve-se aos efeitos citopáticos diretos do vírus, efeitos tóxicos de produtos virais como secreção de gp120, e aos efeitos indiretos, como a morte celular induzida por ativação ou morte das células T CD4 + infectadas por CTLs.
Existem vários reservatórios do HIV em indivíduos infectados, incluindo as células T CD4 + ativadas de vida curta, macrófagos de vida mais longa e células T de memória de vida muito longa infectadas de forma latente.
A depleção de células T CD4 + induzida pelo HIV provoca um aumento da susceptibilidade à infecção por inúmeros microrganismos oportunistas. Além disso, os pacientes infectados pelo HIV apresentam aumento de incidência de tumores, particularmente sarcoma de Kaposi e linfomas de células B associados ao EBV e encefalopatia. A incidência destas complicações foi bastante reduzida com o uso da terapia antirretroviral.
O HIV apresenta uma taxa de mutação elevada, o que permite que o vírus escape das respostas imunes do hospedeiro e torne-se resistente às terapias medicamentosas. A variabilidade genética também representa um problema para o desenvolvimento de uma vacina eficaz contra o HIV. A infecção pelo HIV pode ser tratada através da combinação de inibidores das enzimas virais.

Fonte: Livro Imunologia Celular e Molecular - 8ª Ed.

Autores: Abul Lichtman, Andrew Abbas

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