sexta-feira, 27 de outubro de 2017

CAPÍTULO 8 Desenvolvimento de Linfócitos e Rearranjo dos Genes dos Receptores de Antígenos

Fonte: Livro Imunologia Celular e Molecular - 8ª Ed.


Autores: Abul Lichtman, Andrew Abbas


VISÃO GERAL DO DESENVOLVIMENTO DE LINFÓCITOS 
Comprometimento com as Linhagens de Células B e T e Proliferação de Progenitores
 Epigenética, MicroRNAs e Desenvolvimento de Linfócitos
 Rearranjo e Expressão dos Genes dos Receptores de Antígenos 
Processos de Seleção que Moldam o Repertório dos Linfócitos B e T
 REARRANJO DOS GENES DOS RECEPTORES DE ANTÍGENOS NOS LINFÓCITOS B E T Organização dos Genes das Ig e do TCR nas Linhagens Germinativas
 Recombinação V(D)J
 Geração da Diversidade nas Células B e T
 DESENVOLVIMENTO DE LINFÓCITOS B 
Estágios de Desenvolvimento dos Linfócitos B 
Seleção do Repertório de Células B Maduras 
DESENVOLVIMENTO DOS LINFÓCITOS T
 Papel do Timo na Maturação da Célula T 
Estágios de Maturação das Células T 
Processos da Seleção na Maturação das Células T αβ Restritas ao MHC 
Linfócitos T γδ 
RESUMO 
Linfócitos expressam receptores de antígenos altamente diversos que são capazes de reconhecer uma grande variedade de substâncias estranhas. Esta diversidade é gerada durante o desenvolvimento dos linfócitos B e T maduros a partir de células precursoras que não expressam receptores de antígenos e não podem reconhecer e responder aos antígenos. O processo pelo qual os progenitores dos linfócitos no timo e na medula óssea se diferenciam em linfócitos maduros localizados em tecidos linfoides periféricos é denominado desenvolvimento de linfócitos ou maturação de linfócitos (os termos desenvolvimento e maturação são usados alternativamente neste contexto). A grande coleção de diferentes receptores de antígenos — portanto, especificidades — expressos por linfócitos B e T é produzida durante a maturação destas células. A maturação é iniciada por sinais de receptores de superfície celular que têm duas funções principais: eles promovem a proliferação de progenitores e iniciam o rearranjo dos genes dos receptores de antígenos específicos. O rearranjo dos genes dos receptores de antígenos é um evento-chave no comprometimento de uma célula progenitora com a linhagem de linfócitos B ou T.  
Começamos este capítulo considerando o processo de comprometimento com a linhagem de linfócitos B e T e discutindo alguns princípios e mecanismos comuns de desenvolvimento de células B e T. Em seguida, há uma descrição dos processos que são particulares do desenvolvimento de células B e, então, daqueles particulares das células T.

Visão geral do desenvolvimento de linfócitos 

A maturação dos linfócitos B e T envolve uma série de eventos que ocorrem nos órgãos linfoides geradores (Fig. 8-1). Estes eventos incluem os seguintes:  



FIGURA 8-1 Estágios da maturação de linfócitos. 
O desenvolvimento de ambos os linfócitos B e T envolve a sequência de estágios de maturação apresentada. Ailustração mostra a maturação das células B, mas os estágios básicos da maturação das células T são semelhantes. 
• O comprometimento de células progenitoras com a linhagem linfoide B ou linfoide T.
• Proliferação de progenitoras e células imaturas comprometidas em estágios iniciais específicos do desenvolvimento, proporcionando um grande reservatório de células capazes de gerar linfócitos úteis.
• O rearranjo sequencial e ordenado dos genes dos receptores de antígenos e a expressão de proteínas dos receptores de antígenos (os termos rearranjo e recombinação são usados alternadamente).  
• Eventos de seleção que preservam as células que produziram proteínas receptoras de antígeno funcionais e eliminam células potencialmente perigosas que reconhecem fortemente antígenos próprios. Esses pontos de controle durante o desenvolvimento asseguram o amadurecimento dos linfócitos que expressam os receptores funcionais com especificidades úteis e sua entrada no sistema imune periférico. 
• Diferenciação das células B e T em subpopulações funcionalmente e fenotipicamente distintas. As células B se desenvolvem em células foliculares, da zona marginal e B-1, e as células T se desenvolvem em linfócitos T αβ CD4 + e CD8 + , células NKT e células γδ. As funções especializadas dessas diferentes populações de linfócitos são discutidas em capítulos posteriores. 

Comprometimento com as Linhagens de Células B e T e Proliferação de Progenitores 

Células-tronco pluripotentes no fígado fetal e na medula óssea, conhecidas como célulastronco hematopoéticas (CTH), dão origem a todas as linhagens de células sanguíneas, incluindo linfócitos. As CTH amadurecem e geram progenitores linfoides que podem originar células B, células T, células linfoides inatas e algumas células dendríticas (Fig. 8- 2). A maturação das células B a partir dos progenitores comprometidos com essa linhagem ocorre principalmente na medula óssea e, antes do nascimento, no fígado fetal. As células-tronco derivadas do fígado fetal originam principalmente um tipo de célula B denominada célula B-1, enquanto as CTH derivadas da medula óssea originam a maioria das células B circulantes (células B foliculares), bem como um subgrupo de células B, denominado células B da zona marginal. Os precursores de linfócitos T deixam o fígado fetal antes do nascimento e a medula óssea durante a vida e circulam até o timo, onde completam sua maturação. A maioria das células T, que são células T αβ, se desenvolve a partir das CTH derivadas da medula óssea, enquanto a maioria das células T γδ se origina das CTH do fígado fetal. Em geral, as células B e T que são geradas no início da vida fetal possuem receptores de antígenos menos variados. Apesar de suas diferentes localizações anatômicas, os eventos de maturação inicial de ambos os linfócitos B e T são fundamentalmente semelhantes.


FIGURA 8-2 Células-tronco pluripotentes dão origem a diferentes linhagens B e T. 
As células-tronco hematopoéticas (CTH) dão origem a diferentes progenitores para vários tipos de células sanguíneas. Uma destas populações de progenitores (mostrada aqui) é denominada progenitor linfoide comum (PLC). Os PLCs dão origem principalmente a células B e T, mas também podem contribuir com células NK e algumas células dendríticas (não mostradas aqui). As células pró-B podem, eventualmente, diferenciar-se em células B foliculares (FO), células B da zona marginal (ZM) e células B-1. As células pró-T podem comprometer-se com as linhagens de células T αβ ou γδ. O comprometimento com diferentes linhagens é conduzido por vários fatores de transcrição, indicados em itálico. CLI, células linfoides inatas.
O comprometimento com a linhagem B ou T depende das instruções recebidas de vários receptores de superfície celular, que induzem reguladores de transcrição específicos que levam um progenitor linfoide comum a assumir, de modo específico, o destino de uma célula B ou uma célula T. Os receptores de superfície celular e fatores de transcrição que contribuem para o comprometimento induzem a expressão das proteínas envolvidas em rearranjos do gene dos receptores de antígenos, descritos posteriormente no capítulo, e tornam os loci dos genes dos receptores de antígenos acessíveis a essas proteínas. No caso de células B em desenvolvimento, o lócus da cadeia pesada da imunoglobulina (Ig), inicialmente em uma configuração inacessível à cromatina, é aberto, de modo que tornase acessível às proteínas que medeiam o rearranjo e expressão dos genes das Ig. No desenvolvimento de células T αβ, o lócus do gene β do receptor de células T (TCR) é o primeiro a se tornar disponível. Além dos genes envolvidos no processo do rearranjo dos genes dos receptores de antígenos, os genes que levam a uma diferenciação subsequente das células T e B são expressos neste estágio.  
Diferentes conjuntos de fatores de transcrição norteiam o desenvolvimento das linhagens de células B e T a partir de precursores não comprometidos (Fig. 8-2). Os fatores de transcrição Notch-1 e GATA-3 comprometem-se no desenvolvimento de linfócitos para a linhagem de células T. A família Notch de proteínas são moléculas de superfície celular clivadas proteoliticamente quando interagem com ligantes específicos nas células vizinhas. As porções intracelulares clivadas das proteínas Notch migram para o núcleo e modulam a expressão de genes-alvo específicos. A Notch-1 é ativada em células progenitoras linfoides e, juntamente com a GATA-3, induz a expressão de vários genes que são necessários para o desenvolvimento de células T αβ. Alguns destes genes codificam componentes do pré-TCR e as proteínas necessárias para a recombinação V(D)J, descrita posteriormente. Os fatores de transcrição EBF, E2A e Pax-5 induzem a expressão dos genes necessários para o desenvolvimento de células B. Estes incluem os genes que codificam as proteínas Rag-1 e Rag-2, as cadeias leves substitutas e as proteínas Igα e Igβ que contribuem para a sinalização por meio do receptor da célula pré-B e do receptor da célula B. O papel destes receptores no desenvolvimento da célula B será descrito mais adiante neste capítulo.
Durante o desenvolvimento das células B e T, as células progenitoras comprometidas proliferam-se, primeiramente, em resposta às citocinas e, posteriormente, em resposta a sinais gerados por um pré-receptor de antígeno, que seleciona as células que rearranjaram de maneira efetiva o primeiro conjunto de genes dos receptores de antígenos. A proliferação garante que um reservatório suficientemente grande de células progenitoras seja gerado para eventualmente proporcionar um repertório altamente diverso de linfócitos maduros específicos para antígenos. Em roedores, a citocina interleucina-7 (IL- 7) provoca a proliferação de ambos os progenitores das células B e T; em humanos, a IL-7 é necessária para a proliferação dos progenitores das células T, mas não para progenitores na linhagem B. A IL-7 é produzida por células do estroma na medula óssea e por células epiteliais e outras células no timo. Camundongos com mutações específicas no gene da IL-7 ou no gene do receptor da IL-7 apresentam uma maturação defeituosa dos precursores de linfócitos para além dos estágios iniciais e, como resultado, deficiências profundas nas células T e B maduras. As mutações da cadeia γ comum, uma proteína que é compartilhada por receptores de diversas citocinas, incluindo IL-2, IL-7 e IL-15, dentre outras, dão origem a um distúrbio de imunodeficiência em humanos denominado imunodeficiência combinada grave ligada ao X (X-SCID) (Cap. 21). Esta doença é caracterizada por um bloqueio no desenvolvimento das células T e células NK, mas com desenvolvimento normal das células B, refletindo a necessidade da IL-7 no desenvolvimento das células T em humanos e da IL-15 para as células NK. A maior expansão proliferativa de precursores de linfócitos ocorre após o rearranjo efetivo dos genes que codificam uma das duas cadeias do receptor de antígenos das células T ou B, produzindo um pré-receptor de antígenos (descrito posteriormente). Os sinais gerados por pré-receptores de antígenos são responsáveis por uma expansão muito maior dos linfócitos em desenvolvimento do que citocinas como IL-7.  

Epigenética, MicroRNAs e Desenvolvimento de Linfócitos 

Muitos eventos nucleares no desenvolvimento de linfócitos são regulados por mecanismos epigenéticos. A epigenética refere-se aos mecanismos que controlam a expressão de genes (bem como o rearranjo de genes no desenvolvimento de linfócitos) que vão além da sequência concreta de DNA em genes individuais. O DNA existe em cromossomos ligados fortemente a histonas e proteínas não histonas, formando o que é conhecido como cromatina. O DNA na cromatina é enrolado em torno de um núcleo de proteína de octâmeros de histonas, formando estruturas chamadas de nucleossomos, que podem estar bem separados de outros nucleossomos ou compactados densamente. A cromatina pode, então, existir na forma de estruturas compactadas de maneira frouxa, denominadas eucromatina, em que os genes estão disponíveis e são transcritos, ou como estruturas muito compactas, denominadas heterocromatina, em que os genes são mantidos em um estado silenciado. Deste modo, a organização estrutural de porções de cromossomos varia em diferentes células, tornando certos genes disponíveis para a ligação de fatores de transcrição, enquanto esses mesmos genes podem estar indisponíveis para fatores de transcrição em outras células
Os mecanismos que tornam genes disponíveis ou indisponíveis na cromatina são considerados mecanismos epigenéticos. Estes incluem a metilação de DNA em certos resíduos de citosina, que geralmente silencia os genes, modificações pós-tradução das caudas das histonas dos nucleossomos (p. ex., acetilação, metilação e ubiquitinação) que pode tornar os genes ou ativos ou inativos dependendo da histona modificada e da natureza da modificação, remodelação ativa da cromatina por máquinas de proteínas denominadas complexos de remodelação que também podem acentuar ou suprimir a expressão de genes e o silenciamento da expressão gênica por RNAs não codificadores.
 Vários componentes críticos do desenvolvimento de linfócitos são regulados por mecanismos epigenéticos.
• Modificações de histonas em loci do gene dos receptores de antígenos são necessários para o recrutamento de proteínas que medeiam a recombinação genética para formar genes funcionais de receptores de antígenos.
• O comprometimento com a linhagem CD4 em comparação com CD8 durante o desenvolvimento de células T depende de mecanismos epigenéticos que silenciam a expressão do gene CD4 nas células T CD8 + . O silenciamento envolve modificações da cromatina que deixam o gene CD4 em um estado de heterocromatina inacessível.  
• No Capítulo 7, discutimos microRNAs (miRNAs) no contexto da ativação das células T. Eles também contribuem de forma significativa para a modulação da expressão gênica e proteica durante o desenvolvimento. Como mencionado no Capítulo 7, Dicer é uma enzima-chave na geração de miRNA. A supressão de Dicer na linhagem T resulta na perda preferencial de células T reguladoras e o consequente desenvolvimento de um fenótipo autoimune semelhante ao observado na ausência de FoxP3 (discutido nos Caps. 15 e 21). A perda de Dicer na linhagem B resulta em um bloqueio na transição da célula pró-B para pré-B (discutido mais detalhadamente na seção seguinte), principalmente por ser permissivo para a apoptose de células pré-B. Os membros de uma família de miRNA específica, a família miR17-92, desempenham um papel essencial na prevenção da morte por apoptose de células pré-B, inibindo diretamente a expressão de Bim, uma proteína pró-apoptótica da família Bcl-2, e também inibindo a expressão de PTEN, uma fosfatase inositol que contribui positivamente para a indução da expressão de Bim. Estudos de ablação de genes têm revelado que outros miRNAs específicos também estão envolvidos em outras etapas no desenvolvimento das células B e T. 

Rearranjo e Expressão dos Genes dos Receptores de Antígenos 

O rearranjo dos genes dos receptores de antígenos é um evento-chave no desenvolvimento de linfócitos que é responsável pela geração de um repertório diverso. Conforme discutido no Capítulo 7, cada clone de linfócitos B ou T produz um receptor de antígeno com uma estrutura única de ligação a antígenos. Em qualquer indivíduo, podem existir 10 7 ou mais clones de linfócitos B e T, cada qual com um único receptor. A capacidade de cada indivíduo de gerar estes repertórios de linfócitos extremamente diversos evoluiu de tal forma que não exige um número igualmente grande de genes de receptores de antígenos diferentes; caso contrário, grande parte do genoma seria dedicada a codificar o grande número de moléculas de Ig e TCR. Os genes de receptores de antígenos funcionais são produzidos nas células B imaturas na medula óssea e nas células T imaturas no timo por um processo de rearranjo gênico, que é capaz de gerar uma grande quantidade de éxons que codificam regiões variáveis usando uma fração relativamente pequena do genoma. Em qualquer um dos linfócitos em desenvolvimento, um dos vários segmentos gênicos da região variável é selecionado aleatoriamente e junta-se a um segmento de DNA mais abaixo na cadeia. Os eventos de rearranjo de DNA que levam à produção de receptores de antígenos não são dependentes ou influenciados pela presença de antígenos. Em outras palavras, conforme propôs a hipótese de seleção clonal, diversos receptores de antígenos são gerados e expressos antes de entrar em contato com os antígenos (Fig. 1-7). Discutiremos os detalhes moleculares do rearranjo dos genes dos receptores de antígenos mais adiante neste capítulo. 

Processos de Seleção que Moldam o Repertório dos Linfócitos B e T 

O processo de desenvolvimento de linfócitos contém numerosas etapas intrínsecas, denominadas pontos de controle, nas quais as células em desenvolvimento são testadas e somente continuam a amadurecer se a etapa anterior do processo tiver sido concluída de maneira eficaz. Um destes pontos de controle baseia-se na produção bem-sucedida de uma das cadeias polipeptídicas da proteína do receptor de antígeno de duas cadeias, e um segundo ponto de controle exige a montagem de um receptor completo. O requisito para cruzar esses pontos de controle garante que apenas os linfócitos que tenham concluído de modo eficaz os processos de rearranjo do gene do receptor de antígeno, ou seja, os que tendem a ser funcionais, sejam selecionados para amadurecer. Os processos de seleção adicionais ocorrem depois que os receptores de antígeno são expressos e servem para eliminar linfócitos autorreativos potencialmente nocivos e comprometer as células em desenvolvimento com determinadas linhagens. Os princípios gerais desses eventos de seleção serão resumidos a seguir. 
Os pré-receptores de antígenos e receptores de antígenos emitem sinais a linfócitos em desenvolvimento que são necessários para a sobrevivência dessas células e sua proliferação e maturação contínua (Fig. 8-3). Os pré-receptores de antígenos, denominados pré-BCRs nas células B e de pré-TCRs nas células T, são estruturas de sinalização expressas durante o desenvolvimento das células B e T que contêm apenas uma das duas cadeias polipeptídicas presentes em um receptor de antígeno maduro. Os pré-BCRs contêm a cadeia pesada µ das Ig e os pré-TCRs contêm a cadeia β do TCR. Para expressar as proteínas µ das Ig e β do TCR, as células B ou T devem sofrer rearranjos no gene do receptor de antígeno. Isto envolve a abertura de um lócus específico do gene do receptor (como um lócus do gene do TCR nas células e um lócus do gene das Ig nas células B) e a junção de segmentos de DNA nesse lócus para gerar um gene de receptor de antígeno funcional. Durante este processo, bases são acrescentadas ou removidas aleatoriamente entre os segmentos gênicos que estão sendo unidos, maximizando, então, a variabilidade entre receptores. Nas células B em desenvolvimento, o primeiro gene de receptor de antígeno a ser completamente rearranjado é o gene da cadeia pesada das Ig (IgH) (embora a convenção normal seja a de usar itálico para nome de genes, neste capítulo, nos referimos a genes, loci de genes, segmentos gênicos e éxons, e estes não foram deixados em itálico para manter a simplicidade). Nas células T αβ, a cadeia β do TCR é a primeira a ser rearranjada. As células da linhagem de linfócitos B nas quais o rearranjo dos genes da cadeia pesada das Ig foi bem-sucedido expressam a proteína da cadeia pesada µ e montam um pré-receptor de antígenos conhecido como pré-BCR. De maneira análoga, as células T em desenvolvimento que realizam um rearranjo produtivo do gene da cadeia β do TCR sintetizam a proteína da cadeia β do TCR e montam um pré- receptor de antígeno conhecido como pré-TCR. Apenas cerca de uma em três células B e T em desenvolvimento que realizam o rearranjo de um gene de receptor de antígenos realiza um rearranjo interno e, portanto, é capaz de gerar uma proteína integral apropriada. Se as células realizam rearranjos externos nos loci da cadeia µ das Ig ou β do TCR, não ocorre expressão dos pré-receptores de antígenos, as células não recebem os sinais de sobrevivência necessários e sofrem morte celular programada. Os complexos pré-BCR e pré-TCR fornecem sinais para a sobrevivência, proliferação, para o fenômeno de exclusão alélica (discutido posteriormente) e para a continuação do desenvolvimento das células da linhagem B e T em maturação. Assim, a expressão dos pré-receptores de antígenos é o primeiro ponto de controle durante o desenvolvimento de linfócitos.

FIGURA 8-3 Pontos de controle na maturação dos linfócitos.
 Durante o desenvolvimento, os linfócitos que expressam receptores necessários para continuar sua proliferação e maturação são selecionados para sobreviver, enquanto as células que não expressam receptores funcionais morrem por apoptose. Aseleção positiva e a seleção negativa preservam as células com especificidades úteis. Apresença de múltiplos pontos de controle garante que somente células com receptores úteis completem sua maturação.
As células B e T em desenvolvimento expressam receptores de antígenos completos e são selecionadas para a sobrevivência com base no que esses receptores podem ou não reconhecer. Os linfócitos cuja passagem pelo ponto de controle tenha sido bem-sucedida seguem ao rearranjo e expressão de genes que codificam a segunda cadeia do BCR ou TCR e expressam o receptor de antígeno completo enquanto ainda estão imaturos. Neste estágio imaturo, as células potencialmente nocivas que reconhecem fortemente estruturas próprias podem ser eliminadas ou induzidas a alterar os seus receptores de antígenos, e as células que expressam receptores de antígenos úteis podem ser preservadas (Fig. 8-3). O processo denominado seleção positiva facilita a sobrevivência dos linfócitos potencialmente úteis e este evento de desenvolvimento está ligado ao comprometimento à linhagem, processo pelo qual os subgrupos de linfócitos são gerados. Na linhagem de células T, a seleção positiva garante a maturação das células T cujos receptores reconhecem moléculas de MHC próprias. Além disso, a expressão do correceptor adequado em uma célula T (CD8 ou CD4) é combinada com o reconhecimento do tipo adequado de molécula de MHC (MHC classe I ou MHC classe II, respectivamente). As células T maduras cujos precursores tenham sido selecionados positivamente por moléculas de MHC próprio no timo são capazes de reconhecer antígenos de peptídios estranhos apresentados pelas mesmas moléculas de MHC próprio em células apresentadoras de antígenos em tecidos periféricos. Na linhagem de células B, a seleção positiva preserva as células que expressam receptores e está associada à geração de diferentes subgrupos, discutida mais tarde.  
A seleção negativa é o processo que elimina ou altera os linfócitos em desenvolvimento cujos receptores de antígenos ligam-se fortemente a antígenos próprios presentes nos órgãos linfoides geradores. Ambas as células B e T em desenvolvimento são suscetíveis à seleção negativa durante um breve período após a expressão inicial dos receptores de antígenos. As células T em desenvolvimento com uma alta afinidade por antígenos próprios são eliminadas por apoptose, um fenômeno conhecido como deleção clonal. Células B imaturas altamente autorreativas podem ser induzidas a realizar mais rearranjos no gene das Ig e, assim, evitar a autorreatividade. Este fenômeno é denominado edição do receptor. Se a edição falha, as células B autorreativas morrem, processo também denominado deleção clonal. A seleção negativa de linfócitos imaturos é um mecanismo importante para a manutenção da tolerância a muitos antígenos próprios; isso também é denominado tolerância central porque se desenvolve nos órgãos linfoides centrais (geradores) (Cap. 15). 
Com esta introdução, seguiremos a uma discussão mais detalhada sobre a maturação dos linfócitos, começando pelo evento-chave no processo, o rearranjo e a expressão dos genes dos receptores de antígenos.

Rearranjo dos genes dos receptores de antígenos nos linfócitos B e T 

Os genes que codificam os diversos receptores de antígeno de linfócitos B e T são gerados pelo rearranjo, em cada linfócito, de diferentes segmentos gênicos da região variável (V) com segmentos gênicos de diversidade (D) e junção (J). Um novo éxon rearranjado é gerado para cada gene dos receptores de antígenos por meio da fusão de um segmento gênico V acima, distante e específico, com um segmento abaixo no mesmo cromossomo. Este processo especializado de rearranjo de genes em locais específicos é denominado recombinação V(D)J. A elucidação dos mecanismos do rearranjo dos genes dos receptores de antígenos, e, portanto, a base da geração da diversidade imunológica, representa um dos marcos da imunologia moderna. 

As primeiras ideias sobre como milhões de diferentes receptores de antígeno poderiam ser gerados a partir de uma quantidade limitada de DNA codificador no genoma originam-se de análises das sequências de aminoácidos de moléculas de Ig. Estas análises mostraram que as cadeias polipeptídicas de muitos anticorpos diferentes do mesmo isotipo compartilhavam sequências idênticas nas suas extremidades Cterminais (correspondentes aos domínios constantes das cadeias pesadas e leves dos anticorpos), mas diferiram consideravelmente nas sequências de suas extremidades Nterminais, que correspondem aos domínios variáveis das imunoglobulinas (Cap. 5). Ao contrário de um dos princípios centrais da genética molecular, enunciado como a hipótese um gene-um polipeptídio, foi postulado, em 1965, que cada cadeia do anticorpo é, na realidade, codificada por pelo menos dois genes, um variável e outro constante, e que os dois são combinados fisicamente no nível do DNA ou do RNA mensageiro (mRNA) para, eventualmente, dar origem a proteínas de Ig funcionais. A prova formal desta hipótese veio mais de uma década mais tarde, quando Susumu Tonegawa demonstrou que a estrutura de genes das Ig em células de um tumor que produz anticorpos, denominado mieloma ou plasmacitoma, é diferente daquela em tecidos embrionários ou em tecidos não linfoides não comprometidos com a produção das Ig. Estas diferenças surgem porque os segmentos de DNA que são separados dentro dos loci hereditários que codificam as cadeias pesadas e leves das Ig são agrupados e unidos apenas em células B em desenvolvimento, mas não em outros tecidos ou tipos celulares. Descobriu-se que rearranjos semelhantes ocorrem durante o desenvolvimento das células T nos loci que codificam as cadeias polipeptídicas de TCRs. O rearranjo dos genes dos receptores de antígenos é melhor compreendido descrevendo inicialmente a organização não rearranjada de genes das Ig e do TCR na linhagem germinativa, e, em seguida, o seu rearranjo durante a maturação de linfócitos. 

Organização dos Genes das Ig e do TCR nas Linhagens Germinativas

 As organizações das linhagens germinativas em loci genéticos das Ig e do TCR são fundamentalmente semelhantes e são caracterizadas pela segregação espacial de muitas sequências diferentes que codificam domínios variáveis capazes e relativamente poucas sequências que codificam os domínios constantes das proteínas do receptor; sequências de regiões variáveis distintas são unidas a sequências de regiões constantes em diferentes linfócitos. Descreveremos inicialmente os loci das Ig e, em seguida, os loci do TCR.  

Organização dos Loci dos Genes das Ig 

Três loci separados codificam, respectivamente, todas as cadeias pesadas das Ig, a cadeia leve κ das Ig, e a cadeia leve λ das Ig. Cada lócus está em um cromossomo diferente. A organização dos genes das Ig humanas é ilustrada na Figura 8-4 e a relação dos segmentos gênicos após o rearranjo aos domínios das proteínas de cadeia pesada e leve das Ig é apresentada na Figura 8-5, A. Os genes das Ig são organizados essencialmente da mesma maneira em todos os mamíferos, embora suas localizações cromossômicas e o número e sequência dos diferentes segmentos gênicos em cada lócus possam variar.  


FIGURA 8-4 Organização da linhagem germinativa nos loci da Ig humana. 
Os loci da cadeia pesada, da cadeia leve κ e da cadeia leve λ humanas são ilustrados. Apenas genes funcionais são mostrados; pseudogenes foram omitidos para manter a simplicidade. Éxons e íntrons não estão representados em escala. Cada gene CH é mostrado como um retângulo único, mas é composto de vários éxons, conforme ilustrado para Cμ . Os segmentos gênicos são indicados conforme descrito a seguir: L, líder (frequentemente denominado sequência sinal); V, variável; D, diversidade; J, junção; C, constante; amp, amplificador. Nesta figura e nas figuras subsequentes, as estruturas tubulares representam segmentos de dupla fita de cromossomo, sendo que as extremidades 5’ e 3’ se referem às fitas codificadoras.

FIGURA 8-5 Domínios das proteínas das Ig e do TCR.
 Os domínios das cadeias pesada e leve das Ig são ilustrados em A, e os domínios das cadeias α e β do TCR são ilustrados em B. Arelação entre os segmentos gênicos das Ig e do TCR e a estrutura do domínio das cadeias polipeptídicas do receptor de antígeno estão indicadas. As regiões V e C de cada polipeptídio estão codificadas por diferentes segmentos gênicos. As localizações das pontes dissulfeto (S-S) intracadeias e intercadeias são aproximadas. As áreas nos retângulos tracejados são regiões hipervariáveis (determinadoras de complementariedade). Na cadeia μ da Ig e nas cadeias α e β do TCR, os domínios transmembrana (TM) e citoplasmático (CIT) estão codificados por éxons separados.
Na extremidade 5’ de cada lócus das Ig, há um agrupamento de genes V (variáveis), com cada gene V no agrupamento contendo cerca de 300 pares de bases. O número de genes V varia consideravelmente entre os diferentes loci das Ig e entre diferentes espécies. Por exemplo, em humanos, há aproximadamente 35 genes V no lócus κ da cadeia leve humana, cerca de 30 no lócus λ e cerca de 45 genes V funcionais no lócus da cadeia pesada, enquanto nos camundongos, o lócus κ possui cerca de 30 genes V, o lócus λ da cadeia leve possui apenas dois genes V e o lócus da cadeia pesada possui mais de 1.000 genes V, dos quais cerca de 250 são funcionais. Os segmentos de gene V para cada lócus são espaçados por intervalos longos de DNA de até 2.000 quilobases de comprimento. Localizado na extremidade 5’ de cada segmento V, há um éxon líder que codifica 20 a 30 resíduos N-terminais da proteína traduzida. Estes resíduos são moderadamente hidrofóbicos e compõem o peptídio líder (ou de sinal). As sequências de sinal são encontradas em todas as proteínas secretadas e transmembrana recémsintetizadas e estão envolvidas no direcionamento de polipeptídios nascentes que estão sendo traduzidos em ribossomos ligados à membrana ao lúmen do retículo endoplasmático. Aqui, as sequências de sinal são rapidamente clivadas e elas não estão presentes nas proteínas maduras. Acima de cada éxon líder, há um promotor do gene V em que a transcrição pode ser iniciada, mas, conforme discutido posteriormente, esta ocorre de maneira mais eficiente após o rearranjo.  
Nas distâncias variadas na extremidade 3’ dos genes V, há vários segmentos J (junção) que estão intimamente ligados a éxons abaixo da região constante. Os segmentos J são de normalmente 30 a 50 pares de bases de comprimento e são separados por sequências não codificadoras. Entre os segmentos V e J no lócus de IgH, há segmentos adicionais conhecidos como segmentos D (diversidade). Os segmentos D não são encontrados nos loci da cadeia leve das Ig. Quanto aos genes V, o número de genes D e J varia em diferentes loci das Ig e em diferentes espécies.
Cada lócus das Ig possui um arranjo e número de genes da região C diferente. Nos seres humanos, o lócus κ da cadeia leve das Ig possui um único gene C (Cκ ) e o lócus λ da cadeia leve possui quatro genes C funcionais (Cλ ). O lócus da cadeia pesada das Ig possui nove genes C (CH ), dispostos em uma organização tandem, que codificam as regiões C dos nove diferentes isotipos e subtipos das Ig (Cap. 5). Cada um dos genes Cκ e Cλ é composto de um único éxon que codifica todo o domínio C das cadeias leves. Em contraste, cada gene CH é composto de cinco ou seis éxons. Cada três ou quatro éxons (cada qual de tamanho semelhante ao de um segmento gênico V) codificam um domínio CH da cadeia pesada das Ig, e dois éxons menores codificam para as extremidades carboxiterminais da forma de membrana de cada cadeia pesada das Ig, incluindo os domínios transmembrana e citoplasmáticos das cadeias pesadas (Fig. 8-5, A).  
Em uma proteína de cadeia leve das Ig (κ ou λ), o domínio V é codificado pelos segmentos gênicos V e J; na proteína da cadeia pesada das Ig, o domínio V é codificado pelos segmentos gênicos V, D e J (Fig. 5-8, A). No caso dos domínios V das cadeias β do TCR e H das Ig, os resíduos juncionais entre os segmentos V e D rearranjados e os segmentos D e J, bem como as sequências dos próprios segmentos D e J, compõem a terceira região hipervariável, também conhecida como região determinante de complementaridade 3 ou CDR3. As sequências juncionais entre os segmentos J e V rearranjados, bem como o próprio segmento J, compõem a terceira região hipervariável das cadeias leves das Ig. CDR1 e CDR2 são codificados em cada segmento gênico V da linhagem germinativa. Os domínios V e C das moléculas Ig compartilham características estruturais, incluindo uma estrutura terciária denominada dobra da Ig. Conforme discutimos no Capítulo 5, as proteínas que incluem esta estrutura são membros da superfamília das Ig. 
Sequências não codificadoras nos loci das Ig desempenham papéis importantes na recombinação e expressão gênica. Como veremos mais adiante, as sequências que ditam a recombinação de diferentes segmentos gênicos são encontradas adjacentes a cada segmento codificador nos genes das Ig. Os promotores de genes V e outros elementos reguladores de atuação cis, tais como regiões de controle de lócus, amplificadores e silenciadores, que regulam a expressão gênica no nível da transcrição.

Organização dos Loci do Gene do TCR 

Cada lócus do TCR nas linhagens germinativas é organizado de uma forma muito semelhante aos loci das Ig descritos anteriormente, com um agrupamento na extremidade 5’ de vários segmentos gênicos V, seguidos por segmentos D (apenas nos loci de β e δ), seguidos de um agrupamento de segmentos J, todos acima dos genes da região C (Fig. 8-6). No lócus β humano, há cerca de 50 segmentos gênicos V, 2 D e 12 J, e no lócus α, há 45 segmentos V e 50 J. Os loci de γ e δ, no geral, possuem menos segmentos gênicos do que os loci α e β, com um total de apenas 7 genes V. Acima de cada gene V do TCR encontra-se um éxon que codifica um peptídio líder, e acima de cada éxon líder encontra-se um promotor para cada gene V. Nas proteínas β e δ do TCR, o domínio V é codificado pelos segmentos gênicos V, D e J, e nas proteínas α e γ do TCR, o domínio V é codificado pelos segmentos gênicos V e J. Há dois genes C em cada um dos loci β e γ do TCR humano, cada qual com seu próprio agrupamento de segmentos J associado na extremidade 5’, e somente um gene C em cada um dos loci de α e γ. Cada gene da região C do TCR é composto de quatro éxons que codificam o domínio das Ig da região C extracelular, uma pequena região de dobradiça, o segmento transmembranar, e a cauda citoplasmática. 



FIGURA 8-6 Organização dos loci dos TCR humanos na linhagem germinativa. 
Os loci das cadeias β, α, γ e δ do TCR humano são ilustrados, conforme indicado. Os éxons e íntrons não estão representados em escala e pseudogenes não funcionais não estão ilustrados. Cada gene C é mostrado como uma única faixa, mas é composto de vários éxons, conforme ilustrado para Cb1. Os segmentos gênicos são indicados conforme descrito a seguir: L, líder (normalmente denominado sequência sinal); V, variável; D, diversidade; J, junção; C, constante; amp, amplificador; sil, silenciador (sequências que regulam a transcrição do gene TCR). 
A relação entre os segmentos do gene do TCR e as porções correspondentes das proteínas do TCR que eles codificam é apresentada na Figura 8-5, B. Assim como nas moléculas de Ig, os domínios V e C do TCR assumem uma estrutura terciária de dobra da Ig, e, portanto, o TCR é um membro da superfamília de proteínas das Ig.

Recombinação V(D)J 

A organização na linhagem germinativa dos loci das Ig e do TCR descrita na seção anterior existe em todos os tipos de células no corpo. Os genes da linhagem germinativa não podem ser transcritos para mRNAs que codificam proteínas de receptores de antígeno funcionais. Os genes dos receptores de antígenos funcionais são criados apenas nos linfócitos B e T em desenvolvimento, após os eventos de rearranjo de DNA que colocam os segmentos gênicos V, (D) e J escolhidos aleatoriamente em contiguidade. 
O processo de recombinação V(D)J em qualquer lócus de Ig ou TCR envolve a seleção de um gene V, um segmento D (quando presente) e um segmento J em cada linfócito e o rearranjo de um desses segmentos, de modo a formar um único éxon V(D)J que codificará para a região variável de uma proteína do receptor de antígeno (Fig. 8-7). Nos loci da cadeia leve das Ig e das cadeias α e γ do TCR, nas quais faltam segmentos D, um único rearranjo junta um gene V selecionado aleatoriamente a um segmento J, também selecionado aleatoriamente. Os loci das cadeias H das Ig e β e δ do TCR contêm segmentos D, e nestes loci, dois eventos de rearranjo distintos devem ser iniciados separadamente, juntando um primeiro D a um J e, em seguida, um segmento V para ser fundido a um segmento DJ. Cada evento de rearranjo envolve uma série de etapas sequenciais. Primeiramente, a cromatina deve ser aberta em regiões específicas do cromossomo para tornar os segmentos gênicos de receptores de antígenos acessíveis às enzimas que medeiam a recombinação. Em seguida, dois segmentos gênicos selecionados devem ser aproximados um do outro, atravessando uma distância cromossômica considerável. A seguir, quebras são introduzidas na dupla fita nas extremidades codificadoras destes dois segmentos, nucleotídeos são acrescentados ou removidos nas extremidades quebradas, e, finalmente, as extremidades processadas são ligadas para produzir genes de receptores de antígenos clonais únicos, porém diversos, que podem ser transcritos de maneira eficiente. As regiões C encontram-se abaixo do éxon V(D)J rearranjado separado pelo íntron J-C da linhagem germinativa. Esse gene reorganizado é transcrito para formar um transcrito de RNA primário (nuclear). O processamento (splicing) subsequente do RNA reúne o éxon líder, o éxon V(D)J e os éxons da região C, formando um mRNA que pode ser traduzido em ribossomos ligados à membrana para produzir uma das cadeias do receptor de antígenos. A utilização de diferentes combinações dos segmentos V, D, e J e a adição e remoção de nucleotídeos nas junções contribuem para a diversidade tremenda dos receptores de antígeno, como discutiremos em mais detalhes mais adiante.

 
FIGURA 8-7 Diversidade dos genes dos receptores de antígenos.
 Apartir do DNAda mesma linhagem germinativa, é possível gerar sequências de DNA recombinadas e mRNAs que diferem em suas junções V-D-J. No exemplo apresentado, três mRNAs de receptores de antígeno diferentes são produzidos a partir do DNAda mesma linhagem germinativa por meio do uso de diferentes segmentos gênicos e a adição de nucleotídeos às junções.

 Sinais de Reconhecimento que Conduzem a Recombinação V(D)J 

Proteínas específicas de linfócitos que medeiam a recombinação V(D)J reconhecem certas sequências de DNA, denominadas sequências de sinais de recombinação (RSSs), localizadas na extremidade 3’ de cada segmento gênico V, na extremidade 5’ de cada segmento J e em ambos os lados de cada segmento D (Fig. 8-8, A). As RSSs consistem em um trecho altamente conservado de 7 nucleotídeos, denominado heptâmero, geralmente CACAGTG, localizado adjacente à sequência codificadora, seguido de um espaçador de exatamente 12 ou 23 nucleotídeos não conservados, depois de um trecho rico em AT e altamente conservado de 9 nucleotídeos, denominado nonâmero. Os espaçadores de 12 e 23 nucleotídeos correspondem aproximadamente a uma ou duas voltas de uma hélice de DNA, respectivamente, e presume-se que levam dois heptâmeros diferentes a posições que são, simultaneamente, acessíveis às enzimas que catalisam o processo de recombinação.

FIGURA 8-8 Recombinação V(D)J. 
As sequências de DNAe os mecanismos envolvidos na recombinação dos loci do gene da Ig estão representados. As mesmas sequências e mecanismos se aplicam nas recombinações nos loci do TCR. A, As sequências de heptâmero (7 pb) e nonâmero (9 pb) conservadas, separadas por espaçadores de 12 ou 23 pb, estão localizadas adjacentes aos segmentos V e J (para os loci κ e λ) ou aos segmentos V, D e J (no lócus da cadeia H). Arecombinase V(D)J reconhece essas sequências sinal e aproxima os éxons. B, C, Arecombinação dos éxons V e J pode ocorrer por deleção do DNAinterveniente e ligação dos segmentos V e J (B) ou, se a RSS estiver a 3’ de um segmento J, por inversão do DNAseguida de ligação dos segmentos gênicos adjacentes (C). As setas vermelhas indicam os locais onde as sequências da linhagem germinativa são clivadas antes de sua ligação a outros segmentos gênicos da Ig e do TCR.
Durante a recombinação V(D)J, são geradas quebras da dupla fita entre o heptâmero da RSS e a sequência de codificação V, D ou J adjacente. Na recombinação de V a J na cadeia leve da Ig, por exemplo, as quebras serão feitas nas extremidades 3’ de um segmento V e 5’ de um segmento de J. Um DNA dupla fita interveniente contendo extremidades de sinais (as extremidades que contêm o heptâmero e o resto da RSS) é removido com a forma de um círculo e as extremidades codificadoras V e J são unidas (Fig. 8-8, B). Em alguns genes V, especialmente no lócus κ da Ig, as RSSs encontram-se nas extremidades 3’ de um Vκ e 3’ de um Jκ , e, portanto, não estão de frente uma para a outra. Nesses casos, o DNA interveniente e os segmentos V e J são alinhados adequadamente; as RSSs fundidas não sofrem deleção, mas são retidas no cromossomo (Fig. 8-8, C). A maioria dos rearranjos dos genes da Ig e do TCR ocorre por deleção; a inversão é a base de até 50% dos rearranjos no lócus κ da Ig. A recombinação ocorre entre dois segmentos somente se um dos segmentos estiver ladeado por um espaçador de 12 nucleotídeos e o outro estiver ladeado por um espaçador de 23 nucleotídeos; trata-se da chamada regra 12/23. Portanto, um segmento de codificação com uma RSS cujo espaçador abrange uma única volta da hélice do DNA sempre se recombina com um segmento de codificação com uma RSS cujo espaçador abrange duas voltas da hélice. O tipo de RSSs ladeadas (uma volta ou duas voltas) garante a recombinação dos segmentos gênicos adequados. Por exemplo, no lócus de cadeia pesada da Ig, as RSSs que ladeiam os segmentos V e J possuem espaçadores de 23 nucleotídeos (duas voltas) e, portanto, não podem juntar-se diretamente; a recombinação de D a J ocorre primeiro, seguida pela recombinação de V a DJ, e isso é possível porque os segmentos D estão cercados, de ambos os lados, por espaçadores de 12 nucleotídeos, permitindo a junção D-J e depois VDJ. As RSSs descritas aqui são exclusivas de genes das Ig e do TCR. Portanto, a recombinação V(D)J pode ocorrer nos genes dos receptores de antígeno, mas não em outros genes.  
Uma das consequências da recombinação V(D)J é que o processo aproxima os promotores, localizados imediatamente na extremidade 5’ dos genes V, dos amplificadores inferiores que estão localizados nos íntrons J-C e também na extremidade 3’ dos genes da região C (Fig. 8-9). Estes amplificadores maximizam a atividade da transcrição dos promotores de genes V e são, portanto, importantes para a transcrição em alto nível dos genes V rearranjados nos linfócitos. Como os genes das Ig e do TCR são locais de múltiplos eventos de recombinação do DNA nas células B e T, e como esses locais se tornam ativos para transcrição após a recombinação, os genes de outros loci podem ser translocados anormalmente para esses loci e, como resultado, podem ser transcritos de maneira anormal. Nos tumores de linfócitos B e T, os oncogenes são frequentemente translocados para os loci dos genes das Ig ou do TCR. Estas translocações cromossômicas são frequentemente acompanhadas de uma transcrição acentuada dos oncogenes e são um dos fatores que promovem o desenvolvimento de tumores linfoides.

FIGURA 8-9 Regulação da transcrição dos genes da Ig. 
Arecombinação V-D-J aproxima as sequências promotoras (mostradas como P) do amplificador (amp). O amplificador promove a transcrição do gene V rearranjado (V2, cujo promotor ativo está indicado por uma seta verde grossa). Muitos genes de receptores possuem um amplificador no íntron J-C e outro a 3’ da região C. Somente o amplificador a 3’ está ilustrado aqui.  

O Mecanismo da Recombinação V(D)J 

O rearranjo de genes das Ig e do TCR representa um tipo especial de evento de recombinação não homóloga do DNA, mediado pelas atividades coordenadas de várias enzimas, algumas das quais são encontradas apenas nos linfócitos em desenvolvimento, enquanto outras são enzimas ubíquas de reparo de quebras de dupla fita do DNA (DSBR). Embora o mecanismo de recombinação V(D)J seja razoavelmente bem compreendido e seja descrito aqui, ainda não se determinou como exatamente os loci específicos se tornam acessíveis ao maquinário envolvido na recombinação. É provável que a acessibilidade dos loci das Ig e do TCR para as enzimas que medeiam a recombinação é regulada nas células B e T em desenvolvimento por vários mecanismos, incluindo alterações epigenéticas na estrutura da cromatina e do DNA, conforme discutido anteriormente, e a atividade de transcrição basal nos loci dos genes. 
 O processo de recombinação V (D) J pode ser dividido em quatro eventos distintos que seguem um fluxo sequencial (Fig. 8-10.):

FIGURA 8-10 Eventos sequenciais durante a recombinação V(D)J. 
Asinapse e a clivagem do DNAno limite entre o heptâmero e o segmento codificador são mediadas por Rag-1 e Rag-2. O grampo da extremidade codificadora é aberto pela endonuclease Artemis e as extremidades quebradas são reparadas pela maquinaria de junção de extremidade não homóloga presente em todas as células. Observe que as duas fitas de DNAsão mostradas nos grampos, mas não nas outras ilustrações esquemáticas dos genes.  

1. Sinapse: As porções do cromossomo nas quais o gene do receptor de antígeno está localizado tornam-se acessíveis para a maquinaria de recombinação. Dois segmentos codificadores selecionados e suas RSSs adjacentes são aproximados por um evento formador de uma alça cromossômica e são mantidos na posição para a clivagem, processamento e junção subsequentes
2. Clivagem: As quebras na dupla fita são realizadas enzimaticamente nas junções das sequências codificadoras de RSS por uma maquinaria que é específica das células linfoides. Duas proteínas codificadas por genes específicos das células linfoides, que são denominados gene ativador da recombinação 1 e gene ativador da recombinação 2 (RAG1 e RAG2), formam um complexo contendo duas moléculas de cada proteína, que desempenha um papel essencial na recombinação V(D)J. O complexo Rag-1/Rag-2 também é conhecido como recombinase V(D)J. A proteína Rag-1, de maneira semelhante a uma endonuclease de restrição, reconhece a sequência de DNA na junção entre um heptâmero e um segmento de codificação e a cliva, mas ela somente está enzimaticamente ativa quando complexada à proteína Rag-2. A proteína Rag-2 pode ajudar a ligar o tetrâmero Rag-1/Rag-2 a outras proteínas, incluindo fatores de acessibilidade, que levam essas proteínas até loci gênicos de receptores abertos específicos em determinados momentos e em estágios definidos do desenvolvimento dos linfócitos. A Rag-1 e a Rag-2 contribuem para manter os segmentos gênicos unidos durante o processo de dobramento ou sinapse cromossômica. A Rag-1, então, faz um corte (em uma fita de DNA) entre a extremidade de codificação e o heptâmero. O OH 3’ liberado da extremidade de codificação, em seguida, ataca uma ligação fosfodiéster na outra fita de DNA, formando um grampo covalente. A extremidade de sinal (incluindo o heptâmero e o restante da RSS) não forma um grampo e é produzida como um terminal de DNA dupla fita rombo que não sofre processamento. Esta quebra da dupla fita mantém um grampo fechado de um segmento codificador justaposto ao grampo fechado da outra extremidade codificadora e duas extremidades de sinais de recombinação rombas são posicionadas uma ao lado da outra. A Rag-1 e a Rag-2, além de gerarem as quebras da dupla fita, também mantêm as extremidades do grampo e as extremidades rombas unidas antes da modificação das extremidades codificadoras e do processo de ligação.  
Os genes RAG são específicos de células linfoides e somente são expressos nas células B e T em desenvolvimento. As proteínas Rag são expressas principalmente nos estágios G0 e G1 do ciclo celular e são inativadas nas células em proliferação. Acredita-se que a limitação da clivagem e recombinação do DNA aos estágios G0 e G1 minimiza o risco de gerar quebras inadequadas do DNA durante a replicação do DNA ou durante a mitose. Camundongos sem genes Rag1 ou Rag2 funcionais (camundongos knockout Rag) não conseguem desenvolver linfócitos B ou T, e a deficiência de Rag-1 ou Rag-2 também é uma causa rara de SCID, na qual todos os linfócitos estão ausentes no paciente. 
3. Abertura do grampo e processamento da extremidade: As extremidades codificadoras clivadas são modificadas pela adição ou remoção das bases, gerando, assim, uma maior diversidade. Após a formação de quebras da dupla fita, os grampos devem ser resolvidos (abertos) nas junções codificadoras e as bases podem ser acrescentadas ou removidas das extremidades codificadoras para garantir uma diversificação ainda maior. Artemis é uma endonuclease que abre os grampos nas extremidades codificadoras. Na ausência da Artemis, os grampos não podem ser abertos e as células T e B maduras não podem ser geradas. Mutações na ARTEMIS são uma causa rara de SCID, semelhante àquela em pacientes com mutações em RAG1 ou RAG2 (Cap. 21). Uma enzima específica das células linfoides, denominada desoxinucleotidil transferase terminal (TdT), acrescenta bases às extremidades quebradas do DNA e será discutida mais adiante no capítulo no contexto da diversidade juncional.  
4. Junção: As extremidades codificadoras clivadas e as extremidades de sinais são unidas e ligadas por um processo de reparação de quebra de dupla fita que é encontrado em todas as células, denominado junção não homóloga de extremidade. Vários fatores ubíquos participam deste processo. Ku70 e Ku80 são proteínas de ligação de extremidades que se ligam às quebras e recrutam a subunidade catalítica da proteína quinase dependente de DNA (DNA-PK), uma enzima de reparo da dupla fita do DNA. Esta enzima é deficiente em camundongos portadores da mutação da imunodeficiência combinada grave (scid) e mutações no gene que codifica esta enzima também foram descobertas em pacientes com SCID humana (Cap. 21). Assim como os camundongos deficientes em Rag, os camundongos scid não produzem linfócitos maduros. A DNA-PK também fosforila e ativa Artemis, que, como já mencionado, está envolvida no processamento da extremidade. A ligação das extremidades clivadas e processadas é mediada pela DNA ligase IV e XRCC4, sendo esta última uma subunidade não catalítica, porém essencial, da ligase. 

Geração da Diversidade nas Células B e T 

A diversidade dos repertórios das células B e T é criada por combinações aleatórias dos segmentos gênicos da linhagem germinativa que são aproximados e pela adição ou deleção aleatória de sequências nas junções entre os segmentos antes de serem unidos. Vários mecanismos genéticos contribuem para esta diversidade, e a importância relativa de cada mecanismo varia entre os diferentes loci dos receptores de antígenos (Tabela 8-1). 
Tabela 8-1 
Contribuições de Diferentes Mecanismos à Geração de Diversidade nos Genes da Ig e do TCR  

O número potencial de receptores de antígenos com diversidade juncional é muito maior do que a quantidade que pode ser gerada somente por combinações dos segmentos gênicos V, D e J. Observe que, embora o limite superior do número de proteínas da Ig e do TCR que podem ser expressas seja muito grande, estima-se que cada indivíduo possua na ordem de 10 7 clones de células B e T, com especificidades e receptores distintos; em outras palavras, apenas uma fração do repertório potencial pode, de fato, ser expressa. 
• Diversidade combinatória. O rearranjo V(D)J aproxima vários segmentos gênicos da linhagem germinativa que podem combinar-se de forma aleatória, e diferentes combinações produzem diferentes receptores de antígenos. O maior número possível de combinações destes segmentos de genes é o produto do número de segmentos gênicos V, J e D (se presente) em cada lócus do receptor de antígeno. Portanto, a quantidade de diversidade combinatória que pode ser gerada em cada lócus reflete o número de segmentos gênicos V, J e D e naquele lócus. Após a síntese das proteínas do receptor de antígeno, a diversidade combinatória é aumentada pela justaposição de duas regiões V diferentes geradas aleatoriamente (ou seja, VH e VL nas moléculas de Ig e Vα e Vβ nas moléculas de TCR). Portanto, a diversidade combinatória total é teoricamente o produto da diversidade combinatória de cada uma das duas cadeias associadas. O verdadeiro grau de diversidade combinatória nos repertórios de Ig e TCR expressos em qualquer indivíduo é, provavelmente, consideravelmente menor do que o máximo teórico. Isso ocorre porque nem todas as recombinações dos segmentos gênicos são igualmente prováveis de ocorrer, e nem todos os pares de cadeias leves e pesadas das Ig ou α e β do TCR podem formar receptores de antígenos funcionais. Em especial, como o número de segmentos V, D e J em cada lócus é limitado (Tabela 8-1), o maior número possível de combinações é da ordem de milhares. Isto é, evidentemente, muito menor do que a diversidade dos receptores de antígenos em linfócitos maduros.
• Diversidade juncional. A maior contribuição para a diversidade de receptores de antígeno é feita pela remoção ou adição de nucleotídeos nas junções dos segmentos V e D, D e J ou V e J no momento em que esses segmentos são unidos. Uma maneira pela qual isso pode ocorrer é se endonucleases removerem os nucleotídeos das sequências da linhagem germinativa nas extremidades dos segmentos do gene recombinando. Além disso, novas sequências de nucleotídeos, não presentes na linha germinativa, podem ser adicionadas às junções (Fig. 8-11). Conforme descrito anteriormente, os segmentos de codificação (p. ex., segmentos gênicos V e J) que são clivados por Rag-1 formam alças em forma de grampo cujas extremidades são muitas vezes clivadas assimetricamente pela enzima Artemis, fazendo com que uma fita de DNA esteja mais longa do que a outra. A fita mais curta deve ser estendida com nucleotídeos complementares à mais longa antes da ligação dos dois segmentos. A fita mais longa funciona como um modelo para a adição de pequenas extensões de nucleotídeos denominados nucleotídeos P e este processo introduz novas sequências nos cruzamentos V-D-J. Outro mecanismo de diversidade juncional é a adição aleatória de até 20 nucleotídeos não codificados com auxílio de um molde, denominados nucleotídeos N (Fig. 8-11). A diversificação da região N é mais comum nas cadeias pesadas das Ig e nas cadeias β e γ do TCR do que nas cadeias κ ou λ das Ig. Esta adição de novos nucleotídeos é mediada pela enzima desoxinucleotidil transferase terminal (TdT). Em camundongos com deficiência induzida de TdT por knockout de genes, a diversidade dos repertórios das células B e T é substancialmente menor do que em camundongos normais. A adição de nucleotídeos P e N nos locais de recombinação podem introduzir alterações na estrutura, gerando, teoricamente, códons de terminação em dois de cada três eventos de junção (se o número total de bases adicionadas não for um múltiplo de três). Estes genes não podem produzir proteínas funcionais, mas esta ineficiência é o preço que se paga para gerar diversidade.  

Fonte: Livro Imunologia Celular e Molecular - 8ª Ed.

Autores: Abul Lichtman, Andrew Abbas


FIGURA 8-11 Diversidade juncional.
 Durante a junção de diferentes segmentos gênicos, a adição ou a remoção de nucleotídeos pode levar à geração de novas sequências de nucleotídeos e aminoácidos na junção. Os nucleotídeos (sequências P) podem ser adicionados a grampos clivados assimetricamente com o auxílio de um molde. Outros nucleotídeos (regiões N) podem ser adicionados nos locais das junções V-D, V-J ou D-J, sem o auxílio de um molde, pela ação da enzima TdT. Estas adições geram novas sequências que não estão presentes na linhagem germinativa. 
Devido à diversidade juncional, anticorpos e moléculas do TCR mostram a maior variabilidade nas junções das regiões V e C, que formam a terceira região hipervariável ou CDR3 (Fig. 8-5). Na verdade, devido à diversidade juncional, o número de diferentes sequências de aminoácidos que estão presentes nas regiões CDR3 de moléculas de Ig e TCR são muito maiores do que os números que podem ser codificados por segmentos gênicos da linhagem germinativa. As regiões CDR3 das Ig e do TCR são também as porções mais importantes destas moléculas para a determinação da especificidade da ligação ao antígeno (Caps. 5 e 7). Assim, a maior diversidade de receptores de antígeno está concentrada nas regiões dos receptores mais importantes para a ligação ao antígeno. Embora o limite teórico para o número de proteínas de Ig e TCR que podem ser produzidas seja enorme (Tabela 8-1), o número real de receptores de antígenos em células B ou T expressas em cada indivíduo é provavelmente da ordem de apenas 10 7 . Isso pode refletir o fato de que a maioria dos receptores, que são gerados por recombinação aleatória de DNA, não passa pelos processos de seleção necessários para a maturação.  
Uma aplicação clínica do conhecimento da diversidade juncional é a determinação da clonalidade de tumores linfoides que surgiram a partir de células B ou T. Este teste laboratorial é comumente utilizado para identificar tumores monoclonais linfócitos e para distinguir os tumores de proliferações policlonais. Como cada clone de linfócito expressa uma região CDR3 do receptor de antígeno exclusiva, a sequência de nucleotídeos no local de recombinação V (D) J serve como um marcador específico para cada clone. Assim, através da medição do comprimento ou determinação da sequência das regiões juncionais dos genes da Ig ou do TCR em diferentes proliferações de células B ou T, utilizando ensaios de reação em cadeia da polimerase, pode-se estabelecer se estas lesões surgiram de um único clone (indicando um tumor) ou de forma independente a partir de diferentes clones (implicando uma proliferação não neoplásica de linfócitos). O mesmo método pode ser usado para identificar os pequenos números de células tumorais no sangue ou tecidos. 
Com esta base, pode-se prosseguir a uma discussão sobre o desenvolvimento de linfócitos B e, em seguida, a maturação de células T.

Desenvolvimento de linfócitos B 

Os principais eventos durante a maturação dos linfócitos B são o rearranjo e expressão de genes de Ig em uma ordem precisa, a seleção e proliferação de células B em desenvolvimento no ponto de controle do pré-receptor de antígenos e a seleção do repertório de células B maduras. Antes do nascimento, os linfócitos B se desenvolvem a partir de precursores comprometidos no fígado fetal, e após o nascimento, as células B são geradas na medula óssea. A maioria dos linfócitos B surgem dos progenitores da medula óssea adulta que inicialmente não expressam a Ig. Estes precursores se desenvolvem em células B imaturas que expressam moléculas de IgM ligadas à membrana, e, em seguida, deixam a medula óssea para continuar a amadurecer, principalmente no baço. As células que amadurecem em células B foliculares no baço expressam IgM e IgD na superfície da célula e adquirem a capacidade de recircular e ocupar todos os órgãos linfoides periféricos. Estas células B foliculares dirigem-se para folículos linfoides e são capazes de reconhecer e responder a antígenos estranhos. Estima-se que o desenvolvimento de uma célula B madura a partir de um progenitor linfoide leve 2 a 3 dias em seres humanos. 

Estágios de Desenvolvimento dos Linfócitos B 

Durante sua maturação, as células da linhagem de linfócitos B passam por estágios distintos, cada qual caracterizado por diferentes marcadores de superfície celular e um padrão específico de expressão do gene de Ig (Fig. 8-12). As principais etapas e os eventos em cada uma são descritos a seguir.

FIGURA 8-12 Estágios de maturação da célula B. 
Os eventos correspondentes a cada estágio da maturação da célula B a partir da célula-tronco da medula óssea até o linfócito B maduro são ilustrados. Vários marcadores de superfície, além dos mostrados, têm sido utilizados para definir diferentes estágios de maturação da célula B.  

Os Estágios Pró-B e Pré-B de Desenvolvimento da Célula B 

A primeira célula da medula óssea comprometida com a linhagem de células B é chamada de célula pró-B. As células pró-B não produzem Ig, mas podem ser distinguidas de outras células imaturas pela expressão de moléculas de superfície restritas à linhagem B, como CD19 e CD10. As proteínas Rag-1 e Rag-2 são expressas inicialmente nesse estágio, e a primeira recombinação de genes da Ig ocorre no lócus da cadeia pesada. Esta recombinação aproxima um segmento gênico D e um J, com deleção do DNA intercalado entre eles (Fig. 8-13, A). Os segmentos D que estão a 5’ do segmento D rearranjado e os segmentos J que estão a 3’ do segmento J rearranjado são eliminados por esta recombinação (p. ex., D1 e J2 a J6 na Fig. 8-13, A). Após o evento de recombinação D-J, um dos vários genes V a 5’ une-se à unidade DJ, dando origem ao éxon VDJ rearranjado. Nesta etapa, todos os segmentos V e D entre os genes V e D reorganizados também sofrem deleção. A recombinação V-a-DJ no lócus da cadeia pesada H da Ig ocorre apenas em precursores dos linfócitos B comprometidos e é um evento crítico na expressão da Ig, porque somente o gene V rearranjado é subsequentemente transcrito. A enzima TdT, que catalisa a adição, sem auxílio de molde, dos nucleotídeos N juncionais, é expressada de modo mais abundante durante o estágio pró-B, quando a recombinação VDJ ocorre no lócus H da Ig, e os níveis de TdT diminuem antes de completar a recombinação V-J do gene da cadeia leve. Portanto, a diversidade juncional atribuída à adição de nucleotídeos N é mais proeminente nos genes da cadeia pesada do que nos genes da cadeia leve.

FIGURA 8-13 Recombinação e expressão dos genes das cadeias leve e pesada da Ig.
 Asequência dos eventos de recombinação do DNAe expressão gênica é mostrada para a cadeia pesada μ da Ig (A) e a cadeia leve κ da Ig (B). No exemplo mostrado em A, a região V da cadeia pesada μ é codificada pelos éxons V1, D2 e J1. No exemplo mostrado em B, a região V da cadeia κ é codificada pelos éxons V2 e J1.
Os éxons da região C da cadeia pesada se mantêm separados do complexo VDJ pelo DNA que contém os segmentos J distais e o íntron J-C. O gene da cadeia pesada da Ig rearranjado é transcrito para produzir um transcrito primário, que inclui o complexo VDJ rearranjado e os éxons Cµ . O RNA nuclear Cµ é clivado abaixo de um de dois locais de poliadenilação de consenso, e vários nucleotídeos de adenina, denominados caudas poliA, são adicionados à extremidade 3’. Este RNA nuclear sofre splicing, um evento de processamento de DNA, no qual os íntrons são removidos e os éxons são unidos. No caso do RNA µ, os íntrons entre o éxon líder e o éxon VDJ, entre o éxon VDJ e o primeiro éxon do lócus Cµ , e entre cada éxon subsequente da região constante de Cµ são removidos, dando origem a um mRNA processado para a cadeia pesada µ. Se o mRNA for derivado de um lócus de Ig em que o rearranjo foi produtivo, a tradução do mRNA da cadeia pesada µ rearranjada conduz à síntese da proteína µ. Para que o rearranjo seja produtivo (na fase de leitura correta), as bases devem ser adicionadas ou removidas nas junções em múltiplos de três, garantindo que o gene da Ig rearranjado será capaz de codificar corretamente uma proteína da Ig. Aproximadamente metade de todas as células pró-B fazem rearranjos produtivos no lócus H da Ig em pelo menos um cromossomo, e podem, assim, passar a sintetizar a proteína da cadeia pesada µ. Apenas células que fazem rearranjos produtivos sobrevivem e se diferenciam.  
Uma vez realizado um rearranjo produtivo de µ da Ig, a célula deixa de ser chamada de célula pró-B e já está diferenciada no estágio pró-B. As células pré-B são células da linhagem B em desenvolvimento que expressam a proteína µ da Ig, mas que ainda devem rearranjar seus loci da cadeia leve. A célula pré-B expressa a cadeia pesada µ na superfície celular, em associação a outras proteínas, em um complexo denominado receptor da célula pré-B, que possui vários papéis importantes na maturação da célula B. 

O Receptor da Célula Pré-B 

Complexos da cadeia pesada µ, cadeias leves substitutas e proteínas de transdução de sinais, denominadas Igα e Igβ, formam o receptor pré-antígeno na linhagem B, conhecido como receptor da célula pré-B (pré-BCR). A cadeia pesada µ associa-se às proteínas pré-B λ5 e V, também denominadas cadeias leves substitutas porque são estruturalmente homólogas às cadeias leves κ e λ, mas não são variáveis (ou seja, são idênticas em todas as células pré-B) e são sintetizadas apenas para formar células pró-B e pré-B (Fig. 8-14, A). O Igα e Igβ também fazem parte do receptor de células B nas células B maduras (Cap. 7). Os sinais originados do pré-BCR são responsáveis pela maior expansão proliferativa das células da linhagem B na medula óssea. Não se sabe o que o pré-BCR reconhece; o ponto de vista consensual atualmente é que este receptor funciona de maneira independente de ligante e que é ativado pelo processo de montagem. A importância dos pré-BCR é ilustrada por estudos de camundongos knockouts e casos raros de deficiências humanas desses receptores. Por exemplo, em camundongos, o knockout do gene que codifica a cadeia µ ou uma das cadeias leves resulta em números significativamente reduzidos de células B maduras, porque o desenvolvimento é bloqueado no estágio pró-B. 

FIGURA 8-14 Receptores das células pré-B e pré-T. 
Os receptores das células pré-B (A) e pré-T (B) são expressados durante os estágios de maturação das células pré-B e pré-T, respectivamente, e os dois receptores compartilham estruturas e funções semelhantes. O receptor da célula pré-B é composto da cadeia pesada μ e uma cadeia leve substituta invariável. Acadeia leve substituta é composta de duas proteínas, a proteína pré-B V, que é homóloga ao domínio V da cadeia leve, e uma proteína λ5 que está ligada covalentemente à cadeia pesada μ por uma ponte dissulfeto. O receptor da célula pré-T é composto da cadeia β do TCR e da cadeia α pré-T (pTα) invariável. O receptor da célula pré-B está associado às moléculas sinalizadoras Igα e Igβ, que fazem parte do complexo BCR nas células B maduras (Cap. 9), e o receptor da célula pré-T associa-se às proteínas CD3 e ζ, que fazem parte do complexo TCR nas células T maduras (Cap. 7).
A expressão do pré-BCR é o primeiro ponto de controle na maturação de células B. Muitas moléculas de sinalização relacionadas ao pré-BCR e ao BCR são necessárias para as células passarem, com sucesso, pelo ponto de controle mediado pelo pré-BCR na transição de célula pró-B para pré-B. Uma quinase, denominada tirosinoquinase de Bruton (Btk), é ativada abaixo do pré-BCR e é necessária para a transmissão de sinais a partir deste receptor que medeiam a sobrevivência, proliferação e maturação no estágio de células pré-B e além. Em humanos, mutações do gene BTK resultam na doença denominada agamaglobulinemia ligada ao X (XLA), a qual é caracterizada por uma falha de maturação das células B (Cap. 21). Em uma cepa de camundongos denominada Xid (para imunodeficiência ligada ao X), as mutações em btk resultam em um defeito menos grave de células B, porque as células pré-B murinas expressam uma segunda quinase semelhante à Btk, denominada Tec, que compensa parcialmente o Btk defeituoso.  
O pré-BCR regula o rearranjo adicional dos genes da Ig de duas maneiras. Primeiramente, se uma proteína µ for produzida a partir do lócus da cadeia pesada recombinado em um cromossomo e formar um pré-BCR, este receptor sinaliza para inibir de maneira irreversível o rearranjo do lócus da cadeia pesada da Ig no outro cromossomo. Se o primeiro rearranjo for não produtivo, o alelo da cadeia pesada no outro cromossomo pode completar o rearranjo VDJ no lócus H da Ig. Assim, em qualquer clone de células B, um alelo da cadeia pesada é rearranjado de maneira produtiva e expressado, e o outro é retido na configuração da linhagem germinativa ou rearranjado de forma não produtiva. Como resultado, uma célula B individual pode expressar uma proteína da cadeia pesada da Ig codificada por apenas um dos dois alelos herdados. Este fenômeno é denominado exclusão alélica, e garante que todas as células B expressarão um receptor único, mantendo, assim, a especificidade clonal. Se os dois alelos forem submetidos a rearranjos gênicos de H da Ig não produtivos, a célula em desenvolvimento não poderá produzir as cadeias pesadas das Ig, não poderá gerar um sinal de sobrevivência dependente do pré-BCR e, portanto, será submetida à morte celular programada. A exclusão alélica da cadeia pesada da Ig envolve mudanças na estrutura da cromatina no lócus da cadeia pesada, que limitam a acessibilidade à recombinase V(D)J. 
A segunda maneira pela qual o pré-BCR regula a produção do receptor de antígeno é por meio do estímulo do rearranjo do gene da cadeia leve κ. No entanto, a expressão da cadeia µ não é absolutamente necessária para a recombinação do gene da cadeia leve, como mostrado pela descoberta de que camundongos knockouts sem o gene µ iniciam o rearranjo do gene da cadeia leve em algumas células B em desenvolvimento (que, naturalmente, não podem expressar receptores de antígeno funcionais e prosseguir à maturação). O pré-BCR também contribui para a inativação da expressão do gene da cadeia leve substituta conforme as células pré-B amadurecem.  

Células B Imaturas

 Após o estágio de células pré-B, cada célula B em desenvolvimento rearranja, inicialmente, um gene da cadeia leve κ. Se o rearranjo for interno, produzirá uma proteína da cadeia leve κ, que se associa à cadeia µ sintetizada anteriormente para produzir uma proteína de IgM completa. Se o lócus κ não for rearranjado de maneira produtiva, a célula pode rearranjar o lócus λ e, novamente, produzir uma molécula de IgM completa (a indução do rearranjo do gene da cadeia leve λ ocorre principalmente quando os receptores da célula B que expressam κ da Ig são autorreativos, conforme será discutido posteriormente). A célula B que expressa IgM é denominada célula B imatura. A recombinação de DNA no lócus da cadeia leve κ ocorre de maneira semelhante à no lócus da cadeia pesada da Ig (Fig. 8-13, B). Não há segmentos D nos loci da cadeia leve, e, portanto, a recombinação envolve somente a junção de um segmento V a um segmento J, formando um éxon VJ. Este éxon VJ se mantém separado da região C por um íntrons, e esta separação é retida no transcrito primário de RNA. O processamento (splicing) do transcrito primário resulta na remoção do íntrons entre os éxons VJ e C e gera um mRNA que é traduzido para produzir a proteína κ ou λ. No lócus λ, um processamento (splicing) alternativo de RNA pode levar ao uso de um dos quatro éxons Cλ funcionais, mas não há diferenças funcionais conhecidas entre os tipos resultantes de cadeias leves λ. A produção de uma proteína κ evita o rearranjo de λ, e, conforme explicado anteriormente, o rearranjo de λ ocorre somente se o rearranjo de κ não tiver sido produtivo ou se ocorrer a deleção de uma cadeia leve κ rearranjada autorreativa. Como resultado, um clone de células B pode expressar somente um de dois tipos de cadeias leves; este fenômeno é denominado exclusão do isotipo de cadeia leve. Assim como no lócus da cadeia pesada, um gene κ ou λ é expressado a partir de somente um de dois cromossomos pais em qualquer célula B, e o outro alelo é excluído. Além disso, como para as cadeias pesadas, se os dois alelos de ambas as cadeias κ e λ forem rearranjados de maneira não funcional em uma célula B em desenvolvimento, esta célula não consegue receber sinais de sobrevivência que são normalmente gerados pelo BCR e morre. 
As moléculas de IgM montadas são expressadas na superfície celular em associação a Igα e Igβ, onde funcionam como receptores específicos para antígenos. Em células que não são fortemente autorreativas, o BCR emite sinais tônicos independentes de ligantes que mantêm as células B vivas e também medeia o desligamento da expressão do gene RAG, evitando, assim, o rearranjo adicional de genes da Ig. As células B imaturas não se proliferam e não se diferenciam em resposta a antígenos. Na realidade, quando reconhecem antígenos na medula óssea com alta afinidade, o que pode ocorrer quando as células B expressam receptores para antígenos próprios multivalentes que estão presentes na medula óssea, as células B podem passar por edição do receptor ou morte celular, conforme descrito adiante. Estes processos são importantes para a seleção negativa de células B fortemente autorreativas. As células B imaturas que não são altamente autorreativas deixam a medula óssea e completam sua maturação no baço antes de migrar para outros órgãos linfoides periféricos.  

Subgrupos de Células B Maduras 

Subgrupos distintos de células B se desenvolvem a partir de diferentes progenitores (Fig. 8- 15). As CTH derivadas do fígado fetal são as precursoras das células B-1. As CTH derivadas da medula óssea dão origem à maioria das células B. Estas células passam rapidamente por dois estágios de transição e podem se comprometer com o desenvolvimento em células B da zona marginal ou em células B foliculares. A afinidade do receptor de células B com antígenos próprios pode contribuir para o direcionamento da diferenciação de uma célula B em amadurecimento em uma célula B folicular ou em uma célula B da zona marginal.

FIGURA 8-15 Subgrupos de linfócitos B.
 A, Amaioria das células B que se desenvolvem a partir das células-tronco derivadas do fígado fetal se diferenciam na linhagem B-1. B, Os linfócitos B oriundos dos precursores da medula óssea após o nascimento dão origem à linhagem B-2. Os dois subconjuntos principais de linfócitos B são derivados dos precursores das células B de B-2. As células B foliculares são linfócitos recirculantes; as células B da zona marginal são abundantes no baço de roedores, mas também podem ser encontradas nos linfonodos em humanos.

Células B Foliculares 

A maioria das células B maduras pertence ao subgrupo de células B foliculares e produz IgD além de IgM. Cada uma destas células B coexpressa as cadeias pesadas µ e δ usando o mesmo éxon VDJ para gerar o domínio V e em associação à mesma cadeia leve κ ou λ para produzir dois receptores de membrana com a mesma especificidade antigênica. A expressão simultânea, em uma única célula B, do mesmo éxon VDJ rearranjado em dois transcritos, um incluindo éxons Cµ e o outro, éxons Cδ , ocorre por meio do processamento (splicing) alternativo do RNA (Fig. 8-16). Um longo transcrito primário de RNA é produzido contendo a unidade de VDJ rearranjada, bem como os genes Cµ e Cδ . Se o transcrito primário for clivado e poliadenilado depois dos éxons µ, os íntrons são retirados de modo que o éxon VDJ fique contíguo com éxons Cµ ; isso resulta na produção de um mRNA µ. Se, no entanto, o complexo VDJ não estiver ligado a éxons Cµ , mas unido a éxons Cδ , ocorre a produção de um mRNA δ. A tradução subsequente resulta na síntese de uma proteína da cadeia pesada µ ou δ completa. Assim, a poliadenilação seletiva e o processamento (splicing) alternativo permitem que uma célula B produza simultaneamente mRNAs maduros e proteínas de dois isotipos de cadeia pesada diferentes. Os mecanismos precisos que regulam a escolha da poliadenilação ou locais aceptores de processamento pelos quais o VDJ rearranjado é unido a Cµ ou Cδ são pouco compreendidos, bem como os sinais que determinam quando e por que uma célula B expressa ambos IgM e IgD, e não apenas IgM. A coexpressão de IgM e IgD é acompanhada pela capacidade de recircular e a aquisição da competência funcional, e é por isso que as células B IgM+ IgD+ são também denominadas células B maduras. Esta correlação entre a expressão de IgD e aquisição de competência funcional levou à sugestão de que o IgD é essencial para a ativação do receptor de células B maduras. No entanto, não há nenhuma evidência de uma diferença funcional entre o IgM de membrana e o IgD de membrana. Além disso, o knockout do gene δ da Ig em camundongos não tem um impacto significativo na maturação ou nas respostas induzidas por antígenos das células B. As células foliculares B também são muitas vezes denominadas de células B recirculantes, porque migram de um órgão linfoide ao próximo, residindo em nichos especializados conhecidos como folículos de células B (Cap. 2). Nestes nichos, as células B são mantidas, em parte, por sinais de sobrevivência entregues por uma citocina da família do fator de necrose tumoral (TNF) denominada BAFF ou BLyS (Cap. 12).  

FIGURA 8-16 Coexpressão de IgM e IgD. 
O processamento alternativo do transcrito de RNAprimário resulta na formação de um mRNAμ ou δ. As linhas tracejadas indicam os segmentos da cadeia H que são unidos por processamento (splicing) do RNA.
As células B maduras virgens são responsivas aos antígenos, a menos que as células encontrem antígenos que reconheçam com alta afinidade e aos quais elas respondam, morrem em alguns meses. No Capítulo 12, será discutido como estas células respondem a antígenos e como o padrão de expressão do gene da Ig se altera durante a diferenciação das células B induzidas por antígenos.  

Células B Marginais e da Zona B-1 

Um subgrupo de linfócitos B, denominado células B-1, expressa uma diversidade limitada de receptores de antígenos e pode ter funções exclusivas. Estas células se desenvolvem a partir de CTH derivadas do fígado fetal e são melhor definidas em roedores. A maioria das células B-1 murinas expressam a molécula CD5. Em adultos, grandes números de células B-1 são encontrados como uma população autorrenovável no peritônio e nas mucosas. As células B-1 se desenvolvem mais cedo durante a ontogenia do que as células foliculares e da zona marginal, expressam um repertório relativamente limitado de genes V e exibem uma diversidade juncional muito menor do que as células B convencionais (já que a TdT não é expressada no fígado fetal). As células B-1 secretam espontaneamente anticorpos IgM que frequentemente reagem a lipídios e polissacarídios microbianos, assim como lipídios oxidados produzidos por peroxidação lipídica. Estes anticorpos são algumas vezes chamados de anticorpos naturais porque estão presentes em indivíduos sem imunização evidente, embora possivelmente a flora microbiana no intestino seja a fonte de antígenos que estimulam sua produção. As células B-1 contribuem para a produção rápida de anticorpos contra microrganismos em tecidos particulares, tais como o peritônio. Nas mucosas, metade das células secretoras de IgA na lâmina própria pode ser derivada de células B-1. As células B-1 são análogas às células T γδ, pois ambas possuem repertórios de receptores de antígenos de diversidade limitada e presume-se que ambas respondem a antígenos que são encontrados comumente nas interfaces do epitélio com o ambiente externo. 
Em humanos, as células semelhantes a B-1 foram descritas, mas CD5 não é um marcador de definição para essas células, já que também é encontrado em células B transicionais e algumas populações de células B ativadas.
As células da zona B marginal estão localizadas primariamente nas proximidades do seio marginal no baço e são semelhantes às células B-1 em relação à sua diversidade limitada e sua capacidade de responder a antígenos polissacarídios e gerar anticorpos naturais. As células B da zona marginal existem tanto em camundongos como em humanos e expressam IgM e o correceptor CD21. Em camundongos, as células B da zona marginal existem apenas no baço, enquanto em humanos, podem ser encontradas no baço e nos linfonodos. As células da zona B marginal respondem muito rapidamente a microrganismos transportados pelo sangue e diferenciam-se em plasmócitos secretores de IgM de vida curta. Embora elas geralmente medeiem respostas imunes humorais dependentes de células T a patógenos circulantes, as células da zona B marginal também parecem ser capazes de mediar algumas respostas imunes dependentes de células T.

Seleção do Repertório de Células B Maduras 

O repertório de células B maduras é selecionado positivamente a partir do grupo das células B imaturas. Como veremos posteriormente, a seleção positiva é bem definida em linfócitos T e é responsável por combinar os TCR em células T CD8 + e CD4 + recémgeradas com a sua capacidade de reconhecer moléculas próprias de MCH classe I e classe II, respectivamente. Não há nenhuma restrição comparável para o reconhecimento de antígenos das células B. No entanto, a seleção positiva parece ser um fenômeno geral voltado principalmente para a identificação de linfócitos que tenham completado seu programa de rearranjo do gene do receptor de antígeno com sucesso. Apenas as células B que expressam moléculas de Ig de membrana funcionais recebem sinais derivados do BCR constitutivos (tônicos), os quais, conforme descrito anteriormente, são necessários para manter as células B imaturas vivas. Os antígenos próprios podem influenciar a intensidade do sinal do BCR e, assim, a escolha subsequente da linhagem de células B periféricas durante a maturação de células B.  
As células B imaturas que reconhecem antígenos próprios com alta afinidade podem ser induzidas a alterar suas especificidades por um processo denominado edição de receptor. O reconhecimento de um antígeno pelas células B imaturas induz a reativação dos genes RAG e o rearranjo e na produção de uma nova cadeia leve de Ig, permitindo que a célula expresse um receptor de células B diferente (editado), que não é autorreativo. O éxon VJκ original, que codifica o domínio variável do gene de uma cadeia leve autorreativa, normalmente sofre deleção e é substituído por um novo rearranjo envolvendo um segmento de gene Vκ acima e um Jκ abaixo. Se o processo de edição não conseguir gerar um rearranjo da cadeia leve κ produtivo interno em qualquer cromossomo, a célula B imatura ativada pode, então, continuar a rearranjar o lócus da cadeia leve λ, que está localizado em um cromossomo diferente. Quase todas as células B que carregam cadeias leves λ são, portanto, células que antes eram autorreativas e passaram por edição do receptor. 
Se a edição do receptor falhar, as células B imaturas que expressam receptores de alta afinidade para antígenos próprios e que encontram estes antígenos na medula óssea ou no baço podem morrer por apoptose. Este processo também é denominado seleção negativa. Os antígenos que medeiam a seleção negativa — geralmente, antígenos próprios abundantes ou polivalentes, como ácidos nucleicos, lipídios ligados à membrana e proteínas de membrana — emitem fortes sinais aos linfócitos B imaturos que expressam IgM, os quais expressam receptores específicos para estes antígenos próprios. Tanto a edição do receptor quanto a deleção são responsáveis por manter a tolerância das células B aos antígenos próprios presentes na medula óssea (Cap. 15).
Quando a transição ao estágio de célula B madura IgM+ IgD+ é realizada, o reconhecimento do antígeno leva à proliferação e à diferenciação, e não à edição do receptor ou à apoptose. Como resultado, as células B maduras que reconhecem antígenos com alta afinidade em tecidos linfoides periféricos são ativadas, e este processo leva às respostas imunes humorais. As células B foliculares produzem a maioria das respostas de anticorpos dependentes de células T auxiliares a antígenos proteicos (Cap. 12)

Desenvolvimento dos linfócitos T 

O desenvolvimento dos linfócitos T maduros a partir de progenitores comprometidos envolve o rearranjo sequencial e a expressão de genes do TCR, a proliferação celular, a seleção induzida por antígeno e o comprometimento com subgrupos fenotipicamente e funcionalmente distintos (Fig. 8-17). Isto se assemelha à maturação das células B de várias maneiras. No entanto, a maturação das células T possui algumas características únicas que refletem a especificidade da maioria dos linfócitos T aos antígenos peptídicos próprios associados ao MHC e à necessidade de um microambiente especial para a seleção de células com esta especificidade.  


FIGURA 8-17 Estágios da maturação da célula T. 
Os eventos correspondentes a cada estágio da maturação da célula T a partir da célula-tronco da medula óssea até o linfócito T maduro são ilustrados. Vários marcadores de superfície, além dos mostrados, têm sido utilizados para definir diferentes estágios de maturação da célula T. 

Papel do Timo na Maturação da Célula T 

O timo é o principal local de maturação das células T. Suspeitou-se desta função do timo primeiramente devido às deficiências imunológicas associadas à falta de um timo. A ausência congênita do timo, como ocorre na síndrome de DiGeorge em humanos ou na cepa de camundongo nude, é caracterizada por baixos números de células T maduras na circulação e nos tecidos linfoides periféricos e deficiências graves da imunidade mediada por células T (Cap. 21). Se o timo for removido de um camundongo neonato, este animal não conseguirá desenvolver células T maduras. O primórdio do timo se desenvolve a partir da endoderme da terceira bolsa faríngea e do mesênquima derivado da crista neural subjacente e é subsequentemente populado por precursores derivados de medula óssea. O timo involui com a idade e é praticamente indetectável em humanos póspúberes, resultando em uma liberação relativamente reduzida de células T maduras. No entanto, a maturação de células T continua ao longo da vida adulta, como indicado pela reconstituição bem-sucedida do sistema imunológico em indivíduos adultos que recebem transplante de medula óssea. É provável que o remanescente do timo involuído seja adequado para que ocorra alguma maturação de células T. Como as células T de memória possuem uma vida útil longa (talvez de mais de 20 anos em humanos) e se acumulam com a idade, a necessidade de gerar novas células T diminui à medida que as pessoas envelhecem.  
Os linfócitos T originam-se de precursores que surgem no fígado fetal e na medula óssea adulta e se alojam no timo. Estes precursores são progenitores multipotentes que entram no timo por meio da corrente sanguínea, atravessando o endotélio de uma vênula póscapilar na região de junção corticomedular do timo. Em camundongos, os linfócitos imaturos são detectados pela primeira vez no timo no 11 o. dia de gestação normal de 21 dias. Isso corresponde a cerca de 7 ou 8 semanas de gestação em humanos. As células T em desenvolvimento no timo são denominadas timócitos. Os timócitos mais imaturos são encontrados no seio subcapsular e na região cortical exterior do timo. A partir daqui, os timócitos migram para dentro e através do córtex, onde a maioria dos eventos de maturação subsequentes ocorrem. É no córtex que os timócitos expressam inicialmente os TCRs γδ e αβ. As células T αβ amadurecem em células T CD4 + restritas ao MHC de classe II ou CD8 + restritas ao MHC de classe I à medida que saem do córtex e entram na medula. A partir da medula, os timócitos positivos unicamente para CD4 + e CD8 + saem do timo por meio da circulação. A maturação das células T αβ será discutida nas seções seguintes, e a das células T γδ, no final do capítulo. 
O ambiente do timo proporciona estímulos que são necessários para a proliferação e maturação dos timócitos. Muitos destes estímulos vêm de células tímicas diferentes das células T em maturação. Dentro do córtex, as células epiteliais corticais tímicas formam uma malha de longos processos citoplasmáticos, em torno dos quais os timócitos devem passar para atingir a medula. As células epiteliais de um tipo distinto, conhecidas como células epiteliais tímicas medulares, também estão presentes na medula óssea e podem desempenhar um papel único na apresentação de antígenos próprios para a seleção negativa de células T em desenvolvimento (Cap. 15). As células dendríticas derivadas da medula óssea estão presentes na junção corticomedular e dentro da medula, e os macrófagos estão presentes principalmente no interior da medula. A migração de timócitos através desta disposição anatômica permite interações físicas entre os timócitos e essas outras células que são necessárias para a maturação e seleção dos linfócitos T. As células epiteliais e dendríticas do timo expressam moléculas de MHC classe I e classe II. As interações de timócitos em maturação com estas moléculas de MHC são essenciais para a seleção do repertório de células T maduras, como será discutido posteriormente.  
O movimento das células para dentro e através do timo é conduzido por quimiocinas. Os progenitores de timócitos expressam o receptor de quimiocina CCR9, que se liga à quimiocina CCL25, produzida no córtex do timo. A entrada de precursores no timo depende de CCL25 e CCR9. Quimiocinas como CCL21 e CCL19, que são reconhecidas pelo receptor de quimiocina CCR7 em timócitos, medeiam o movimento das células T em desenvolvimento direcionado do córtex para a medula. Eventualmente, os linfócitos T recém-formados, que expressam o receptor de esfingosina 1-fosfato (Cap. 3), deixam a medula do timo seguindo um gradiente de esfingosina 1-fosfato, entrando na corrente sanguínea. 
As células do estroma do timo, incluindo células epiteliais, secretam IL-7, que foi mencionada anteriormente como um fator de crescimento linfopoiético crítico. As taxas de proliferação celular e morte apoptótica são extremamente elevadas em timócitos corticais. Um único precursor dá origem a uma grande progênie, e 95% destas células morrem por apoptose antes de chegar à medula. A morte celular se deve a uma combinação de fatores, incluindo a incapacidade de rearranjar de maneira produtiva o gene da cadeia β do TCR e, portanto, de passar no ponto de controle seleção pré-TCR/β (descrito posteriormente), o fato de a célula não ser selecionada positivamente por moléculas de MHC próprias no timo, e a seleção negativa induzida por antígenos próprios (Fig. 8-3).

Estágios de Maturação das Células T

 Durante a maturação das células T, há uma ordem precisa pela qual os genes do TCR são rearranjados e pela qual o TCR e os correceptores CD4 e CD8 são expressos (Fig. 8-18; Fig. 8-17). No camundongo, a expressão do TCR γδ na superfície ocorre primeiro, dentro de 3 a 4 dias depois da chegada das células precursoras no timo, e o TCR αβ é expresso 2 ou 3 dias mais tarde. Nos timos fetais humanos, a expressão de TCR γδ começa em cerca de 9 semanas de gestação, seguida da expressão do TCR αβ com 10 semanas. 

FIGURA 8-18 Maturação das células T no timo. 
Os precursores das células T viajam da medula óssea até o timo através da corrente sanguínea. No córtex do timo, os progenitores das células T αβ expressam TCRs e os correceptores CD4 e CD8. Os processos de seleção eliminam as células T autorreativas no córtex no estágio duplo-positivo (DP) e também timócitos medulares positivos simples (PS). Eles promovem a sobrevivência dos timócitos cujos TCRs se ligam a moléculas de MHC com baixa afinidade. Adiferenciação funcional e fenotípica para células T CD4 +CD8 - ou CD8 +CD4 - ocorre na medula, e as células T maduras são liberadas na circulação. Algumas células duplo-positivas diferenciam-se em células T reguladoras (Cap.15). O desenvolvimento de células T γδ não é mostrado.

Timócitos Duplo-Negativos 

Os timócitos corticais mais imaturos, recém-chegados da medula óssea, contêm genes de TCR na sua configuração de linhagem germinativa e não expressam TCR, CD3, cadeias ζ, CD4 ou CD8; estas células são denominadas timócitos duplo-negativos. Considera-se que os timócitos neste estágio também estejam no estágio de células pró-T de maturação. A maioria (> 90%) dos timócitos duplo-negativos que sobrevivem a processos de seleção do timo acabarão por dar origem a células T CD4 + e CD8 + restritas ao MHC que expressam TCR αβ, e o restante destes timócitos dará origem a células T γδ. As proteínas Rag-1 e Rag-2 são expressas primeiramente no estágio duplo-negativo do desenvolvimento das células T e são necessárias para o rearranjo de genes do TCR. Os rearranjos Dβ -a-Jβ no lócus da cadeia pesada β do TCR ocorrem primeiro; estes envolvem a junção do segmento gênico Dβ1 a um dos seis segmentos Jβ1 ou a junção do segmento Dβ2 a um dos seis segmentos Jβ2 (Fig. 8-19, A). Os rearranjos Vβ -a-DJβ ocorrem na transição entre o estágio pró-T e o estágio pré-T subsequente durante o desenvolvimento das células T αβ. As sequências de DNA entre os segmentos submetidos a rearranjo, incluindo os genes D, J, e possivelmente Cβ1 (se os segmentos Dβ2 e Jβ2 forem usados), sofrem deleção durante este processo de rearranjo. Os transcritos nucleares primários dos genes β do TCR contêm o íntron entre o éxon VDJβ recombinado e o gene Cβ relevante (assim como os 3 íntrons adicionais entre os 4 éxons que compõem cada gene Cβ , indicados na figura como um único éxon para facilitar). Caudas poli-A são acrescentadas após a clivagem do transcritor primário abaixo das regiões de poliadenilação de consenso localizadas a 3’ da região Cβ , e as sequências entre o éxon VDJ e Cβ são unidas para formar um mRNA maduro, em que os segmentos VDJ estão justapostos ao primeiro éxon de um dos dois genes Cβ (dependendo de qual segmento J foi selecionado durante o processo de rearranjo). A tradução deste mRNA dá origem a uma proteína da cadeia β do TCR de comprimento integral. Os dois genes Cβ parecem ser funcionalmente intercambiáveis e uma célula T nunca muda de um gene C para outro. Além disso, o uso de qualquer gene Cβ não influencia a função ou especificidade do TCR. Os promotores nas regiões flanqueadoras 5’ dos genes Vβ atuam juntamente com um amplificador potente, que está localizado a 3’ do gene Cβ2, assim que os genes V são aproximados do gene C por recombinação VDJ. Esta proximidade do promotor ao amplificador é responsável por uma transcrição específica da célula T de alto nível do gene da cadeia β do TCR rearranjado. 

FIGURA 8-19 Recombinação e expressão dos genes das cadeias α e β do TCR. 
Asequência dos eventos de recombinação do DNAe expressão gênica é mostrada para a cadeia β do TCR (A) e a cadeia α do TCR (B). No exemplo mostrado em A, a região variável (V) da cadeia β do TCR inclui os segmentos gênicos Vβ2 e Dβ1 e o terceiro segmento J no agrupamento Jβ1. A região constante (C) neste exemplo é codificada pelos éxons do gene Cβ1, representados como um único éxon para facilitar. Observe que, no lócus da cadeia β do TCR, o rearranjo inicia-se com a junção D-a-J, seguida da junção V-a-DK. Em humanos, 14 segmentos Jβ foram identificados e nem todos são mostrados na figura. No exemplo mostrado em B, a região V da cadeia α do TCR inclui o gene Vα1 e o segundo segmento J do agrupamento Jα (este agrupamento é constituído de pelo menos 61 segmentos Jα em humanos; nem todos são mostrados aqui). 

Receptor da Célula Pré-T 

Se um rearranjo produtivo (ou seja, interno) do gene da cadeia β do TCR ocorrer em uma determinada célula T duplo-negativa, a proteína da cadeia β do TCR será expressa na superfície celular em associação a uma proteína invariante, denominada pré-Tα, e com as proteínas CD3 e ζ, para formar o complexo do receptor da célula pré-T (pré-TCR) (Fig. 8- 14, B). O pré-TCR medeia a seleção das células pré-T em desenvolvimento que rearranjam de maneira produtiva a cadeia β do TCR. Após a adição e remoção de bases durante o rearranjo de gene, cerca de metade de todas as células pré-T em desenvolvimento possui novas bases no gene da cadeia β do TCR que são múltiplos de três (em pelo menos um cromossomo β do TCR), e, portanto, apenas aproximadamente metade de todas as células pré-T em desenvolvimento expressam de maneira bem-sucedida a proteína β do TCR. A função do complexo de pré-TCR no desenvolvimento das células T é semelhante à do complexo pré-BCR que contém uma cadeia leve substituta no desenvolvimento das células B. Os sinais do pré-TCR medeiam a sobrevivência das células pré-T que tenham rearranjado de maneira produtiva o gene da cadeia β do TCR e contribuem para a maior expansão proliferativa durante o desenvolvimento das células T. Os sinais do pré-TCR também iniciam a recombinação no lócus da cadeia α do TCR e conduzem a transição do estágio duplo-negativo para o duplo-positivo do desenvolvimento dos timócitos (discutido mais adiante). Estes sinais também inibem a continuação do rearranjo do lócus da cadeia β do TCR, limitando, em grande parte, a acessibilidade do outro alelo à maquinaria de recombinação. Isto resulta na exclusão alélica da cadeia β exclusão alélica (isto é, as células T maduras expressam apenas um dos dois alelos da cadeia β herdados). Assim como nas células pré-B, não se sabe qual ligante o pré-TCR reconhece, se houver. Acredita-se que a sinalização do pré-TCR, como a sinalização do pré-BCR, seja geralmente iniciada de maneira independente de ligante, dependente da montagem efetiva do complexo pré-TCR. A sinalização do pré-TCR é mediada por várias quinases citossólicas e proteínas adaptadoras, que também estão ligadas à sinalização de TCR (Cap. 7). A função essencial do complexo pré-TCR na maturação das células T foi demonstrada por vários estudos com camundongos geneticamente mutados, em que a falta de qualquer um dos componentes do complexo pré-TCR (ou seja, a cadeia β de TCR, pré-Tα, CD3, ζ ou Lck) resulta em um bloqueio na maturação das células T no estágio duplo-negativo.  

Timócitos Duplo-Positivos 

Na próxima fase da maturação das células T, os timócitos expressam tanto CD4 e CD8 e são denominados timócitos duplo-positivos. A expressão de CD4 e CD8 é essencial para os eventos de seleção subsequentes, discutidos posteriormente. O rearranjo dos genes da cadeia α do TCR e a expressão de heterodímeros αβ do TCR ocorre na população duplopositiva CD4 + CD8 + logo após as células atravessarem o ponto de controle do pré-TCR (Fig. 8-17 e 8-18). Uma segunda onda de expressão do gene RAG no final do estágio pré-T promove a recombinação dos genes α do TCR. Como não existem segmentos D no lócus de α do TCR, o rearranjo consiste apenas na junção de segmentos V e J (Fig., 8-19, B). A grande quantidade de segmentos Jα permite múltiplas tentativas de junção produtiva V-J em cada cromossomo, aumentando, assim, a probabilidade de que um TCR αβ funcional seja produzido. Em contraste com o lócus da cadeia β do TCR, em que a produção da proteína e a formação do pré-TCR suprimem o rearranjo adicional, há pouca ou nenhuma exclusão alélica no lócus da cadeia α. Portanto, rearranjos produtivos de α do TCR podem ocorrer em ambos os cromossomos, e, se isso acontecer, a célula T expressará duas cadeias α. De fato, até 30% das células T periféricas maduras expressam dois TCR diferentes, com diferentes cadeias α, mas a mesma cadeia β. É possível que apenas um dos dois TCRs diferentes participe da seleção positiva dirigida pelo MHC próprio, descrita posteriormente. A regulação da transcrição do gene da cadeia α ocorre de maneira semelhante à da cadeia β. Há promotores a 5’ de cada gene Vα que têm um baixo nível de atividade e são responsáveis pela transcrição específica da célula T de alto nível quando aproximados de um amplificador da cadeia α, localizado a 3’ do gene de Cα. Rearranjos sem sucesso do gene α do TCR nos dois cromossomos levam a uma falha da seleção positiva (discutida posteriormente). Os timócitos da linhagem de células T αβ que não conseguirem realizar um rearranjo produtivo do gene da cadeia α do TCR morrerão por apoptose. 
A expressão do gene α do TCR no estágio duplo-positivo leva à formação do TCR αβ completo, que é expresso na superfície celular em associação às proteínas CD3 e ζ. A expressão coordenada das proteínas CD3 e ζ e a montagem dos complexos TCR intactos são necessárias para a expressão de superfície. O rearranjo do gene α do TCR resulta na deleção do lócus δ do TCR, que se situa entre os segmentos V (comuns a ambos os loci α e δ) e segmentos Jα (Fig. 8-6). Como resultado, esta célula T já não é capaz de se tornar uma célula T γδ e está completamente comprometida com a linhagem das células T αβ. A expressão dos genes RAG e a recombinação adicional do gene do TCR cessam após esse estágio de maturação.
As células duplo-positivas que passam por processos de seleção bem-sucedidos continuam a amadurecer em células T CD4 + ou CD8 + , que são denominadas timócitos positivos simples. Assim, as fases de maturação das células T no timo podem ser prontamente distinguidas pela expressão de CD4 e CD8 (Fig. 8-20). Esta maturação fenotípica é acompanhada pelo comprometimento com diferentes programas funcionais após a ativação de órgãos linfoides secundários. As células CD4 + adquirem a capacidade de produzir citocinas em resposta ao estímulo subsequente de antígenos e expressar moléculas efetoras (tais como o ligante de CD40) que ativam os linfócitos B, células dendríticas e macrófagos, enquanto as células CD8 + tornam-se capazes de produzir moléculas que destroem outras células. Os timócitos positivos simples maduros entram na medula do timo e, em seguida, deixam o timo para residir nos tecidos linfoides periféricos.

FIGURA 8-20 Expressão de CD4 e CD8 em timócitos e seleção positiva das células T no timo. Amaturação dos timócitos pode ser seguida de mudanças na expressão dos correceptores CD4 e CD8. Aimagem ilustra uma análise de citometria de fluxo de duas cores de timócitos usando anticorpos anti-CD4 e anti-CD8, cada qual marcado com um fluorocromo diferente. Aporcentagem da contribuição de todos os timócitos para cada população principal é mostrada nos quatro quadrantes. O subgrupo menos maduro é o das células CD4 -CD8 - (duplo-negativas). As setas indicam a sequência da maturação.  

Processos da Seleção na Maturação das Células T αβ Restritas ao MHC 

A seleção das células T em desenvolvimento é dependente do reconhecimento de antígeno (complexos peptídio-MHC) no timo e é responsável por preservar as células úteis e eliminar as potencialmente nocivas. O repertório de linfócitos T imaturos ou não selecionados é composto de células cujos receptores podem reconhecer qualquer antígeno peptídico (próprio ou estranho) apresentado por qualquer molécula de MHC (também própria ou estranha). Além disso, receptores que não reconhecem qualquer complexo peptídio-molécula de MHC podem, teoricamente, ser expressos. Em cada indivíduo, as únicas células T úteis são as específicas para peptídios estranhos apresentados pelas moléculas de MHC desse indivíduo, isto é, moléculas de MHC próprias. Quando os timócitos duplo-positivos expressam o TCR αβ pela primeira vez, esses receptores encontram peptídios próprios (os únicos peptídios normalmente presentes no timo) apresentados por moléculas de MHC próprias (as únicas moléculas de MHC disponíveis para apresentar peptídios), principalmente nas células epiteliais do timo presentes no córtex. O resultado deste reconhecimento é determinado principalmente pela afinidade do encontro entre o TCR e os complexos antígeno-MHC próprios. A seleção positiva é o processo que preserva as células T que reconhecem MHC próprio (com peptídios próprios) com baixa afinidade. Este reconhecimento preserva as células que podem ver antígenos apresentados por moléculas de MHC deste mesmo indivíduo. Ao mesmo tempo, as células tornam-se comprometidas com a linhagem de células CD4 ou CD8 com base em se o TCR em uma célula reconhece, respectivamente, moléculas de MHC classe II ou MHC classe I. Além disso, em cada indivíduo, as células T que reconhecem antígenos próprios com alta afinidade são potencialmente perigosas, porque este reconhecimento pode desencadear uma autoimunidade. A seleção negativa é o processo em que os timócitos cujos TCRs se ligam fortemente aos antígenos peptídios próprios em associação a moléculas de MHC próprias são eliminados (Fig. 8-18). O resultado final desses processos de seleção é que o repertório de células T maduras que deixam o timo é restrito ao MHC próprio e tolerante a muitos antígenos próprios, e apenas as células úteis completam sua maturação. Nas seções seguintes, discutiremos os detalhes da seleção positiva e negativa.

Seleção Positiva de Timócitos: Desenvolvimento do Repertório de Células T Restritas ao MHC Próprio 

A seleção positiva é o processo em que os timócitos cujos TCRs se ligam com baixa afinidade (ou seja, fracamente) a complexos MHC próprio-peptídio próprio são estimulados para sobreviver (Fig. 8-18). Os timócitos duplo-positivos são produzidos sem estimulação antigênica e começam a expressar TCRs αβ com especificidades geradas aleatoriamente que são provavelmente inclinados ao reconhecimento das estruturas semelhantes ao MHC. No córtex do timo, estas células imaturas encontram células epiteliais que estão exibindo uma variedade de peptídios próprios ligados a moléculas de MHC classe I e classe II. O reconhecimento fraco destes complexos peptídio próprioMHC próprio promove a sobrevivência das células T. Os timócitos cujos receptores não reconhecem moléculas de MHC próprio morrem por uma via padrão de apoptose; este fenômeno é chamado de morte por negligência (Fig. 8-18). Assim, a seleção positiva assegura que as células T sejam restritas ao MHC próprio. 
Durante a transição das células duplo-positivas para positivas simples, os timócitos com TCRs restritos ao MHC classe I tornam-se CD8 +CD4 - , e as células com TRCs restritos ao MHC classe II tornam-se CD4 +CD8 - . As células T duplo-positivas imaturas expressam TCRs que podem reconhecer o MHC próprio classe I ou classe II. Dois modelos foram propostos para explicar o processo de comprometimento com a linhagem, que resulta da seleção de quais correceptores estão corretamente compatíveis com os TCRs que reconhecem uma classe específica de moléculas de MHC. O modelo estocástico ou probabilístico sugere que o comprometimento de células T imaturas com qualquer linhagem depende da probabilidade aleatória de uma célula duplo-positiva se diferenciar em uma célula T CD4 + ou uma célula T CD8 + . Neste modelo, uma célula que reconhece o MHC próprio classe I pode diferenciar-se aleatoriamente em uma célula T CD8 + (com o correceptor apropriado) e sobreviver, ou em uma célula T CD4 + (com o correceptor errado) que pode deixar de receber sinais de sobrevivência. Neste processo de diferenciação aleatória para células positivas simples, o correceptor não é compatível com o reconhecimento da classe correta de moléculas de MHC aproximadamente metade das vezes.
A visão mais aceita é a de que o processo de comprometimento com a linhagem relacionado à seleção positiva não é um processo aleatório, mas é conduzido por sinais específicos que instruem a célula T a se tornar CD4 + ou CD8 + . Modelos de instrução sugerem que os TCRs restritos ao MHC classe I e pelo MHC classe II emitem diferentes sinais que induzem ativamente a expressão do correceptor correto e desligam a expressão do outro correceptor. Sabe-se que células duplamente positivas passam por um estágio de alta expressão de CD4 e baixa expressão de CD8. Se o TCR nesta célula for restrito ao MHC de classe I, quando identificar o MHC classe I adequado e o peptídio próprio, ele receberá um sinal fraco porque os níveis do correceptor CD8 serão baixos e, além disso, o CD8 associa-se em menor extensão à tirosinoquinase Lck do que o CD4. Estes sinais fracos ativam fatores de transcrição, tais como Runx3, que mantêm o fenótipo de células T CD8 + por meio da regulação da expressão de CD8 e de fatores de transcrição inferiores, e comprometem a célula T CD8 + a se tornar um linfócito T citotóxico após a maturação completa e ativação por antígeno. Por outro lado, se o TCR da célula for restrito ao MHC classe II, quando identificar o MHC classe II, receberá um sinal mais forte porque os níveis de CD4 serão elevados e o CD4 associa-se relativamente bem à Lck. Estes sinais fortes ativam o fator de transcrição GATA3, o que compromete as células a se tornarem CD4 + e induz a expressão de um repressor denominado ThPoK, que impede a expressão de genes de definição das células T CD8 + .
Os peptídios ligados a moléculas de MHC nas células epiteliais do timo desempenham um papel essencial na seleção positiva. No Capítulo 6, foi descrito como as moléculas de MHC classe I e classe II na superfície celular sempre contêm peptídios ligados. Estes peptídios associados ao MHC nas células apresentadoras de antígeno do timo provavelmente possuem duas funções na seleção positiva– primeiramente, promovem a expressão de superfície celular estável de moléculas de MHC, e, segundo, podem influenciar as especificidades das células T que são selecionadas. É também evidente, em uma variedade estudos experimentais, que alguns peptídios são melhores que outros no suporte da seleção positiva e diferentes peptídios selecionam repertórios de células T distintos. Tais resultados sugerem que o reconhecimento de antígeno específico, e não apenas o reconhecimento do MHC, tem algum papel na seleção positiva. Uma consequência da seleção positiva induzida pelo peptídio próprio é que as células T que amadurecem têm a capacidade de reconhecer peptídios próprios. Foi mencionado no Capítulo 2 que a sobrevivência de linfócitos virgens antes do encontro com antígenos estranhos requer sinais de sobrevivência que são aparentemente gerados pelo reconhecimento de antígenos próprios nos órgãos linfoides periféricos. Os mesmos peptídios próprios que medeiam a seleção positiva de timócitos duplo-positivos no timo podem estar envolvidos na preservação de células T maduras virgens (positivas simples) vivas em órgãos periféricos, como os gânglios linfáticos e o baço. O modelo de seleção positiva baseado no reconhecimento fraco de antígenos próprios levanta uma questão fundamental: como a seleção positiva conduzida pelo reconhecimento fraco de antígenos próprios produz um repertório de células T maduras específico para antígenos estranhos? A resposta provável é que a seleção positiva permite que muitos clones diferentes de células T sobrevivam e se diferenciem, e muitas dessas células T que reconhecem peptídios próprios com baixa afinidade irão, após o amadurecimento, reconhecer aleatoriamente peptídios estranhos com uma afinidade suficientemente alta para serem ativadas e para gerar respostas imunes úteis.  

Seleção Negativa de Timócitos: Tolerância Central 

Os timócitos cujos receptores reconhecem complexos peptídio-MHC no timo com alta afinidade sofrem apoptose (denominada seleção negativa) ou diferenciam-se em células T reguladoras (Fig. 8-18). Entre as células T duplo-positivas que são geradas no timo, algumas podem expressar TCRs que reconhecem antígenos próprios com alta afinidade. Os peptídios presentes no timo são peptídios próprios derivados de antígenos proteicos amplamente expressos, bem como de algumas proteínas que se acredita serem restritas a determinados tecidos. (Lembre-se que os microrganismos que entram por vias comuns, ou seja, epitélios, são capturados e transportados para os linfonodos e tendem a não entrar no timo.) Em células T imaturas, uma das principais consequências do reconhecimento de antígeno com alta afinidade é o desencadeamento de apoptose, levando à morte, ou eliminação, das células. Portanto, muitos dos timócitos imaturos que expressam receptores com alta afinidade com antígenos próprios no timo morrem, resultando na seleção negativa do repertório de células T. Este processo elimina as células T autorreativas potencialmente mais prejudiciais e é um dos mecanismos que asseguram que o sistema imunológico não responda a muitos antígenos próprios, um fenômeno chamado de autotolerância. A tolerância induzida nos linfócitos imaturos pelo reconhecimento de antígenos próprios nos órgãos linfoides geradores (ou centrais) também é denominada tolerância central, para ser contrastada com a tolerância periférica induzida nos linfócitos maduros por antígenos próprios em tecidos periféricos. Os mecanismos e a importância fisiológica da tolerância imunológica serão discutidos em mais detalhes no Capítulo 15. 
A eliminação de células T autorreativas imaturas pode ocorrer no estágio duplopositivo no córtex e nas células T positivas simples recém-geradas na medula. As células apresentadoras de antígeno do timo que medeiam a seleção negativa são, principalmente, as células dendríticas derivadas da medula óssea e macrófagos, ambos abundantes na medula, e células epiteliais tímicas medulares, enquanto as células epiteliais corticais são especialmente (e talvez exclusivamente) eficazes na indução da seleção positiva. As células T duplo-positivas são atraídas para a medula do timo por quimiocinas. Na medula, as células epiteliais tímicas medulares expressam uma proteína nuclear denominada AIRE (regulador autoimune) que induz a expressão de vários genes específicos de tecidos no timo. Estes genes normalmente são expressos somente em órgãos periféricos específicos. Sua expressão dependente do AIRE no timo torna muitos peptídios específicos a tecidos disponíveis para apresentação a células T em desenvolvimento, facilitando a eliminação (seleção negativa) destas células. Uma mutação no gene que codifica o AIRE resulta em uma síndrome autoimune poliendócrina, destacando a importância do AIRE na mediação da tolerância central a antígenos específicos de tecidos (Cap. 15).  
O mecanismo de seleção negativa no timo é a indução de morte por apoptose. Diferentemente do fenômeno de morte por negligência, que ocorre na ausência de seleção positiva, na seleção negativa, os sinais ativos que promovem a morte são gerados quando o TCR de timócitos imaturos se ligam com alta afinidade ao antígeno. A indução de uma proteína pró-apoptótica, denominada Bim, por sinalização do TCR provavelmente desempenha um papel crucial na indução da permeabilidade mitocondrial e apoptose de timócitos durante a seleção negativa (Cap. 15). Também está claro que, enquanto o reconhecimento de antígeno com alta afinidade pelas células T imaturas desencadeia a apoptose, o mesmo reconhecimento pelos linfócitos maduros, em conjunto com outros sinais, inicia as respostas das células T (Cap. 9). A base bioquímica desta diferença fundamental não está definida. 
O reconhecimento de antígenos próprios no timo pode gerar uma população de células T reguladoras CD4 + que atuam de modo a evitar reações autoimunes (Cap. 15). Não está claro quais fatores determinam a escolha entre os dois destinos alternativos das células T imaturas que reconhecem antígenos próprios com alta afinidade, ou seja, a eliminação de células T imaturas e o desenvolvimento de células T reguladoras. É possível que as interações com afinidade ligeiramente menor do que a exigida para eliminação pode levar ao desenvolvimento de células T reguladoras, mas evidências claras deste tipo de discriminação fina são inexistentes.

Linfócitos T γδ 

Timócitos que expressam TCR αβ e γδ são de linhagens separadas com um precursor comum. Nos timos fetais, os primeiros rearranjos dos genes do TCR envolvem os loci γ e δ. A recombinação dos loci γ e δ do TCR segue de forma semelhante a de outros rearranjos do gene do receptor de antígeno, embora a ordem de rearranjo pareça ser menos rígida do que em outros loci. Em uma célula T duplo-negativa em desenvolvimento, o rearranjo dos loci β, γ ou δ do TCR é inicialmente possível. Se uma célula consegue rearranjar produtivamente seus loci γ e δ do TCR antes de fazer um rearranjo produtivo de β do TCR, ela será selecionada para a linhagem de células T γδ. Isso ocorre em cerca de 10% das células T duplamente negativas em desenvolvimento. Em cerca de 90% dos casos, ocorre inicialmente um rearranjo produtivo do gene β do TCR. Nesta situação, a sinalização do pré-TCR seleciona estas células para amadurecer para a linhagem de células T αβ, e eventual eliminação de δ do TCR quando α do TCR é rearranjado (o lócus δ do TCR é incorporado no lócus α do TCR) resulta em comprometimento irreversível com a linhagem αβ.  
A diversidade do repertório de células T γδ é teoricamente ainda maior do que a do repertório de células T αβ, em parte porque as sequências de reconhecimento heptâmero-nonâmero adjacentes aos segmentos D permitem a junção D-a-D. Paradoxalmente, porém, a verdadeira diversidade dos TCRs γδ expressos é limitada, porque apenas alguns dos segmentos V, D e J disponíveis são utilizados nas células T γδ maduras, por razões desconhecidas. Esta diversidade limitada lembra a diversidade limitada do subgrupo B-1 de linfócitos B e está de acordo com o conceito de que as células T γδ funcionam como uma defesa inicial contra um número limitado de microrganismos comumente encontrados em barreiras epiteliais. As funções das células T γδ são descritas no Capítulo 10.
Outra pequena população, denominada células NKT, também se desenvolve no timo; estas são descritas no Capítulo 10 também.

Resumo

 Os linfócitos B e T surgem a partir de um precursor derivado da medula óssea comum que se torna comprometido com a linhagem de linfócitos. A maturação das células B continua na medula óssea, ao passo que os progenitores das células T iniciais migram e completam sua maturação no timo. A maturação inicial é caracterizada pela proliferação de células induzida por citocinas, principalmente IL-7, que leva a uma expansão do número de linfócitos que acabaram de se comprometer com determinadas linhagens.  
Sinais extracelulares induzem a ativação de fatores de transcrição, que induzem a expressão de genes específicos da linhagem e abrem os loci de genes de receptores de antígenos específicos no nível de acessibilidade da cromatina.
O desenvolvimento das células B e T envolve o rearranjo dos segmentos gênicos do receptor de antígenos e a expressão inicial da proteína µ da cadeia pesada das Ig em precursores de células B e das moléculas β do TCR em precursores de células T. A expressão inicial de pré-receptores de antígeno e a expressão subsequente de receptores de antígeno são essenciais para a sobrevivência, a expansão e a maturação de linfócitos em desenvolvimento e para os processos de seleção que levam a um repertório diverso de especificidades de antígenos úteis.
Os receptores de antígenos das células B e T são codificados pelos genes dos receptores constituídos de um número limitado de segmentos gênicos, que são segregados espacialmente nos loci dos receptores de antígeno das linhagens germinativas, mas são recombinados somaticamente nas células B e T em desenvolvimento.
Os loci separados codificam a cadeia pesada da Ig, a cadeia leve κ da Ig, a cadeia leve λ da Ig, a cadeia β do TCR, as cadeias α e δ do TCR e a cadeia γ do TCR. Estes loci contêm os segmentos gênicos V, J, e, apenas na cadeia pesada da Ig e nos loci β e δ do TCR, o segmento gênico D. Os segmentos J estão localizados imediatamente a 5’ dos éxons que codificam os domínios constantes, e os segmentos V estão a uma grande distância acima dos segmentos J. Quando presentes, os segmentos D encontram-se entre os grupamentos V e J. O rearranjo somático dos loci da Ig e do TCR envolve a junção dos segmentos D e J nos loci que contêm segmentos D, seguida pela junção do segmento V aos segmentos DJ recombinados nestes loci ou a junção direta V-a-J nos outros loci.
Este processo de recombinação de gene somática é mediado por um complexo da enzima recombinase constituído dos componentes específicos dos linfócitos Rag-1 e Rag-2.  
A diversidade dos repertórios dos anticorpos e do TCR é gerada pelas associações combinatórias de múltiplos segmentos gênicos V, D e J da linhagem germinativa, enquanto a diversidade juncional é gerada pela adição ou remoção de nucleotídeos aleatórios nos locais de recombinação. Estes mecanismos geram a maior diversidade nas junções dos segmentos que formam a terceira região hipervariável dos polipeptídios dos anticorpos e do TCR. 
A maturação das células B ocorre em estágios caracterizados por diferentes padrões de rearranjo e expressão do gene das Ig. Nos primeiros precursores das células B, denominados células pró-B, os genes das Ig estão inicialmente na configuração da linhagem germinativa, e o rearranjo D a J ocorre no lócus da cadeia pesada das Ig.  

Na transição da célula pró-B para pré-B, a recombinação V-D-J é concluída no lócus da cadeia H da Ig. Um transcrito primário do RNA contendo o éxon VDJ e éxons dos genes C das Ig é produzido, e o éxon VDJ é emendado aos éxons da região C µ do RNA da cadeia pesada para gerar um mRNA maduro, que é traduzido na proteína da cadeia pesada µ nas células em que tenha ocorrido um rearranjo interno. O pré-BCR é formado pelo pareamento da cadeia µ com cadeias leves substitutas e pela associação às moléculas de sinalização Igα e Igβ. Este receptor emite sinais de sobrevivência e proliferação e também sinaliza para inibir o rearranjo do outro alelo da cadeia pesada (exclusão alélica). 
À medida que as células se diferenciam em células B imaturas, a recombinação V-J ocorre inicialmente no lócus κ da Ig e as proteínas da cadeia leve são expressas. As cadeias pesadas e leves são, então, montadas na forma de moléculas de IgM intactas e expressas na superfície da célula. As células B imaturas deixam a medula óssea para residir em tecidos linfoides periféricos, onde completam a sua maturação. No estágio de célula B madura, síntese das cadeias pesadas µ e δ ocorre paralelamente, mediada pelo processamento (splicing) alternativo dos transcritos primários do RNA das cadeias pesadas e IgM e IgD de membrana são expressos.  

Durante a maturação dos linfócitos B, as células B imaturas que expressam receptores de antígenos de alta afinidade específicos para antígenos próprios presentes na medula óssea são induzidas a editar os genes de seus receptores, ou essas células são eliminadas. A edição do receptor envolve o rearranjo adicional no lócus κ da Ig e pode também envolver o rearranjo do gene da cadeia leve λ da Ig. As células B que expressam as cadeias leves λ são frequentemente células que foram submetidas à edição do receptor. 
A maturação das células T no timo também progride em estágios, que se distinguem pelo padrão de expressão dos genes dos receptores de antígenos, pelas moléculas dos correceptores CD4 e CD8 e pela localização dos eventos de desenvolvimento dentro do timo. Os primeiros imigrantes da linhagem T para o timo não expressam TCR ou moléculas de CD4 ou CD8. As células T em desenvolvimento dentro do timo, denominadas timócitos, inicialmente residem no córtex exterior, onde sofrem proliferação, rearranjo dos genes do TCR e induzem a expressão de superfície das moléculas CD3, TCR, CD4 e CD8. À medida que as células amadurecem, elas migram do córtex para a medula.  

Os timócitos menos maduros, denominados células pró-T, são CD4 -CD8 - (duplonegativos) e, neste estágio, os genes TCR encontram-se inicialmente na configuração da linhagem germinativa. O rearranjo dos genes das cadeias β, δ e γ do TCR ocorre nesta etapa.
No estágio pré-T, os timócitos permanecem duplo-negativos, mas a recombinação V-D-J é concluída no lócus da cadeia β do TCR. Os transcritos primários da cadeia β são expressos e processados para aproximar um éxon VDJ de um segmento Cβ , e os polipeptídios da cadeia β do TCR são produzidos. Nas células em que o rearranjo foi produtivo, a cadeia β do TCR associa-se à proteína pré-Tα invariável para formar um pré-TCR. O pré-TCR transduz sinais que inibem o rearranjo do outro alelo da cadeia β (exclusão alélica) e promove a diferenciação para o estágio de dupla expressão de CD4 e CD8 e uma proliferação adicional de timócitos imaturos. No estágio CD4 +CD8 + (duplo-positivo) do desenvolvimento das células T, ocorre a recombinação V-J no lócus α do TCR, polipeptídios da cadeia α são produzidos e baixos níveis de TCR são expressos na superfície da célula.  

Os processos de seleção levam à maturação de timócitos duplo-positivos que expressam TCR e moldam o repertório de células T para a restrição ao MHC próprio e autotolerância.
A seleção positiva dos timócitos CD4 +CD8 + TCR αβ requer o reconhecimento com baixa afinidade de complexos MHC-peptídio nas células epiteliais do timo, levando a um resgate das células da morte programada. Conforme os timócitos TCR αβ amadurecem, eles migram para a medula e tornam-se CD4 +CD8 - ou CD8 +CD4 - . A seleção positiva é acompanhada do comprometimento com a linhagem. Isso resulta na combinação dos TCRs que reconhecem o MHC classe I com a expressão de CD8 e silenciamento de CD4; os TCRs que reconhecem moléculas de MHC classe II estão combinados com a expressão de CD4 e a perda de expressão de CD8.  

A seleção negativa dos timócitos duplo-positivos CD4 +CD8 + TCR αβ ocorre quando estas células reconhecem, com alta afinidade, antígenos que estão presentes no timo. Este processo é responsável pela tolerância a vários antígenos próprios. Os timócitos medulares continuam a ser selecionados negativamente, e as células que não sofrem deleção clonal adquirem a capacidade de se diferenciar em células T CD4 + ou CD8 + virgens e, finalmente, migram para tecidos linfoides periféricos.

Fonte: Livro Imunologia Celular e Molecular - 8ª Ed.

Autores: Abul Lichtman, Andrew Abbas

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