Fonte: Livro Imunologia Celular e Molecular - 8ª Ed.
Autores: Abul Lichtman, Andrew Abbas
VISÃO GERAL DO DESENVOLVIMENTO DE LINFÓCITOS
Comprometimento com as Linhagens de Células B e T e Proliferação
de Progenitores
Epigenética, MicroRNAs e Desenvolvimento de Linfócitos
Rearranjo e Expressão dos Genes dos Receptores de Antígenos
Processos de Seleção que Moldam o Repertório dos Linfócitos B e T
REARRANJO DOS GENES DOS RECEPTORES DE ANTÍGENOS NOS LINFÓCITOS B
E T
Organização dos Genes das Ig e do TCR nas Linhagens Germinativas
Recombinação V(D)J
Geração da Diversidade nas Células B e T
DESENVOLVIMENTO DE LINFÓCITOS B
Estágios de Desenvolvimento dos Linfócitos B
Seleção do Repertório de Células B Maduras
DESENVOLVIMENTO DOS LINFÓCITOS T
Papel do Timo na Maturação da Célula T
Estágios de Maturação das Células T
Processos da Seleção na Maturação das Células T αβ Restritas ao MHC
Linfócitos T γδ
RESUMO
Linfócitos expressam receptores de antígenos altamente diversos que são capazes de
reconhecer uma grande variedade de substâncias estranhas. Esta diversidade é gerada
durante o desenvolvimento dos linfócitos B e T maduros a partir de células precursoras
que não expressam receptores de antígenos e não podem reconhecer e responder aos
antígenos. O processo pelo qual os progenitores dos linfócitos no timo e na medula óssea
se diferenciam em linfócitos maduros localizados em tecidos linfoides periféricos é
denominado desenvolvimento de linfócitos ou maturação de linfócitos (os termos
desenvolvimento e maturação são usados alternativamente neste contexto). A grande
coleção de diferentes receptores de antígenos — portanto, especificidades — expressos
por linfócitos B e T é produzida durante a maturação destas células. A maturação é
iniciada por sinais de receptores de superfície celular que têm duas funções principais:
eles promovem a proliferação de progenitores e iniciam o rearranjo dos genes dos
receptores de antígenos específicos. O rearranjo dos genes dos receptores de antígenos é
um evento-chave no comprometimento de uma célula progenitora com a linhagem de
linfócitos B ou T.
Começamos este capítulo considerando o processo de comprometimento com a
linhagem de linfócitos B e T e discutindo alguns princípios e mecanismos comuns de
desenvolvimento de células B e T. Em seguida, há uma descrição dos processos que são
particulares do desenvolvimento de células B e, então, daqueles particulares das células
T.
Visão geral do desenvolvimento de linfócitos
A maturação dos linfócitos B e T envolve uma série de eventos que ocorrem nos órgãos
linfoides geradores (Fig. 8-1). Estes eventos incluem os seguintes:
FIGURA 8-1 Estágios da maturação de linfócitos.
O desenvolvimento de ambos os linfócitos B e T envolve a sequência de estágios de maturação
apresentada. Ailustração mostra a maturação das células B, mas os estágios básicos da
maturação das células T são semelhantes.
• O comprometimento de células progenitoras com a linhagem linfoide B ou linfoide T.
• Proliferação de progenitoras e células imaturas comprometidas em estágios iniciais
específicos do desenvolvimento, proporcionando um grande reservatório de células
capazes de gerar linfócitos úteis.
• O rearranjo sequencial e ordenado dos genes dos receptores de antígenos e a expressão
de proteínas dos receptores de antígenos (os termos rearranjo e recombinação são
usados alternadamente).
• Eventos de seleção que preservam as células que produziram proteínas receptoras de
antígeno funcionais e eliminam células potencialmente perigosas que reconhecem
fortemente antígenos próprios. Esses pontos de controle durante o desenvolvimento
asseguram o amadurecimento dos linfócitos que expressam os receptores funcionais
com especificidades úteis e sua entrada no sistema imune periférico.
• Diferenciação das células B e T em subpopulações funcionalmente e fenotipicamente
distintas. As células B se desenvolvem em células foliculares, da zona marginal e B-1, e
as células T se desenvolvem em linfócitos T αβ CD4
+ e CD8
+
, células NKT e células γδ.
As funções especializadas dessas diferentes populações de linfócitos são discutidas em
capítulos posteriores.
Comprometimento com as Linhagens de Células B e T e Proliferação de Progenitores
Células-tronco pluripotentes no fígado fetal e na medula óssea, conhecidas como célulastronco
hematopoéticas (CTH), dão origem a todas as linhagens de células sanguíneas,
incluindo linfócitos. As CTH amadurecem e geram progenitores linfoides que podem
originar células B, células T, células linfoides inatas e algumas células dendríticas (Fig. 8-
2). A maturação das células B a partir dos progenitores comprometidos com essa
linhagem ocorre principalmente na medula óssea e, antes do nascimento, no fígado fetal.
As células-tronco derivadas do fígado fetal originam principalmente um tipo de célula B
denominada célula B-1, enquanto as CTH derivadas da medula óssea originam a maioria
das células B circulantes (células B foliculares), bem como um subgrupo de células B,
denominado células B da zona marginal. Os precursores de linfócitos T deixam o fígado
fetal antes do nascimento e a medula óssea durante a vida e circulam até o timo, onde
completam sua maturação. A maioria das células T, que são células T αβ, se desenvolve a
partir das CTH derivadas da medula óssea, enquanto a maioria das células T γδ se
origina das CTH do fígado fetal. Em geral, as células B e T que são geradas no início da
vida fetal possuem receptores de antígenos menos variados. Apesar de suas diferentes
localizações anatômicas, os eventos de maturação inicial de ambos os linfócitos B e T são
fundamentalmente semelhantes.
FIGURA 8-2 Células-tronco pluripotentes dão origem a diferentes linhagens B e T.
As células-tronco hematopoéticas (CTH) dão origem a diferentes progenitores para vários tipos de
células sanguíneas. Uma destas populações de progenitores (mostrada aqui) é denominada
progenitor linfoide comum (PLC). Os PLCs dão origem principalmente a células B e T, mas também
podem contribuir com células NK e algumas células dendríticas (não mostradas aqui). As células
pró-B podem, eventualmente, diferenciar-se em células B foliculares (FO), células B da zona
marginal (ZM) e células B-1. As células pró-T podem comprometer-se com as linhagens de células
T αβ ou γδ. O comprometimento com diferentes linhagens é conduzido por vários fatores de
transcrição, indicados em itálico. CLI, células linfoides inatas.
O comprometimento com a linhagem B ou T depende das instruções recebidas de vários
receptores de superfície celular, que induzem reguladores de transcrição específicos que
levam um progenitor linfoide comum a assumir, de modo específico, o destino de uma célula
B ou uma célula T. Os receptores de superfície celular e fatores de transcrição que
contribuem para o comprometimento induzem a expressão das proteínas envolvidas em
rearranjos do gene dos receptores de antígenos, descritos posteriormente no capítulo, e
tornam os loci dos genes dos receptores de antígenos acessíveis a essas proteínas. No
caso de células B em desenvolvimento, o lócus da cadeia pesada da imunoglobulina (Ig),
inicialmente em uma configuração inacessível à cromatina, é aberto, de modo que tornase
acessível às proteínas que medeiam o rearranjo e expressão dos genes das Ig. No
desenvolvimento de células T αβ, o lócus do gene β do receptor de células T (TCR) é o
primeiro a se tornar disponível. Além dos genes envolvidos no processo do rearranjo dos
genes dos receptores de antígenos, os genes que levam a uma diferenciação subsequente
das células T e B são expressos neste estágio.
Diferentes conjuntos de fatores de transcrição norteiam o desenvolvimento das
linhagens de células B e T a partir de precursores não comprometidos (Fig. 8-2). Os fatores
de transcrição Notch-1 e GATA-3 comprometem-se no desenvolvimento de linfócitos
para a linhagem de células T. A família Notch de proteínas são moléculas de superfície
celular clivadas proteoliticamente quando interagem com ligantes específicos nas células
vizinhas. As porções intracelulares clivadas das proteínas Notch migram para o núcleo e
modulam a expressão de genes-alvo específicos. A Notch-1 é ativada em células
progenitoras linfoides e, juntamente com a GATA-3, induz a expressão de vários genes
que são necessários para o desenvolvimento de células T αβ. Alguns destes genes
codificam componentes do pré-TCR e as proteínas necessárias para a recombinação
V(D)J, descrita posteriormente. Os fatores de transcrição EBF, E2A e Pax-5 induzem a
expressão dos genes necessários para o desenvolvimento de células B. Estes incluem os
genes que codificam as proteínas Rag-1 e Rag-2, as cadeias leves substitutas e as
proteínas Igα e Igβ que contribuem para a sinalização por meio do receptor da célula
pré-B e do receptor da célula B. O papel destes receptores no desenvolvimento da célula
B será descrito mais adiante neste capítulo.
Durante o desenvolvimento das células B e T, as células progenitoras comprometidas
proliferam-se, primeiramente, em resposta às citocinas e, posteriormente, em resposta a
sinais gerados por um pré-receptor de antígeno, que seleciona as células que rearranjaram
de maneira efetiva o primeiro conjunto de genes dos receptores de antígenos. A
proliferação garante que um reservatório suficientemente grande de células progenitoras
seja gerado para eventualmente proporcionar um repertório altamente diverso de
linfócitos maduros específicos para antígenos. Em roedores, a citocina interleucina-7 (IL-
7) provoca a proliferação de ambos os progenitores das células B e T; em humanos, a IL-7
é necessária para a proliferação dos progenitores das células T, mas não para
progenitores na linhagem B. A IL-7 é produzida por células do estroma na medula óssea
e por células epiteliais e outras células no timo. Camundongos com mutações específicas
no gene da IL-7 ou no gene do receptor da IL-7 apresentam uma maturação defeituosa
dos precursores de linfócitos para além dos estágios iniciais e, como resultado,
deficiências profundas nas células T e B maduras. As mutações da cadeia γ comum, uma
proteína que é compartilhada por receptores de diversas citocinas, incluindo IL-2, IL-7 e
IL-15, dentre outras, dão origem a um distúrbio de imunodeficiência em humanos
denominado imunodeficiência combinada grave ligada ao X (X-SCID) (Cap. 21). Esta
doença é caracterizada por um bloqueio no desenvolvimento das células T e células NK,
mas com desenvolvimento normal das células B, refletindo a necessidade da IL-7 no
desenvolvimento das células T em humanos e da IL-15 para as células NK.
A maior expansão proliferativa de precursores de linfócitos ocorre após o rearranjo
efetivo dos genes que codificam uma das duas cadeias do receptor de antígenos das
células T ou B, produzindo um pré-receptor de antígenos (descrito posteriormente). Os
sinais gerados por pré-receptores de antígenos são responsáveis por uma expansão muito
maior dos linfócitos em desenvolvimento do que citocinas como IL-7.
Epigenética, MicroRNAs e Desenvolvimento de Linfócitos
Muitos eventos nucleares no desenvolvimento de linfócitos são regulados por mecanismos
epigenéticos. A epigenética refere-se aos mecanismos que controlam a expressão de genes
(bem como o rearranjo de genes no desenvolvimento de linfócitos) que vão além da
sequência concreta de DNA em genes individuais. O DNA existe em cromossomos
ligados fortemente a histonas e proteínas não histonas, formando o que é conhecido
como cromatina. O DNA na cromatina é enrolado em torno de um núcleo de proteína de
octâmeros de histonas, formando estruturas chamadas de nucleossomos, que podem
estar bem separados de outros nucleossomos ou compactados densamente. A cromatina
pode, então, existir na forma de estruturas compactadas de maneira frouxa, denominadas
eucromatina, em que os genes estão disponíveis e são transcritos, ou como estruturas
muito compactas, denominadas heterocromatina, em que os genes são mantidos em um
estado silenciado. Deste modo, a organização estrutural de porções de cromossomos
varia em diferentes células, tornando certos genes disponíveis para a ligação de fatores
de transcrição, enquanto esses mesmos genes podem estar indisponíveis para fatores de
transcrição em outras células
Os mecanismos que tornam genes disponíveis ou indisponíveis na cromatina são
considerados mecanismos epigenéticos. Estes incluem a metilação de DNA em certos
resíduos de citosina, que geralmente silencia os genes, modificações pós-tradução das
caudas das histonas dos nucleossomos (p. ex., acetilação, metilação e ubiquitinação) que
pode tornar os genes ou ativos ou inativos dependendo da histona modificada e da
natureza da modificação, remodelação ativa da cromatina por máquinas de proteínas
denominadas complexos de remodelação que também podem acentuar ou suprimir a
expressão de genes e o silenciamento da expressão gênica por RNAs não codificadores.
Vários componentes críticos do desenvolvimento de linfócitos são regulados por
mecanismos epigenéticos.
• Modificações de histonas em loci do gene dos receptores de antígenos são necessários
para o recrutamento de proteínas que medeiam a recombinação genética para formar
genes funcionais de receptores de antígenos.
• O comprometimento com a linhagem CD4 em comparação com CD8 durante o
desenvolvimento de células T depende de mecanismos epigenéticos que silenciam a
expressão do gene CD4 nas células T CD8
+
. O silenciamento envolve modificações da
cromatina que deixam o gene CD4 em um estado de heterocromatina inacessível.
• No Capítulo 7, discutimos microRNAs (miRNAs) no contexto da ativação das células T.
Eles também contribuem de forma significativa para a modulação da expressão gênica
e proteica durante o desenvolvimento. Como mencionado no Capítulo 7, Dicer é uma
enzima-chave na geração de miRNA. A supressão de Dicer na linhagem T resulta na
perda preferencial de células T reguladoras e o consequente desenvolvimento de um
fenótipo autoimune semelhante ao observado na ausência de FoxP3 (discutido nos
Caps. 15 e 21). A perda de Dicer na linhagem B resulta em um bloqueio na transição da
célula pró-B para pré-B (discutido mais detalhadamente na seção seguinte),
principalmente por ser permissivo para a apoptose de células pré-B. Os membros de
uma família de miRNA específica, a família miR17-92, desempenham um papel
essencial na prevenção da morte por apoptose de células pré-B, inibindo diretamente a
expressão de Bim, uma proteína pró-apoptótica da família Bcl-2, e também inibindo a
expressão de PTEN, uma fosfatase inositol que contribui positivamente para a indução
da expressão de Bim. Estudos de ablação de genes têm revelado que outros miRNAs
específicos também estão envolvidos em outras etapas no desenvolvimento das células
B e T.
Rearranjo e Expressão dos Genes dos Receptores de Antígenos
O rearranjo dos genes dos receptores de antígenos é um evento-chave no desenvolvimento
de linfócitos que é responsável pela geração de um repertório diverso. Conforme discutido
no Capítulo 7, cada clone de linfócitos B ou T produz um receptor de antígeno com uma
estrutura única de ligação a antígenos. Em qualquer indivíduo, podem existir 10
7 ou mais
clones de linfócitos B e T, cada qual com um único receptor. A capacidade de cada
indivíduo de gerar estes repertórios de linfócitos extremamente diversos evoluiu de tal
forma que não exige um número igualmente grande de genes de receptores de antígenos
diferentes; caso contrário, grande parte do genoma seria dedicada a codificar o grande
número de moléculas de Ig e TCR. Os genes de receptores de antígenos funcionais são
produzidos nas células B imaturas na medula óssea e nas células T imaturas no timo por
um processo de rearranjo gênico, que é capaz de gerar uma grande quantidade de éxons
que codificam regiões variáveis usando uma fração relativamente pequena do genoma.
Em qualquer um dos linfócitos em desenvolvimento, um dos vários segmentos gênicos
da região variável é selecionado aleatoriamente e junta-se a um segmento de DNA mais
abaixo na cadeia. Os eventos de rearranjo de DNA que levam à produção de receptores
de antígenos não são dependentes ou influenciados pela presença de antígenos. Em
outras palavras, conforme propôs a hipótese de seleção clonal, diversos receptores de
antígenos são gerados e expressos antes de entrar em contato com os antígenos (Fig. 1-7).
Discutiremos os detalhes moleculares do rearranjo dos genes dos receptores de
antígenos mais adiante neste capítulo.
Processos de Seleção que Moldam o Repertório dos Linfócitos B e T
O processo de desenvolvimento de linfócitos contém numerosas etapas intrínsecas,
denominadas pontos de controle, nas quais as células em desenvolvimento são testadas e
somente continuam a amadurecer se a etapa anterior do processo tiver sido concluída de
maneira eficaz. Um destes pontos de controle baseia-se na produção bem-sucedida de
uma das cadeias polipeptídicas da proteína do receptor de antígeno de duas cadeias, e
um segundo ponto de controle exige a montagem de um receptor completo. O requisito
para cruzar esses pontos de controle garante que apenas os linfócitos que tenham
concluído de modo eficaz os processos de rearranjo do gene do receptor de antígeno, ou
seja, os que tendem a ser funcionais, sejam selecionados para amadurecer. Os processos
de seleção adicionais ocorrem depois que os receptores de antígeno são expressos e
servem para eliminar linfócitos autorreativos potencialmente nocivos e comprometer as
células em desenvolvimento com determinadas linhagens. Os princípios gerais desses
eventos de seleção serão resumidos a seguir.
Os pré-receptores de antígenos e receptores de antígenos emitem sinais a linfócitos em
desenvolvimento que são necessários para a sobrevivência dessas células e sua
proliferação e maturação contínua (Fig. 8-3). Os pré-receptores de antígenos,
denominados pré-BCRs nas células B e de pré-TCRs nas células T, são estruturas de
sinalização expressas durante o desenvolvimento das células B e T que contêm apenas
uma das duas cadeias polipeptídicas presentes em um receptor de antígeno maduro. Os
pré-BCRs contêm a cadeia pesada µ das Ig e os pré-TCRs contêm a cadeia β do TCR. Para
expressar as proteínas µ das Ig e β do TCR, as células B ou T devem sofrer rearranjos no
gene do receptor de antígeno. Isto envolve a abertura de um lócus específico do gene do
receptor (como um lócus do gene do TCR nas células e um lócus do gene das Ig nas
células B) e a junção de segmentos de DNA nesse lócus para gerar um gene de receptor
de antígeno funcional. Durante este processo, bases são acrescentadas ou removidas
aleatoriamente entre os segmentos gênicos que estão sendo unidos, maximizando, então,
a variabilidade entre receptores. Nas células B em desenvolvimento, o primeiro gene de
receptor de antígeno a ser completamente rearranjado é o gene da cadeia pesada das Ig
(IgH) (embora a convenção normal seja a de usar itálico para nome de genes, neste
capítulo, nos referimos a genes, loci de genes, segmentos gênicos e éxons, e estes não
foram deixados em itálico para manter a simplicidade). Nas células T αβ, a cadeia β do
TCR é a primeira a ser rearranjada. As células da linhagem de linfócitos B nas quais o
rearranjo dos genes da cadeia pesada das Ig foi bem-sucedido expressam a proteína da
cadeia pesada µ e montam um pré-receptor de antígenos conhecido como pré-BCR. De
maneira análoga, as células T em desenvolvimento que realizam um rearranjo produtivo
do gene da cadeia β do TCR sintetizam a proteína da cadeia β do TCR e montam um pré-
receptor de antígeno conhecido como pré-TCR. Apenas cerca de uma em três células B e
T em desenvolvimento que realizam o rearranjo de um gene de receptor de antígenos
realiza um rearranjo interno e, portanto, é capaz de gerar uma proteína integral
apropriada. Se as células realizam rearranjos externos nos loci da cadeia µ das Ig ou β do
TCR, não ocorre expressão dos pré-receptores de antígenos, as células não recebem os
sinais de sobrevivência necessários e sofrem morte celular programada. Os complexos
pré-BCR e pré-TCR fornecem sinais para a sobrevivência, proliferação, para o fenômeno
de exclusão alélica (discutido posteriormente) e para a continuação do desenvolvimento
das células da linhagem B e T em maturação. Assim, a expressão dos pré-receptores de
antígenos é o primeiro ponto de controle durante o desenvolvimento de linfócitos.
FIGURA 8-3 Pontos de controle na maturação dos linfócitos.
Durante o desenvolvimento, os linfócitos que expressam receptores necessários para continuar sua
proliferação e maturação são selecionados para sobreviver, enquanto as células que não
expressam receptores funcionais morrem por apoptose. Aseleção positiva e a seleção negativa
preservam as células com especificidades úteis. Apresença de múltiplos pontos de controle garante
que somente células com receptores úteis completem sua maturação.
As células B e T em desenvolvimento expressam receptores de antígenos completos e são
selecionadas para a sobrevivência com base no que esses receptores podem ou não
reconhecer. Os linfócitos cuja passagem pelo ponto de controle tenha sido bem-sucedida
seguem ao rearranjo e expressão de genes que codificam a segunda cadeia do BCR ou
TCR e expressam o receptor de antígeno completo enquanto ainda estão imaturos. Neste
estágio imaturo, as células potencialmente nocivas que reconhecem fortemente
estruturas próprias podem ser eliminadas ou induzidas a alterar os seus receptores de
antígenos, e as células que expressam receptores de antígenos úteis podem ser
preservadas (Fig. 8-3). O processo denominado seleção positiva facilita a sobrevivência
dos linfócitos potencialmente úteis e este evento de desenvolvimento está ligado ao
comprometimento à linhagem, processo pelo qual os subgrupos de linfócitos são
gerados. Na linhagem de células T, a seleção positiva garante a maturação das células T
cujos receptores reconhecem moléculas de MHC próprias. Além disso, a expressão do
correceptor adequado em uma célula T (CD8 ou CD4) é combinada com o
reconhecimento do tipo adequado de molécula de MHC (MHC classe I ou MHC classe II,
respectivamente). As células T maduras cujos precursores tenham sido selecionados
positivamente por moléculas de MHC próprio no timo são capazes de reconhecer
antígenos de peptídios estranhos apresentados pelas mesmas moléculas de MHC próprio
em células apresentadoras de antígenos em tecidos periféricos. Na linhagem de células
B, a seleção positiva preserva as células que expressam receptores e está associada à
geração de diferentes subgrupos, discutida mais tarde.
A seleção negativa é o processo que elimina ou altera os linfócitos em desenvolvimento
cujos receptores de antígenos ligam-se fortemente a antígenos próprios presentes nos
órgãos linfoides geradores. Ambas as células B e T em desenvolvimento são suscetíveis à
seleção negativa durante um breve período após a expressão inicial dos receptores de
antígenos. As células T em desenvolvimento com uma alta afinidade por antígenos
próprios são eliminadas por apoptose, um fenômeno conhecido como deleção clonal.
Células B imaturas altamente autorreativas podem ser induzidas a realizar mais
rearranjos no gene das Ig e, assim, evitar a autorreatividade. Este fenômeno é
denominado edição do receptor. Se a edição falha, as células B autorreativas morrem,
processo também denominado deleção clonal. A seleção negativa de linfócitos imaturos é
um mecanismo importante para a manutenção da tolerância a muitos antígenos
próprios; isso também é denominado tolerância central porque se desenvolve nos órgãos
linfoides centrais (geradores) (Cap. 15).
Com esta introdução, seguiremos a uma discussão mais detalhada sobre a maturação
dos linfócitos, começando pelo evento-chave no processo, o rearranjo e a expressão dos
genes dos receptores de antígenos.
Rearranjo dos genes dos receptores de antígenos nos linfócitos B e T
Os genes que codificam os diversos receptores de antígeno de linfócitos B e T são gerados
pelo rearranjo, em cada linfócito, de diferentes segmentos gênicos da região variável (V)
com segmentos gênicos de diversidade (D) e junção (J). Um novo éxon rearranjado é
gerado para cada gene dos receptores de antígenos por meio da fusão de um segmento
gênico V acima, distante e específico, com um segmento abaixo no mesmo cromossomo.
Este processo especializado de rearranjo de genes em locais específicos é denominado
recombinação V(D)J. A elucidação dos mecanismos do rearranjo dos genes dos
receptores de antígenos, e, portanto, a base da geração da diversidade imunológica,
representa um dos marcos da imunologia moderna.
As primeiras ideias sobre como milhões de diferentes receptores de antígeno
poderiam ser gerados a partir de uma quantidade limitada de DNA codificador no
genoma originam-se de análises das sequências de aminoácidos de moléculas de Ig.
Estas análises mostraram que as cadeias polipeptídicas de muitos anticorpos diferentes
do mesmo isotipo compartilhavam sequências idênticas nas suas extremidades Cterminais
(correspondentes aos domínios constantes das cadeias pesadas e leves dos
anticorpos), mas diferiram consideravelmente nas sequências de suas extremidades Nterminais,
que correspondem aos domínios variáveis das imunoglobulinas (Cap. 5). Ao
contrário de um dos princípios centrais da genética molecular, enunciado como a
hipótese um gene-um polipeptídio, foi postulado, em 1965, que cada cadeia do anticorpo
é, na realidade, codificada por pelo menos dois genes, um variável e outro constante, e
que os dois são combinados fisicamente no nível do DNA ou do RNA mensageiro
(mRNA) para, eventualmente, dar origem a proteínas de Ig funcionais. A prova formal
desta hipótese veio mais de uma década mais tarde, quando Susumu Tonegawa
demonstrou que a estrutura de genes das Ig em células de um tumor que produz
anticorpos, denominado mieloma ou plasmacitoma, é diferente daquela em tecidos
embrionários ou em tecidos não linfoides não comprometidos com a produção das Ig.
Estas diferenças surgem porque os segmentos de DNA que são separados dentro dos loci
hereditários que codificam as cadeias pesadas e leves das Ig são agrupados e unidos
apenas em células B em desenvolvimento, mas não em outros tecidos ou tipos celulares.
Descobriu-se que rearranjos semelhantes ocorrem durante o desenvolvimento das
células T nos loci que codificam as cadeias polipeptídicas de TCRs. O rearranjo dos genes
dos receptores de antígenos é melhor compreendido descrevendo inicialmente a
organização não rearranjada de genes das Ig e do TCR na linhagem germinativa, e, em
seguida, o seu rearranjo durante a maturação de linfócitos.
Organização dos Genes das Ig e do TCR nas Linhagens Germinativas
As organizações das linhagens germinativas em loci genéticos das Ig e do TCR são
fundamentalmente semelhantes e são caracterizadas pela segregação espacial de muitas
sequências diferentes que codificam domínios variáveis capazes e relativamente poucas
sequências que codificam os domínios constantes das proteínas do receptor; sequências de
regiões variáveis distintas são unidas a sequências de regiões constantes em diferentes
linfócitos. Descreveremos inicialmente os loci das Ig e, em seguida, os loci do TCR.
Organização dos Loci dos Genes das Ig
Três loci separados codificam, respectivamente, todas as cadeias pesadas das Ig, a cadeia
leve κ das Ig, e a cadeia leve λ das Ig. Cada lócus está em um cromossomo diferente. A
organização dos genes das Ig humanas é ilustrada na Figura 8-4 e a relação dos
segmentos gênicos após o rearranjo aos domínios das proteínas de cadeia pesada e leve
das Ig é apresentada na Figura 8-5, A. Os genes das Ig são organizados essencialmente da
mesma maneira em todos os mamíferos, embora suas localizações cromossômicas e o
número e sequência dos diferentes segmentos gênicos em cada lócus possam variar.
FIGURA 8-4 Organização da linhagem germinativa nos loci da Ig humana.
Os loci da cadeia pesada, da cadeia leve κ e da cadeia leve λ humanas são ilustrados. Apenas
genes funcionais são mostrados; pseudogenes foram omitidos para manter a simplicidade. Éxons e
íntrons não estão representados em escala. Cada gene CH é mostrado como um retângulo único,
mas é composto de vários éxons, conforme ilustrado para Cμ
. Os segmentos gênicos são
indicados conforme descrito a seguir: L, líder (frequentemente denominado sequência sinal); V,
variável; D, diversidade; J, junção; C, constante; amp, amplificador. Nesta figura e nas figuras
subsequentes, as estruturas tubulares representam segmentos de dupla fita de cromossomo,
sendo que as extremidades 5’ e 3’ se referem às fitas codificadoras.
FIGURA 8-5 Domínios das proteínas das Ig e do TCR.
Os domínios das cadeias pesada e leve das Ig são ilustrados em A, e os domínios das cadeias α e
β do TCR são ilustrados em B. Arelação entre os segmentos gênicos das Ig e do TCR e a estrutura
do domínio das cadeias polipeptídicas do receptor de antígeno estão indicadas. As regiões V e C de
cada polipeptídio estão codificadas por diferentes segmentos gênicos. As localizações das pontes
dissulfeto (S-S) intracadeias e intercadeias são aproximadas. As áreas nos retângulos tracejados
são regiões hipervariáveis (determinadoras de complementariedade). Na cadeia μ da Ig e nas
cadeias α e β do TCR, os domínios transmembrana (TM) e citoplasmático (CIT) estão codificados
por éxons separados.
Na extremidade 5’ de cada lócus das Ig, há um agrupamento de genes V (variáveis),
com cada gene V no agrupamento contendo cerca de 300 pares de bases. O número de
genes V varia consideravelmente entre os diferentes loci das Ig e entre diferentes
espécies. Por exemplo, em humanos, há aproximadamente 35 genes V no lócus κ da
cadeia leve humana, cerca de 30 no lócus λ e cerca de 45 genes V funcionais no lócus da
cadeia pesada, enquanto nos camundongos, o lócus κ possui cerca de 30 genes V, o lócus
λ da cadeia leve possui apenas dois genes V e o lócus da cadeia pesada possui mais de
1.000 genes V, dos quais cerca de 250 são funcionais. Os segmentos de gene V para cada
lócus são espaçados por intervalos longos de DNA de até 2.000 quilobases de
comprimento. Localizado na extremidade 5’ de cada segmento V, há um éxon líder que
codifica 20 a 30 resíduos N-terminais da proteína traduzida. Estes resíduos são
moderadamente hidrofóbicos e compõem o peptídio líder (ou de sinal). As sequências de
sinal são encontradas em todas as proteínas secretadas e transmembrana recémsintetizadas
e estão envolvidas no direcionamento de polipeptídios nascentes que estão
sendo traduzidos em ribossomos ligados à membrana ao lúmen do retículo
endoplasmático. Aqui, as sequências de sinal são rapidamente clivadas e elas não estão
presentes nas proteínas maduras. Acima de cada éxon líder, há um promotor do gene V
em que a transcrição pode ser iniciada, mas, conforme discutido posteriormente, esta
ocorre de maneira mais eficiente após o rearranjo.
Nas distâncias variadas na extremidade 3’ dos genes V, há vários segmentos J (junção)
que estão intimamente ligados a éxons abaixo da região constante. Os segmentos J são de
normalmente 30 a 50 pares de bases de comprimento e são separados por sequências não
codificadoras. Entre os segmentos V e J no lócus de IgH, há segmentos adicionais
conhecidos como segmentos D (diversidade). Os segmentos D não são encontrados nos
loci da cadeia leve das Ig. Quanto aos genes V, o número de genes D e J varia em
diferentes loci das Ig e em diferentes espécies.
Cada lócus das Ig possui um arranjo e número de genes da região C diferente. Nos
seres humanos, o lócus κ da cadeia leve das Ig possui um único gene C (Cκ
) e o lócus λ da
cadeia leve possui quatro genes C funcionais (Cλ
). O lócus da cadeia pesada das Ig possui
nove genes C (CH
), dispostos em uma organização tandem, que codificam as regiões C
dos nove diferentes isotipos e subtipos das Ig (Cap. 5). Cada um dos genes Cκ e Cλ é
composto de um único éxon que codifica todo o domínio C das cadeias leves. Em
contraste, cada gene CH
é composto de cinco ou seis éxons. Cada três ou quatro éxons
(cada qual de tamanho semelhante ao de um segmento gênico V) codificam um domínio
CH da cadeia pesada das Ig, e dois éxons menores codificam para as extremidades
carboxiterminais da forma de membrana de cada cadeia pesada das Ig, incluindo os
domínios transmembrana e citoplasmáticos das cadeias pesadas (Fig. 8-5, A).
Em uma proteína de cadeia leve das Ig (κ ou λ), o domínio V é codificado pelos
segmentos gênicos V e J; na proteína da cadeia pesada das Ig, o domínio V é codificado
pelos segmentos gênicos V, D e J (Fig. 5-8, A). No caso dos domínios V das cadeias β do
TCR e H das Ig, os resíduos juncionais entre os segmentos V e D rearranjados e os
segmentos D e J, bem como as sequências dos próprios segmentos D e J, compõem a
terceira região hipervariável, também conhecida como região determinante de
complementaridade 3 ou CDR3. As sequências juncionais entre os segmentos J e V
rearranjados, bem como o próprio segmento J, compõem a terceira região hipervariável
das cadeias leves das Ig. CDR1 e CDR2 são codificados em cada segmento gênico V da
linhagem germinativa. Os domínios V e C das moléculas Ig compartilham características
estruturais, incluindo uma estrutura terciária denominada dobra da Ig. Conforme
discutimos no Capítulo 5, as proteínas que incluem esta estrutura são membros da
superfamília das Ig.
Sequências não codificadoras nos loci das Ig desempenham papéis importantes na
recombinação e expressão gênica. Como veremos mais adiante, as sequências que ditam
a recombinação de diferentes segmentos gênicos são encontradas adjacentes a cada
segmento codificador nos genes das Ig. Os promotores de genes V e outros elementos
reguladores de atuação cis, tais como regiões de controle de lócus, amplificadores e
silenciadores, que regulam a expressão gênica no nível da transcrição.
Organização dos Loci do Gene do TCR
Cada lócus do TCR nas linhagens germinativas é organizado de uma forma muito
semelhante aos loci das Ig descritos anteriormente, com um agrupamento na
extremidade 5’ de vários segmentos gênicos V, seguidos por segmentos D (apenas nos loci
de β e δ), seguidos de um agrupamento de segmentos J, todos acima dos genes da região
C (Fig. 8-6). No lócus β humano, há cerca de 50 segmentos gênicos V, 2 D e 12 J, e no
lócus α, há 45 segmentos V e 50 J. Os loci de γ e δ, no geral, possuem menos segmentos
gênicos do que os loci α e β, com um total de apenas 7 genes V. Acima de cada gene V do
TCR encontra-se um éxon que codifica um peptídio líder, e acima de cada éxon líder
encontra-se um promotor para cada gene V. Nas proteínas β e δ do TCR, o domínio V é
codificado pelos segmentos gênicos V, D e J, e nas proteínas α e γ do TCR, o domínio V é
codificado pelos segmentos gênicos V e J. Há dois genes C em cada um dos loci β e γ do
TCR humano, cada qual com seu próprio agrupamento de segmentos J associado na
extremidade 5’, e somente um gene C em cada um dos loci de α e γ. Cada gene da região
C do TCR é composto de quatro éxons que codificam o domínio das Ig da região C
extracelular, uma pequena região de dobradiça, o segmento transmembranar, e a cauda
citoplasmática.
FIGURA 8-6 Organização dos loci dos TCR humanos na linhagem germinativa.
Os loci das cadeias β, α, γ e δ do TCR humano são ilustrados, conforme indicado. Os éxons e
íntrons não estão representados em escala e pseudogenes não funcionais não estão ilustrados.
Cada gene C é mostrado como uma única faixa, mas é composto de vários éxons, conforme
ilustrado para Cb1. Os segmentos gênicos são indicados conforme descrito a seguir: L, líder
(normalmente denominado sequência sinal); V, variável; D, diversidade; J, junção; C, constante;
amp, amplificador; sil, silenciador (sequências que regulam a transcrição do gene TCR).
A relação entre os segmentos do gene do TCR e as porções correspondentes das
proteínas do TCR que eles codificam é apresentada na Figura 8-5, B. Assim como nas
moléculas de Ig, os domínios V e C do TCR assumem uma estrutura terciária de dobra da
Ig, e, portanto, o TCR é um membro da superfamília de proteínas das Ig.
Recombinação V(D)J
A organização na linhagem germinativa dos loci das Ig e do TCR descrita na seção
anterior existe em todos os tipos de células no corpo. Os genes da linhagem germinativa
não podem ser transcritos para mRNAs que codificam proteínas de receptores de
antígeno funcionais. Os genes dos receptores de antígenos funcionais são criados apenas
nos linfócitos B e T em desenvolvimento, após os eventos de rearranjo de DNA que
colocam os segmentos gênicos V, (D) e J escolhidos aleatoriamente em contiguidade.
O processo de recombinação V(D)J em qualquer lócus de Ig ou TCR envolve a seleção de
um gene V, um segmento D (quando presente) e um segmento J em cada linfócito e o
rearranjo de um desses segmentos, de modo a formar um único éxon V(D)J que codificará
para a região variável de uma proteína do receptor de antígeno (Fig. 8-7). Nos loci da
cadeia leve das Ig e das cadeias α e γ do TCR, nas quais faltam segmentos D, um único
rearranjo junta um gene V selecionado aleatoriamente a um segmento J, também
selecionado aleatoriamente. Os loci das cadeias H das Ig e β e δ do TCR contêm
segmentos D, e nestes loci, dois eventos de rearranjo distintos devem ser iniciados
separadamente, juntando um primeiro D a um J e, em seguida, um segmento V para ser
fundido a um segmento DJ. Cada evento de rearranjo envolve uma série de etapas
sequenciais. Primeiramente, a cromatina deve ser aberta em regiões específicas do
cromossomo para tornar os segmentos gênicos de receptores de antígenos acessíveis às
enzimas que medeiam a recombinação. Em seguida, dois segmentos gênicos
selecionados devem ser aproximados um do outro, atravessando uma distância
cromossômica considerável. A seguir, quebras são introduzidas na dupla fita nas
extremidades codificadoras destes dois segmentos, nucleotídeos são acrescentados ou
removidos nas extremidades quebradas, e, finalmente, as extremidades processadas são
ligadas para produzir genes de receptores de antígenos clonais únicos, porém diversos,
que podem ser transcritos de maneira eficiente. As regiões C encontram-se abaixo do
éxon V(D)J rearranjado separado pelo íntron J-C da linhagem germinativa. Esse gene
reorganizado é transcrito para formar um transcrito de RNA primário (nuclear). O
processamento (splicing) subsequente do RNA reúne o éxon líder, o éxon V(D)J e os éxons
da região C, formando um mRNA que pode ser traduzido em ribossomos ligados à
membrana para produzir uma das cadeias do receptor de antígenos. A utilização de
diferentes combinações dos segmentos V, D, e J e a adição e remoção de nucleotídeos nas
junções contribuem para a diversidade tremenda dos receptores de antígeno, como
discutiremos em mais detalhes mais adiante.
FIGURA 8-7 Diversidade dos genes dos receptores de antígenos.
Apartir do DNAda mesma linhagem germinativa, é possível gerar sequências de DNA
recombinadas e mRNAs que diferem em suas junções V-D-J. No exemplo apresentado, três
mRNAs de receptores de antígeno diferentes são produzidos a partir do DNAda mesma linhagem
germinativa por meio do uso de diferentes segmentos gênicos e a adição de nucleotídeos às
junções.
Sinais de Reconhecimento que Conduzem a Recombinação V(D)J
Proteínas específicas de linfócitos que medeiam a recombinação V(D)J reconhecem certas
sequências de DNA, denominadas sequências de sinais de recombinação (RSSs),
localizadas na extremidade 3’ de cada segmento gênico V, na extremidade 5’ de cada
segmento J e em ambos os lados de cada segmento D (Fig. 8-8, A). As RSSs consistem em
um trecho altamente conservado de 7 nucleotídeos, denominado heptâmero, geralmente
CACAGTG, localizado adjacente à sequência codificadora, seguido de um espaçador de
exatamente 12 ou 23 nucleotídeos não conservados, depois de um trecho rico em AT e
altamente conservado de 9 nucleotídeos, denominado nonâmero. Os espaçadores de 12 e
23 nucleotídeos correspondem aproximadamente a uma ou duas voltas de uma hélice de
DNA, respectivamente, e presume-se que levam dois heptâmeros diferentes a posições
que são, simultaneamente, acessíveis às enzimas que catalisam o processo de
recombinação.
FIGURA 8-8 Recombinação V(D)J.
As sequências de DNAe os mecanismos envolvidos na recombinação dos loci do gene da Ig estão
representados. As mesmas sequências e mecanismos se aplicam nas recombinações nos loci do
TCR. A, As sequências de heptâmero (7 pb) e nonâmero (9 pb) conservadas, separadas por
espaçadores de 12 ou 23 pb, estão localizadas adjacentes aos segmentos V e J (para os loci κ e λ)
ou aos segmentos V, D e J (no lócus da cadeia H). Arecombinase V(D)J reconhece essas
sequências sinal e aproxima os éxons. B, C, Arecombinação dos éxons V e J pode ocorrer por
deleção do DNAinterveniente e ligação dos segmentos V e J (B) ou, se a RSS estiver a 3’ de um
segmento J, por inversão do DNAseguida de ligação dos segmentos gênicos adjacentes (C). As
setas vermelhas indicam os locais onde as sequências da linhagem germinativa são clivadas antes
de sua ligação a outros segmentos gênicos da Ig e do TCR.
Durante a recombinação V(D)J, são geradas quebras da dupla fita entre o heptâmero
da RSS e a sequência de codificação V, D ou J adjacente. Na recombinação de V a J na
cadeia leve da Ig, por exemplo, as quebras serão feitas nas extremidades 3’ de um
segmento V e 5’ de um segmento de J. Um DNA dupla fita interveniente contendo
extremidades de sinais (as extremidades que contêm o heptâmero e o resto da RSS) é
removido com a forma de um círculo e as extremidades codificadoras V e J são unidas
(Fig. 8-8, B). Em alguns genes V, especialmente no lócus κ da Ig, as RSSs encontram-se
nas extremidades 3’ de um Vκ e 3’ de um Jκ
, e, portanto, não estão de frente uma para a
outra. Nesses casos, o DNA interveniente e os segmentos V e J são alinhados
adequadamente; as RSSs fundidas não sofrem deleção, mas são retidas no cromossomo
(Fig. 8-8, C). A maioria dos rearranjos dos genes da Ig e do TCR ocorre por deleção; a
inversão é a base de até 50% dos rearranjos no lócus κ da Ig. A recombinação ocorre entre
dois segmentos somente se um dos segmentos estiver ladeado por um espaçador de 12
nucleotídeos e o outro estiver ladeado por um espaçador de 23 nucleotídeos; trata-se da
chamada regra 12/23. Portanto, um segmento de codificação com uma RSS cujo espaçador
abrange uma única volta da hélice do DNA sempre se recombina com um segmento de
codificação com uma RSS cujo espaçador abrange duas voltas da hélice. O tipo de RSSs
ladeadas (uma volta ou duas voltas) garante a recombinação dos segmentos gênicos
adequados. Por exemplo, no lócus de cadeia pesada da Ig, as RSSs que ladeiam os
segmentos V e J possuem espaçadores de 23 nucleotídeos (duas voltas) e, portanto, não
podem juntar-se diretamente; a recombinação de D a J ocorre primeiro, seguida pela
recombinação de V a DJ, e isso é possível porque os segmentos D estão cercados, de
ambos os lados, por espaçadores de 12 nucleotídeos, permitindo a junção D-J e depois VDJ.
As RSSs descritas aqui são exclusivas de genes das Ig e do TCR. Portanto, a
recombinação V(D)J pode ocorrer nos genes dos receptores de antígeno, mas não em
outros genes.
Uma das consequências da recombinação V(D)J é que o processo aproxima os
promotores, localizados imediatamente na extremidade 5’ dos genes V, dos
amplificadores inferiores que estão localizados nos íntrons J-C e também na extremidade
3’ dos genes da região C (Fig. 8-9). Estes amplificadores maximizam a atividade da
transcrição dos promotores de genes V e são, portanto, importantes para a transcrição
em alto nível dos genes V rearranjados nos linfócitos. Como os genes das Ig e do TCR são
locais de múltiplos eventos de recombinação do DNA nas células B e T, e como esses
locais se tornam ativos para transcrição após a recombinação, os genes de outros loci
podem ser translocados anormalmente para esses loci e, como resultado, podem ser
transcritos de maneira anormal. Nos tumores de linfócitos B e T, os oncogenes são
frequentemente translocados para os loci dos genes das Ig ou do TCR. Estas
translocações cromossômicas são frequentemente acompanhadas de uma transcrição
acentuada dos oncogenes e são um dos fatores que promovem o desenvolvimento de
tumores linfoides.
FIGURA 8-9 Regulação da transcrição dos genes da Ig.
Arecombinação V-D-J aproxima as sequências promotoras (mostradas como P) do amplificador
(amp). O amplificador promove a transcrição do gene V rearranjado (V2, cujo promotor ativo está
indicado por uma seta verde grossa). Muitos genes de receptores possuem um amplificador no
íntron J-C e outro a 3’ da região C. Somente o amplificador a 3’ está ilustrado aqui.
O Mecanismo da Recombinação V(D)J
O rearranjo de genes das Ig e do TCR representa um tipo especial de evento de
recombinação não homóloga do DNA, mediado pelas atividades coordenadas de várias
enzimas, algumas das quais são encontradas apenas nos linfócitos em desenvolvimento,
enquanto outras são enzimas ubíquas de reparo de quebras de dupla fita do DNA (DSBR).
Embora o mecanismo de recombinação V(D)J seja razoavelmente bem compreendido e
seja descrito aqui, ainda não se determinou como exatamente os loci específicos se
tornam acessíveis ao maquinário envolvido na recombinação. É provável que a
acessibilidade dos loci das Ig e do TCR para as enzimas que medeiam a recombinação é
regulada nas células B e T em desenvolvimento por vários mecanismos, incluindo
alterações epigenéticas na estrutura da cromatina e do DNA, conforme discutido
anteriormente, e a atividade de transcrição basal nos loci dos genes.
O processo de recombinação V (D) J pode ser dividido em quatro eventos distintos que
seguem um fluxo sequencial (Fig. 8-10.):
FIGURA 8-10 Eventos sequenciais durante a recombinação V(D)J.
Asinapse e a clivagem do DNAno limite entre o heptâmero e o segmento codificador são mediadas
por Rag-1 e Rag-2. O grampo da extremidade codificadora é aberto pela endonuclease Artemis e as
extremidades quebradas são reparadas pela maquinaria de junção de extremidade não homóloga
presente em todas as células. Observe que as duas fitas de DNAsão mostradas nos grampos, mas
não nas outras ilustrações esquemáticas dos genes.
1. Sinapse: As porções do cromossomo nas quais o gene do receptor de antígeno está
localizado tornam-se acessíveis para a maquinaria de recombinação. Dois segmentos
codificadores selecionados e suas RSSs adjacentes são aproximados por um evento
formador de uma alça cromossômica e são mantidos na posição para a clivagem,
processamento e junção subsequentes
2. Clivagem: As quebras na dupla fita são realizadas enzimaticamente nas junções das
sequências codificadoras de RSS por uma maquinaria que é específica das células
linfoides. Duas proteínas codificadas por genes específicos das células linfoides, que são
denominados gene ativador da recombinação 1 e gene ativador da recombinação 2 (RAG1
e RAG2), formam um complexo contendo duas moléculas de cada proteína, que
desempenha um papel essencial na recombinação V(D)J. O complexo Rag-1/Rag-2
também é conhecido como recombinase V(D)J. A proteína Rag-1, de maneira semelhante
a uma endonuclease de restrição, reconhece a sequência de DNA na junção entre um
heptâmero e um segmento de codificação e a cliva, mas ela somente está
enzimaticamente ativa quando complexada à proteína Rag-2. A proteína Rag-2 pode
ajudar a ligar o tetrâmero Rag-1/Rag-2 a outras proteínas, incluindo fatores de
acessibilidade, que levam essas proteínas até loci gênicos de receptores abertos
específicos em determinados momentos e em estágios definidos do desenvolvimento dos
linfócitos. A Rag-1 e a Rag-2 contribuem para manter os segmentos gênicos unidos
durante o processo de dobramento ou sinapse cromossômica. A Rag-1, então, faz um
corte (em uma fita de DNA) entre a extremidade de codificação e o heptâmero. O OH 3’
liberado da extremidade de codificação, em seguida, ataca uma ligação fosfodiéster na
outra fita de DNA, formando um grampo covalente. A extremidade de sinal (incluindo o
heptâmero e o restante da RSS) não forma um grampo e é produzida como um terminal
de DNA dupla fita rombo que não sofre processamento. Esta quebra da dupla fita
mantém um grampo fechado de um segmento codificador justaposto ao grampo fechado
da outra extremidade codificadora e duas extremidades de sinais de recombinação
rombas são posicionadas uma ao lado da outra. A Rag-1 e a Rag-2, além de gerarem as
quebras da dupla fita, também mantêm as extremidades do grampo e as extremidades
rombas unidas antes da modificação das extremidades codificadoras e do processo de
ligação.
Os genes RAG são específicos de células linfoides e somente são expressos nas células
B e T em desenvolvimento. As proteínas Rag são expressas principalmente nos estágios
G0 e G1 do ciclo celular e são inativadas nas células em proliferação. Acredita-se que a
limitação da clivagem e recombinação do DNA aos estágios G0 e G1 minimiza o risco de
gerar quebras inadequadas do DNA durante a replicação do DNA ou durante a mitose.
Camundongos sem genes Rag1 ou Rag2 funcionais (camundongos knockout Rag) não
conseguem desenvolver linfócitos B ou T, e a deficiência de Rag-1 ou Rag-2 também é
uma causa rara de SCID, na qual todos os linfócitos estão ausentes no paciente.
3. Abertura do grampo e processamento da extremidade: As extremidades codificadoras
clivadas são modificadas pela adição ou remoção das bases, gerando, assim, uma maior
diversidade. Após a formação de quebras da dupla fita, os grampos devem ser resolvidos
(abertos) nas junções codificadoras e as bases podem ser acrescentadas ou removidas das
extremidades codificadoras para garantir uma diversificação ainda maior. Artemis é uma
endonuclease que abre os grampos nas extremidades codificadoras. Na ausência da
Artemis, os grampos não podem ser abertos e as células T e B maduras não podem ser
geradas. Mutações na ARTEMIS são uma causa rara de SCID, semelhante àquela em
pacientes com mutações em RAG1 ou RAG2 (Cap. 21). Uma enzima específica das células
linfoides, denominada desoxinucleotidil transferase terminal (TdT), acrescenta bases às
extremidades quebradas do DNA e será discutida mais adiante no capítulo no contexto
da diversidade juncional.
4. Junção: As extremidades codificadoras clivadas e as extremidades de sinais são unidas
e ligadas por um processo de reparação de quebra de dupla fita que é encontrado em
todas as células, denominado junção não homóloga de extremidade. Vários fatores
ubíquos participam deste processo. Ku70 e Ku80 são proteínas de ligação de
extremidades que se ligam às quebras e recrutam a subunidade catalítica da proteína
quinase dependente de DNA (DNA-PK), uma enzima de reparo da dupla fita do DNA.
Esta enzima é deficiente em camundongos portadores da mutação da imunodeficiência
combinada grave (scid) e mutações no gene que codifica esta enzima também foram
descobertas em pacientes com SCID humana (Cap. 21). Assim como os camundongos
deficientes em Rag, os camundongos scid não produzem linfócitos maduros. A DNA-PK
também fosforila e ativa Artemis, que, como já mencionado, está envolvida no
processamento da extremidade. A ligação das extremidades clivadas e processadas é
mediada pela DNA ligase IV e XRCC4, sendo esta última uma subunidade não catalítica,
porém essencial, da ligase.
Geração da Diversidade nas Células B e T
A diversidade dos repertórios das células B e T é criada por combinações aleatórias dos
segmentos gênicos da linhagem germinativa que são aproximados e pela adição ou deleção
aleatória de sequências nas junções entre os segmentos antes de serem unidos. Vários
mecanismos genéticos contribuem para esta diversidade, e a importância relativa de cada
mecanismo varia entre os diferentes loci dos receptores de antígenos (Tabela 8-1).
Tabela 8-1
Contribuições de Diferentes Mecanismos à Geração de Diversidade nos Genes da Ig
e do TCR
O número potencial de receptores de antígenos com diversidade juncional é muito maior do que a quantidade que pode ser
gerada somente por combinações dos segmentos gênicos V, D e J. Observe que, embora o limite superior do número de
proteínas da Ig e do TCR que podem ser expressas seja muito grande, estima-se que cada indivíduo possua na ordem de
10
7 clones de células B e T, com especificidades e receptores distintos; em outras palavras, apenas uma fração do
repertório potencial pode, de fato, ser expressa.
• Diversidade combinatória. O rearranjo V(D)J aproxima vários segmentos gênicos da
linhagem germinativa que podem combinar-se de forma aleatória, e diferentes
combinações produzem diferentes receptores de antígenos. O maior número possível de
combinações destes segmentos de genes é o produto do número de segmentos gênicos
V, J e D (se presente) em cada lócus do receptor de antígeno. Portanto, a quantidade de
diversidade combinatória que pode ser gerada em cada lócus reflete o número de
segmentos gênicos V, J e D e naquele lócus. Após a síntese das proteínas do receptor
de antígeno, a diversidade combinatória é aumentada pela justaposição de duas
regiões V diferentes geradas aleatoriamente (ou seja, VH
e VL nas moléculas de Ig e Vα
e Vβ nas moléculas de TCR). Portanto, a diversidade combinatória total é teoricamente
o produto da diversidade combinatória de cada uma das duas cadeias associadas. O
verdadeiro grau de diversidade combinatória nos repertórios de Ig e TCR expressos em
qualquer indivíduo é, provavelmente, consideravelmente menor do que o máximo
teórico. Isso ocorre porque nem todas as recombinações dos segmentos gênicos são
igualmente prováveis de ocorrer, e nem todos os pares de cadeias leves e pesadas das
Ig ou α e β do TCR podem formar receptores de antígenos funcionais. Em especial,
como o número de segmentos V, D e J em cada lócus é limitado (Tabela 8-1), o maior
número possível de combinações é da ordem de milhares. Isto é, evidentemente, muito
menor do que a diversidade dos receptores de antígenos em linfócitos maduros.
• Diversidade juncional. A maior contribuição para a diversidade de receptores de
antígeno é feita pela remoção ou adição de nucleotídeos nas junções dos segmentos V e
D, D e J ou V e J no momento em que esses segmentos são unidos. Uma maneira pela
qual isso pode ocorrer é se endonucleases removerem os nucleotídeos das sequências
da linhagem germinativa nas extremidades dos segmentos do gene recombinando.
Além disso, novas sequências de nucleotídeos, não presentes na linha germinativa,
podem ser adicionadas às junções (Fig. 8-11). Conforme descrito anteriormente, os
segmentos de codificação (p. ex., segmentos gênicos V e J) que são clivados por Rag-1
formam alças em forma de grampo cujas extremidades são muitas vezes clivadas
assimetricamente pela enzima Artemis, fazendo com que uma fita de DNA esteja mais
longa do que a outra. A fita mais curta deve ser estendida com nucleotídeos
complementares à mais longa antes da ligação dos dois segmentos. A fita mais longa
funciona como um modelo para a adição de pequenas extensões de nucleotídeos
denominados nucleotídeos P e este processo introduz novas sequências nos
cruzamentos V-D-J. Outro mecanismo de diversidade juncional é a adição aleatória de
até 20 nucleotídeos não codificados com auxílio de um molde, denominados
nucleotídeos N (Fig. 8-11). A diversificação da região N é mais comum nas cadeias
pesadas das Ig e nas cadeias β e γ do TCR do que nas cadeias κ ou λ das Ig. Esta adição
de novos nucleotídeos é mediada pela enzima desoxinucleotidil transferase terminal
(TdT). Em camundongos com deficiência induzida de TdT por knockout de genes, a
diversidade dos repertórios das células B e T é substancialmente menor do que em
camundongos normais. A adição de nucleotídeos P e N nos locais de recombinação
podem introduzir alterações na estrutura, gerando, teoricamente, códons de
terminação em dois de cada três eventos de junção (se o número total de bases
adicionadas não for um múltiplo de três). Estes genes não podem produzir proteínas
funcionais, mas esta ineficiência é o preço que se paga para gerar diversidade.
Fonte: Livro Imunologia Celular e Molecular - 8ª Ed.
Autores: Abul Lichtman, Andrew Abbas
FIGURA 8-11 Diversidade juncional.
Durante a junção de diferentes segmentos gênicos, a adição ou a remoção de nucleotídeos pode
levar à geração de novas sequências de nucleotídeos e aminoácidos na junção. Os nucleotídeos
(sequências P) podem ser adicionados a grampos clivados assimetricamente com o auxílio de um
molde. Outros nucleotídeos (regiões N) podem ser adicionados nos locais das junções V-D, V-J ou
D-J, sem o auxílio de um molde, pela ação da enzima TdT. Estas adições geram novas sequências
que não estão presentes na linhagem germinativa.
Devido à diversidade juncional, anticorpos e moléculas do TCR mostram a maior
variabilidade nas junções das regiões V e C, que formam a terceira região hipervariável ou
CDR3 (Fig. 8-5). Na verdade, devido à diversidade juncional, o número de diferentes
sequências de aminoácidos que estão presentes nas regiões CDR3 de moléculas de Ig e
TCR são muito maiores do que os números que podem ser codificados por segmentos
gênicos da linhagem germinativa. As regiões CDR3 das Ig e do TCR são também as
porções mais importantes destas moléculas para a determinação da especificidade da
ligação ao antígeno (Caps. 5 e 7). Assim, a maior diversidade de receptores de antígeno
está concentrada nas regiões dos receptores mais importantes para a ligação ao antígeno.
Embora o limite teórico para o número de proteínas de Ig e TCR que podem ser
produzidas seja enorme (Tabela 8-1), o número real de receptores de antígenos em
células B ou T expressas em cada indivíduo é provavelmente da ordem de apenas 10
7
. Isso
pode refletir o fato de que a maioria dos receptores, que são gerados por recombinação
aleatória de DNA, não passa pelos processos de seleção necessários para a maturação.
Uma aplicação clínica do conhecimento da diversidade juncional é a determinação da
clonalidade de tumores linfoides que surgiram a partir de células B ou T. Este teste
laboratorial é comumente utilizado para identificar tumores monoclonais linfócitos e
para distinguir os tumores de proliferações policlonais. Como cada clone de linfócito
expressa uma região CDR3 do receptor de antígeno exclusiva, a sequência de
nucleotídeos no local de recombinação V (D) J serve como um marcador específico para
cada clone. Assim, através da medição do comprimento ou determinação da sequência
das regiões juncionais dos genes da Ig ou do TCR em diferentes proliferações de células
B ou T, utilizando ensaios de reação em cadeia da polimerase, pode-se estabelecer se
estas lesões surgiram de um único clone (indicando um tumor) ou de forma
independente a partir de diferentes clones (implicando uma proliferação não neoplásica
de linfócitos). O mesmo método pode ser usado para identificar os pequenos números de
células tumorais no sangue ou tecidos.
Com esta base, pode-se prosseguir a uma discussão sobre o desenvolvimento de
linfócitos B e, em seguida, a maturação de células T.
Desenvolvimento de linfócitos B
Os principais eventos durante a maturação dos linfócitos B são o rearranjo e expressão de
genes de Ig em uma ordem precisa, a seleção e proliferação de células B em
desenvolvimento no ponto de controle do pré-receptor de antígenos e a seleção do
repertório de células B maduras. Antes do nascimento, os linfócitos B se desenvolvem a
partir de precursores comprometidos no fígado fetal, e após o nascimento, as células B
são geradas na medula óssea. A maioria dos linfócitos B surgem dos progenitores da
medula óssea adulta que inicialmente não expressam a Ig. Estes precursores se
desenvolvem em células B imaturas que expressam moléculas de IgM ligadas à
membrana, e, em seguida, deixam a medula óssea para continuar a amadurecer,
principalmente no baço. As células que amadurecem em células B foliculares no baço
expressam IgM e IgD na superfície da célula e adquirem a capacidade de recircular e
ocupar todos os órgãos linfoides periféricos. Estas células B foliculares dirigem-se para
folículos linfoides e são capazes de reconhecer e responder a antígenos estranhos.
Estima-se que o desenvolvimento de uma célula B madura a partir de um progenitor
linfoide leve 2 a 3 dias em seres humanos.
Estágios de Desenvolvimento dos Linfócitos B
Durante sua maturação, as células da linhagem de linfócitos B passam por estágios
distintos, cada qual caracterizado por diferentes marcadores de superfície celular e um
padrão específico de expressão do gene de Ig (Fig. 8-12). As principais etapas e os eventos
em cada uma são descritos a seguir.
FIGURA 8-12 Estágios de maturação da célula B.
Os eventos correspondentes a cada estágio da maturação da célula B a partir da célula-tronco da
medula óssea até o linfócito B maduro são ilustrados. Vários marcadores de superfície, além dos
mostrados, têm sido utilizados para definir diferentes estágios de maturação da célula B.
Os Estágios Pró-B e Pré-B de Desenvolvimento da Célula B
A primeira célula da medula óssea comprometida com a linhagem de células B é chamada
de célula pró-B. As células pró-B não produzem Ig, mas podem ser distinguidas de outras
células imaturas pela expressão de moléculas de superfície restritas à linhagem B, como
CD19 e CD10. As proteínas Rag-1 e Rag-2 são expressas inicialmente nesse estágio, e a
primeira recombinação de genes da Ig ocorre no lócus da cadeia pesada. Esta
recombinação aproxima um segmento gênico D e um J, com deleção do DNA intercalado
entre eles (Fig. 8-13, A). Os segmentos D que estão a 5’ do segmento D rearranjado e os
segmentos J que estão a 3’ do segmento J rearranjado são eliminados por esta
recombinação (p. ex., D1 e J2 a J6 na Fig. 8-13, A). Após o evento de recombinação D-J,
um dos vários genes V a 5’ une-se à unidade DJ, dando origem ao éxon VDJ rearranjado.
Nesta etapa, todos os segmentos V e D entre os genes V e D reorganizados também
sofrem deleção. A recombinação V-a-DJ no lócus da cadeia pesada H da Ig ocorre apenas
em precursores dos linfócitos B comprometidos e é um evento crítico na expressão da Ig,
porque somente o gene V rearranjado é subsequentemente transcrito. A enzima TdT, que
catalisa a adição, sem auxílio de molde, dos nucleotídeos N juncionais, é expressada de
modo mais abundante durante o estágio pró-B, quando a recombinação VDJ ocorre no
lócus H da Ig, e os níveis de TdT diminuem antes de completar a recombinação V-J do
gene da cadeia leve. Portanto, a diversidade juncional atribuída à adição de nucleotídeos
N é mais proeminente nos genes da cadeia pesada do que nos genes da cadeia leve.
FIGURA 8-13 Recombinação e expressão dos genes das cadeias leve e pesada da Ig.
Asequência dos eventos de recombinação do DNAe expressão gênica é mostrada para a cadeia
pesada μ da Ig (A) e a cadeia leve κ da Ig (B). No exemplo mostrado em A, a região V da cadeia
pesada μ é codificada pelos éxons V1, D2 e J1. No exemplo mostrado em B, a região V da cadeia κ
é codificada pelos éxons V2 e J1.
Os éxons da região C da cadeia pesada se mantêm separados do complexo VDJ pelo
DNA que contém os segmentos J distais e o íntron J-C. O gene da cadeia pesada da Ig
rearranjado é transcrito para produzir um transcrito primário, que inclui o complexo VDJ
rearranjado e os éxons Cµ
. O RNA nuclear Cµ é clivado abaixo de um de dois locais de
poliadenilação de consenso, e vários nucleotídeos de adenina, denominados caudas poliA,
são adicionados à extremidade 3’. Este RNA nuclear sofre splicing, um evento de
processamento de DNA, no qual os íntrons são removidos e os éxons são unidos. No
caso do RNA µ, os íntrons entre o éxon líder e o éxon VDJ, entre o éxon VDJ e o primeiro
éxon do lócus Cµ
, e entre cada éxon subsequente da região constante de Cµ são
removidos, dando origem a um mRNA processado para a cadeia pesada µ. Se o mRNA
for derivado de um lócus de Ig em que o rearranjo foi produtivo, a tradução do mRNA da
cadeia pesada µ rearranjada conduz à síntese da proteína µ. Para que o rearranjo seja
produtivo (na fase de leitura correta), as bases devem ser adicionadas ou removidas nas
junções em múltiplos de três, garantindo que o gene da Ig rearranjado será capaz de
codificar corretamente uma proteína da Ig. Aproximadamente metade de todas as células
pró-B fazem rearranjos produtivos no lócus H da Ig em pelo menos um cromossomo, e
podem, assim, passar a sintetizar a proteína da cadeia pesada µ. Apenas células que
fazem rearranjos produtivos sobrevivem e se diferenciam.
Uma vez realizado um rearranjo produtivo de µ da Ig, a célula deixa de ser chamada de
célula pró-B e já está diferenciada no estágio pró-B. As células pré-B são células da
linhagem B em desenvolvimento que expressam a proteína µ da Ig, mas que ainda devem
rearranjar seus loci da cadeia leve. A célula pré-B expressa a cadeia pesada µ na superfície
celular, em associação a outras proteínas, em um complexo denominado receptor da
célula pré-B, que possui vários papéis importantes na maturação da célula B.
O Receptor da Célula Pré-B
Complexos da cadeia pesada µ, cadeias leves substitutas e proteínas de transdução de
sinais, denominadas Igα e Igβ, formam o receptor pré-antígeno na linhagem B, conhecido
como receptor da célula pré-B (pré-BCR). A cadeia pesada µ associa-se às proteínas pré-B
λ5 e V, também denominadas cadeias leves substitutas porque são estruturalmente
homólogas às cadeias leves κ e λ, mas não são variáveis (ou seja, são idênticas em todas
as células pré-B) e são sintetizadas apenas para formar células pró-B e pré-B (Fig. 8-14, A).
O Igα e Igβ também fazem parte do receptor de células B nas células B maduras (Cap. 7).
Os sinais originados do pré-BCR são responsáveis pela maior expansão proliferativa das
células da linhagem B na medula óssea. Não se sabe o que o pré-BCR reconhece; o ponto
de vista consensual atualmente é que este receptor funciona de maneira independente de
ligante e que é ativado pelo processo de montagem. A importância dos pré-BCR é
ilustrada por estudos de camundongos knockouts e casos raros de deficiências humanas
desses receptores. Por exemplo, em camundongos, o knockout do gene que codifica a
cadeia µ ou uma das cadeias leves resulta em números significativamente reduzidos de
células B maduras, porque o desenvolvimento é bloqueado no estágio pró-B.
FIGURA 8-14 Receptores das células pré-B e pré-T.
Os receptores das células pré-B (A) e pré-T (B) são expressados durante os estágios de maturação
das células pré-B e pré-T, respectivamente, e os dois receptores compartilham estruturas e funções
semelhantes. O receptor da célula pré-B é composto da cadeia pesada μ e uma cadeia leve
substituta invariável. Acadeia leve substituta é composta de duas proteínas, a proteína pré-B V, que
é homóloga ao domínio V da cadeia leve, e uma proteína λ5 que está ligada covalentemente à cadeia
pesada μ por uma ponte dissulfeto. O receptor da célula pré-T é composto da cadeia β do TCR e da
cadeia α pré-T (pTα) invariável. O receptor da célula pré-B está associado às moléculas
sinalizadoras Igα e Igβ, que fazem parte do complexo BCR nas células B maduras (Cap. 9), e o
receptor da célula pré-T associa-se às proteínas CD3 e ζ, que fazem parte do complexo TCR nas
células T maduras (Cap. 7).
A expressão do pré-BCR é o primeiro ponto de controle na maturação de células B.
Muitas moléculas de sinalização relacionadas ao pré-BCR e ao BCR são necessárias para
as células passarem, com sucesso, pelo ponto de controle mediado pelo pré-BCR na
transição de célula pró-B para pré-B. Uma quinase, denominada tirosinoquinase de
Bruton (Btk), é ativada abaixo do pré-BCR e é necessária para a transmissão de sinais a
partir deste receptor que medeiam a sobrevivência, proliferação e maturação no estágio
de células pré-B e além. Em humanos, mutações do gene BTK resultam na doença
denominada agamaglobulinemia ligada ao X (XLA), a qual é caracterizada por uma falha
de maturação das células B (Cap. 21). Em uma cepa de camundongos denominada Xid
(para imunodeficiência ligada ao X), as mutações em btk resultam em um defeito menos
grave de células B, porque as células pré-B murinas expressam uma segunda quinase
semelhante à Btk, denominada Tec, que compensa parcialmente o Btk defeituoso.
O pré-BCR regula o rearranjo adicional dos genes da Ig de duas maneiras.
Primeiramente, se uma proteína µ for produzida a partir do lócus da cadeia pesada
recombinado em um cromossomo e formar um pré-BCR, este receptor sinaliza para
inibir de maneira irreversível o rearranjo do lócus da cadeia pesada da Ig no outro
cromossomo. Se o primeiro rearranjo for não produtivo, o alelo da cadeia pesada no
outro cromossomo pode completar o rearranjo VDJ no lócus H da Ig. Assim, em
qualquer clone de células B, um alelo da cadeia pesada é rearranjado de maneira
produtiva e expressado, e o outro é retido na configuração da linhagem germinativa ou
rearranjado de forma não produtiva. Como resultado, uma célula B individual pode
expressar uma proteína da cadeia pesada da Ig codificada por apenas um dos dois alelos
herdados. Este fenômeno é denominado exclusão alélica, e garante que todas as células B
expressarão um receptor único, mantendo, assim, a especificidade clonal. Se os dois
alelos forem submetidos a rearranjos gênicos de H da Ig não produtivos, a célula em
desenvolvimento não poderá produzir as cadeias pesadas das Ig, não poderá gerar um
sinal de sobrevivência dependente do pré-BCR e, portanto, será submetida à morte
celular programada. A exclusão alélica da cadeia pesada da Ig envolve mudanças na
estrutura da cromatina no lócus da cadeia pesada, que limitam a acessibilidade à
recombinase V(D)J.
A segunda maneira pela qual o pré-BCR regula a produção do receptor de antígeno é
por meio do estímulo do rearranjo do gene da cadeia leve κ. No entanto, a expressão da
cadeia µ não é absolutamente necessária para a recombinação do gene da cadeia leve,
como mostrado pela descoberta de que camundongos knockouts sem o gene µ iniciam o
rearranjo do gene da cadeia leve em algumas células B em desenvolvimento (que,
naturalmente, não podem expressar receptores de antígeno funcionais e prosseguir à
maturação). O pré-BCR também contribui para a inativação da expressão do gene da
cadeia leve substituta conforme as células pré-B amadurecem.
Células B Imaturas
Após o estágio de células pré-B, cada célula B em desenvolvimento rearranja, inicialmente,
um gene da cadeia leve κ. Se o rearranjo for interno, produzirá uma proteína da cadeia
leve κ, que se associa à cadeia µ sintetizada anteriormente para produzir uma proteína de
IgM completa. Se o lócus κ não for rearranjado de maneira produtiva, a célula pode
rearranjar o lócus λ e, novamente, produzir uma molécula de IgM completa (a indução
do rearranjo do gene da cadeia leve λ ocorre principalmente quando os receptores da
célula B que expressam κ da Ig são autorreativos, conforme será discutido
posteriormente). A célula B que expressa IgM é denominada célula B imatura. A
recombinação de DNA no lócus da cadeia leve κ ocorre de maneira semelhante à no lócus
da cadeia pesada da Ig (Fig. 8-13, B). Não há segmentos D nos loci da cadeia leve, e,
portanto, a recombinação envolve somente a junção de um segmento V a um segmento J,
formando um éxon VJ. Este éxon VJ se mantém separado da região C por um íntrons, e
esta separação é retida no transcrito primário de RNA. O processamento (splicing) do
transcrito primário resulta na remoção do íntrons entre os éxons VJ e C e gera um mRNA
que é traduzido para produzir a proteína κ ou λ. No lócus λ, um processamento (splicing)
alternativo de RNA pode levar ao uso de um dos quatro éxons Cλ
funcionais, mas não há
diferenças funcionais conhecidas entre os tipos resultantes de cadeias leves λ. A
produção de uma proteína κ evita o rearranjo de λ, e, conforme explicado anteriormente,
o rearranjo de λ ocorre somente se o rearranjo de κ não tiver sido produtivo ou se ocorrer
a deleção de uma cadeia leve κ rearranjada autorreativa. Como resultado, um clone de
células B pode expressar somente um de dois tipos de cadeias leves; este fenômeno é
denominado exclusão do isotipo de cadeia leve. Assim como no lócus da cadeia pesada,
um gene κ ou λ é expressado a partir de somente um de dois cromossomos pais em
qualquer célula B, e o outro alelo é excluído. Além disso, como para as cadeias pesadas,
se os dois alelos de ambas as cadeias κ e λ forem rearranjados de maneira não funcional
em uma célula B em desenvolvimento, esta célula não consegue receber sinais de
sobrevivência que são normalmente gerados pelo BCR e morre.
As moléculas de IgM montadas são expressadas na superfície celular em associação a
Igα e Igβ, onde funcionam como receptores específicos para antígenos. Em células que
não são fortemente autorreativas, o BCR emite sinais tônicos independentes de ligantes
que mantêm as células B vivas e também medeia o desligamento da expressão do gene
RAG, evitando, assim, o rearranjo adicional de genes da Ig. As células B imaturas não se
proliferam e não se diferenciam em resposta a antígenos. Na realidade, quando
reconhecem antígenos na medula óssea com alta afinidade, o que pode ocorrer quando as
células B expressam receptores para antígenos próprios multivalentes que estão
presentes na medula óssea, as células B podem passar por edição do receptor ou morte
celular, conforme descrito adiante. Estes processos são importantes para a seleção
negativa de células B fortemente autorreativas. As células B imaturas que não são
altamente autorreativas deixam a medula óssea e completam sua maturação no baço
antes de migrar para outros órgãos linfoides periféricos.
Subgrupos de Células B Maduras
Subgrupos distintos de células B se desenvolvem a partir de diferentes progenitores (Fig. 8-
15). As CTH derivadas do fígado fetal são as precursoras das células B-1. As CTH
derivadas da medula óssea dão origem à maioria das células B. Estas células passam
rapidamente por dois estágios de transição e podem se comprometer com o
desenvolvimento em células B da zona marginal ou em células B foliculares. A afinidade
do receptor de células B com antígenos próprios pode contribuir para o direcionamento
da diferenciação de uma célula B em amadurecimento em uma célula B folicular ou em
uma célula B da zona marginal.
FIGURA 8-15 Subgrupos de linfócitos B.
A, Amaioria das células B que se desenvolvem a partir das células-tronco derivadas do fígado fetal
se diferenciam na linhagem B-1. B, Os linfócitos B oriundos dos precursores da medula óssea após
o nascimento dão origem à linhagem B-2. Os dois subconjuntos principais de linfócitos B são
derivados dos precursores das células B de B-2. As células B foliculares são linfócitos recirculantes;
as células B da zona marginal são abundantes no baço de roedores, mas também podem ser
encontradas nos linfonodos em humanos.
Células B Foliculares
A maioria das células B maduras pertence ao subgrupo de células B foliculares e produz
IgD além de IgM. Cada uma destas células B coexpressa as cadeias pesadas µ e δ usando
o mesmo éxon VDJ para gerar o domínio V e em associação à mesma cadeia leve κ ou λ
para produzir dois receptores de membrana com a mesma especificidade antigênica. A
expressão simultânea, em uma única célula B, do mesmo éxon VDJ rearranjado em dois
transcritos, um incluindo éxons Cµ e o outro, éxons Cδ
, ocorre por meio do processamento
(splicing) alternativo do RNA (Fig. 8-16). Um longo transcrito primário de RNA é
produzido contendo a unidade de VDJ rearranjada, bem como os genes Cµ e Cδ
. Se o
transcrito primário for clivado e poliadenilado depois dos éxons µ, os íntrons são
retirados de modo que o éxon VDJ fique contíguo com éxons Cµ
; isso resulta na produção
de um mRNA µ. Se, no entanto, o complexo VDJ não estiver ligado a éxons Cµ
, mas unido
a éxons Cδ
, ocorre a produção de um mRNA δ. A tradução subsequente resulta na síntese
de uma proteína da cadeia pesada µ ou δ completa. Assim, a poliadenilação seletiva e o
processamento (splicing) alternativo permitem que uma célula B produza
simultaneamente mRNAs maduros e proteínas de dois isotipos de cadeia pesada
diferentes. Os mecanismos precisos que regulam a escolha da poliadenilação ou locais
aceptores de processamento pelos quais o VDJ rearranjado é unido a Cµ ou Cδ são pouco
compreendidos, bem como os sinais que determinam quando e por que uma célula B
expressa ambos IgM e IgD, e não apenas IgM. A coexpressão de IgM e IgD é
acompanhada pela capacidade de recircular e a aquisição da competência funcional, e é
por isso que as células B IgM+
IgD+ são também denominadas células B maduras. Esta
correlação entre a expressão de IgD e aquisição de competência funcional levou à
sugestão de que o IgD é essencial para a ativação do receptor de células B maduras. No
entanto, não há nenhuma evidência de uma diferença funcional entre o IgM de
membrana e o IgD de membrana. Além disso, o knockout do gene δ da Ig em
camundongos não tem um impacto significativo na maturação ou nas respostas
induzidas por antígenos das células B. As células foliculares B também são muitas vezes
denominadas de células B recirculantes, porque migram de um órgão linfoide ao
próximo, residindo em nichos especializados conhecidos como folículos de células B
(Cap. 2). Nestes nichos, as células B são mantidas, em parte, por sinais de sobrevivência
entregues por uma citocina da família do fator de necrose tumoral (TNF) denominada
BAFF ou BLyS (Cap. 12).
FIGURA 8-16 Coexpressão de IgM e IgD.
O processamento alternativo do transcrito de RNAprimário resulta na formação de um mRNAμ ou
δ. As linhas tracejadas indicam os segmentos da cadeia H que são unidos por processamento
(splicing) do RNA.
As células B maduras virgens são responsivas aos antígenos, a menos que as células
encontrem antígenos que reconheçam com alta afinidade e aos quais elas respondam,
morrem em alguns meses. No Capítulo 12, será discutido como estas células respondem
a antígenos e como o padrão de expressão do gene da Ig se altera durante a diferenciação
das células B induzidas por antígenos.
Células B Marginais e da Zona B-1
Um subgrupo de linfócitos B, denominado células B-1, expressa uma diversidade limitada
de receptores de antígenos e pode ter funções exclusivas. Estas células se desenvolvem a
partir de CTH derivadas do fígado fetal e são melhor definidas em roedores. A maioria
das células B-1 murinas expressam a molécula CD5. Em adultos, grandes números de
células B-1 são encontrados como uma população autorrenovável no peritônio e nas
mucosas. As células B-1 se desenvolvem mais cedo durante a ontogenia do que as células
foliculares e da zona marginal, expressam um repertório relativamente limitado de genes
V e exibem uma diversidade juncional muito menor do que as células B convencionais (já
que a TdT não é expressada no fígado fetal). As células B-1 secretam espontaneamente
anticorpos IgM que frequentemente reagem a lipídios e polissacarídios microbianos,
assim como lipídios oxidados produzidos por peroxidação lipídica. Estes anticorpos são
algumas vezes chamados de anticorpos naturais porque estão presentes em indivíduos
sem imunização evidente, embora possivelmente a flora microbiana no intestino seja a
fonte de antígenos que estimulam sua produção. As células B-1 contribuem para a
produção rápida de anticorpos contra microrganismos em tecidos particulares, tais como
o peritônio. Nas mucosas, metade das células secretoras de IgA na lâmina própria pode
ser derivada de células B-1. As células B-1 são análogas às células T γδ, pois ambas
possuem repertórios de receptores de antígenos de diversidade limitada e presume-se
que ambas respondem a antígenos que são encontrados comumente nas interfaces do
epitélio com o ambiente externo.
Em humanos, as células semelhantes a B-1 foram descritas, mas CD5 não é um
marcador de definição para essas células, já que também é encontrado em células B
transicionais e algumas populações de células B ativadas.
As células da zona B marginal estão localizadas primariamente nas proximidades do
seio marginal no baço e são semelhantes às células B-1 em relação à sua diversidade
limitada e sua capacidade de responder a antígenos polissacarídios e gerar anticorpos
naturais. As células B da zona marginal existem tanto em camundongos como em
humanos e expressam IgM e o correceptor CD21. Em camundongos, as células B da zona
marginal existem apenas no baço, enquanto em humanos, podem ser encontradas no
baço e nos linfonodos. As células da zona B marginal respondem muito rapidamente a
microrganismos transportados pelo sangue e diferenciam-se em plasmócitos secretores
de IgM de vida curta. Embora elas geralmente medeiem respostas imunes humorais
dependentes de células T a patógenos circulantes, as células da zona B marginal também
parecem ser capazes de mediar algumas respostas imunes dependentes de células T.
Seleção do Repertório de Células B Maduras
O repertório de células B maduras é selecionado positivamente a partir do grupo das
células B imaturas. Como veremos posteriormente, a seleção positiva é bem definida em
linfócitos T e é responsável por combinar os TCR em células T CD8
+ e CD4
+ recémgeradas
com a sua capacidade de reconhecer moléculas próprias de MCH classe I e classe
II, respectivamente. Não há nenhuma restrição comparável para o reconhecimento de
antígenos das células B. No entanto, a seleção positiva parece ser um fenômeno geral
voltado principalmente para a identificação de linfócitos que tenham completado seu
programa de rearranjo do gene do receptor de antígeno com sucesso. Apenas as células B
que expressam moléculas de Ig de membrana funcionais recebem sinais derivados do
BCR constitutivos (tônicos), os quais, conforme descrito anteriormente, são necessários
para manter as células B imaturas vivas. Os antígenos próprios podem influenciar a
intensidade do sinal do BCR e, assim, a escolha subsequente da linhagem de células B
periféricas durante a maturação de células B.
As células B imaturas que reconhecem antígenos próprios com alta afinidade podem
ser induzidas a alterar suas especificidades por um processo denominado edição de
receptor. O reconhecimento de um antígeno pelas células B imaturas induz a reativação
dos genes RAG e o rearranjo e na produção de uma nova cadeia leve de Ig, permitindo
que a célula expresse um receptor de células B diferente (editado), que não é
autorreativo. O éxon VJκ original, que codifica o domínio variável do gene de uma cadeia
leve autorreativa, normalmente sofre deleção e é substituído por um novo rearranjo
envolvendo um segmento de gene Vκ acima e um Jκ abaixo. Se o processo de edição não
conseguir gerar um rearranjo da cadeia leve κ produtivo interno em qualquer
cromossomo, a célula B imatura ativada pode, então, continuar a rearranjar o lócus da
cadeia leve λ, que está localizado em um cromossomo diferente. Quase todas as células B
que carregam cadeias leves λ são, portanto, células que antes eram autorreativas e
passaram por edição do receptor.
Se a edição do receptor falhar, as células B imaturas que expressam receptores de alta
afinidade para antígenos próprios e que encontram estes antígenos na medula óssea ou
no baço podem morrer por apoptose. Este processo também é denominado seleção
negativa. Os antígenos que medeiam a seleção negativa — geralmente, antígenos
próprios abundantes ou polivalentes, como ácidos nucleicos, lipídios ligados à
membrana e proteínas de membrana — emitem fortes sinais aos linfócitos B imaturos
que expressam IgM, os quais expressam receptores específicos para estes antígenos
próprios. Tanto a edição do receptor quanto a deleção são responsáveis por manter a
tolerância das células B aos antígenos próprios presentes na medula óssea (Cap. 15).
Quando a transição ao estágio de célula B madura IgM+
IgD+ é realizada, o
reconhecimento do antígeno leva à proliferação e à diferenciação, e não à edição do
receptor ou à apoptose. Como resultado, as células B maduras que reconhecem antígenos
com alta afinidade em tecidos linfoides periféricos são ativadas, e este processo leva às
respostas imunes humorais. As células B foliculares produzem a maioria das respostas
de anticorpos dependentes de células T auxiliares a antígenos proteicos (Cap. 12)
Desenvolvimento dos linfócitos T
O desenvolvimento dos linfócitos T maduros a partir de progenitores comprometidos
envolve o rearranjo sequencial e a expressão de genes do TCR, a proliferação celular, a
seleção induzida por antígeno e o comprometimento com subgrupos fenotipicamente e
funcionalmente distintos (Fig. 8-17). Isto se assemelha à maturação das células B de várias
maneiras. No entanto, a maturação das células T possui algumas características únicas
que refletem a especificidade da maioria dos linfócitos T aos antígenos peptídicos
próprios associados ao MHC e à necessidade de um microambiente especial para a
seleção de células com esta especificidade.
FIGURA 8-17 Estágios da maturação da célula T.
Os eventos correspondentes a cada estágio da maturação da célula T a partir da célula-tronco da
medula óssea até o linfócito T maduro são ilustrados. Vários marcadores de superfície, além dos
mostrados, têm sido utilizados para definir diferentes estágios de maturação da célula T.
Papel do Timo na Maturação da Célula T
O timo é o principal local de maturação das células T. Suspeitou-se desta função do timo
primeiramente devido às deficiências imunológicas associadas à falta de um timo. A
ausência congênita do timo, como ocorre na síndrome de DiGeorge em humanos ou na
cepa de camundongo nude, é caracterizada por baixos números de células T maduras na
circulação e nos tecidos linfoides periféricos e deficiências graves da imunidade mediada
por células T (Cap. 21). Se o timo for removido de um camundongo neonato, este animal
não conseguirá desenvolver células T maduras. O primórdio do timo se desenvolve a
partir da endoderme da terceira bolsa faríngea e do mesênquima derivado da crista
neural subjacente e é subsequentemente populado por precursores derivados de medula
óssea. O timo involui com a idade e é praticamente indetectável em humanos póspúberes,
resultando em uma liberação relativamente reduzida de células T maduras. No
entanto, a maturação de células T continua ao longo da vida adulta, como indicado pela
reconstituição bem-sucedida do sistema imunológico em indivíduos adultos que
recebem transplante de medula óssea. É provável que o remanescente do timo involuído
seja adequado para que ocorra alguma maturação de células T. Como as células T de
memória possuem uma vida útil longa (talvez de mais de 20 anos em humanos) e se
acumulam com a idade, a necessidade de gerar novas células T diminui à medida que as
pessoas envelhecem.
Os linfócitos T originam-se de precursores que surgem no fígado fetal e na medula óssea
adulta e se alojam no timo. Estes precursores são progenitores multipotentes que entram
no timo por meio da corrente sanguínea, atravessando o endotélio de uma vênula póscapilar
na região de junção corticomedular do timo. Em camundongos, os linfócitos
imaturos são detectados pela primeira vez no timo no 11
o. dia de gestação normal de 21
dias. Isso corresponde a cerca de 7 ou 8 semanas de gestação em humanos. As células T
em desenvolvimento no timo são denominadas timócitos. Os timócitos mais imaturos
são encontrados no seio subcapsular e na região cortical exterior do timo. A partir daqui,
os timócitos migram para dentro e através do córtex, onde a maioria dos eventos de
maturação subsequentes ocorrem. É no córtex que os timócitos expressam inicialmente
os TCRs γδ e αβ. As células T αβ amadurecem em células T CD4
+ restritas ao MHC de
classe II ou CD8
+ restritas ao MHC de classe I à medida que saem do córtex e entram na
medula. A partir da medula, os timócitos positivos unicamente para CD4
+ e CD8
+ saem
do timo por meio da circulação. A maturação das células T αβ será discutida nas seções
seguintes, e a das células T γδ, no final do capítulo.
O ambiente do timo proporciona estímulos que são necessários para a proliferação e
maturação dos timócitos. Muitos destes estímulos vêm de células tímicas diferentes das
células T em maturação. Dentro do córtex, as células epiteliais corticais tímicas formam
uma malha de longos processos citoplasmáticos, em torno dos quais os timócitos devem
passar para atingir a medula. As células epiteliais de um tipo distinto, conhecidas como
células epiteliais tímicas medulares, também estão presentes na medula óssea e podem
desempenhar um papel único na apresentação de antígenos próprios para a seleção
negativa de células T em desenvolvimento (Cap. 15). As células dendríticas derivadas da
medula óssea estão presentes na junção corticomedular e dentro da medula, e os
macrófagos estão presentes principalmente no interior da medula. A migração de
timócitos através desta disposição anatômica permite interações físicas entre os
timócitos e essas outras células que são necessárias para a maturação e seleção dos
linfócitos T. As células epiteliais e dendríticas do timo expressam moléculas de MHC
classe I e classe II. As interações de timócitos em maturação com estas moléculas de
MHC são essenciais para a seleção do repertório de células T maduras, como será
discutido posteriormente.
O movimento das células para dentro e através do timo é conduzido por quimiocinas.
Os progenitores de timócitos expressam o receptor de quimiocina CCR9, que se liga à
quimiocina CCL25, produzida no córtex do timo. A entrada de precursores no timo
depende de CCL25 e CCR9. Quimiocinas como CCL21 e CCL19, que são reconhecidas
pelo receptor de quimiocina CCR7 em timócitos, medeiam o movimento das células T em
desenvolvimento direcionado do córtex para a medula. Eventualmente, os linfócitos T
recém-formados, que expressam o receptor de esfingosina 1-fosfato (Cap. 3), deixam a
medula do timo seguindo um gradiente de esfingosina 1-fosfato, entrando na corrente
sanguínea.
As células do estroma do timo, incluindo células epiteliais, secretam IL-7, que foi
mencionada anteriormente como um fator de crescimento linfopoiético crítico. As taxas
de proliferação celular e morte apoptótica são extremamente elevadas em timócitos
corticais. Um único precursor dá origem a uma grande progênie, e 95% destas células
morrem por apoptose antes de chegar à medula. A morte celular se deve a uma
combinação de fatores, incluindo a incapacidade de rearranjar de maneira produtiva o
gene da cadeia β do TCR e, portanto, de passar no ponto de controle seleção pré-TCR/β
(descrito posteriormente), o fato de a célula não ser selecionada positivamente por
moléculas de MHC próprias no timo, e a seleção negativa induzida por antígenos
próprios (Fig. 8-3).
Estágios de Maturação das Células T
Durante a maturação das células T, há uma ordem precisa pela qual os genes do TCR são
rearranjados e pela qual o TCR e os correceptores CD4 e CD8 são expressos (Fig. 8-18;
Fig. 8-17). No camundongo, a expressão do TCR γδ na superfície ocorre primeiro, dentro
de 3 a 4 dias depois da chegada das células precursoras no timo, e o TCR αβ é expresso 2
ou 3 dias mais tarde. Nos timos fetais humanos, a expressão de TCR γδ começa em cerca
de 9 semanas de gestação, seguida da expressão do TCR αβ com 10 semanas.
FIGURA 8-18 Maturação das células T no timo.
Os precursores das células T viajam da medula óssea até o timo através da corrente sanguínea. No
córtex do timo, os progenitores das células T αβ expressam TCRs e os correceptores CD4 e CD8.
Os processos de seleção eliminam as células T autorreativas no córtex no estágio duplo-positivo
(DP) e também timócitos medulares positivos simples (PS). Eles promovem a sobrevivência dos
timócitos cujos TCRs se ligam a moléculas de MHC com baixa afinidade. Adiferenciação funcional e
fenotípica para células T CD4
+CD8
- ou CD8
+CD4
- ocorre na medula, e as células T maduras são
liberadas na circulação. Algumas células duplo-positivas diferenciam-se em células T reguladoras
(Cap.15). O desenvolvimento de células T γδ não é mostrado.
Timócitos Duplo-Negativos
Os timócitos corticais mais imaturos, recém-chegados da medula óssea, contêm genes de
TCR na sua configuração de linhagem germinativa e não expressam TCR, CD3, cadeias ζ,
CD4 ou CD8; estas células são denominadas timócitos duplo-negativos. Considera-se que
os timócitos neste estágio também estejam no estágio de células pró-T de maturação. A
maioria (> 90%) dos timócitos duplo-negativos que sobrevivem a processos de seleção do
timo acabarão por dar origem a células T CD4
+ e CD8
+ restritas ao MHC que expressam
TCR αβ, e o restante destes timócitos dará origem a células T γδ. As proteínas Rag-1 e
Rag-2 são expressas primeiramente no estágio duplo-negativo do desenvolvimento das
células T e são necessárias para o rearranjo de genes do TCR. Os rearranjos Dβ
-a-Jβ no
lócus da cadeia pesada β do TCR ocorrem primeiro; estes envolvem a junção do
segmento gênico Dβ1 a um dos seis segmentos Jβ1 ou a junção do segmento Dβ2 a um
dos seis segmentos Jβ2 (Fig. 8-19, A). Os rearranjos Vβ
-a-DJβ ocorrem na transição entre o
estágio pró-T e o estágio pré-T subsequente durante o desenvolvimento das células T αβ.
As sequências de DNA entre os segmentos submetidos a rearranjo, incluindo os genes
D, J, e possivelmente Cβ1 (se os segmentos Dβ2 e Jβ2 forem usados), sofrem deleção
durante este processo de rearranjo. Os transcritos nucleares primários dos genes β do
TCR contêm o íntron entre o éxon VDJβ recombinado e o gene Cβ relevante (assim como
os 3 íntrons adicionais entre os 4 éxons que compõem cada gene Cβ
, indicados na figura
como um único éxon para facilitar). Caudas poli-A são acrescentadas após a clivagem do
transcritor primário abaixo das regiões de poliadenilação de consenso localizadas a 3’ da
região Cβ
, e as sequências entre o éxon VDJ e Cβ são unidas para formar um mRNA
maduro, em que os segmentos VDJ estão justapostos ao primeiro éxon de um dos dois
genes Cβ
(dependendo de qual segmento J foi selecionado durante o processo de
rearranjo). A tradução deste mRNA dá origem a uma proteína da cadeia β do TCR de
comprimento integral. Os dois genes Cβ parecem ser funcionalmente intercambiáveis e
uma célula T nunca muda de um gene C para outro. Além disso, o uso de qualquer gene
Cβ não influencia a função ou especificidade do TCR. Os promotores nas regiões
flanqueadoras 5’ dos genes Vβ atuam juntamente com um amplificador potente, que está
localizado a 3’ do gene Cβ2, assim que os genes V são aproximados do gene C por
recombinação VDJ. Esta proximidade do promotor ao amplificador é responsável por
uma transcrição específica da célula T de alto nível do gene da cadeia β do TCR
rearranjado.
FIGURA 8-19 Recombinação e expressão dos genes das cadeias α e β do TCR.
Asequência dos eventos de recombinação do DNAe expressão gênica é mostrada para a cadeia β
do TCR (A) e a cadeia α do TCR (B). No exemplo mostrado em A, a região variável (V) da cadeia β
do TCR inclui os segmentos gênicos Vβ2 e Dβ1 e o terceiro segmento J no agrupamento Jβ1. A
região constante (C) neste exemplo é codificada pelos éxons do gene Cβ1, representados como um
único éxon para facilitar. Observe que, no lócus da cadeia β do TCR, o rearranjo inicia-se com a
junção D-a-J, seguida da junção V-a-DK. Em humanos, 14 segmentos Jβ
foram identificados e nem
todos são mostrados na figura. No exemplo mostrado em B, a região V da cadeia α do TCR inclui o
gene Vα1 e o segundo segmento J do agrupamento Jα
(este agrupamento é constituído de pelo
menos 61 segmentos Jα em humanos; nem todos são mostrados aqui).
Receptor da Célula Pré-T
Se um rearranjo produtivo (ou seja, interno) do gene da cadeia β do TCR ocorrer em uma
determinada célula T duplo-negativa, a proteína da cadeia β do TCR será expressa na
superfície celular em associação a uma proteína invariante, denominada pré-Tα, e com as
proteínas CD3 e ζ, para formar o complexo do receptor da célula pré-T (pré-TCR) (Fig. 8-
14, B). O pré-TCR medeia a seleção das células pré-T em desenvolvimento que rearranjam
de maneira produtiva a cadeia β do TCR. Após a adição e remoção de bases durante o
rearranjo de gene, cerca de metade de todas as células pré-T em desenvolvimento possui
novas bases no gene da cadeia β do TCR que são múltiplos de três (em pelo menos um
cromossomo β do TCR), e, portanto, apenas aproximadamente metade de todas as
células pré-T em desenvolvimento expressam de maneira bem-sucedida a proteína β do
TCR. A função do complexo de pré-TCR no desenvolvimento das células T é semelhante à
do complexo pré-BCR que contém uma cadeia leve substituta no desenvolvimento das
células B. Os sinais do pré-TCR medeiam a sobrevivência das células pré-T que tenham
rearranjado de maneira produtiva o gene da cadeia β do TCR e contribuem para a maior
expansão proliferativa durante o desenvolvimento das células T. Os sinais do pré-TCR
também iniciam a recombinação no lócus da cadeia α do TCR e conduzem a transição do
estágio duplo-negativo para o duplo-positivo do desenvolvimento dos timócitos
(discutido mais adiante). Estes sinais também inibem a continuação do rearranjo do
lócus da cadeia β do TCR, limitando, em grande parte, a acessibilidade do outro alelo à
maquinaria de recombinação. Isto resulta na exclusão alélica da cadeia β exclusão alélica
(isto é, as células T maduras expressam apenas um dos dois alelos da cadeia β herdados).
Assim como nas células pré-B, não se sabe qual ligante o pré-TCR reconhece, se houver.
Acredita-se que a sinalização do pré-TCR, como a sinalização do pré-BCR, seja
geralmente iniciada de maneira independente de ligante, dependente da montagem
efetiva do complexo pré-TCR. A sinalização do pré-TCR é mediada por várias quinases
citossólicas e proteínas adaptadoras, que também estão ligadas à sinalização de TCR
(Cap. 7). A função essencial do complexo pré-TCR na maturação das células T foi
demonstrada por vários estudos com camundongos geneticamente mutados, em que a
falta de qualquer um dos componentes do complexo pré-TCR (ou seja, a cadeia β de TCR,
pré-Tα, CD3, ζ ou Lck) resulta em um bloqueio na maturação das células T no estágio
duplo-negativo.
Timócitos Duplo-Positivos
Na próxima fase da maturação das células T, os timócitos expressam tanto CD4 e CD8 e
são denominados timócitos duplo-positivos. A expressão de CD4 e CD8 é essencial para
os eventos de seleção subsequentes, discutidos posteriormente. O rearranjo dos genes da
cadeia α do TCR e a expressão de heterodímeros αβ do TCR ocorre na população duplopositiva
CD4
+ CD8
+
logo após as células atravessarem o ponto de controle do pré-TCR
(Fig. 8-17 e 8-18). Uma segunda onda de expressão do gene RAG no final do estágio pré-T
promove a recombinação dos genes α do TCR. Como não existem segmentos D no lócus
de α do TCR, o rearranjo consiste apenas na junção de segmentos V e J (Fig., 8-19, B). A
grande quantidade de segmentos Jα permite múltiplas tentativas de junção produtiva V-J
em cada cromossomo, aumentando, assim, a probabilidade de que um TCR αβ funcional
seja produzido. Em contraste com o lócus da cadeia β do TCR, em que a produção da
proteína e a formação do pré-TCR suprimem o rearranjo adicional, há pouca ou nenhuma
exclusão alélica no lócus da cadeia α. Portanto, rearranjos produtivos de α do TCR podem
ocorrer em ambos os cromossomos, e, se isso acontecer, a célula T expressará duas
cadeias α. De fato, até 30% das células T periféricas maduras expressam dois TCR
diferentes, com diferentes cadeias α, mas a mesma cadeia β. É possível que apenas um
dos dois TCRs diferentes participe da seleção positiva dirigida pelo MHC próprio,
descrita posteriormente. A regulação da transcrição do gene da cadeia α ocorre de
maneira semelhante à da cadeia β. Há promotores a 5’ de cada gene Vα que têm um baixo
nível de atividade e são responsáveis pela transcrição específica da célula T de alto nível
quando aproximados de um amplificador da cadeia α, localizado a 3’ do gene de Cα.
Rearranjos sem sucesso do gene α do TCR nos dois cromossomos levam a uma falha da
seleção positiva (discutida posteriormente). Os timócitos da linhagem de células T αβ
que não conseguirem realizar um rearranjo produtivo do gene da cadeia α do TCR
morrerão por apoptose.
A expressão do gene α do TCR no estágio duplo-positivo leva à formação do TCR αβ
completo, que é expresso na superfície celular em associação às proteínas CD3 e ζ. A
expressão coordenada das proteínas CD3 e ζ e a montagem dos complexos TCR intactos
são necessárias para a expressão de superfície. O rearranjo do gene α do TCR resulta na
deleção do lócus δ do TCR, que se situa entre os segmentos V (comuns a ambos os loci α
e δ) e segmentos Jα
(Fig. 8-6). Como resultado, esta célula T já não é capaz de se tornar
uma célula T γδ e está completamente comprometida com a linhagem das células T αβ. A
expressão dos genes RAG e a recombinação adicional do gene do TCR cessam após esse
estágio de maturação.
As células duplo-positivas que passam por processos de seleção bem-sucedidos
continuam a amadurecer em células T CD4
+ ou CD8
+
, que são denominadas timócitos
positivos simples. Assim, as fases de maturação das células T no timo podem ser
prontamente distinguidas pela expressão de CD4 e CD8 (Fig. 8-20). Esta maturação
fenotípica é acompanhada pelo comprometimento com diferentes programas funcionais
após a ativação de órgãos linfoides secundários. As células CD4
+ adquirem a capacidade
de produzir citocinas em resposta ao estímulo subsequente de antígenos e expressar
moléculas efetoras (tais como o ligante de CD40) que ativam os linfócitos B, células
dendríticas e macrófagos, enquanto as células CD8
+
tornam-se capazes de produzir
moléculas que destroem outras células. Os timócitos positivos simples maduros entram
na medula do timo e, em seguida, deixam o timo para residir nos tecidos linfoides
periféricos.
FIGURA 8-20 Expressão de CD4 e CD8 em timócitos e seleção positiva das células T no timo.
Amaturação dos timócitos pode ser seguida de mudanças na expressão dos correceptores CD4 e
CD8. Aimagem ilustra uma análise de citometria de fluxo de duas cores de timócitos usando
anticorpos anti-CD4 e anti-CD8, cada qual marcado com um fluorocromo diferente. Aporcentagem
da contribuição de todos os timócitos para cada população principal é mostrada nos quatro
quadrantes. O subgrupo menos maduro é o das células CD4
-CD8
-
(duplo-negativas). As setas
indicam a sequência da maturação.
Processos da Seleção na Maturação das Células T αβ Restritas ao MHC
A seleção das células T em desenvolvimento é dependente do reconhecimento de antígeno
(complexos peptídio-MHC) no timo e é responsável por preservar as células úteis e
eliminar as potencialmente nocivas. O repertório de linfócitos T imaturos ou não
selecionados é composto de células cujos receptores podem reconhecer qualquer
antígeno peptídico (próprio ou estranho) apresentado por qualquer molécula de MHC
(também própria ou estranha). Além disso, receptores que não reconhecem qualquer
complexo peptídio-molécula de MHC podem, teoricamente, ser expressos. Em cada
indivíduo, as únicas células T úteis são as específicas para peptídios estranhos
apresentados pelas moléculas de MHC desse indivíduo, isto é, moléculas de MHC
próprias. Quando os timócitos duplo-positivos expressam o TCR αβ pela primeira vez,
esses receptores encontram peptídios próprios (os únicos peptídios normalmente
presentes no timo) apresentados por moléculas de MHC próprias (as únicas moléculas
de MHC disponíveis para apresentar peptídios), principalmente nas células epiteliais do
timo presentes no córtex. O resultado deste reconhecimento é determinado
principalmente pela afinidade do encontro entre o TCR e os complexos antígeno-MHC
próprios. A seleção positiva é o processo que preserva as células T que reconhecem MHC
próprio (com peptídios próprios) com baixa afinidade. Este reconhecimento preserva as
células que podem ver antígenos apresentados por moléculas de MHC deste mesmo
indivíduo. Ao mesmo tempo, as células tornam-se comprometidas com a linhagem de
células CD4 ou CD8 com base em se o TCR em uma célula reconhece, respectivamente,
moléculas de MHC classe II ou MHC classe I. Além disso, em cada indivíduo, as células T
que reconhecem antígenos próprios com alta afinidade são potencialmente perigosas,
porque este reconhecimento pode desencadear uma autoimunidade. A seleção negativa é
o processo em que os timócitos cujos TCRs se ligam fortemente aos antígenos peptídios
próprios em associação a moléculas de MHC próprias são eliminados (Fig. 8-18). O
resultado final desses processos de seleção é que o repertório de células T maduras que
deixam o timo é restrito ao MHC próprio e tolerante a muitos antígenos próprios, e
apenas as células úteis completam sua maturação. Nas seções seguintes, discutiremos os
detalhes da seleção positiva e negativa.
Seleção Positiva de Timócitos: Desenvolvimento do Repertório de Células T Restritas ao MHC Próprio
A seleção positiva é o processo em que os timócitos cujos TCRs se ligam com baixa
afinidade (ou seja, fracamente) a complexos MHC próprio-peptídio próprio são
estimulados para sobreviver (Fig. 8-18). Os timócitos duplo-positivos são produzidos sem
estimulação antigênica e começam a expressar TCRs αβ com especificidades geradas
aleatoriamente que são provavelmente inclinados ao reconhecimento das estruturas
semelhantes ao MHC. No córtex do timo, estas células imaturas encontram células
epiteliais que estão exibindo uma variedade de peptídios próprios ligados a moléculas de
MHC classe I e classe II. O reconhecimento fraco destes complexos peptídio próprioMHC
próprio promove a sobrevivência das células T. Os timócitos cujos receptores não
reconhecem moléculas de MHC próprio morrem por uma via padrão de apoptose; este
fenômeno é chamado de morte por negligência (Fig. 8-18). Assim, a seleção positiva
assegura que as células T sejam restritas ao MHC próprio.
Durante a transição das células duplo-positivas para positivas simples, os timócitos
com TCRs restritos ao MHC classe I tornam-se CD8
+CD4
-
, e as células com TRCs restritos
ao MHC classe II tornam-se CD4
+CD8
-
. As células T duplo-positivas imaturas expressam
TCRs que podem reconhecer o MHC próprio classe I ou classe II. Dois modelos foram
propostos para explicar o processo de comprometimento com a linhagem, que resulta da
seleção de quais correceptores estão corretamente compatíveis com os TCRs que
reconhecem uma classe específica de moléculas de MHC. O modelo estocástico ou
probabilístico sugere que o comprometimento de células T imaturas com qualquer
linhagem depende da probabilidade aleatória de uma célula duplo-positiva se diferenciar
em uma célula T CD4
+ ou uma célula T CD8
+
. Neste modelo, uma célula que reconhece o
MHC próprio classe I pode diferenciar-se aleatoriamente em uma célula T CD8
+
(com o
correceptor apropriado) e sobreviver, ou em uma célula T CD4
+
(com o correceptor
errado) que pode deixar de receber sinais de sobrevivência. Neste processo de
diferenciação aleatória para células positivas simples, o correceptor não é compatível com
o reconhecimento da classe correta de moléculas de MHC aproximadamente metade das
vezes.
A visão mais aceita é a de que o processo de comprometimento com a linhagem
relacionado à seleção positiva não é um processo aleatório, mas é conduzido por sinais
específicos que instruem a célula T a se tornar CD4
+ ou CD8
+
. Modelos de instrução
sugerem que os TCRs restritos ao MHC classe I e pelo MHC classe II emitem diferentes
sinais que induzem ativamente a expressão do correceptor correto e desligam a expressão
do outro correceptor. Sabe-se que células duplamente positivas passam por um estágio
de alta expressão de CD4 e baixa expressão de CD8. Se o TCR nesta célula for restrito ao
MHC de classe I, quando identificar o MHC classe I adequado e o peptídio próprio, ele
receberá um sinal fraco porque os níveis do correceptor CD8 serão baixos e, além disso, o
CD8 associa-se em menor extensão à tirosinoquinase Lck do que o CD4. Estes sinais
fracos ativam fatores de transcrição, tais como Runx3, que mantêm o fenótipo de células
T CD8
+ por meio da regulação da expressão de CD8 e de fatores de transcrição inferiores,
e comprometem a célula T CD8
+ a se tornar um linfócito T citotóxico após a maturação
completa e ativação por antígeno. Por outro lado, se o TCR da célula for restrito ao MHC
classe II, quando identificar o MHC classe II, receberá um sinal mais forte porque os
níveis de CD4 serão elevados e o CD4 associa-se relativamente bem à Lck. Estes sinais
fortes ativam o fator de transcrição GATA3, o que compromete as células a se tornarem
CD4
+ e induz a expressão de um repressor denominado ThPoK, que impede a expressão
de genes de definição das células T CD8
+
.
Os peptídios ligados a moléculas de MHC nas células epiteliais do timo desempenham
um papel essencial na seleção positiva. No Capítulo 6, foi descrito como as moléculas de
MHC classe I e classe II na superfície celular sempre contêm peptídios ligados. Estes
peptídios associados ao MHC nas células apresentadoras de antígeno do timo
provavelmente possuem duas funções na seleção positiva– primeiramente, promovem a
expressão de superfície celular estável de moléculas de MHC, e, segundo, podem
influenciar as especificidades das células T que são selecionadas. É também evidente, em
uma variedade estudos experimentais, que alguns peptídios são melhores que outros no
suporte da seleção positiva e diferentes peptídios selecionam repertórios de células T
distintos. Tais resultados sugerem que o reconhecimento de antígeno específico, e não
apenas o reconhecimento do MHC, tem algum papel na seleção positiva. Uma
consequência da seleção positiva induzida pelo peptídio próprio é que as células T que
amadurecem têm a capacidade de reconhecer peptídios próprios. Foi mencionado no
Capítulo 2 que a sobrevivência de linfócitos virgens antes do encontro com antígenos
estranhos requer sinais de sobrevivência que são aparentemente gerados pelo
reconhecimento de antígenos próprios nos órgãos linfoides periféricos. Os mesmos
peptídios próprios que medeiam a seleção positiva de timócitos duplo-positivos no timo
podem estar envolvidos na preservação de células T maduras virgens (positivas simples)
vivas em órgãos periféricos, como os gânglios linfáticos e o baço.
O modelo de seleção positiva baseado no reconhecimento fraco de antígenos próprios
levanta uma questão fundamental: como a seleção positiva conduzida pelo
reconhecimento fraco de antígenos próprios produz um repertório de células T maduras
específico para antígenos estranhos? A resposta provável é que a seleção positiva permite
que muitos clones diferentes de células T sobrevivam e se diferenciem, e muitas dessas
células T que reconhecem peptídios próprios com baixa afinidade irão, após o
amadurecimento, reconhecer aleatoriamente peptídios estranhos com uma afinidade
suficientemente alta para serem ativadas e para gerar respostas imunes úteis.
Seleção Negativa de Timócitos: Tolerância Central
Os timócitos cujos receptores reconhecem complexos peptídio-MHC no timo com alta
afinidade sofrem apoptose (denominada seleção negativa) ou diferenciam-se em células T
reguladoras (Fig. 8-18). Entre as células T duplo-positivas que são geradas no timo,
algumas podem expressar TCRs que reconhecem antígenos próprios com alta afinidade.
Os peptídios presentes no timo são peptídios próprios derivados de antígenos proteicos
amplamente expressos, bem como de algumas proteínas que se acredita serem restritas a
determinados tecidos. (Lembre-se que os microrganismos que entram por vias comuns,
ou seja, epitélios, são capturados e transportados para os linfonodos e tendem a não
entrar no timo.) Em células T imaturas, uma das principais consequências do
reconhecimento de antígeno com alta afinidade é o desencadeamento de apoptose,
levando à morte, ou eliminação, das células. Portanto, muitos dos timócitos imaturos que
expressam receptores com alta afinidade com antígenos próprios no timo morrem,
resultando na seleção negativa do repertório de células T. Este processo elimina as células
T autorreativas potencialmente mais prejudiciais e é um dos mecanismos que asseguram
que o sistema imunológico não responda a muitos antígenos próprios, um fenômeno
chamado de autotolerância. A tolerância induzida nos linfócitos imaturos pelo
reconhecimento de antígenos próprios nos órgãos linfoides geradores (ou centrais)
também é denominada tolerância central, para ser contrastada com a tolerância
periférica induzida nos linfócitos maduros por antígenos próprios em tecidos periféricos.
Os mecanismos e a importância fisiológica da tolerância imunológica serão discutidos
em mais detalhes no Capítulo 15.
A eliminação de células T autorreativas imaturas pode ocorrer no estágio duplopositivo
no córtex e nas células T positivas simples recém-geradas na medula. As células
apresentadoras de antígeno do timo que medeiam a seleção negativa são,
principalmente, as células dendríticas derivadas da medula óssea e macrófagos, ambos
abundantes na medula, e células epiteliais tímicas medulares, enquanto as células
epiteliais corticais são especialmente (e talvez exclusivamente) eficazes na indução da
seleção positiva. As células T duplo-positivas são atraídas para a medula do timo por
quimiocinas. Na medula, as células epiteliais tímicas medulares expressam uma proteína
nuclear denominada AIRE (regulador autoimune) que induz a expressão de vários genes
específicos de tecidos no timo. Estes genes normalmente são expressos somente em
órgãos periféricos específicos. Sua expressão dependente do AIRE no timo torna muitos
peptídios específicos a tecidos disponíveis para apresentação a células T em
desenvolvimento, facilitando a eliminação (seleção negativa) destas células. Uma
mutação no gene que codifica o AIRE resulta em uma síndrome autoimune
poliendócrina, destacando a importância do AIRE na mediação da tolerância central a
antígenos específicos de tecidos (Cap. 15).
O mecanismo de seleção negativa no timo é a indução de morte por apoptose.
Diferentemente do fenômeno de morte por negligência, que ocorre na ausência de
seleção positiva, na seleção negativa, os sinais ativos que promovem a morte são gerados
quando o TCR de timócitos imaturos se ligam com alta afinidade ao antígeno. A indução
de uma proteína pró-apoptótica, denominada Bim, por sinalização do TCR provavelmente
desempenha um papel crucial na indução da permeabilidade mitocondrial e apoptose de
timócitos durante a seleção negativa (Cap. 15). Também está claro que, enquanto o
reconhecimento de antígeno com alta afinidade pelas células T imaturas desencadeia a
apoptose, o mesmo reconhecimento pelos linfócitos maduros, em conjunto com outros
sinais, inicia as respostas das células T (Cap. 9). A base bioquímica desta diferença
fundamental não está definida.
O reconhecimento de antígenos próprios no timo pode gerar uma população de células T
reguladoras CD4
+ que atuam de modo a evitar reações autoimunes (Cap. 15). Não está
claro quais fatores determinam a escolha entre os dois destinos alternativos das células T
imaturas que reconhecem antígenos próprios com alta afinidade, ou seja, a eliminação de
células T imaturas e o desenvolvimento de células T reguladoras. É possível que as
interações com afinidade ligeiramente menor do que a exigida para eliminação pode
levar ao desenvolvimento de células T reguladoras, mas evidências claras deste tipo de
discriminação fina são inexistentes.
Linfócitos T γδ
Timócitos que expressam TCR αβ e γδ são de linhagens separadas com um precursor
comum. Nos timos fetais, os primeiros rearranjos dos genes do TCR envolvem os loci γ e
δ. A recombinação dos loci γ e δ do TCR segue de forma semelhante a de outros
rearranjos do gene do receptor de antígeno, embora a ordem de rearranjo pareça ser
menos rígida do que em outros loci. Em uma célula T duplo-negativa em
desenvolvimento, o rearranjo dos loci β, γ ou δ do TCR é inicialmente possível. Se uma
célula consegue rearranjar produtivamente seus loci γ e δ do TCR antes de fazer um
rearranjo produtivo de β do TCR, ela será selecionada para a linhagem de células T γδ.
Isso ocorre em cerca de 10% das células T duplamente negativas em desenvolvimento.
Em cerca de 90% dos casos, ocorre inicialmente um rearranjo produtivo do gene β do
TCR. Nesta situação, a sinalização do pré-TCR seleciona estas células para amadurecer
para a linhagem de células T αβ, e eventual eliminação de δ do TCR quando α do TCR é
rearranjado (o lócus δ do TCR é incorporado no lócus α do TCR) resulta em
comprometimento irreversível com a linhagem αβ.
A diversidade do repertório de células T γδ é teoricamente ainda maior do que a do
repertório de células T αβ, em parte porque as sequências de reconhecimento
heptâmero-nonâmero adjacentes aos segmentos D permitem a junção D-a-D.
Paradoxalmente, porém, a verdadeira diversidade dos TCRs γδ expressos é limitada,
porque apenas alguns dos segmentos V, D e J disponíveis são utilizados nas células T γδ
maduras, por razões desconhecidas. Esta diversidade limitada lembra a diversidade
limitada do subgrupo B-1 de linfócitos B e está de acordo com o conceito de que as
células T γδ funcionam como uma defesa inicial contra um número limitado de
microrganismos comumente encontrados em barreiras epiteliais. As funções das células
T γδ são descritas no Capítulo 10.
Outra pequena população, denominada células NKT, também se desenvolve no timo;
estas são descritas no Capítulo 10 também.
Resumo
Os linfócitos B e T surgem a partir de um precursor derivado da medula óssea comum
que se torna comprometido com a linhagem de linfócitos. A maturação das células B
continua na medula óssea, ao passo que os progenitores das células T iniciais migram e
completam sua maturação no timo. A maturação inicial é caracterizada pela
proliferação de células induzida por citocinas, principalmente IL-7, que leva a uma
expansão do número de linfócitos que acabaram de se comprometer com determinadas
linhagens.
Sinais extracelulares induzem a ativação de fatores de transcrição, que induzem a
expressão de genes específicos da linhagem e abrem os loci de genes de receptores de
antígenos específicos no nível de acessibilidade da cromatina.
O desenvolvimento das células B e T envolve o rearranjo dos segmentos gênicos do
receptor de antígenos e a expressão inicial da proteína µ da cadeia pesada das Ig em
precursores de células B e das moléculas β do TCR em precursores de células T. A
expressão inicial de pré-receptores de antígeno e a expressão subsequente de
receptores de antígeno são essenciais para a sobrevivência, a expansão e a maturação
de linfócitos em desenvolvimento e para os processos de seleção que levam a um
repertório diverso de especificidades de antígenos úteis.
Os receptores de antígenos das células B e T são codificados pelos genes dos receptores
constituídos de um número limitado de segmentos gênicos, que são segregados
espacialmente nos loci dos receptores de antígeno das linhagens germinativas, mas são
recombinados somaticamente nas células B e T em desenvolvimento.
Os loci separados codificam a cadeia pesada da Ig, a cadeia leve κ da Ig, a cadeia leve λ
da Ig, a cadeia β do TCR, as cadeias α e δ do TCR e a cadeia γ do TCR. Estes loci contêm
os segmentos gênicos V, J, e, apenas na cadeia pesada da Ig e nos loci β e δ do TCR, o
segmento gênico D. Os segmentos J estão localizados imediatamente a 5’ dos éxons
que codificam os domínios constantes, e os segmentos V estão a uma grande distância
acima dos segmentos J. Quando presentes, os segmentos D encontram-se entre os
grupamentos V e J. O rearranjo somático dos loci da Ig e do TCR envolve a junção dos
segmentos D e J nos loci que contêm segmentos D, seguida pela junção do segmento V
aos segmentos DJ recombinados nestes loci ou a junção direta V-a-J nos outros loci.
Este processo de recombinação de gene somática é mediado por um complexo da
enzima recombinase constituído dos componentes específicos dos linfócitos Rag-1 e
Rag-2.
A diversidade dos repertórios dos anticorpos e do TCR é gerada pelas associações
combinatórias de múltiplos segmentos gênicos V, D e J da linhagem germinativa,
enquanto a diversidade juncional é gerada pela adição ou remoção de nucleotídeos
aleatórios nos locais de recombinação. Estes mecanismos geram a maior diversidade
nas junções dos segmentos que formam a terceira região hipervariável dos
polipeptídios dos anticorpos e do TCR.
A maturação das células B ocorre em estágios caracterizados por diferentes padrões de
rearranjo e expressão do gene das Ig. Nos primeiros precursores das células B,
denominados células pró-B, os genes das Ig estão inicialmente na configuração da
linhagem germinativa, e o rearranjo D a J ocorre no lócus da cadeia pesada das Ig.
Na transição da célula pró-B para pré-B, a recombinação V-D-J é concluída no lócus da
cadeia H da Ig. Um transcrito primário do RNA contendo o éxon VDJ e éxons dos
genes C das Ig é produzido, e o éxon VDJ é emendado aos éxons da região C µ do RNA
da cadeia pesada para gerar um mRNA maduro, que é traduzido na proteína da cadeia
pesada µ nas células em que tenha ocorrido um rearranjo interno. O pré-BCR é
formado pelo pareamento da cadeia µ com cadeias leves substitutas e pela associação
às moléculas de sinalização Igα e Igβ. Este receptor emite sinais de sobrevivência e
proliferação e também sinaliza para inibir o rearranjo do outro alelo da cadeia pesada
(exclusão alélica).
À medida que as células se diferenciam em células B imaturas, a recombinação V-J
ocorre inicialmente no lócus κ da Ig e as proteínas da cadeia leve são expressas. As
cadeias pesadas e leves são, então, montadas na forma de moléculas de IgM intactas e
expressas na superfície da célula. As células B imaturas deixam a medula óssea para
residir em tecidos linfoides periféricos, onde completam a sua maturação. No estágio
de célula B madura, síntese das cadeias pesadas µ e δ ocorre paralelamente, mediada
pelo processamento (splicing) alternativo dos transcritos primários do RNA das cadeias
pesadas e IgM e IgD de membrana são expressos.
Durante a maturação dos linfócitos B, as células B imaturas que expressam receptores de
antígenos de alta afinidade específicos para antígenos próprios presentes na medula
óssea são induzidas a editar os genes de seus receptores, ou essas células são
eliminadas. A edição do receptor envolve o rearranjo adicional no lócus κ da Ig e pode
também envolver o rearranjo do gene da cadeia leve λ da Ig. As células B que
expressam as cadeias leves λ são frequentemente células que foram submetidas à
edição do receptor.
A maturação das células T no timo também progride em estágios, que se distinguem
pelo padrão de expressão dos genes dos receptores de antígenos, pelas moléculas dos
correceptores CD4 e CD8 e pela localização dos eventos de desenvolvimento dentro do
timo. Os primeiros imigrantes da linhagem T para o timo não expressam TCR ou
moléculas de CD4 ou CD8. As células T em desenvolvimento dentro do timo,
denominadas timócitos, inicialmente residem no córtex exterior, onde sofrem
proliferação, rearranjo dos genes do TCR e induzem a expressão de superfície das
moléculas CD3, TCR, CD4 e CD8. À medida que as células amadurecem, elas migram
do córtex para a medula.
Os timócitos menos maduros, denominados células pró-T, são CD4
-CD8
-
(duplonegativos)
e, neste estágio, os genes TCR encontram-se inicialmente na configuração
da linhagem germinativa. O rearranjo dos genes das cadeias β, δ e γ do TCR ocorre
nesta etapa.
No estágio pré-T, os timócitos permanecem duplo-negativos, mas a recombinação V-D-J
é concluída no lócus da cadeia β do TCR. Os transcritos primários da cadeia β são
expressos e processados para aproximar um éxon VDJ de um segmento Cβ
, e os
polipeptídios da cadeia β do TCR são produzidos. Nas células em que o rearranjo foi
produtivo, a cadeia β do TCR associa-se à proteína pré-Tα invariável para formar um
pré-TCR. O pré-TCR transduz sinais que inibem o rearranjo do outro alelo da cadeia β
(exclusão alélica) e promove a diferenciação para o estágio de dupla expressão de CD4
e CD8 e uma proliferação adicional de timócitos imaturos. No estágio CD4
+CD8
+
(duplo-positivo) do desenvolvimento das células T, ocorre a recombinação V-J no lócus
α do TCR, polipeptídios da cadeia α são produzidos e baixos níveis de TCR são
expressos na superfície da célula.
Os processos de seleção levam à maturação de timócitos duplo-positivos que expressam
TCR e moldam o repertório de células T para a restrição ao MHC próprio e
autotolerância.
A seleção positiva dos timócitos CD4
+CD8
+ TCR αβ requer o reconhecimento com baixa
afinidade de complexos MHC-peptídio nas células epiteliais do timo, levando a um
resgate das células da morte programada. Conforme os timócitos TCR αβ
amadurecem, eles migram para a medula e tornam-se CD4
+CD8
- ou CD8
+CD4
-
. A
seleção positiva é acompanhada do comprometimento com a linhagem. Isso resulta na
combinação dos TCRs que reconhecem o MHC classe I com a expressão de CD8 e
silenciamento de CD4; os TCRs que reconhecem moléculas de MHC classe II estão
combinados com a expressão de CD4 e a perda de expressão de CD8.
A seleção negativa dos timócitos duplo-positivos CD4
+CD8
+ TCR αβ ocorre quando estas
células reconhecem, com alta afinidade, antígenos que estão presentes no timo. Este
processo é responsável pela tolerância a vários antígenos próprios. Os timócitos
medulares continuam a ser selecionados negativamente, e as células que não sofrem
deleção clonal adquirem a capacidade de se diferenciar em células T CD4
+ ou CD8
+
virgens e, finalmente, migram para tecidos linfoides periféricos.





















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