Fonte: Livro Imunologia Celular e Molecular - 8ª Ed.
Autores: Abul Lichtman, Andrew Abbas
PRINCÍPIOS GERAIS DA IMUNOLOGIA DO TRANSPLANTE
RESPOSTA IMUNOLÓGICA ADAPTATIVA AOS ALOENXERTOS
A Natureza dos Aloantígenos
Reconhecimento de Aloantígenos pelas Células T
Funções Ativadoras e Efetoras dos Linfócitos T Alorreativos
Ativação de Células B Alorreativas e Produção e Funções de Aloanticorpos
PADRÕES E MECANISMOS DE REJEIÇÃO DE ENXERTOS
Rejeição Hiperaguda
Rejeição Aguda
A Rejeição Crônica e a Vasculopatia do Enxerto
PREVENÇÃO E TRATAMENTO DE REJEIÇÃO DE ALOENXERTOS
Métodos para Reduzir a Imunogenicidade de Aloenxertos
A Imunossupressão para Prevenir ou Tratar a Rejeição de Enxertos
Métodos para Induzir Tolerância Doador-Específica
TRANSPLANTE XENOGÊNICO
TRANSFUSÃO DE SANGUE E OS GRUPOS DE ANTÍGENOS SANGUÍNEOS ABO E RH
Antígenos de Grupos Sanguíneos ABO
Antígenos de outros Grupos Sanguíneos
TRANSPLANTE HEMATOPOÉTICO DE CÉLULAS-TRONCO
Doença do Enxerto versus Hospedeiro
Imunodeficiência após o Transplante de Células-Tronco Hematopoiéticas
RESUMO
O transplante é um tratamento amplamente utilizado para a substituição de órgãos e
tecidos que não funcionam por órgãos ou tecidos saudáveis. Tecnicamente, o transplante
é o processo da retirada das células, tecidos ou órgãos, chamado de enxerto, de um
indivíduo e colocando-os em um indivíduo (geralmente) diferente. O indivíduo que
fornece o enxerto é chamado de doador, e o indivíduo que recebe o enxerto é chamado de
receptor ou hospedeiro. Se o enxerto é colocado em sua localização anatômica normal, o
procedimento é chamado de transplante ortotópico; se o enxerto é colocado num local
diferente, o procedimento é chamado de transplante heterotópico. A transfusão refere-se
à transferência de células do sangue circulante ou de plasma de um indivíduo para outro.
O transplante clínico para tratar doenças humanas tem aumentado continuamente
durante os últimos 45 anos. O transplante de células células-tronco hematopoéticas rins,
fígados e corações é muito utilizado atualmente e o transplante de outros órgãos, tais
como pulmão e pâncreas está se tornando mais frequente (Fig. 17-1). Mais de 30.000
transplantes renais, de coração, pulmão e fígado são atualmente realizados nos Estados
Unidos a cada ano. Além disso, o transplante de vários outros órgãos e células, incluindo
as células-tronco teciduais, estão sendo testados.
FIGURA 17-1 Pessoas que vivem com enxertos de órgãos funcionando nos Estados Unidos,
2002-2010. (Dados de SRTR relatório anual de 2012. Disponível em http://www.srtr.org/. Acessado em abril de 2013)
Uma vez que o desafio técnico de transplantar órgãos cirurgicamente foi superado,
logo ficou claro que a resposta imunológica contra os tecidos enxertados foi a grande
barreira para o transplante. Por outro lado, controlar esta resposta imunológica é a chave
para o transplante bem-sucedido. Estas realizações têm conduzido ao desenvolvimento
da imunologia do transplante como uma disciplina dentro do tema mais amplo da
imunologia, e este é o tema do capítulo.
Princípios gerais da imunologia do transplante
Com base em estudos experimentais e observações clínicas, vários princípios que são
estabelecidos agora se aplicam às reações aos transplantes a nenhuma outra resposta
imunológica. Estão resumidos a seguir.
O transplante de células ou tecidos de um indivíduo para um indivíduo geneticamente
não idêntico leva invariavelmente à rejeição do transplante devido a uma resposta
imunológica adaptativa. Este problema foi considerado em primeiro lugar quando as
tentativas para substituir a pele danificada em pacientes queimados com a pele de
doadores não familiares mostraram-se uniformemente fracassadas. Durante um período
de 1 a 2 semanas, a pele transplantada sofria necrose e se soltava. A falência dos enxertos
levou Peter Medawar e outros pesquisadores a estudarem o transplante de pele em
modelos animais. Estas experiências estabeleceram que a falha de enxerto de pele foi
causada por uma reação inflamatória, que eles chamaram de rejeição. A conclusão de que
a rejeição do enxerto é o resultado de uma resposta imunológica adaptativa veio de
experiências que demonstram que o processo teve características de memória e
especificidade e foi mediado por linfócitos (Fig. 17-2). Por exemplo, ocorre rejeição entre
10 a 14 dias após o primeiro transplante de um dador para um receptor não idêntico
(chamado de rejeição do primeiro conjunto) e mais rapidamente após o segundo
transplante a partir do mesmo doador para esse receptor (chamado de rejeição do
segundo conjunto), indicando que o receptor desenvolveu uma memória para tecido
enxertado. Indivíduos que rejeitaram um enxerto de um doador demonstram rejeição
acelerada de outro enxerto a partir do mesmo doador, mas não a partir de um dador
diferente, o que demonstra que o processo de rejeição é imunologicamente específico.
Esses resultados experimentais foram recapitulados em transplantes clínicos. Talvez a
evidência mais convincente mostrando que a rejeição do enxerto é uma resposta
imunológica adaptativa tenha sido a constatação de que a capacidade de rejeitar
rapidamente um transplante pode ser transferida com linfócitos de um hospedeiro
sensibilizado para um hospedeiro imaturo.
FIGURA 17-2 Rejeição do primeiro e segundo conjunto de enxertos.
Os resultados dos experimentos apresentados indicam que a rejeição do enxerto apresenta as
características da resposta imunológica adaptativa, ou seja, a memória e a mediação por linfócitos.
Um camundongo de linhagem pura B vai rejeitar um enxerto de um camundongo de linhagem pura A
com uma cinética de primeiro conjunto (painel da esquerda). Um camundongo de linhagem B
sensibilizado por um enxerto anterior de uma linhagem pura de camundongo Avai rejeitar um
segundo enxerto a partir de uma cepa pura. Um camundongo com cinética de segundo conjunto
(painel do meio), demonstrando memória. Um camundongo da linhagem B injetado com linfócitos B
a partir de outro camundongo rejeitou um enxerto de uma cepa de camundongos Arejeitará um
enxerto de um camundongo da linhagem Acom cinética de segundo conjunto (painel direito), o que
demonstra o papel dos linfócitos na mediação de rejeição e memória. Um camundongo da linhagem
B sensibilizado por um enxerto anterior de uma linhagem Avai rejeitar um enxerto de uma terceira
linhagem não relacionada com cinética de primeiro conjunto, demonstrando, assim, uma outra
característica da imunidade adaptativa, a especificidade (não mostrada). Enxertos singênicos nunca
são rejeitados (não mostrados).
Os imunologistas de transplantes têm desenvolvido um vocabulário especial para
descrever os tipos de células e tecidos encontrados no ambiente de transplante. Um
enxerto transplantado de um indivíduo para o mesmo indivíduo é chamado de enxerto
autólogo. Um enxerto transplantado entre dois indivíduos geneticamente idênticos é
denominado um enxerto singênico. Um enxerto transplantado entre dois indivíduos
geneticamente diferentes da mesma espécie é chamado de enxerto alogênico (ou
aloenxerto). Um enxerto transplantado entre indivíduos de espécies diferentes é
chamado de enxerto xenogênico (ou xenoenxerto). As moléculas que são reconhecidas
como estranhas em enxertos são chamadas de aloantígenos e aquelas nos xenoenxertos
são chamadas xenoantígenos. Os linfócitos e anticorpos que reagem com os aloantígenos
ou xenoantígenos são descritos como sendo ou alorreativo ou xenorreativo,
respectivamente.
A maior parte deste capítulo enfoca o transplante alogênico, porque é muito mais
comumente praticado e melhor entendido que o transplante xenogênico, discutido
brevemente no final do capítulo. Vamos considerar tanto a imunologia básica quanto
alguns aspectos da prática clínica do transplante. Concluiremos o capítulo com uma
discussão sobre o transplante de células-tronco hematopoéticas o que levanta problemas
especiais geralmente não encontrados com os transplantes de órgãos sólidos.
Resposta imunológica adaptativa aos aloenxertos
Os aloantígenos provocam tanto respostas imunológicas celulares quanto humorais.
Nesta seção, vamos discutir os mecanismos moleculares e celulares de
alorreconhecimento, com ênfase sobre a natureza dos antígenos do enxerto que
estimulam respostas alogênicas e as propriedades da resposta dos linfócitos.
A Natureza dos Aloantígenos
Os antígenos que estimulam a resposta imunológica adaptativa contra aloenxertos são
proteínas de histocompatibilidade, codificadas por genes polimórficos que diferem entre os
indivíduos. Como foi discutido no Capítulo 6, todos os animais de uma linhagem pura
são geneticamente idênticos e são homozigóticos para todos os genes (exceto os
cromossomos sexuais nos machos). Por outro lado, os animais de diferentes cepas de
linhagens puras, e os indivíduos em uma espécie (exceto gêmeos idênticos), diferem nos
genes que herdam, incluindo os genes de histocompatibilidade. As regras básicas da
imunologia dos transplantes, que foram estabelecidas pela primeira vez a partir de
experimentos em grande parte com camundongos definidos geneticamente, são os
seguintes (Fig. 17-3).
FIGURA 17-3 Agenética da rejeição do enxerto.
Na ilustração, as duas cores diferentes do camundongo representam as linhagens puras com
diferentes haplótipos do MHC. Os alelos do MHC herdados de ambos os pais são expressos de
modo codominante na pele de uma prole A × B e, portanto, esses camundongos são representados
por ambas as cores. Enxertos singênicos não são rejeitados (A). Os aloenxertos são sempre
rejeitados (B). Enxertos de um progenitor Aou B não serão rejeitados por um descendente (A × B)
F1
(C), mas os enxertos dos descendentes serão rejeitados por qualquer dos progenitores (D).
Estes fenômenos se devem ao fato de que os produtos do gene do MHC são responsáveis pela
rejeição do enxerto; enxertos são rejeitados somente se eles expressam um tipo de MHC
(representado pelo verde ou laranja), que não é expresso pelo camundongo receptor.
• As células ou órgãos transplantados entre os indivíduos geneticamente idênticos
(gêmeos idênticos ou membros da mesma linhagem pura de animais) nunca são
rejeitados.
• As células ou órgãos transplantados entre pessoas geneticamente não idênticas ou
membros de duas linhagens puras diferentes de uma espécie são sempre rejeitados.
• A descendência de um cruzamento entre duas linhagens puras diferentes de animais
não vai rejeitar enxertos de qualquer um dos pais. Em outras palavras, um animal (A x
B) F1 não vai rejeitar um enxerto de animais da linhagem A ou B. (Esta regra é violada
no transplante de medula óssea, quando as células NK em um receptor [A x B] F1
rejeitam as células de medula óssea a partir de um dos pais, como veremos mais
adiante neste capítulo.)
• Um enxerto derivado da prole de um acasalamento entre duas linhagens puras
diferentes de animais será rejeitado por qualquer um dos pais. Em outras palavras, um
enxerto de um animal (A x B) F1 será rejeitado por qualquer animal da linhagem A ou
um B.
Tais resultados sugerem que as moléculas nos enxertos responsáveis por desencadear a
rejeição devem ser polimórficas e sua expressão é codominante. Polimórfica refere-se ao
fato de esses antígenos do enxerto diferirem entre os indivíduos de uma espécie (além
dos gêmeos idênticos) ou entre diferentes linhagens puras de animais. A expressão
codominante significa que cada indivíduo herda genes que codificam estas moléculas de
ambos os pais, e ambos os alelos parentais são expressos. Por conseguinte, os animais (A
x B) F1 expressam tanto os alelos A e B e quanto consideram tecidos A e B como próprios,
enquanto os animais puros A ou B expressam apenas um alelo e consideram os tecidos
(A × B) F1 como parcialmente estranhos. É por isso que os animais (A x B) F1 não rejeitam
enxertos das linhagens A ou B e que ambos receptores A e B rejeitam um enxerto (A x B)
F1
.
As moléculas responsáveis pelas reações fortes (rápidas) de rejeição são denominadas de
moléculas do complexo maior de histocompatibilidade (MHC). George Snell e colegas
produziram pares de linhagens de camundongos congênitas criados para ser
geneticamente idênticos uns aos outros, exceto para os genes necessários para a rejeição
do enxerto. Eles utilizaram estes camundongos para identificar os genes polimórficos
que codificam os alvos moleculares de rejeição dos aloenxertos, chamados de genes
MHC. Os transplantes da maioria dos tecidos entre qualquer par de indivíduos, a não ser
nos gêmeos idênticos, será rejeitado porque as moléculas do MHC são tão polimórficas
que não é possível que dois indivíduos herdem as mesmas. Como discutido no
Capítulo 6, a função normal das moléculas do MHC consiste em apresentar peptídios
derivados de antígenos proteicos numa forma que pode ser reconhecida por células T. O
papel das moléculas de MHC como os antígenos que causam rejeição ao enxerto é uma
consequência da natureza do reconhecimento de antígenos da célula T, como
discutiremos mais tarde. Lembre-se de que as moléculas de MHC humanas são
chamadas de antígenos de leucócitos humanos (HLA) e no contexto do transplante
humano, os termos de MHC e HLA são utilizados alternadamente.
Na configuração de qualquer transplante entre doador e receptor não idênticos
geneticamente, haverá antígenos polimórficos diferentes de moléculas de MHC contra as
quais o receptor pode desencadear uma resposta imunológica. Estes antígenos
normalmente induzem reações de rejeição fracas ou mais lentas (mais graduais) do que
as moléculas de MHC e por isso são chamados de antígenos histocompatibilidade
secundários. A maioria dos antígenos de histocompatibilidade secundários são proteínas
que são processadas e apresentadas para as células T do hospedeiro, em associação a
moléculas de MHC próprio nas células apresentadoras de antígenos (APCs), semelhante
a qualquer antígeno proteico. A relevância de antígenos de histocompatibilidade
secundários em transplantes de órgãos sólidos clínica é incerta, principalmente porque
tem havido pouco sucesso na identificação dos antígenos relevantes. Em camundongos, o
antígeno H-Y macho parece ser um alvo do reconhecimento imunológico por fêmeas
receptoras que recebem enxertos de doadores do sexo masculino. Embora em seres
humanos exista um risco ligeiramente maior de rejeição de transplantes de coração de
doador do sexo masculino para receptoras do sexo feminino, em comparação com os
transplantes do mesmo sexo, dada a escassez de corações doados, combinar o sexo não é
prático. Os antígenos de histocompatibilidade secundária desempenham um papel mais
importante na estimulação de respostas do enxerto versus hospedeiro após o transplante
de células-tronco hematopoéticas, discutidos mais adiante, mas a natureza dos antígenos
relevantes nesse cenário também não está definida.
Reconhecimento de Aloantígenos pelas Células T
As moléculas alogênicas do MHC de um enxerto podem ser apresentadas para
reconhecimento pelas células T do receptor de duas maneiras fundamentalmente diferentes,
chamadas de vias diretas e indiretas (Fig. 17-4). Os estudos iniciais demonstraram que as
células T do receptor do enxerto reconhecem as moléculas do MHC intactas, não
processadas no enxerto, e isso é chamado de o reconhecimento direto dos aloantígenos.
Estudos posteriores mostraram que, por vezes, as células T do receptor do enxerto
reconhecem apenas as moléculas de MHC, no contexto de moléculas de MHC do
receptor, o que implica que as moléculas de MHC do receptor devem estar apresentando
proteínas de MHC de enxerto alogênico para as células T do receptor. Este processo é
chamado reconhecimento indireto, e é essencialmente o mesmo que o reconhecimento
de qualquer antígeno proteico externo (p. ex., microbiano). Não apenas as moléculas de
MHC, mas os antígenos de histocompatibilidade secundária, também podem ser
apresentados para as células T pela via indireta. O reconhecimento de aloantígenos pelas
células T seja de maneira direta ou indireta, é o passo inicial na maioria das formas de
rejeição de aloenxertos. É provável que, independentemente da via e dos antígenos do
enxerto que são reconhecidas pelas células T do hospedeiro, a resposta inicial ocorra nos
gânglios linfáticos de drenagem do enxerto, como discutiremos mais tarde. Nesse caso,
as APCs que transportam o antígeno devem ser capazes de migrar do enxerto para os
gânglios linfáticos.
FIGURA 17-4 Reconhecimento direto e indireto de aloantígenos.
A, o reconhecimento direto do aloantígeno ocorre quando as células T se ligam diretamente a uma
molécula alogênica do MHC intacta em uma APC de um enxerto (doador). B, ocorre o
reconhecimento indireto dos aloantígenos quando as moléculas do MHC alogênicas de células do
enxerto são capturadas e processadas pelas APCs e os fragmentos peptídicos das moléculas de
MHC alogênicas contendo resíduos polimórficos de aminoácidos são ligados e apresentados pelas
moléculas próprias do MHC do receptor. APC, célula apresentadora de antígeno.
Reconhecimento Direto dos Aloantígenos MHC em Células do Doador
No caso do reconhecimento direto, as moléculas de MHC intacta exibidas pelas células do
enxerto são reconhecidas pelas células T receptoras sem a necessidade de processamento
pelas APCs do hospedeiro (Fig. 17-5, A). Pode parecer estranho que as células T, que
normalmente são selecionadas durante a sua maturação para serem MHC próprias
restritas, sejam capazes de reconhecer moléculas de MHC externas (alogênicas ou
xenogênicas). Uma provável explicação é que os receptores de células T (TCRs) têm uma
especificidade inerente para as moléculas de MHC, independentemente do fato de elas
serem próprias ou estranhas. Em outras palavras, os genes de TCR evoluíram para
codificar uma estrutura de receptor que tem uma afinidade intrínseca para moléculas de
MHC. Além disso, durante o desenvolvimento das células T no timo, a seleção positiva
promove a sobrevivência de células T com fraca reatividade de MHC próprio e entre estas
células T, pode haver muitas com forte reatividade às moléculas de MHC alogênicas.
Embora a seleção negativa no timo elimine eficientemente as células T com alta afinidade
para o auto MHC (Caps. 8 e 15), não necessariamente eliminam as células T que se ligam
fortemente às moléculas de MHC alogênico, simplesmente porque estas moléculas não
estão presentes no timo. O resultado é que o repertório maduro possui uma fraca
afinidade intrínseca para moléculas de MHC e inclui muitas células T que se ligam às
moléculas de MHC alogênico com elevada afinidade. Portanto, pode-se pensar em
alorreconhecimento direto como um exemplo de uma reação imunológica cruzada em
que uma célula T que foi selecionada para ser MHC própria restrita é capaz de se ligar
moléculas de MHC alogênicas estruturalmente semelhantes com alta afinidade suficiente
para permitir a ativação da célula T.
FIGURA 17-5 Base molecular do reconhecimento direto das moléculas do MHC alogênicas.
O reconhecimento direto de moléculas do MHC alogênicas pode ser pensado como uma reação
cruzada em que uma célula T específica para uma molécula própria do complexo MHC-peptídio
estranha (A), também reconhece uma molécula de MHC alogênica (B, C). Os peptídios que se
ligam a moléculas de MHC no enxerto podem contribuir para o alorreconhecimento (B) ou não (C).
As moléculas de MHC expressas em superfícies celulares normalmente contêm
peptídios ligados e, em alguns casos, o peptídio contribui para a estrutura reconhecida
pelas células T alorreativas, exatamente como o papel dos peptídios no reconhecimento
normal dos antígenos estranhos pelas células T próprias de MHC restrito (Fig. 17-5, B).
Mesmo que esses peptídios possam ser derivados de proteínas que estão presentes no
dador e no receptor, nas células do enxerto, eles são exibidos pelas moléculas de MHC
alogênico. Portanto, os complexos de peptídios (próprios ou estranhos) com moléculas de
MHC alogênico vão aparecer de maneira diferente dos complexos peptídio-MHC próprio.
Em outros casos, o reconhecimento e a ativação direta de uma célula T alorreativa pode
ocorrer independentemente de qual peptídio é carreado pela molécula de MHC
alogênico, devido aos resíduos de aminoácidos polimórficos da molécula de MHC
alogênico sozinhos formarem uma estrutura que se assemelha ao MHC próprio mais o
peptídio (Fig. 17-5, C).
As respostas das células T para as moléculas do MHC alogênico diretamente
apresentadas são muito fortes, porque existe uma frequência alta de células T que
conseguem reconhecer diretamente um único MHC alogênico. Estima-se que cerca de 1% a
2% de todas as células T de um indivíduo irá reconhecer diretamente uma molécula de
MHC alogênica numa célula do doador, o que é de 100 a 1.000 vezes maior do que a
frequência de células T específicas para qualquer peptídio microbiano exibida pelas
moléculas de MHC. Existem várias explicações para esta alta frequência de células T que
podem reconhecer diretamente o alo-MHC.
• Muitos peptídios diferentes derivados de células do doador podem combinar-se com
uma única molécula de MHC alogênico, e cada uma dessas combinações peptídioMHC
podem, teoricamente, ativar um clone diferente de células T receptoras. Isto
acontece porque o encaixe da ligação do peptídio de moléculas MHC pode acomodar
muitos peptídios diferentes, e cada peptídio em combinação com a mesma molécula
MHC vai olhar diferente para TCRs e vai ligar-se a diferentes clones de células T.
• Cada APC expressa milhares de cópias de diferentes moléculas de MHC na sua
superfície, e se essas moléculas de MHC forem estranhas, muitas ou todas elas podem
ser reconhecidas por células T alorreativas. Em contrapartida, no caso de uma infecção,
menos de 1% (e talvez tão pouco quanto 0,1%) das moléculas próprias de MHC em
uma APC normalmente apresentam qualquer peptídio microbiano de uma só vez, e
somente esses podem ser reconhecidos por células T específicas para o antígeno
microbiano.
• Muitas das células T que respondem a uma molécula de MHC alogênica, mesmo na
primeira exposição, são as células T de memória. É provável que estas células de
memória tenham sido geradas durante a exposição prévia a outro antígeno estranho
(p. ex., microbiano) e reagem de forma cruzada com as moléculas de MHC alogênicas.
Estas células de memória não são apenas populações expandidas de células antígenoespecíficas,
mas também são as que respondem mais rápido e de maneira potente do
que os linfócitos imaturos e, assim, contribuem para a maior força da resposta de
células T alorreativas.
O alorreconhecimento direto pode gerar tanto células T CD4
+ quanto as células T CD8
+
,
que reconhecem os antígenos de enxertos e contribuem para a rejeição. O papel da
resposta de células T alorreativas na rejeição é descrito mais adiante.
O Reconhecimento Indireto de Aloantígenos
Na via indireta, as moléculas de MHC (alogênicas) do doador são capturadas e
processadas pelas APCs do receptor, e os peptídios derivados das moléculas de MHC
alogênicas são apresentados em associação a moléculas de MHC (Fig. 17-4, B). Assim, os
peptídios das moléculas MHC alogênico são apresentados pelas APCs do hospedeiro e
reconhecidos pelas células T como antígenos convencionais de proteínas estranhas. Uma
vez que as moléculas MHC alogênico possuem sequências de aminoácidos diferentes das
do hospedeiro, eles podem gerar peptídios estranhos associados às moléculas próprias
de MHC na superfície de APCs do hospedeiro. Na verdade, as moléculas de MHC são as
proteínas mais polimórficas do genoma; consequentemente, cada molécula de MHC
alogênica pode dar origem a vários peptídios que são estranhos para o hospedeiro, cada
um reconhecido por diferentes células T. A apresentação indireta pode resultar no
alorreconhecimento por células T CD4
+
, porque o aloantígeno é adquirido pelas APCs do
hospedeiro, principalmente através da via endossomal vesicular (ou seja, como uma
consequência da fagocitose) e é por isso, apresentado por moléculas do MHC classe II.
Alguns antígenos de células fagocitadas do enxerto parecem entrar na via de
apresentação de antígeno do MHC de classe I e são indiretamente reconhecidos por
células T CD8
+
. Este fenômeno é um exemplo de apresentação cruzada ou preparação
cruzada (Fig. 6-20), em células dendríticas que ingerem os antígenos de outra célula, a
partir do enxerto e apresentam esses antígenos nas moléculas do MHC de classe I para
ativar (principais) linfócitos T CD8
+
.
A prova de que o reconhecimento indireto das moléculas do MHC alogênicas
desempenha um papel importante na rejeição de enxertos foram obtidas de estudos com
camundongos knockouts deficientes na expressão do MHC de classe II. Por exemplo,
enxertos de pele de camundongos doadores sem o MHC de classe II são capazes de
induzir respostas da célula T CD4
+
(p. ex., restritas ao MHC de classe II) aos peptídios
derivados das moléculas do MHC de classe I do doador. Nestes experimentos, as
moléculas do MHC de classe I do doador são processadas e apresentadas pelas moléculas
de classe II em APCs do receptor e estimulam as células T auxiliares do receptor. Foram
obtidas evidências de que a apresentação indireta do antígeno pode contribuir para a
rejeição tardia de aloenxertos humanos. As células T CD4
+ de coração e fígado de
aloenxerto de receptores reconhecem e são ativadas por peptídios derivados do MHC de
doadores quando apresentados pelas próprias APCs do paciente.
A importância relativa do alorreconhecimento direto e indireto na rejeição de enxertos
é uma questão que deve continuar a ser debatida. Afirma-se frequentemente que a
rejeição aguda do enxerto é mediada principalmente pelo reconhecimento direto de
aloantígenos, principalmente por células T CD8
+
, que destroem diretamente o enxerto,
enquanto a rejeição crônica do enxerto tem um componente maior de reconhecimento
indireto, resultando na ativação de células T CD4
+ que induzem a rejeição principalmente
pelo desencadeamento da inflamação mediada por citocinas e ajudando as células B a
produzirem anticorpos contra os aloantígenos.
Funções Ativadoras e Efetoras dos Linfócitos T Alorreativos
Quando os linfócitos reconhecem aloantígenos, eles são ativados para proliferar,
diferenciar-se e executar funções efetoras que podem danificar os enxertos. As etapas
para a ativação são semelhantes às que foram descritas para os linfócitos na reação a
antígenos microbianos.
A Ativação de Linfócitos T Alorreativos
A resposta das células T a um enxerto de órgãos pode ser iniciada nos gânglios linfáticos
que drenam o enxerto (Fig. 17-6). A maioria dos órgãos contém APCs residentes, tais
como as células dendríticas e, consequentemente, o transplante desses órgãos num
receptor alogênico fornece APCs que expressam as moléculas de MHC do doador, bem
como coestimuladores. Acredita-se que estas APCs dos doadores migram para os
gânglios linfáticos regionais e apresentam, em sua superfície, moléculas MHC alogênicas
não processadas às células T do receptor (a via de alorreconhecimento direto). As células
dendríticas do hospedeiro também podem migrar para o enxerto, pegar os aloantígenos
enxerto e transportá-los de volta para os gânglios linfáticos de drenagem, onde são
apresentados (a via indireta). A ligação entre vasos linfáticos em aloenxertos e os gânglios
linfáticos do receptor não é feita cirurgicamente, e é provavelmente estabelecida pelo
crescimento de novos canais linfáticos em resposta a estímulos inflamatórios produzidos
durante a colocação do enxerto. Os linfócitos imaturos que normalmente circulam
através do linfonodo encontram estes aloantígenos e são induzidos a proliferar e
diferenciar-se em células efetoras. Este processo às vezes é chamado de sensibilização
para aloantígenos. As células T efetoras migram de volta para o enxerto e vão mediar a
rejeição.
FIGURA 17-6 Aativação de células T alorreativas.
A, No caso do alorreconhecimento direto, as células dendríticas do doador migram para tecidos
linfoides secundários no enxerto, onde apresentam as moléculas de MHC alogênicas para as
células T do hospedeiro. No caso do alorreconhecimento indireto, as células dendríticas do receptor
que entraram no aloenxerto transportam as proteínas do MHC do doador para os tecidos linfoides
secundários e apresentam os peptídios derivados destas proteínas do MHC alorreativas de células T
do hospedeiro. Em ambos os casos, as células T tornam-se ativadas e diferenciam-se em células
efetoras. B, as células T efetoras alorreativas migram para o enxerto, tornam-se reativado por
aloantígenos e medeiam os danos.
Como discutido anteriormente, muitas das células T que respondem aos antígenos
MHC alogênico em um novo enxerto são reações cruzadas de células T de memória
previamente geradas aos antígenos do meio ambiente antes do transplante. Ao contrário
das células T imaturas, as células T de memória podem não precisar ver os antígenos
apresentados por células dendríticas em gânglios linfáticos, para que sejam ativadas e
podem migrar diretamente para enxertos onde podem ser ativadas pelas APCs ou por
células de tecido exibindo o aloantígeno.
Papel da Coestimulação em Respostas das Células T para Aloantígenos
Além do reconhecimento do aloantígeno, a coestimulação de células T principalmente por
moléculas B7 nas APCs é importante para a ativação de células T alorreativas. A rejeição
dos aloenxertos e estimulação de células T alorreativas em uma reação mista de linfócitos
(descritos mais adiante), podem ser inibidas por agentes que bloqueiam as moléculas B7.
Os aloenxertos sobrevivem por períodos mais longos quando são transplantados em
camundongos knockouts com ausência de B7-1 (CD80) e B7-2 (CD86) em comparação com
o transplante em receptores normais. Como discutiremos mais tarde, o bloqueio da
coestimulação de B7 é uma estratégia terapêutica para inibir a rejeição do enxerto em
humanos também.
A exigência para a coestimulação conduz à interessante pergunta de por que esses
coestimuladores são expressos pelas APCs do enxerto na ausência de infecção, o que foi
discutido anteriormente como o estímulo fisiológico para a expressão de coestimuladores
(Cap. 9). Uma possibilidade é que o processo de transplante de órgãos está associado ao
dano isquêmico e morte de algumas células no enxerto, durante o tempo que o órgão é
removido do doador e antes de ser cirurgicamente ligado ao sistema circulatório do
paciente. Várias moléculas expressas ou liberadas por células danificadas
isquemicamente (chamadas de padrões moleculares associados a danos, discutido no
Capítulo 4) estimulam a resposta imunológica inata que leva ao aumento da expressão de
coestimuladores nas APCs. Na verdade, a experiência clínica é que o tempo de isquemia
de um órgão é um fator determinante da frequência e gravidade da rejeição e uma das
razões para isso pode ser que a morte de células do enxerto durante a isquemia estimula
as respostas imunológicas antienxerto subsequentes.
A Reação dos Linfócitos Mistos
A resposta das células T alorreativas às moléculas do MHC estranhas pode ser analisada
numa reação in vitro denominada reação mista de linfócitos (MLR). A MLR foi utilizada
clinicamente no passado como um teste preditivo da rejeição do enxerto mediada por
célula T e como um modelo in vitro da rejeição do enxerto. Os estudos da MLR foram um
dos primeiros a estabelecer o papel das moléculas do MHC de classe I e classe II na
ativação de populações distintas de células T (CD8
+ e CD4
+
, respectivamente).
A MLR é induzida através da cultura de leucócitos mononucleares (que incluem as
células T, células B, células NK, células de fagócitos mononucleares e células dendríticas)
de um indivíduo com leucócitos mononucleares derivados de um outro indivíduo. Na
prática clínica, estas células foram tipicamente isoladas a partir de sangue periférico; em
experiências com camundongos ou ratos, os leucócitos mononucleares são geralmente
purificados a partir do baço ou da linfa. Se os dois indivíduos diferem em alelos de MHC,
uma grande proporção de linfócitos nessas culturas irá proliferar durante um período de
4 a 7 dias. Esta resposta proliferativa é chamada de MLR alogênica (Fig. 17-7). Se as
células de dois indivíduos com MHC diferentes são misturadas, cada um deles pode
reagir contra o outro e ambos irão proliferar, resultando assim em uma de duas vias da
MLR. Para simplificar a análise, uma das duas populações de leucócitos pode ser incapaz
de proliferar antes do cultivo, ou por irradiação γ ou pelo tratamento com o fármaco
antimitótico mitomicina C. Nessa MLR de mão única, as células tratadas funcionam
exclusivamente como estimuladoras, e as células não tratadas, ainda capazes de
proliferar, funcionam como as responsivas. Entre as células T que respondem a uma
MLR, as células CD4
+ são específicas para as moléculas MHC classe II alogênicas e as
células CD8
+ para as moléculas de classe I.
FIGURA 17-7 Areação linfocitária mista (MLR).
Em uma MLR de uma via, células estimuladoras (a partir de dador Y) ativam e causam a expansão
de dois tipos de células T responsivas (do doador X). As células T CD4
+ do doador X reagem a
moléculas de classe II de doadores Y e os linfócitos T CD8
+ de doadores X reagem às moléculas do
MHC classe I do doador Y. As células T CD4
+ diferenciam-se em células T auxiliares secretoras de
citocinas e as células T CD8
+ diferenciam-se em CTL. APC, célula apresentadora de antígeno.
Por causa da alta frequência de células T que podem reconhecer diretamente o MHC
alogênicos, as respostas aos aloantígenos são as únicas respostas primárias de células T
(isto é, respostas a um antígeno por um indivíduo que não o encontrou previamente) que
pode ser prontamente detectada in vitro. As respostas de células T a um antígeno de
proteína não MHC in vitro podem ser detectadas apenas se as células T forem de um
indivíduo que tenha sido previamente imunizado com esse antígeno (p. ex., por infecção
ou pela vacinação), porque há muito poucas células T imaturas específicas para o
antígeno para montar uma resposta detectável in vitro.
Funções Efetoras das Células T Alorreativas
As células T CD4
+ e CD8
+ alorreativas, que são ativadas por aloantígenos do enxerto
causam rejeição por mecanismos distintos (Fig. 17-6). As células T CD4
+ auxiliares
diferenciam-se em células efetoras produtoras de citocinas que danificam os enxertos
através da inflamação mediada por citocinas, semelhantes a um tipo de reação de
hipersensibilidade tardia (DTH) (Caps. 10 e 19). As células T CD8
+ alorreativas
diferenciam-se em linfócitos T citotóxicos (CTLs), que matam as células do enxerto que
expressam as moléculas do MHC de classe I de alogênico. Os CTLs também secretam
citocinas inflamatórias, que podem contribuir para danos no enxerto.
Somente os CTLs que são gerados pelo alorreconhecimento direto podem matar as
células do enxerto, enquanto ambos CTLs e as células T auxiliares geradas por qualquer
aloantígeno através do reconhecimento direto ou indireto podem causar danos mediados
por citocinas aos enxertos. Os CTLs CD8
+ gerados pelo alorreconhecimento direto de
moléculas do MHC de doadores em APCs dos doadores podem reconhecer as mesmas
moléculas do MHC sobre as células do parênquima do enxerto e matar estas células. Em
contrapartida, todos os CTL CD8
+ que são gerados pela via indireta são MHC próprios
restritos e eles não serão capazes de matar as células estranhas do enxerto porque estas
células não expressam autoalelos de MHC exibindo peptídios alogênicos. Portanto,
quando as células T alorreativas são estimuladas pela via indireta, o principal mecanismo
de rejeição não é a morte mediada por CTLs de células do enxerto, mas a inflamação
causada pelas citocinas produzidas pelas células T efetoras. Presumivelmente, estas
células efetoras infiltram-se no enxerto e reconhecem os aloantígenos do enxerto que
estão sendo apresentados pelas APCs do hospedeiro que também entraram no enxerto.
Ativação de Células B Alorreativas e Produção e Funções de Aloanticorpos
Os anticorpos contra os antígenos do enxerto também contribuem para a rejeição. A
maioria dos aloanticorpos de alta afinidade é produzida por células T auxiliares
dependentes da ativação de células B alorreativas, muito similar a anticorpos contra
outros antígenos de proteínas (Cap. 12). Os antígenos mais frequentemente reconhecidos
por aloanticorpos são as moléculas de HLA do doador, incluindo tanto as proteínas do
MHC de classe I quanto de classe II. A provável sequência de eventos que levam à
geração destas células produtoras de aloanticorpos é que linfócitos B virgens reconhecem
as moléculas do MHC estranhas, internalizam e processam estas proteínas e apresentam
os peptídios derivados deles às células T auxiliares que foram previamente ativadas pelos
mesmos peptídios apresentados por células dendríticas. Esta é essencialmente a mesma
sequência de eventos para qualquer resposta de células T auxiliares dependentes de
anticorpos (Cap. 12). Assim, a ativação de células B alorreativas é um exemplo da
apresentação indireta de aloantígenos.
Os anticorpos alorreativos produzidos em receptores de enxertos envolvem os mesmos
mecanismos efetores que utilizam anticorpos para combater infecções, incluindo a
ativação do complemento e direcionamento e ativação de neutrófilos, macrófagos, e das
células NK através da ligação ao receptor Fc. Devido aos antígenos HLA serem expressos
nas células endoteliais, a maior parte do dano mediado pelo aloanticorpo visa a
vasculatura do enxerto, tal como será discutido na seção seguinte.
Padrões e mecanismos de rejeição de enxertos
Até aqui, descrevemos a base molecular do reconhecimento do aloantígenos e as células
envolvidas no reconhecimento e respostas ao aloenxerto. Passamos agora para a
consideração dos mecanismos efetores responsáveis para a rejeição imunológica dos
enxertos. Em diferentes modelos experimentais e em transplantes clínicos, as células T
CD4
+ e CD8
+ alorreativas e os aloanticorpos, todos têm se mostrado capazes de mediar a
rejeição do aloenxerto. Estas diferentes efetoras imunológicas causam a rejeição do
enxerto por diferentes mecanismos, e todos os três efetores podem contribuir para a
rejeição simultaneamente.
Por razões históricas, a rejeição do enxerto é classificada com base em características
histopatológicas e no tempo de curso da rejeição após o transplante, mais do que
baseado nos mecanismos efetores imunológicos. Com base na experiência de
transplantes renais, os padrões histopatológicos são chamados de hiperagudo, agudo e
crônico (Fig. 17-8). Estes padrões estão associados a diferentes mecanismos efetores
imunológicos dominantes. Vamos descrever estes padrões de rejeição com ênfase nos
mecanismos imunológicos subjacentes.
FIGURA 17-8 Mecanismos imunológicos de rejeição do enxerto.
A, na rejeição hiperaguda, os anticorpos pré-formados reativo com o endotélio vascular ativam o
complemento e desencadeiam a trombose intravascular rápida e necrose da parede do vaso. B, na
rejeição aguda, os linfócitos T CD4
+ e CD8
+
reativos com os aloantígenos em células endoteliais e
nas células do parênquima medeiam danos a estes tipos de células. Os anticorpos alorreativos
formados após o enxerto podem também contribuir para a lesão parenquimatosa e vascular. C, na
rejeição crônica do enxerto com a arteriosclerose, a lesão à parede do vaso conduz a proliferação
celular do músculo liso e oclusão luminal. Esta lesão pode ser provocada por uma reação
inflamatória crônica a aloantígenos na parede do vaso.
Rejeição Hiperaguda
A rejeição hiperaguda é caracterizada pela oclusão trombótica da vasculatura do enxerto
que começa dentro de minutos a horas após vasos sanguíneos do hospedeiro serem
anastomosados aos vasos do enxerto e é mediada por anticorpos preexistentes na
circulação que se ligam aos antígenos endoteliais do doador (Fig. 17-8, A). A ligação do
anticorpo ao endotélio ativa o complemento e os produtos do anticorpo e do
complemento juntos induzem uma série de mudanças no enxerto endotélio que
promovem a trombose intravascular. A ativação do complemento conduz à lesão
endotelial celular e exposição das proteínas membrana basal subendotelial que ativam as
plaquetas. As células endoteliais são estimuladas a secretar formas de alto peso
molecular de fator de von Willebrand, que promovem a adesão e a agregação plaquetária.
Tanto as células endoteliais quanto as plaquetas sofrem vesiculação da membrana,
levando ao espalhamento de partículas lipídicas que promovem a coagulação. As células
endoteliais perdem os heparan sulfato proteoglicanos da superfície celular que
normalmente interagem com a antitrombina III para inibir a coagulação. Estes processos
contribuem para a trombose vascular e oclusão (Fig. 17-9, A) e o órgão enxertado sofre
necrose isquêmica irreversível.
FIGURA 17-9 Histopatologia de diferentes formas de rejeição do enxerto.
A, a rejeição hiperaguda de um enxerto renal com dano endotelial, trombo de plaquetas e de
trombina e infiltração inicial de neutrófilos de um glomérulo. B, rejeição aguda celular de um rim com
células inflamatórias no tecido conjuntivo em torno dos túbulos e entre as células epiteliais dos
túbulos. C, rejeição aguda mediada por anticorpo de um aloenxerto do rim com células inflamatórias
nos capilares peritubulares (seta). D, a deposição nos vasos do complemento C4d na rejeição
aguda mediada por anticorpos, revelado por imunohistoquímica, como coloração marrom. E, a
rejeição crônica em um aloenxerto renal com arteriosclerose. O lúmen vascular é substituído por
uma acumulação de células do músculo liso e do tecido conjuntivo na íntima do vaso. (A, B e E,
Cortesia de Dr. Helmut Rennke, Department of Pathology, Brigham and Women’s Hospital. C e D, Cortesia de Dr.
Zoltan Laszik, Department of Pathology University of California, San Francisco.)
Nos primeiros dias após o transplante, a rejeição hiperaguda foi muitas vezes mediada
por aloanticorpos de IgM preexistentes, que estão presentes em alta titulação antes do
transplante. Tais anticorpos naturais são acreditados para surgirem em resposta aos
carboidratos dos antígenos expressos por bactérias que normalmente colonizam o
intestino e acontece a reação cruzada com vários aloantígenos. Os exemplos mais
conhecidos desses aloanticorpos são os dirigidos contra os antígenos do grupo sanguíneo
ABO expressos em células vermelhas do sangue, descritos posteriormente neste capítulo.
Os antígenos ABO também são expressos em células endoteliais vasculares. Atualmente
a rejeição hiperaguda por anticorpos anti-ABO é extremamente rara porque todos os
pares, doador e receptor, são selecionados para que eles tenham tipos ABO compatíveis.
Como discutiremos mais adiante neste capítulo, a rejeição hiperaguda causada por
anticorpos naturais é uma grande barreira para o xenotransplante e limita o uso de
órgãos de animais para transplantes humanos.
Atualmente, a rejeição hiperaguda de aloenxertos, quando ocorre, é normalmente
mediada por anticorpos de IgG dirigidos contra aloantígenos de proteínas, tais como as
moléculas de MHC do doador ou contra menos aloantígenos bem definidos expressos
sobre as células endoteliais vasculares. Tais anticorpos geralmente surgem como um
resultado de uma exposição anterior a aloantígenos através de transfusão sanguínea,
transplante anterior ou gravidezes múltiplas. Se o nível desses anticorpos alorreativos é
baixo, a rejeição hiperaguda pode se desenvolver lentamente durante vários dias, mas o
início ocorrerá mais cedo que o normal para a rejeição aguda. Como discutiremos mais
adiante neste capítulo, os pacientes que necessitam de enxertos são rotineiramente
monitorados antes de enxerto para verificar a presença de anticorpos que se ligam a
células de um possível doador de órgãos a fim de evitar a rejeição hiperaguda.
Em casos raros em que os enxertos têm que ser feitos entre doadores e receptores ABO
incompatíveis, a sobrevida do enxerto pode ser melhorada através de uma rigorosa
depleção de anticorpos de células B. Às vezes, se o enxerto não for rapidamente rejeitado,
ele sobrevive mesmo na presença de anticorpos antienxerto. Um possível mecanismo de
resistência a esta rejeição hiperaguda é um aumento na expressão de proteínas
reguladoras do complemento em células endoteliais do enxerto, uma adaptação benéfica
do tecido que tem sido chamada de acomodação.
Rejeição Aguda
A rejeição aguda é um processo de lesão do parênquima e dos vasos sanguíneos do enxerto
mediada por células T alorreativas e anticorpos. Antes dos fármacos imunossupressores,
a rejeição aguda muitas vezes tinha início em torno de alguns dias a semanas após o
transplante. O tempo para o início da rejeição aguda reflete o tempo necessário para
gerar células T efetoras alorreativas e anticorpos em resposta ao enxerto. Na prática
clínica atual, os episódios de rejeição aguda podem ocorrer, às vezes muito mais tarde,
mesmo anos depois do transplante, se a imunossupressão for reduzida por qualquer
motivo. Embora os padrões de rejeição aguda sejam divididos em celular (mediado por
células T) e humoral (mediado por anticorpos), ambos normalmente coexistem em um
órgão que sofre a rejeição aguda.
A Rejeição Aguda Celular
Os principais mecanismos de rejeição celular aguda são a inflamação causada por
citocinas produzidas por células T auxiliares e a morte mediada pelos CTLs das células do
parênquima do enxerto e células endoteliais (Fig. 17-8, B). Em exames histológicos de
aloenxertos renais, onde este tipo de rejeição é melhor caracterizado, há infiltrados de
linfócitos e macrófagos (Fig. 17-9, B). Os infiltrados podem envolver os túbulos (chamado
de tubulite), com necrose tubular associada e os vasos sanguíneos (chamado
endotelialite), com necrose das paredes vasculares dos capilares e pequenas artérias. Os
infiltrados celulares presentes nos enxertos submetidos à rejeição celular aguda incluem
tanto células T auxiliares CD4
+ quanto os CTLs CD8
+ específicos para aloantígenos do
enxerto e ambos os tipos de células T podem contribuir para a lesão das células do
parênquima e endoteliais. As células T auxiliares incluem IFN-γ e as células TH1
secretoras de TNF e de células TH17 secretoras de IL-17 e ambos os tipos contribuem para
a ativação macrófagos e endotélio e para o dano inflamatório ao órgão.
Experimentalmente, a transferência adotiva de células T CD4
+ auxiliares alorreativas ou
CTLs CD8
+ podem causar a rejeição aguda do enxerto celular em camundongos
receptores.
Rejeição Aguda Mediada por Anticorpos
Os aloanticorpos causam rejeição aguda por ligação a aloantígenos, principalmente as
moléculas HLA, em células endoteliais vasculares, causando lesão endotelial e trombose
intravascular que resultam na destruição do enxerto (Fig. 17-8, B). A ligação dos
aloanticorpos na superfície da célula endotelial dispara a ativação local do complemento,
o que leva à lise das células, ao recrutamento e à ativação de neutrófilos, e à formação de
trombos. Os aloanticorpos também podem se acoplar a receptores Fc em neutrófilos e
células NK, que, em seguida, destroem as células endoteliais. Além disso, a ligação do
aloanticorpo na superfície endotelial pode alterar diretamente a função endotelial por
induzir sinais intracelulares que aumentam a expressão de moléculas de superfície pró-
inflamatórias e pró-coagulantes.
As características histológicas da rejeição aguda mediada por anticorpos de
aloenxertos renais são a inflamação aguda de capilares glomerulares e capilares
peritubulares com trombose focal (Fig. 17-9, C). A identificação imuno-histoquímica do
fragmento C4d do complemento de em capilares de aloenxertos renais é usada
clinicamente como um indicador de ativação da via clássica do complemento e da
rejeição humoral (Fig. 17-9, D). Em uma fração significativa dos casos de rejeição
mediada por anticorpos, não há deposição de C4d detectável, sugerindo que o dano seja
causado pelos efeitos independentes do complemento na ligação dos aloanticorpos com
as células endoteliais, como mencionado anteriormente.
A Rejeição Crônica e a Vasculopatia do Enxerto
À medida que a terapia para a rejeição aguda melhorou, a maior causa da falha de
aloenxertos de órgãos vascularizados tornou-se a rejeição crônica. Desde 1990, a
sobrevida em 1 ano de aloenxertos renais foi melhor do que 90%, mas a sobrevivência de
10 anos manteve-se em cerca de 60%, apesar dos avanços na terapia imunossupressora. A
rejeição crônica desenvolve-se insidiosamente durante meses ou anos e pode ou não ser
precedida por episódios clinicamente reconhecidos de rejeição aguda. A rejeição crônica
de diferentes órgãos transplantados está associada a alterações patológicas distintas. No
rim e no coração, a rejeição crônica resulta em oclusão vascular e fibrose intersticial. Os
transplantes de pulmão submetidos a rejeição crônica demonstram espessamentos nas
pequenas vias aéreas (chamados de bronquiolite obliterante) e transplantes de fígado
demonstram ductos biliares fibróticos e não funcionais.
A lesão dominante de rejeição crônica em enxertos vascularizados é a oclusão arterial
como um resultado da proliferação de células de músculo liso da íntima e os enxertos
eventualmente falham principalmente por causa do dano isquêmico resultante (Fig. 17-8,
C). As alterações arteriais são chamadas de vasculopatias do enxerto ou aterosclerose
acelerada do enxerto (Fig. 17-9, E). A vasculopatia do enxerto é frequentemente vista em
falhas cardíacas e aloenxertos renais podem se desenvolver em qualquer transplante de
órgão vascularizado no prazo de 6 meses a um ano depois do transplante. Os
mecanismos possíveis subjacentes às lesões vasculares oclusivas da rejeição crônica são a
ativação de células T alorreativas e a secreção de citocinas que estimulam a proliferação
de células musculares lisas vasculares. Conforme as lesões arteriais de arteriosclerose do
enxerto progridem, o fluxo de sangue para o parênquima do enxerto é comprometido e o
parênquima é lentamente substituído por tecido fibroso não funcional. A fibrose
intersticial vista na rejeição crônica pode também ser uma resposta de reparação ao dano
celular do parênquima causado por repetidos ataques de rejeição aguda mediada por
anticorpos ou rejeição celular, isquemia perioperatória, efeitos tóxicos de fármacos
imunossupressores e ainda infecções virais crônicas. A rejeição crônica leva à
insuficiência cardíaca congestiva ou arritmias em pacientes de transplante cardíaco ou
perda da função glomerular e tubular e insuficiência renal em pacientes transplantados
renais.
Prevenção e tratamento de rejeição de aloenxertos
Se o receptor de um aloenxerto tem um sistema imunológico totalmente funcional, o
transplante quase invariavelmente resulta em alguma forma de rejeição. As estratégias
utilizadas na prática clínica e em modelos experimentais para evitar ou retardar a
rejeição são a imunossupressão geral e a redução da força da reação alogênica específica.
Uma meta importante da pesquisa em transplantes é encontrar maneiras de induzir a
tolerância específica ao doador, que permitiria que os enxertos sobrevivessem sem
imunossupressão inespecífica.
Métodos para Reduzir a Imunogenicidade de Aloenxertos
No transplante humano, a principal estratégia para reduzir a imunogenicidade do enxerto
tem sido a de minimizar as diferenças alogênicas entre o doador e o receptor. Vários testes
clínicos de laboratório são realizados rotineiramente para reduzir o risco para a rejeição
imunológica de enxertos. Estes incluem a tipagem sanguínea ABO; a determinação de
alelos de HLA expressos em células do doador e do receptor, chamado tipagem de tecido;
a detecção dos anticorpos pré-formados no receptor que reconhecem o HLA e outros
antígenos representativos da população do doador; e a detecção de anticorpos pré-
formados do receptor que se ligam aos antígenos dos leucócitos de um doador
identificado, chamado de prova cruzada. Nem todos estes testes são feitos em todos os
tipos de transplantes. Vamos agora resumir cada um destes testes e discutir o seu
significado.
Para evitar a rejeição hiperaguda, os antígenos do grupo sanguíneo ABO do doador do
enxerto são selecionados para serem compatíveis com o receptor. Esse teste é utilizado
uniformemente nos transplantes renais e cardíacos, porque os rins e os enxertos
cardíacos normalmente não sobrevivem se houver incompatibilidades ABO entre o
doador e o receptor. Os anticorpos naturais IgM específicos para os antígenos do grupo
sanguíneo ABO alogênico vão levar a uma rejeição hiperaguda. A tipagem sanguínea é
realizada através da mistura de hemácias do sangue de um paciente com os soros
padronizados contendo os anticorpos anti-A e anti-B. Se o paciente expressa o antígeno
ou o grupo sanguíneo, o soro específico para o antígeno vai aglutinar as células
vermelhas do sangue. A biologia do sistema do grupo sanguíneo ABO é discutida mais
adiante neste capítulo, no contexto da transfusão sanguínea.
No transplante renal, quanto maior for o número de alelos de MHC que são compatíveis
entre o doador e o receptor, melhor a sobrevida do enxerto (Fig. 17-10). A compatibilidade
HLA teve uma influência mais profunda na sobrevida do enxerto antes dos fármacos
imunossupressores modernos serem rotineiramente utilizados, mas os dados atuais
ainda mostram uma sobrevida significativamente maior dos enxertos quando doador e
receptor têm menos incompatibilidade de alelos HLA. A experiência clínica do passado
com métodos de tipagem mais velhos mostrou que, de todos os loci das classes I e da
classe II do MHC, a compatibilidade com HLA-A, HLA-B, e HLADR é o mais importante
para predizer a sobrevivência dos aloenxertos renais. (O HLA-C não é tão polimórfico
como HLA-A ou HLA-B, e HLA-DR e HLA-DQ estão em desequilíbrio de ligação, assim a
compatibilidade no lócus DR muitas vezes também é compatível no lócus DQ.) Apesar
dos protocolos atuais de tipagem em muitos centros incluírem os HLA-C, os loci DQ e
DP, a maior parte dos dados disponíveis em predizer os resultados do enxerto se referem
apenas às incompatibilidades HLA-A, HLA-B e HLA-DR. Devido aos dois alelos
expressos de modo codominante serem herdados por cada um desses genes de HLA, que
é possível haver de zero a seis incompatibilidades HLA desses três loci entre o doador e o
receptor. Nenhuma incompatibilidade de antígeno pode prever a melhor sobrevida dos
enxertos de doadores vivos e enxertos com incompatibilidade de antígeno são
ligeiramente piores. A sobrevida de enxertos com de duas a seis incompatibilidades HLA
é significativamente pior do que a de enxertos com nenhuma ou uma incompatibilidade
de antígenos. A incompatibilidade de dois ou mais genes de HLA tem um impacto ainda
maior sobre os aloenxertos renais de doadores não vivos (não relacionados). Portanto, são
feitas tentativas para reduzir o número de diferenças em alelos de HLA expressos em
células do doador e do receptor, o que terá um efeito modesto na redução da
probabilidade de rejeição.
FIGURA 17-10 Influência da compatibilidade do MHC na sobrevida do enxerto.
Compatibilidade de alelos do MHC entre o doador e o receptor melhora significativamente a
sobrevivência do enxerto renal. Os dados mostrados são para enxertos de doadores falecidos
(cadáveres). Acompatibilidade de HLAtem menos impacto na sobrevida dos aloenxertos renais de
doadores vivos e alguns alelos do MHC são mais importantes do que outros na determinação do
resultado. (Dados de SRTR relatório anual de 2012. Disponível em http://www.srtr.org/. Acessado em julho de 2013)
A compatibilidade de HLA nos transplantes renais é possível porque os rins de
doadores podem ser armazenados por até 72 horas antes de serem transplantados e os
pacientes que necessitam de um aloenxerto renal podem ser mantidos em diálise até que
um órgão bem compatível esteja disponível. No caso do transplante de coração e fígado,
a preservação de órgãos é mais difícil e os potenciais receptores muitas vezes estão em
estado crítico. Por estas razões, a tipagem do HLA não é considerada no pareamento de
possíveis doadores e receptores e a escolha do doador e do receptor baseia-se na
compatibilidade do grupo sanguíneo ABO, em outras medidas de compatibilidade
imunológica descritas mais adiante e na compatibilidade anatômica. A escassez de
doadores de coração, a emergente necessidade de transplante, e o sucesso da
imunossupressão superam o possível benefício da redução da incompatibilidade de HLA
entre doador e receptor. Como será discutido mais adiante, em transplantes de medula
óssea, a compatibilidade de HLA é essencial para reduzir o risco de doença do enxerto
versus hospedeiro.
A maioria das determinações haplotípicas HLA agora é realizada pela reação em cadeia
da polimerase (PCR), substituindo métodos sorológicos mais velhos. Os genes do MHC
podem ser amplificados pelo método do PCR com utilização de iniciadores que se ligam
às sequências nas posições 5’ e 3’ não polimórficas dos éxons que codificam as regiões
polimórficas das moléculas do MHC de classe I e classe II. O segmento de DNA
amplificado pode então ser sequenciado. Assim, a verdadeira sequência de nucleotídeos
e consequentemente a sequência de aminoácidos prevista, pode ser determinada
diretamente para os alelos de MHC de qualquer célula, fornecendo uma tipagem
molecular precisa do tecido. Com base nesses esforços de sequenciamento do DNA, a
nomenclatura dos alelos HLA mudou para refletir a identificação de diversos alelos não
distinguidos pelos métodos serológicos anteriores. Cada alelo definido pela sequência
tem pelo menos um número de quatro dígitos, mas alguns alelos requerem seis ou oito
dígitos para uma definição precisa. Os primeiros dois dígitos geralmente correspondem
ao alotipo mais velho definido sorologicamente e o terceiro e quarto dígitos indicam os
subtipos. Os alelos com diferenças nos quatro primeiros dígitos codificam proteínas com
diferentes aminoácidos. Por exemplo, HLA-DRB1*1301 é o alelo 01 definido pela
sequência da família serologicamente definida HLA-DR13 de genes que codificam a
proteína β1 HLA-DR.
Os pacientes com necessidade de aloenxertos são também testados para a presença de
anticorpos pré-formados contra as moléculas de MHC do doador ou outros antígenos da
superfície celular. Dois tipos de testes são feitos para detectar esses anticorpos. No teste
do painel de anticorpos reativos, os pacientes à espera do transplante de órgãos são
testados quanto à presença de anticorpos reativo pré-formados contra moléculas HLA
alogênicas prevalentes na população. Estes anticorpos, que podem ser produzidos como
um resultado de gestações, transfusões ou transplantes anteriores, pode identificar o
risco de rejeição vascular hiperaguda ou aguda. Pequenas quantidades de soro do doente
são misturadas com vários grânulos marcados com fluorescência e revestidos com
moléculas de MHC definidas, representativas dos alelos de MHC que podem estar
presentes na população de dadores de órgãos. Cada alelo de MHC está ligada a um
grânulo com um marcador fluorescente colorido diferente. A ligação dos anticorpos do
paciente com os grânulos é determinada por citometria de fluxo. Os resultados são
apresentados como percentagem de anticorpo reativo (PRA), que é a percentagem do
conjunto de alelos do MHC com qual o soro do paciente reage. A PRA é determinada em
várias ocasiões enquanto um paciente espera pelo aloenxerto de um órgão. Isto é porque
a PRA pode variar, conforme cada painel é escolhido aleatoriamente e a titulação dos
anticorpos do soro do doente pode mudar ao longo do tempo.
Se um potencial doador é identificado, o teste de compatibilidade cruzada irá
determinar se o paciente tem anticorpos que reagem especificamente com as células
daquele doador. O teste é realizado através da mistura de soro do receptor com os
linfócitos do sangue do doador. Ensaios de citotoxicidade mediada pelo complemento ou
ensaios de citometria de fluxo podem então ser usados para determinar se os anticorpos
no soro do receptor se ligaram às células do doador. Por exemplo, o complemento é
adicionado à mistura de células e de soro e se os anticorpos pré-formados, geralmente
contra moléculas de MHC do doador, estão presentes no soro do receptor, as células do
doador serão lisadas. Esta seria uma prova cruzada positiva, que indica que o doador não
é adequado para esse receptor.
A Imunossupressão para Prevenir ou Tratar a Rejeição de Enxertos
Os fármacos imunossupressores que inibem ou matam os linfócitos T são os principais
agentes utilizados para tratar ou prevenir a rejeição do enxerto. Vários métodos de
imunossupressão são geralmente utilizados (Fig. 17-11).
FIGURA 17-11 Mecanismos de ação de fármacos imunossupressores.
Cada categoria importante de fármacos usados para prevenir ou para tratar a rejeição do enxerto é
mostrada juntamente com os alvos moleculares dos fármacos.
Fonte: Livro Imunologia Celular e Molecular - 8ª Ed.
Autores: Abul Lichtman, Andrew Abbas
Inibidores das Vias de Sinalização das Células T
Os inibidores de calcineurina, a ciclosporina e o FK506 (tacrolimus), inibem a transcrição
de determinados genes em células T, mais notavelmente genes que codificam citocinas tais
como a IL-2. A ciclosporina é um peptídio fúngico que se liga com alta afinidade a uma
proteína celular ubíqua chamada de ciclofilina. O complexo de ciclosporina e ciclofilina
se liga a e inibe a atividade enzimática da calcineurina serina/treonina fosfatase ativada
por cálcio/calmodulina (Cap. 7). Uma vez que a calcineurina é necessária para ativar o
fator de transcrição NFAT (fator nuclear de células T ativadas), a ciclosporina inibe a
ativação do NFAT e a transcrição da IL-2 e de outros genes de citocinas. O resultado
líquido é que a ciclosporina bloqueia a proliferação e diferenciação de células T
dependentes de IL-2. O FK506 é um macrolídeo produzido por uma bactéria que
funciona como a ciclosporina. O FK506 e a sua proteína de ligação (chamada de FKBP)
compartilham com o complexo ciclosporina-ciclofilina a capacidade de se ligar a
calcineurina e inibir a sua atividade.
A introdução de ciclosporina na prática clínica inaugurou a era moderna dos
transplantes. Antes da utilização da ciclosporina, a maioria dos corações e fígados
transplantados foi rejeitada. Agora, como um resultado do uso da ciclosporina, FK506 e
outros fármacos introduzidos mais recentemente, a maioria destes aloenxertos
sobrevivem durante mais de 5 anos (Fig. 17-12). No entanto, estes fármacos têm
limitações. Por exemplo, em doses necessárias para a imunossupressão ótima, a
ciclosporina causa danos renais e alguns episódios de rejeição são refratários para o
tratamento de ciclosporina. O FK506 foi inicialmente usado para receptores de
transplante de fígado, mas agora é amplamente utilizado para a imunossupressão de
receptores de aloenxertos de rim, incluindo aqueles que não estão adequadamente
controlados por ciclosporina.
FIGURA 17-12 Influência da ciclosporina na sobrevida do enxerto.
As taxas de sobrevivência de cinco anos para os pacientes que receberam enxertos cardíacos
aumentaram significativamente começando quando a ciclosporina foi introduzida em 1983 (Dados do
Transplant Patient DataSource, United Network for Organ Sharing, Richmond, Virgínia. Disponível em
http://207.239.150.13/tpd/. Acessado em 17 de fevereiro de 2000).
O fármaco imunossupressor rapamicina (sirolimus) inibe a proliferação mediada pelo
fator de crescimento de células T. Como o FK506, a rapamicina se liga a FKBP, mas o
complexo rapamicina-FKBP não inibe a calcineurina. Em vez disso, este complexo liga-se
e inibe a enzima celular chamada de alvo da rapamicina em mamíferos (mTOR), uma
proteína quinase serina/treonina necessária para a tradução de proteínas que promovem
a sobrevivência e proliferação celular. A mTOR é regulada negativamente por um
complexo de proteínas chamado de complexo esclerose tuberosa 1, complexo (TSC1) -
TSC2. A sinalização de fosfatidilinositol 3-quinase (PI3K) – Akt resulta na fosforilação de
TSC2 e liberação da regulação de mTOR. Várias vias de sinalização do receptor do fator
de crescimento, incluindo a via do receptor de IL-2 nas células T, bem como os sinais de
TCR e CD28, ativam mTOR através de PI3K-Akt, levando a tradução de proteínas
necessárias para a progressão do ciclo celular. Assim, através da inibição da função de
mTOR, a rapamicina bloqueia a proliferação de células T. As combinações de ciclosporina
(que bloqueia a síntese de IL-2) e rapamicina (que bloqueia a proliferação dirigida por IL-
2), são potentes inibidores de respostas de células T. Curiosamente, a rapamicina inibe a
geração de células T efetoras, mas não prejudica a sobrevivência e as funções das células
T reguladoras, tanto que podem promover a supressão imunológica da rejeição do
enxerto. A mTOR está envolvida com as funções de células dendríticas e,
consequentemente, a rapamicina pode suprimir as respostas de células T por meio de
seus efeitos sobre as células dendríticas. A mTOR está também envolvida na proliferação
de células B e respostas dos anticorpos e, consequentemente, a rapamicina pode também
ser eficaz na prevenção ou tratamento da rejeição mediada por anticorpos.
Outras moléculas envolvidas na sinalização de citocinas e do receptor de células T
também são alvos de fármacos imunossupressores que estão em ensaios iniciais para o
tratamento ou prevenção da rejeição de aloenxertos. Uma dessas moléculas alvo é JAK3,
uma quinase ligada a sinalização de vários receptores de citocinas, incluindo a IL-2 e a
proteína quinase C, uma quinase essencial para a sinalização do receptor de células T.
Antimetabólitos
As toxinas metabólicas que matam as células T em proliferação são utilizadas em
combinação com outros fármacos para tratar a rejeição do enxerto. Estes agentes inibem
a proliferação de precursores de linfócitos durante a sua maturação e também destroem
as células T maduras em proliferação que tenham sido estimuladas por aloantígenos. O
primeiro tal fármaco a ser desenvolvido para a prevenção e tratamento da rejeição foi a
azatioprina. Este fármaco ainda é utilizado, mas é tóxico para os precursores de
leucócitos na medula óssea e para os enterócitos no intestino. O fármaco mais
amplamente usado nesta classe é o micofenolato de mofetil (MMF). O MMF é
metabolizado a ácido micofenólico, que bloqueia uma isoforma específica do
monofosfato de inosina desidrogenase de linfócitos, uma enzima necessária para a
síntese de nucleotídeos de guanina. Em função de o MMF inibir seletivamente a isoforma
específica de linfócitos desta enzima, existem relativamente poucos efeitos tóxicos sobre
outras células. O MMF é agora usado rotineiramente, muitas vezes em combinação com a
ciclosporina ou com o FK506, para prevenir a rejeição aguda do enxerto.
Bloqueio da Função ou Depleção de Anticorpos Anti-linfócitos
Os anticorpos que reagem com estruturas de superfície de células T e destroem ou inibem
as células T são utilizados para o tratamento de episódios de rejeição aguda. O primeiro
anticorpo contra células T utilizado em pacientes transplantados era um anticorpo
monoclonal de camundongo chamado de OKT3 que é específico para o CD3 humano. (O
OKT3 foi o primeiro anticorpo monoclonal utilizado como um medicamento em seres
humanos, mas já não é mais produzido.) Os anticorpos policlonais de coelho ou de cavalo
específicos para uma mistura proteínas da superfície de células T humanas, os chamados
antitimócitos globulina, que também estiveram em uso clínico durante muitos anos para
o tratamento da rejeição aguda de aloenxertos. Estes anticorpos anticélulas T reduzem as
células T circulantes seja pela ativação do sistema complemento que elimina as células T
ou pela sua opsonização para a fagocitose.
Os anticorpos monoclonais atualmente em uso clínico são específicos para CD25, a
subunidade α do receptor da IL-2. Estes reagentes presumivelmente evitam a ativação
das células T, bloqueando a ligação da IL-2 às células T ativadas e a sinalização da IL-2.
Outro anticorpo monoclonal utilizado no transplante clínico é um anticorpo
monoclonal IgM de rato específico para CD52, uma proteína da superfície celular
expressa mais amplamente nas células B e T maduras, cuja função não é compreendida.
Os anti-CD52 foram originalmente desenvolvidos para o tratamento de neoplasmas
malignos de células B e verificou-se que houve depleção profunda da maioria das células
periféricas B e T por muitas semanas após a injeção em pacientes. Em ensaios atuais,
apenas administra-se antes e logo após o transplante, com a esperança de que pode ser
induzido um estado de tolerância prolongada do enxerto conforme os novos linfócitos se
desenvolvem na presença do enxerto
A principal limitação para a utilização de anticorpos monoclonais ou policlonais de
outras espécies é que os seres humanos quando recebem estes agentes, produzem os
anticorpos anti-imunoglobulina (Ig), que eliminam a Ig exógena que foi injetada. Por esta
razão estão sendo desenvolvidos os anticorpos quiméricos humano-camundongo
(humanizados) (p. ex., contra CD3 e CD25), que são menos imunogênicos.
Bloqueio Coestimulatório
Os fármacos que bloqueiam as vias de coestimulação de células T reduzem a rejeição
aguda do enxerto. A base racional para o uso destes tipos de fármacos é para impedir a
entrega dos sinais de coestimulação necessários para a ativação das células T (Cap. 9).
Recorde-se que a CTLA4-Ig é uma proteína recombinante composta pela porção
extracelular de CTLA-4 fundido a um Fc de um domínio IgG. Uma forma de elevada
afinidade de CTLA4-Ig, que se liga às moléculas B7 nas APCs e as impede de interagir
com células T de CD28 (Fig. 9-7), está aprovado para utilização em pacientes
transplantados. Estudos clínicos têm demonstrado que a CTLA-4-Ig pode ser tão eficaz
quanto a ciclosporina na prevenção da rejeição aguda, mas seu alto custo e outros fatores
têm limitado a utilização generalizada deste agente biológico. Um anticorpo que se liga
ao ligante de CD40 da célula T e impede suas interações com CD40 nas APCs (Cap. 9)
também se mostrou benéfico para a prevenção da rejeição do enxerto em animais
experimentais. Em alguns protocolos experimentais, o bloqueio simultâneo de ambos B7
e CD40 parece ser mais eficaz do que isoladamente para promover a sobrevivência do
enxerto. No entanto, o anticorpo anti-CD40L tem um efeito colateral grave de
complicações trombóticas, aparentemente relacionado com a expressão de CD40L em
plaquetas.
Fármacos Visando Aloanticorpos e Células B Alorreativas
Como aprendemos mais sobre a importância dos aloanticorpos mediando a rejeição
aguda e talvez a crônica, terapias tendo como alvo os anticorpos e as células B que foram
desenvolvidos para outras doenças estão agora sendo utilizadas em pacientes
transplantados. Por exemplo, a plasmaferese é usada às vezes para o tratamento de
rejeição aguda mediada por anticorpos. Neste procedimento, o sangue do paciente é
bombeado através de uma máquina que remove o plasma, mas retorna às células
sanguíneas para a circulação. Deste modo, os anticorpos circulantes, incluindo os
anticorpos alorreativos patogênicos, podem ser removidos. A terapia com
imunoglobulina intravenosa (IVIG), usada para tratar várias doenças inflamatórias
frequentemente mediadas por anticorpos, também está sendo aplicada na definição da
rejeição aguda mediada por anticorpos. Na terapia de IVIG, conjuntos de IgG doadores
normais são injetados por via intravenosa no paciente. Os mecanismos de ação não estão
completamente compreendidos, mas provavelmente envolvem a ligação da IgG injetada
com os receptores de Fc do paciente em vários tipos de células, reduzindo assim a
produção do aloanticorpo e bloqueando as funções efetoras dos próprios anticorpos do
paciente. A IVIG também aumenta a degradação dos anticorpos do paciente pela inibição
competitiva da sua ligação ao receptor Fc neonatal (Cap. 5). A depleção de células B
através da administração de rituximab, um anticorpo anti-CD20, que está aprovado para
o tratamento de linfomas de células B e de doenças autoimunes, é usado em alguns casos
de rejeição aguda mediada por anticorpos.
Os Fármacos Anti-inflamatórios
Os agentes anti-inflamatórios, especificamente os corticosteroides, são frequentemente
utilizados para reduzir a reação inflamatória aos aloenxertos de órgãos. O mecanismo de
ação proposto por estes hormônios naturais e seus análogos sintéticos é bloquear a
síntese e secreção de citocinas, incluindo o fator de necrose tumoral (TNF) e a IL-1 e
outros mediadores inflamatórios, tais como prostaglandinas, espécies reativas de
oxigênio e o óxido nítrico, produzido por macrófagos e outras células inflamatórias. O
resultado líquido desta terapia é o recrutamento reduzido de leucócitos, inflamação e
danos ao enxerto.
Os protocolos imunossupressores atuais têm melhorado dramaticamente a sobrevida do
enxerto. Antes da utilização dos inibidores de calcineurina, a taxa de sobrevida em 1 ano
de enxertos renais de cadáveres sem parentesco estava entre 50% e 60%, com uma taxa de
90% para enxertos de doadores familiares vivos (que são mais compatíveis com os
receptores). Desde que a ciclosporina, o FK506, a rapamicina, e MMF foram introduzidos,
a taxa de sobrevivência em enxertos renais de doadores falecidos sem parentesco
aumentou para cerca de 90% em 1 ano. Os transplantes de coração, para os quais o HLA
compatível não é prático, também beneficiaram de forma significativa o uso de várias
classes de fármacos imunossupressores revisados anteriormente e agora têm
aproximadamente ∼ 90% de taxa de sobrevivência em 1 ano e ∼ 75% de taxa de
sobrevida em 5 anos (Fig. 17-11). A experiência com outros órgãos é mais limitada, mas as
taxas de sobrevivência também melhoraram com a terapia imunossupressora moderna,
com taxas de sobrevida de pacientes de 10 anos de aproximadamente 60% e 75% para os
receptores de pâncreas e fígado, respectivamente, e as taxas de sobrevivência de paciente
de 3 anos de 70% para 80% para os receptores de pulmão.
A forte imunossupressão é geralmente iniciada em receptores de aloenxertos no
momento do transplante com uma combinação de fármacos e depois de alguns dias os
fármacos são alterados para a manutenção a longo prazo de imunossupressão. Por
exemplo, no caso de transplante de rim adulto, um paciente pode ser inicialmente
induzido com um anticorpo anti-IL-2R ou anticélulas T e uma alta dosagem de
corticosteroides e então mantido em um inibidor de calcineurina, um antimetabólito e
talvez esteroides em doses baixas. A rejeição aguda, quando ocorre, é administrada pela
rápida intensificação da terapia imunossupressora. Em transplantes modernos, a rejeição
crônica tem se tornado uma causa mais comum de falha do enxerto, em especial no
transplante cardíaco. A rejeição crônica é mais insidiosa que a rejeição aguda e é muito
menos reversível pela imunossupressão.
A terapia imunossupressora leva ao aumento da susceptibilidade para vários tipos de
infecções intracelulares e os tumores associados a vírus. O principal objetivo da
imunossupressão para tratar a rejeição do enxerto é reduzir a geração e função de células
T auxiliares e dos CTLs, que medeiam a rejeição celular aguda. Não é de se estranhar, que
consequentemente, a defesa contra vírus e outros agentes patogênicos intracelulares, a
função fisiológica de células T, também esteja comprometida em transplantes de
receptores imunossuprimidos. A reativação dos herpesvírus latentes é um problema
frequente em pacientes imunodeprimidos, incluindo o citomegalovírus, o vírus herpes
simples, varicela, o vírus zóster e o vírus de Epstein-Barr. Por esta razão, os receptores de
transplante agora recebem a terapia antiviral profilática para infecções por vírus do
herpes. Os pacientes transplantados imunossuprimidos também estão em maior risco de
uma variedade das chamadas infecções oportunistas, que normalmente não ocorrem nas
pessoas imunocompetentes, incluindo infecções fúngicas (Pneumocystis jiroveci
pneumonia, histoplasmose, coccidioidomicose), infecções por protozoários
(toxoplasmose) e infecções parasitárias gastrintestinais (Cryptosporidium e
Microsporidium). Os receptores imunossuprimidos de aloenxertos têm um maior risco
para o desenvolvimento de câncer, em comparação com a população em geral, incluindo
as várias formas de câncer de pele. Alguns dos tumores mais frequentemente
encontrados em pacientes transplantados são conhecidos por serem causados por vírus,
e, por conseguinte, podem surgir devido a imunidade antiviral deficiente. Estes incluem
o carcinoma cervical do colo do útero, que está relacionado com a infecção pelo
papilomavírus humano e linfomas causados pela infecção por Epstein-Barr. Os linfomas
encontrados em aloenxertos de receptores como um grupo são chamados de distúrbios
linfoproliferativos pós-transplante (PTLD), e a maioria é derivado de linfócitos B.
Apesar do risco de infecções e neoplasias associadas à utilização de fármacos
imunossupressores, a maior limitação das doses toleradas da maioria desses
medicamentos, incluindo os inibidores da calcineurina, os inibidores de mTOR, os
antimetabólitos e esteroides, é a toxicidade direta às células não relacionadas a
imunossupressão. Em alguns casos, as toxicidades afetam as mesmas células que a
rejeição afeta, tais como a toxicidade da ciclosporina para as células epiteliais tubulares
renais, que pode complicar a interpretação do declínio da função renal em pacientes
transplantados renais.
Métodos para Induzir Tolerância Doador-Específica
A rejeição de aloenxertos pode ser impedida, tornando os hospedeiros tolerantes aos
aloantígenos do enxerto. A tolerância neste contexto significa que o sistema imunológico
do hospedeiro não fere o enxerto, apesar da ausência ou retirada de agentes
imunossupressores e anti-inflamatórios. Presume-se que a tolerância a um enxerto
envolve os mesmos mecanismos que estão envolvidos na tolerância a antígenos próprios
(Cap. 15), ou seja, a anergia, a exclusão e supressão ativa de células T alorreativas. A
tolerância é desejável no transplante porque ela é específica ao aloantígeno e
consequentemente irá evitar os principais problemas associados à imunossupressão não
específica, ou seja, a deficiência imune que conduz ao aumento da susceptibilidade às
infecções e ao desenvolvimento de tumores e toxicidade do fármaco. Além disso, atingir
a tolerância do enxerto pode reduzir a rejeição crônica, que até agora tem sido afetada
pelos agentes imunossupressores comumente usados que previnem e revertem os
episódios de rejeição aguda.
Várias abordagens experimentais e observações clínicas demonstraram que deveria ser
possível atingir a tolerância a aloenxertos. Em experimentos com camundongos, o
pesquisador Medawar e seus colegas descobriram que, se os camundongos neonatos de
uma cepa (os receptores) recebem células de baço de outra linhagem (o doador), os
recipientes, subsequentemente, aceitarão o enxerto de pele do doador. Esta tolerância é
específica aos aloantígenos porque os receptores irão rejeitar enxertos de camundongos
das linhagens que expressam alelos de MHC diferentes daqueles das células do baço do
doador. Pacientes transplantados renais que receberam uma transfusão sanguínea
contendo leucócitos alogênicos têm uma menor incidência de episódios de rejeição
aguda do que aqueles que não foram transfundidos. A explicação postulada para este
efeito é que a introdução de leucócitos alogênicos por transfusão produz uma tolerância
a aloantígenos. Um mecanismo subjacente para a indução de tolerância pode ser que a
transfusão de células doadoras contenha células dendríticas imaturas, que induzem a
falta de resposta aos aloantígenos dos doadores. De fato, o pré-tratamento de potenciais
receptores com as transfusões de sangue é agora utilizado como terapia profilática para
reduzir a rejeição. Alguns receptores de aloenxertos de fígado são capazes de reter
enxertos saudáveis, mesmo após a retirada da imunossupressão. O mecanismo
subjacente a esta tolerância espontânea aparente não é conhecido e parece ser exclusivo
para enxertos de fígado.
Várias estratégias estão sendo testadas para induzir a tolerância específica aos
doadores em receptores de aloenxertos.
• Bloqueio coestimulatório. Postulou-se que o reconhecimento de aloantígenos, na
ausência de coestimulação conduziria a tolerância da célula T, e há algumas evidências
experimentais em animais para apoiar isso. No entanto, a experiência clínica com
agentes que bloqueiam a coestimulação é que eles suprimem as respostas
imunológicas ao aloenxerto, mas não induzem tolerância de longa duração e os
pacientes têm de ser mantidos na terapia.
• Quimerismo hematopoético. Mencionamos anteriormente que a transfusão de células
sanguíneas do doador para o receptor do enxerto inibe a rejeição. Se as células
transfundidas do doador ou a descendência das células sobrevivem durante longos
períodos no receptor, o receptor torna-se uma quimera. A tolerância a longo prazo do
quimerismo hematopoético foi conseguida em um pequeno número de receptores de
aloenxertos renais por meio de um transplante de células de medula óssea a partir do
doador ao mesmo tempo que foi feito o aloenxerto de órgãos, mas os riscos de
transplante de medula óssea e a disponibilidade de doadores adequados podem
limitar a aplicabilidade desta abordagem.
• Transferência ou indução de células T reguladoras. As tentativas de gerar células T
reguladoras específicas do doador em cultura e transferi-las para receptores de
enxertos estão em curso. Tem havido algum sucesso relatado em receptores de
transplantes de células-tronco hematopoéticas em quem infusões de células T
reguladoras reduzem a doença enxerto versus hospedeiro. Uma abordagem alternativa
que tem sido tentada em transplante de ilhotas pancreáticas, é a ativação das células T
reguladoras in vivo pela administração de um anticorpo anti-CD3 fracamente
estimulante, mas a eficácia desta terapia não foi estabelecida.
Transplante xenogênico
A utilização de transplantes de órgãos sólidos, como uma terapia clínica é grandemente
limitada pelos números insuficientes de doadores de órgãos disponíveis. Por este motivo,
a possibilidade de transplante de órgãos de outros mamíferos, tais como porcos, em
receptores humanos atraiu grande interesse.
Uma grande barreira imunológica ao transplante xenogênico é a presença de anticorpos
naturais nos receptores humanos que causam a rejeição hiperaguda. Mais de 95% dos
primatas têm anticorpos IgM naturais que são reativos com os determinantes de
carboidratos expressos por células de espécies que são evolutivamente distantes, tais
como o porco. A maioria dos anticorpos humanos naturais antiporco é dirigida a um
determinante de hidrato de carbono específico formado pela ação de uma enzima do
porco, a α-galactosiltransferase. Esta enzima coloca uma fração ligada α-galactose sobre o
mesmo substrato em que células de humanos e outros primatas são fucosiladas para
formar o antígeno do grupo sanguíneo H. Os anticorpos naturais são raramente
produzidos contra determinantes de hidrato de carbono de espécies estreitamente
relacionadas, tais como os seres humanos e os chimpanzés. Assim, os órgãos de
chimpanzés ou outros primatas mais evoluídos poderiam, teoricamente, ser aceitos em
seres humanos. No entanto, as preocupações éticas e logísticas têm limitado tais
procedimentos. Por razões de compatibilidade anatômica, os suínos são as espécies
xenogênicas preferidas para a doação de órgãos aos seres humanos.
Os anticorpos naturais contra xenoenxertos induzem a rejeição hiperaguda pelos
mesmos mecanismos que aqueles observados na rejeição hiperaguda de aloenxertos.
Estes mecanismos incluem a geração de pró-coagulantes de células endoteliais e
substâncias de agregação plaquetária, juntamente com a perda de mecanismos de
anticoagulantes endoteliais. No entanto, as consequências da ativação do complemento
humano em células do porco são normalmente mais severas do que as consequências da
ativação do complemento por anticorpos naturais em células humanas alogênicas. Isso
pode ser porque algumas das proteínas reguladoras do complemento feitas pelas células
de porco, tais como o fator acelerador da decomposição, não são capazes de interagir com
proteínas de complemento humano e, portanto, não é possível limitar o grau de lesão
induzida pelo complemento (Cap. 13).
Mesmo quando se previne a rejeição hiperaguda, os xenoenxertos são frequentemente
danificados por uma forma de rejeição vascular aguda que ocorre no prazo de 2 a 3 dias
após o transplante. Esta forma de rejeição tem sido chamada de rejeição retardada do
xenotransplante, rejeição aguda acelerada, ou rejeição vascular aguda, e é caracterizada
por trombose intravascular e necrose da parede dos vasos. Os mecanismos de rejeição
retardada do xenoenxerto não são completamente compreendidos; dados recentes
indicam que pode haver incompatibilidades entre as plaquetas de primatas e as células
endoteliais suínas que promovem a trombose independente do dano mediado por
anticorpos.
Os xenoenxertos podem também ser rejeitados pela resposta imune mediada pelas
células T. Acredita-se que os mecanismos da rejeição mediada por células em
xenoenxertos sejam semelhantes aos que foram descritos para a rejeição do aloenxerto, e
as respostas de células T aos xenoantígenos pode ser tão forte quanto ou mais forte do
que respostas para os aloantígenos.
Transfusão de sangue e os grupos de antígenos sanguíneos abo e Rh
A transfusão sanguínea é uma forma de transplante em que sangue ou células inteiras de
um ou mais indivíduos são transferidos por via intravenosa para a circulação de um outro
indivíduo. As transfusões de sangue são, na maioria das vezes, realizadas para substituir
o sangue perdido por hemorragia ou para corrigir defeitos causados pela produção
inadequada de células sanguíneas, que pode ocorrer numa variedade de doenças. A
grande barreira para as transfusões sanguíneas de sucesso é a resposta imunológica às
moléculas da superfície celular que diferem entre os indivíduos. O sistema de
aloantígenos mais importante na transfusão sanguínea é o sistema ABO, que vamos
discutir detalhadamente mais adiante. Os antígenos ABO são expressos em virtualmente
todas as células, incluindo os glóbulos vermelhos. Os indivíduos que não têm um
antígeno específico do grupo sanguíneo produzem anticorpos IgM naturais contra este
antígeno. Se esses indivíduos recebem hemácias expressando o antígeno alvo, os
anticorpos preexistentes ligam-se às células transfundidas, ativam o complemento e
provocam reações de transfusão, que podem ser fatais. A transfusão através de uma
barreira ABO pode desencadear uma reação hemolítica imediata, resultando tanto na lise
intravascular das hemácias, provavelmente mediada pelo sistema do complemento,
quanto na extensa fagocitose de eritrócitos revestidos anticorpos e complemento e por
macrófagos no fígado e no baço. A hemoglobina é libertada a partir das hemácias lisadas
em quantidades que podem ser tóxicas para células de rim, causando necrose aguda de
células tubulares renais e insuficiência renal. Febre alta, choque e coagulação
intravascular disseminada podem também se desenvolver, sugestivo de liberação de
grandes quantidades de citocinas (p. ex., o TNF ou a IL-1). A coagulação intravascular
disseminada consome fatores de coagulação mais rápido do que eles podem ser
sintetizados e o paciente pode, paradoxalmente morrer de hemorragia na presença da
coagulação generalizada. Mais reações hemolíticas tardias podem resultar na
incompatibilidade dos antígenos de grupos sanguíneos menores. Isso resulta na perda
progressiva das hemácias transfundidas, conduzindo a uma anemia e icterícia, a última
uma consequência da sobrecarga do fígado com pigmentos derivados da hemoglobina.
Vamos agora discutir os antígenos dos grupos sanguíneos ABO bem como outros
antígenos de grupo sanguíneo de relevância clínica.
Antígenos de Grupos Sanguíneos ABO
Os antígenos ABO são os hidratos de carbono ligados a proteínas e lipídios da superfície
celular e são sintetizados por enzimas glicosiltransferase polimórficas, cuja atividade
varia dependendo do alelo herdado (Fig. 17-13). Os antígenos ABO foram o primeiro
sistema de aloantígenos a ser definido em mamíferos. Todos os indivíduos normais
sintetizam um núcleo glicano comum, que está ligado, principalmente, às proteínas da
membrana plasmática. A maioria dos indivíduos possuem uma fucosiltransferase que
adiciona uma porção de fucose a um resíduo não terminal de açúcar do glicano e os
glicanos fucosilados são chamados de antígeno H. Um único gene no cromossomo 9
codifica a enzima glicosiltransferase que pode modificar ainda mais o antígeno H.
Existem três variantes alélicas deste gene. O produto do alelo O é desprovido de
atividade enzimática. A enzima codificada pelo alelo A transfere uma porção terminal Nacetilgalactosamina
para o antígeno H e o produto do gene do alelo B transfere uma
porção galactose terminal. Os indivíduos que são homozigotos para o alelo S não podem
anexar açúcares terminais para o antígeno H e expressam apenas o antígeno H. Em
contraste, os indivíduos que possuem um alelo A (homozigoto AA, heterozigotos AO, ou
heterozigotos AB) formam o antígeno A pela adição do terminal N-acetilgalactosamina
em alguns dos seus antígenos H. Da mesma forma, os indivíduos que expressam um
alelo B (homozigotos BB, heterozigotos BO, ou heterozigotos AB) formam o antígeno B,
adicionando a galactose terminal a alguns de seus antígenos H. Os heterozigotos AB
formam antígenos A e B de alguns de seus antígenos H. A terminologia foi simplificada
para que se diga que os indivíduos OO têm o tipo sanguíneo O; Indivíduos AA e AO são
de sangue de tipo A; os indivíduos BB e BO são o tipo de sangue B; e os indivíduos AB
são o tipo de sangue AB. As mutações no gene que codifica a fucosiltransferase que
produz o antígeno H são raras; pessoas que são homozigotas para tal mutação são ditas
ter o grupo sanguíneo de Bombaim e não podem produzir antígenos H, A, B ou e não
podem receber sangue tipo O, A, B ou AB.
FIGURA 17-13 Antígenos do grupo sanguíneo ABO.
A, antígenos do grupo sanguíneo são estruturas de carboidratos adicionados a proteínas da
superfície celular ou lipídios pela ação de glicosiltransferases (ver texto). B, antígenos de diferentes
grupos sanguíneos são produzidos pela adição de diversos açúcares por diferentes
glicosiltransferases herdadas. Os indivíduos que expressam um antígeno de grupo sanguíneo
particular são tolerantes a este antígeno, mas produzem anticorpos naturais que reagem com
antígenos de outros grupos sanguíneos.
Os indivíduos que expressam um determinado antígeno do grupo sanguíneo A ou B são
tolerantes a este antígeno, mas os indivíduos que não expressam este antígeno produzem
anticorpos naturais que reconhecem o antígeno. Praticamente todos os indivíduos
expressam o antígeno H, e, portanto, eles são tolerantes a este antígeno e não produzem
anticorpos anti-H. Os indivíduos que expressam antígenos A ou B são tolerantes a estas
moléculas e não produzem anticorpos anti-A e anti-B, respectivamente. No entanto, os
indivíduos dos grupos sanguíneos O e A produzem anticorpos IgM anti-B, e os
indivíduos dos grupos sanguíneos O e B produzem anticorpos IgM anti-A. Os indivíduos
incapazes de produzir antígenos do núcleo H produzem anticorpos contra os antígenos
H, A, e B. Parece paradoxal que os indivíduos que não expressam um antígeno de grupo
sanguíneo produzam anticorpos contra ele. A explicação provável é que os anticorpos
sejam produzidos contra glicolípidos de bactérias intestinais que reagem de forma
cruzada com os antígenos ABO, a menos que o indivíduo seja tolerante a um ou mais
destes. Como era de se esperar, a presença de qualquer antígeno de grupo sanguíneo
induz a tolerância a este antígeno.
Na transfusão clínica, a escolha dos doadores de sangue para um receptor específico é
baseada na expressão de antígenos do grupo sanguíneo e nas respostas de anticorpos
contra eles. Se um paciente recebe uma transfusão de hemácias a partir de um doador
que expressa o antígeno não expresso em suas hemácias, isso pode resultar em uma
reação de transfusão (descrita anteriormente). Segue-se que os indivíduos AB podem
tolerar transfusões de todos os potenciais doadores e são, portanto, chamados de
receptores universais; da mesma forma, os indivíduos O podem tolerar transfusões
apenas de doadores O, mas podem fornecer sangue para todos os receptores e, portanto,
são chamados de doadores universais. Em geral, as diferenças em grupos sanguíneos
menores levam à lise de hemácias só depois de repetidas transfusões desencadearem
uma resposta do anticorpo secundário.
Os antígenos dos grupos sanguíneos A e B são expressos em muitos outros tipos
celulares além das células sanguíneas, incluindo células endoteliais. Por esta razão, a
tipagem ABO é crucial para evitar a rejeição hiperaguda de certos aloenxertos de órgãos
sólidos, como discutido anteriormente neste capítulo. A incompatibilidade ABO entre a
mãe e o feto, geralmente não causa problemas para o feto, porque a maior parte dos
anticorpos anticarboidratos são IgM e não atravessam a placenta.
Antígenos de outros Grupos Sanguíneos
Antígeno Lewis
As mesmas glicoproteínas que transportam os determinantes dos grupos sanguíneos
A e B podem ser modificadas por outras glicosiltransferases para gerar antígenos dos
grupos sanguíneos menores. Por exemplo, a adição de frações de fucose nas outras
posições não terminais pode ser catalisada por diferentes fucosiltransferases e criar os
epítopos do sistema de antígeno de Lewis. Os antígenos de Lewis receberam
recentemente muita atenção por parte de imunologistas porque esses grupos de
carboidratos servem como ligantes para E-selectina e P-selectina e assim, desempenham
um papel na migração de leucócitos (Cap. 3).
Antígeno Rhesus (Rh)
Os antígenos Rhesus (Rh), nomeados desta forma devido à espécie do macaco em que
foram originalmente identificados, são outro conjunto de antígenos do grupo sanguíneo
clinicamente importante. Os antígenos Rh são proteínas de superfície celular não
glicosiladas, hidrofóbicas encontradas nas membranas das hemácias e está
estruturalmente relacionada com as outras glicoproteínas de membrana das hemácias
com funções transportadoras. As proteínas Rh são codificadas por dois genes altamente
homólogos firmemente ligados, mas apenas um deles, chamado RhD, é comumente
considerado na tipagem sanguínea clínica. Isso ocorre porque até 15% da população
possui uma deleção ou outra alteração do alelo RhD. Estas pessoas, chamadas Rh
negativo, não são tolerantes ao antígeno Rh e produzem anticorpos para o antígeno, se
forem expostas a células do sangue Rh positivas.
O principal significado clínico de anticorpos anti-Rh está relacionado a reações
hemolíticas associadas à gravidez que são semelhantes às reações de transfusão. Mães
com Rh negativo gestando um feto Rh positivo podem ser sensibilizadas por hemácias
fetais que entram na circulação materna, geralmente durante o parto. Uma vez que o
antígeno Rh é uma proteína, ao contrário dos antígenos ABO de carboidratos, os
anticorpos IgG ligados a classes alternadas são gerados em mães Rh negativas. As
gestações subsequentes nas quais o feto é Rh positivo estão em risco, pois os anticorpos
IgG anti-Rh maternos podem atravessar a placenta e mediar a destruição das hemácias
fetais. Isto causa a eritroblastose fetal (doença hemolítica do recém-nascido) e pode ser
letal para o feto. Esta doença pode ser prevenida através da administração de anticorpos
anti-RhD para a mãe dentro de 72 horas após o nascimento do primeiro bebê Rh positivo.
O tratamento previne que as hemácias Rh positivas do bebê que entraram na circulação
da mãe induzam a produção de anticorpos anti-Rh na mãe. Os mecanismos de ação
exatos da administração dos anticorpos não são claros, mas podem incluir a remoção
fagocítica ou a lise das hemácias do bebê mediada pelo complemento ou inibição por
feedback dependente do receptor Fc das células B RhD-específicas da mãe (Cap. 12).
Transplante hematopoético de células-tronco
O transplante de células-tronco hematopoéticas pluripotentes (HSCs) foi feito no
passado usando um inóculo de células da medula óssea coletadas por aspiração e o
procedimento é muitas vezes chamado de transplante de medula óssea. Na prática
clínica moderna, as células-tronco hematopoéticas são mais frequentemente obtidas a
partir do sangue de dadores, depois do tratamento com fatores estimuladores de
colônias que mobilizam as células-tronco da medula óssea. O receptor é tratado antes do
transplante com uma combinação de quimioterapia, imunoterapia ou irradiação para
esgotar as células da medula para liberar locais para as células-tronco transferidas. Após
o transplante, as células-tronco repovoam a medula óssea do receptor e se diferenciam
em todas as linhagens hematopoéticas. Consideramos os transplantes de HSC
separadamente de outras formas de transplante, pois este tipo de enxerto tem várias
características únicas que não são encontradas no transplante de órgãos sólidos.
Os transplantes de HSC são mais frequentemente usados clinicamente no tratamento
de leucemias e condições pré-leucêmicas. Na verdade, o transplante de HSC é o único
tratamento curativo para algumas dessas doenças, incluindo a leucemia linfocítica
crônica e a leucemia mieloide crônica. Os mecanismos pelos quais o transplante de HSC
cura neoplasias hematopoéticas é do efeito enxerto versus tumor, em que o sistema
imunológico do doador reconstituído reconhece as células tumorais residuais como
estranhas e as destrói. Os transplantes de HSC também são usados clinicamente para o
tratamento de doenças causadas por mutações hereditárias em genes que afetam apenas
células derivadas das células-tronco hematopoéticas como linfócitos ou hemácias.
Exemplos de tais doenças que podem ser curadas através de transferência de HSC são
deficiência de adenosina deaminase (ADA), doença de imunodeficiência combinada
grave ligada ao X e as mutações de hemoglobina tais como a beta talassemia major e a
anemia falciforme.
As células-tronco hematopoéticas alogênicas são rejeitadas até por um hospedeiro
minimamente imunocompetente, e, consequentemente o doador e o receptor devem ser
cuidadosamente testados quanto à sua compatibilidade para todos os loci do MHC. Os
mecanismos da rejeição de HSCs não são completamente conhecidos, mas além de
mecanismos imunes adaptativos, as HSCs podem ser rejeitadas pelas células NK. O
papel das células NK na rejeição da medula óssea foi estudado em animais
experimentais. Os camundongos híbridos F1
irradiados rejeitam a medula óssea doada
por um dos pais consanguíneos. Este fenômeno, chamado de resistência híbrida, parece
violar as leis clássicas do transplante de órgãos sólidos. A resistência híbrida é vista em
camundongos deficientes de células T e a depleção das células NK do receptor com
anticorpos contra as células NK previne a rejeição da medula óssea dos progenitores. A
resistência híbrida é provavelmente devida a células NK do hospedeiro que reagem aos
precursores da medula óssea que não possuem moléculas de MHC de classe I expressas
pelo hospedeiro. Lembre-se de que normalmente, reconhecimento do auto MHC de
classe I inibe a ativação das células NK e se essas moléculas próprias do MHC estão
faltando, as células NK são liberadas da inibição (Fig. 4-8).
Mesmo depois do enxerto bem-sucedido, dois problemas adicionais são
frequentemente associados ao transplante de HSC: a doença do enxerto versus
hospedeiro e a imunodeficiência.
Doença do Enxerto versus Hospedeiro
A doença do enxerto-versus-hospedeiro (GVHD) é causada pela reação de células T
maduras enxertadas no inóculo das HSC com aloantígenos do hospedeiro. Ela ocorre
quando o anfitrião é imunocomprometido e, portanto, incapaz de rejeitar as células
alogênicas no enxerto. Na maioria dos casos, a reação é dirigida contra os antígenos de
histocompatibilidade menores do hospedeiro porque o transplante de medula óssea não
é realizado quando o doador e receptor têm diferenças em moléculas de MHC. A GVHD
pode também se desenvolver quando órgãos sólidos que contêm um número
significativo de células T são transplantados, tais como o intestino delgado, o pulmão ou
o fígado.
A GVHD é a principal limitação para o sucesso do transplante de medula óssea.
Imediatamente após o transplante das HSC, agentes imunossupressores, incluindo
inibidores da calcineurina como ciclosporina e tacrolimus, os antimetabolitos, tais como
o metotrexato e o inibidor de mTOR, sirolimus são indicados para a profilaxia contra o
desenvolvimento da GVHD. Apesar dessas estratégias profiláticas agressivas, GVHD é a
principal causa de mortalidade entre receptores de transplantes de medula óssea. A
GVHD pode ser classificada com base nos padrões histológicos em formas agudas e
crônicas.
A GVHD aguda é caracterizada pela morte das células epiteliais na pele (Fig. 17-14),
fígado (principalmente no epitélio biliar), e no trato gastrintestinal. Ela manifesta-se
clinicamente por erupção cutânea, icterícia, diarreia e hemorragia gastrintestinal.
Quando a morte das células epiteliais é extensa, a pele ou a mucosa do intestino podem
desprender-se. Nesta circunstância, a GVHD aguda pode ser fatal.
FIGURA 17-14 Histopatologia da GVHD aguda na pele.
Um infiltrado linfocítico escasso pode ser visto na junção dermoepidérmica e os danos na camada
epitelial são indicados por espaços na junção dermoepidérmica (vacuolização), coloração de células
com queratina anormal (disqueratose), queratinócitos apoptóticos e desorganização da maturação
de queratinócitos a partir da camada basal até a superfície. (Cortesia de Dr. Scott concedente, Department
of Pathology, Brigham and Women’s Hospital and Harvard Medical School, Boston, Massachusetts.)
A GVHD crônica é caracterizada por fibrose e atrofia de um ou mais dos mesmos
órgãos, sem evidência de morte celular aguda. A GVHD crônica pode também envolver
os pulmões e produzir obliteração das pequenas vias aéreas, chamada de bronquiolite
obliterante, semelhante ao que é visto na rejeição crônica de aloenxertos pulmonares.
Quando é grave, a GVHD crônica leva a uma completa disfunção do órgão afetado.
Em modelos animais, a GVHD aguda é iniciada pelas células T maduras transferidas
com as HSCs e a eliminação das células T maduras do doador do enxerto pode impedir o
desenvolvimento da GVHD. Em transplantes clínicos das HSC, os esforços para eliminar
as células T a partir do inóculo reduziram a incidência de GVHD, mas também a
diminuição do efeito enxerto versus leucemia muitas vezes crítica no tratamento de
leucemias por este tipo de transplante. As preparações de HSC esgotadas de células T
também tendem a enxertar mal, talvez porque células T maduras produzem fatores
estimuladores de colônias que auxiliam no repovoamento das células-tronco.
Embora a GVHD seja iniciada por células T enxertadas que reconhecem os
aloantígenos do hospedeiro, as células efetoras que causam lesão às células epiteliais não
são tão bem definidas. Em exames histológicos, as células NK são muitas vezes ligadas à
morte de células epiteliais, o que sugere que as células NK são importantes efetoras da
GVHD aguda. Os CTLs CD8
+ e as citocinas também parecem estar envolvidos na lesão
tecidual em GVHD aguda.
A relação entre a GVHD crônica e GVHD aguda não é conhecida e levanta questões
semelhantes às da relação da rejeição crônica e da rejeição aguda de aloenxertos. Por
exemplo, a GVHD crônica pode representar a fibrose de cicatrização de feridas
secundária à perda aguda de células epiteliais. No entanto, a GVHD crônica pode surgir
sem evidências de GVHD aguda prévia. Uma explicação alternativa é de que a GVHD
crônica representa uma resposta à isquemia causada pela lesão vascular.
Tanto as GVHD agudas quanto as crônicas são comumente tratadas com
imunossupressão intensa, tais como altas doses de esteroides, mas muitos pacientes não
respondem favoravelmente. Falhas terapêuticas podem acontecer porque estes
tratamentos têm como alvo apenas alguns dos muitos mecanismos efetores em jogo na
GVHD, e alguns tratamentos podem esgotar as células T reguladoras, que são
importantes para a prevenção de GVHD. Com sua elevada mortalidade, a GVHD aguda
representa o maior obstáculo para o transplante bem-sucedido de HSC. As terapias
experimentais em desenvolvimento incluem anticorpos anti-TNF, e a transferência de
células T reguladoras.
Imunodeficiência após o Transplante de Células-Tronco Hematopoéticas
O transplante de HSC é muitas vezes acompanhado por imunodeficiência clínica. Vários
fatores podem contribuir para o defeito nas respostas imunes em receptores. Os
receptores do transplante podem não ser capazes de regenerar um novo repertório
completo de linfócitos. A terapia de radiação e quimioterapia usadas a fim de preparar
receptores para o transplante podem esgotar as células de memória do paciente e os
plasmócitos de vida longa e pode levar um longo tempo para se regenerar essas
populações.
A consequência da imunodeficiência é que os receptores de transplante de HSC são
suscetíveis a infecções virais, especialmente infecção por citomegalovírus, e muitas
infecções bacterianas e fúngicas. Eles também são suscetíveis aos linfomas da célula B
provocados pelo vírus Epstein-Barr. As imunodeficiências dos receptores de transplantes
de HSC podem ser mais graves do que as dos pacientes imunodeprimidos
convencionalmente. Portanto, os receptores vulgarmente recebem o tratamento
profilático de antibióticos, profilaxia antiviral para prevenir infecções por
citomegalovírus, a profilaxia antifúngica para impedir a infecção invasiva por Aspergillus
e a manutenção intravenosa de infusões de imunoglobulina (IVIG). Os receptores são
também imunizados contra infecções comuns para restaurar a imunidade protetora que
se perde após o transplante.
Há um grande interesse no uso de células-tronco pluripotentes para reparar tecidos
que têm pouca capacidade regenerativa natural, tais como o músculo cardíaco, o cérebro
e a medula espinal. Uma abordagem é a utilização de células-tronco embrionárias, que
são as células-tronco pluripotentes derivadas da fase de blastocisto dos embriões
humanos. Embora as células-tronco embrionárias ainda não tenham sido largamente
utilizadas clinicamente, é provável que uma grande barreira para enxertos bemsucedidos
seja sua aloantigenicidade e a rejeição pelo sistema imunológico do receptor.
Uma possível solução para isso pode ser a utilização de células-tronco pluripotentes
induzidas (IPS), que podem ser derivadas de tecidos somáticos adultos por transdução
de determinados genes. A vantagem imunológica da abordagem da célula iPS é que estas
células podem ser derivadas de células somáticas coletadas do paciente, e, portanto, elas
não irão ser rejeitadas.
Resumo
O transplante de tecidos de um indivíduo para um receptor geneticamente não idêntico
leva a uma resposta imunológica específica chamada de rejeição que pode destruir o
enxerto. Os principais alvos moleculares da rejeição do enxerto são as moléculas do
MHC alogênicas de classe I e classe II.
Moléculas de MHC alogênicas intactas podem ser apresentadas pelas APCs do doador
para as células T do receptor (a via direta), ou os aloantígenos podem ser
internalizados por APCs do hospedeiro que entram no enxerto ou residem nos órgãos
linfoides de drenagem e ser processado e apresentados às células T, como peptídios
associados a as moléculas do MHC próprias (a via indireta).
A frequência de células T capazes de reconhecer as moléculas do MHC alogênicas é
muito elevada, o que explica por que a resposta a aloantígenos é muito mais forte do
que a resposta a antígenos estranhos convencionais.
A rejeição do enxerto é mediada pelas células T, incluindo os CTLs que matam as células
do enxerto e células T auxiliares que causam a inflamação mediada por citocinas
assemelhando-se às reações DTH e por anticorpos.
Vários mecanismos efetores causam a rejeição de enxertos de órgãos sólidos. Os
anticorpos preexistentes específicos para os antígenos do grupo sanguíneo do doador
ou os antígenos do MHC causam rejeição hiperaguda caracterizada por trombose de
vasos do enxerto. As células T alorreativas e os anticorpos produzidos em resposta ao
enxerto causam danos à parede do vaso sanguíneo e morte celular do parênquima,
denominado de rejeição aguda. A rejeição crônica é caracterizada pela fibrose e
estenose arterial (vasculopatia do enxerto), que pode ser devido às reações
inflamatórias mediadas por células T e citocinas.
A rejeição de enxertos pode ser prevenida ou tratada por imunossupressão do
hospedeiro e minimizando a imunogenicidade do enxerto (limitando diferenças
alélicas do MHC). A maior parte da imunossupressão é dirigida às respostas das
células T e implica a utilização de fármacos citotóxicos, agentes imunossupressores
específicos ou anticorpos anticélulas T. Os agentes imunossupressores mais
amplamente utilizados têm como alvo a calcineurina, mTOR, e a síntese de DNA dos
linfócitos. A imunossupressão é muitas vezes combinada com fármacos antiinflamatórios,
tais como os corticosteroides, que inibem a síntese de citocinas por
macrófagos e outras células.
Os pacientes que recebem transplantes de órgãos sólidos podem tornar-se
imunodeficientes devido à sua terapia e são suscetíveis a infecções virais e tumores
malignos.
O transplante xenogênico de órgãos sólidos é limitado pela presença de anticorpos
naturais contra antígenos de carboidratos nas células de espécies discordantes que
causam a rejeição hiperaguda, mediada por anticorpos, a rejeição vascular aguda,
mediada pela resposta imunológica de células T a moléculas do MHC xenogênicas, e
efeitos pró-trombóticos de endotélio xenogênico em plaquetas humanas e proteínas de
coagulação.
Os antígenos do grupo sanguíneo ABO são estruturas polimórficas de carboidratos
presentes nas células sanguíneas e endotélio que limitam as transfusões e alguns
transplantes de órgãos sólidos entre os indivíduos. Os anticorpos naturais IgM anti-A
ou anti-B estão presentes em indivíduos que não expressam os antígenos A ou B nas
suas células, respectivamente, e estes anticorpos podem causar reações de transfusão e
rejeição hiperagudas do aloenxerto.
Os transplantes de células-tronco hematopoéticas (HSC) são pré-formados para o
tratamento de leucemias e defeitos genéticos restritos às células hematopoéticas.
Transplantes de HSC são suscetíveis a rejeição, e os receptores exigem intensa
imunossupressão preparatória. Além disso, os linfócitos T nos enxertos de HSC podem
responder a aloantígenos do hospedeiro e causar GVHD. A GVHD aguda é
caracterizada pela morte de células epiteliais na pele, trato intestinal e do fígado; que
pode ser fatal. A GVHD crônica é caracterizada por fibrose e atrofia de um ou mais
desses mesmos órgãos-alvo, assim como os pulmões e também pode ser fatal. Os
receptores de transplantes de células-tronco hematopoéticas também desenvolvem
frequentemente uma imunodeficiência grave, tornando-os suscetíveis a infecções.














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