quinta-feira, 3 de maio de 2018

Baço

O baço é massa oval, geralmente arroxeada, carnosa, que tem aproximadamente o mesmo tamanho e o mesmo formato da mão fechada. É relativamente delicado e considerado o órgão abdominal mais vulnerável. O baço está localizado na parte superolateral do quadrante abdominal superior esquerdo (QSE) ou hipocôndrio, onde goza da proteção da parte inferior da caixa torácica (Figura 2.58A e B). Como o maior dos órgãos linfáticos, participa do sistema de defesa do corpo como local de proliferação de linfócitos (leucócitos) e de vigilância e resposta imune.
No período pré-natal, é um órgão hematopoético (formador de sangue), mas após o nascimento participa basicamente da • • • • identificação, remoção e destruição de hemácias antigas e de plaquetas fragmentadas, e da reciclagem de ferro e globina. O baço atua como reservatório de sangue, armazenando hemácias e plaquetas, e, em grau limitado, pode garantir um tipo de “autotransfusão” em resposta ao estresse da hemorragia. Apesar de seu tamanho e das muitas funções úteis e importantes que tem, não é um órgão vital (não é necessário para manter a vida). Para conciliar essas funções, o baço é uma massa vascular (sinusoidal) de consistência mole, com uma cápsula fibroelástica relativamente delicada (Figura 2.58E). A fina cápsula é recoberta por uma camada de peritônio visceral, que circunda todo o baço, exceto o hilo esplênico, por onde entram e saem os ramos esplênicos da artéria e veia esplênicas (Figura 2.58D). Consequentemente, é capaz de sofrer expansão acentuada e alguma contração relativamente rápida. O baço é um órgão móvel, embora normalmente não desça abaixo da região costal; está apoiado sobre a flexura esquerda do colo (Figura 2.58A e B). Está associado posteriormente às costelas IX a XI (seu eixo longitudinal é quase paralelo à costela X) e separado delas pelo diafragma e pelo recesso costodiafragmático — a extensão da cavidade pleural, semelhante a uma fenda, entre o diafragma e a parte inferior da caixa torácica. As relações do baço são: Figura 2.58 o baço. A e B. Anatomia de superfície do baço em relação à caixa torácica, órgãos anteriores do abdome, vísceras torácicas e recesso pleural costofrênico. C. Anatomia de superfície do baço e do pâncreas em relação ao diafragma e às vísceras posteriores do abdome. D = duodeno; RE = rim esquerdo; SE = glândula suprarrenal esquerda; P = pâncreas; E = estômago. D. Face visceral do baço. Os entalhes são característicos da margem superior. As concavidades na face visceral são impressões formadas pelas estruturas em contato com o baço. E. Estrutura interna do baço. Anteriormente, o estômago Posteriormente, a parte esquerda do diafragma, que o separa da pleura, do pulmão e das costelas IX a XI Inferiormente, a flexura esquerda do colo Medialmente, o rim esquerdo. O tamanho, o peso e o formato do baço variam muito; entretanto, geralmente tem cerca de 12 cm de comprimento e 7 cm de largura. A face diafragmática do baço tem a superfície convexa para se encaixar na concavidade do diafragma e nos corpos curvos das costelas adjacentes (Figura 2.58A a C). A proximidade entre o baço e as costelas que normalmente o protegem pode ser prejudicial em caso de fraturas costais (ver, no boxe azul, “Ruptura do baço”, adiante). As margens anterior e superior do baço são agudas e frequentemente entalhadas, ao passo que sua extremidade posterior (medial) e a margem inferior são arredondadas (Figura 2.58D). Normalmente, o baço não se estende inferiormente à margem costal esquerda; assim, raramente é palpável através da parede anterolateral do abdome, exceto se estiver aumentado. Quando está endurecido e aumentado, atingindo aproximadamente o triplo do seu tamanho normal, situa-se abaixo da margem costal esquerda, e sua margem superior (entalhada) situa-se inferomedialmente (ver, no boxe azul, “Esplenectomia e esplenomegalia, adiante). A margem entalhada é útil ao palpar um baço aumentado, pois quando a pessoa inspira profundamente, muitas vezes é possível palpar os entalhes. O baço normalmente contém muito sangue, que é expelido periodicamente para a circulação pela ação do músculo liso presente em sua cápsula e nas trabéculas. O grande tamanho da artéria (ou veia) esplênica indica o volume de sangue que atravessa os capilares e seios esplênicos. A fina cápsula fibrosa esplênica é formada por tecido conjuntivo fibroelástico, não modelado e denso, que é mais espesso no hilo esplênico (Figura 2.58E). Internamente, as trabéculas (pequenas faixas fibrosas), originadas na face profunda da cápsula, conduzem vasos sanguíneos que entram e saem do parênquima ou polpa esplênica, a substância do baço. O baço toca a parede posterior do estômago e está unido à curvatura maior pelo ligamento gastroesplênico e ao rim esquerdo pelo ligamento esplenorrenal. Esses ligamentos, que contêm vasos esplênicos, estão fixados ao hilo esplênico em sua face medial (Figura 2.58D). Não raro o hilo esplênico está em contato com a cauda do pâncreas e constitui o limite esquerdo da bolsa omental. A irrigação arterial do baço provém da artéria esplênica, o maior ramo do tronco celíaco (Figura 2.59A). Essa artéria segue um trajeto tortuoso posterior à bolsa omental, anterior ao rim esquerdo e ao longo da margem superior do pâncreas. Entre as camadas do ligamento esplenorrenal, a artéria esplênica divide-se em cinco ou mais ramos que entram no hilo esplênico. A ausência de anastomose dos vasos arteriais no baço resulta na formação de segmentos vasculares do baço: dois em 84% dos baços e três nos demais, com planos relativamente avasculares entre eles, o que permite a esplenectomia subtotal (ver, no boxe azul, “Esplenectomia e esplenomegalia”, adiante). A drenagem venosa do baço segue pela veia esplênica, formada por várias tributárias que emergem do hilo esplênico (Figuras 2.59A e 2.60B). Recebe a VMI e segue posteriormente ao corpo e à cauda do pâncreas na maior parte de seu trajeto. A veia esplênica une-se à VMS posteriormente ao colo do pâncreas para formar a veia porta. Figura 2.59 Baço, pâncreas, duodeno e ductos biliares. A. Relações do baço, pâncreas e ductos biliares extra-hepáticos com outras vísceras retroperitoneais. B. Entrada do ducto colédoco e do ducto pancreático no duodeno através da ampola hepatopancreática. C. O interior da parte descendente do duodeno mostra as papilas maior e menor do duodeno. D. Estrutura do tecido acinar (produtor de enzima). A fotomicrografia do pâncreas mostra ácinos secretores e uma ilhota pancreática. VCI = veia cava inferior. • • Figura 2.60 Irrigação arterial e drenagem venosa do pâncreas. Em virtude da proximidade entre o pâncreas e o duodeno, seus vasos sanguíneos são os mesmos, no todo ou em parte. A. Artérias. Com exceção da parte inferior da cabeça do pâncreas (inclusive o processo uncinado), o baço e o pâncreas recebem sangue do tronco celíaco. B. Drenagem venosa. C. Arteriografia de tronco celíaco. Foi realizada injeção seletiva de contraste radiopaco no lúmen do tronco celíaco. Os vasos linfáticos esplênicos deixam os linfonodos no hilo es-plênico e seguem ao longo dos vasos esplênicos até os linfonodos pancreaticoesplênicos no trajeto para os linfonodos celíacos (Figura 2.61A). Os linfonodos pancreaticoesplênicos estão relacionados com a face posterior e a margem superior do pâncreas. Os nervos esplênicos, derivados do plexo celíaco (Figura 2.61B), são distribuídos principalmente ao longo de ramos da artéria esplênica e têm função vasomotora. Pâncreas O pâncreas é uma glândula acessória da digestão, alongada, retroperitoneal, situada sobrejacente e transversalmente aos corpos das vértebras L I e L II (o nível do plano transpilórico) na parede posterior do abdome (Figura 2.58C). Situa-se atrás do estômago, entre o duodeno à direita e o baço à esquerda (Figura 2.59A). O mesocolo transverso está fixado à sua margem anterior (ver Figura 2.39A). O pâncreas produz: Secreção exócrina (suco pancreático produzido pelas células acinares) que é liberada no duodeno através dos ductos pancreáticos principal e acessório Secreções endócrinas (glucagon e insulina, produzidos pelas ilhotas pancreáticas [de Langerhans]) que passam para o sangue (Figura 2.59D). Para fins descritivos, o pâncreas é dividido em quatro partes: cabeça, colo, corpo e cauda. Figura 2.61 Drenagem linfática e inervação do pâncreas e do baço. A. As setas indicam o fluxo de linfa para os linfonodos. B. Os nervos do pâncreas são nervos autônomos dos plexos celíaco e mesentérico superior. Uma densa rede de fibras nervosas parte do plexo celíaco e segue ao longo da artéria esplênica até o baço. A maioria consiste em fibras simpáticas pós-ganglionares para o músculo liso da cápsula esplênica, trabéculas e vasos intraesplênicos. A cabeça do pâncreas é a parte expandida da glândula que é circundada pela curvatura em forma de C do duodeno à direita dos vasos mesentéricos superiores logo abaixo do plano transpilórico. Está firmemente fixada à face medial das partes descendente e horizontal do duodeno. O processo uncinado, uma projeção da parte inferior da cabeça do pâncreas, estendese medialmente para a esquerda, posteriormente à AMS (Figura 2.60A). A cabeça do pâncreas está apoiada posteriormente na VCI, artéria e veia renais direitas, e veia renal esquerda. Em seu trajeto para se abrir na parte descendente do duodeno, o ducto colédoco situa-se em um sulco na face posterossuperior da cabeça ou está inserido em sua substância (Figura 2.59A e B; ver também Figura 2.45). O colo do pâncreas é curto (1,5 a 2 cm) e está situado sobre os vasos mesentéricos superiores, que deixam um sulco em sua face posterior (Figura 2.44B e C). A face anterior do colo, coberta por peritônio, está situada adjacente ao piloro do estômago. A VMS une-se à veia esplênica posterior ao colo para formar a veia porta (Figura 2.60). O corpo do pâncreas é o prosseguimento do colo e situa-se à esquerda dos vasos mesentéricos superiores, passando sobre a aorta e a vértebra L II, logo acima do plano transpilórico e posteriormente à bolsa omental. A face anterior do corpo do pâncreas é coberta por peritônio, está situada no assoalho da bolsa omental e forma parte do leito do estômago (Figura 2.39A e B). A face posterior do corpo do pâncreas não tem peritônio e está em contato com a aorta, AMS, glândula suprarrenal esquerda, rim esquerdo e vasos renais esquerdos (Figura 2.59A). A cauda do pâncreas situa-se anteriormente ao rim esquerdo, onde está intimamente relacionada ao hilo esplênico e à flexura esquerda do colo. A cauda é relativamente móvel e passa entre as camadas do ligamento esplenorrenal junto com os vasos esplênicos (Figura 2.58D). O ducto pancreático principal começa na cauda do pâncreas e atravessa o parênquima da glândula até a cabeça do pâncreas: aí ele se volta inferiormente e tem íntima relação com o ducto colédoco (Figura 2.59A e B). O ducto pancreático principal e o ducto colédoco geralmente se unem para formar a ampola hepatopancreática (de Vater) curta e dilatada, que se abre na parte descendente do duodeno, no cume da papila maior do duodeno (Figura 2.59B e C). Em no mínimo 25% das pessoas, os ductos se abrem no duodeno separadamente. O músculo esfíncter do ducto pancreático (ao redor da parte terminal do ducto pancreático), o músculo esfíncter do ducto colédoco (ao redor da extremidade do ducto colédoco) e o músculo esfíncter da ampola hepatopancreática (de Oddi), ao redor da ampola hepatopancreática, são esfíncteres de músculo liso que controlam o fluxo de bile e de suco pancreático para a ampola e impedem o refluxo do conteúdo duodenal para a ampola hepatopancreática. O ducto pancreático acessório (Figura 2.59A) abre-se no duodeno no cume da papila menor do duodeno (Figura 2.59C). Em geral, o ducto acessório comunica-se com o ducto pancreático principal. Em alguns casos, o ducto pancreático principal é menor do que o ducto pancreático acessório e pode não haver conexão entre os dois. Nesses casos, o ducto acessório conduz a maior parte do suco pancreático. A irrigação arterial do pâncreas provém principalmente dos ramos da artéria esplênica, que é muito tortuosa. Várias artérias pancreáticas formam diversos arcos com ramos pancreáticos das artérias gastroduodenal e mesentérica superior (Figura 2.60A). Até 10 ramos da artéria esplênica irrigam o corpo e a cauda do pâncreas. As artérias pancreaticoduodenais superiores anterior e posterior, ramos da artéria gastroduodenal, e as artérias pancreaticoduodenais inferiores anterior e posterior, ramos da AMS, formam arcos anteriores e posteriores que irrigam a cabeça do pâncreas. A drenagem venosa do pâncreas é feita por meio das veias pancreáticas correspondentes, tributárias das partes esplênica e mesentérica superior da veia porta; a maioria delas drena para a veia esplênica (Figura 2.60B). Os vasos linfáticos pancreáticos acompanham os vasos sanguíneos (Figura 2.61A). A maioria dos vasos termina nos linfonodos pancreaticoesplênicos, situados ao longo da artéria esplênica. Alguns vasos terminam nos linfonodos pilóricos. Os vasos eferentes desses linfonodos drenam para os linfonodos mesentéricos superiores ou para os linfonodos celíacos através dos linfonodos hepáticos. Os nervos do pâncreas são derivados dos nervos vago e esplâncnico abdominopélvico que atravessam o diafragma (Figura 2.61B). As fibras parassimpáticas e simpáticas chegam ao pâncreas ao longo das artérias do plexo celíaco e do plexo mesentérico superior (ver também “Resumo da inervação das vísceras abdominais”, mais adiante). Além das fibras simpáticas que seguem para os vasos sanguíneos, fibras simpáticas e parassimpáticas são distribuídas para as células acinares e ilhotas pancreáticas. As fibras parassimpáticas são secretomotoras, mas a secreção pancreática é mediada principalmente por secretina e colecistocinina, hormônios secretados pelas células epiteliais do duodeno e parte proximal da mucosa intestinal sob o estímulo do conteúdo ácido do estômago. Fígado O fígado é a maior glândula do corpo e, depois da pele, o maior órgão. Pesa cerca de 1.500 g e representa aproximadamente 2,5% do peso corporal do adulto. No feto maduro — no qual também atua como órgão hematopoético — é proporcionalmente duas vezes maior (5% do peso corporal). Com exceção da gordura, todos os nutrientes absorvidos pelo sistema digestório são levados primeiro ao fígado pelo sistema venoso porta. Além de suas muitas atividades metabólicas, o fígado armazena glicogênio e secreta bile, um líquido amarelo-acastanhado ou verde que ajuda na emulsificação das gorduras. A bile sai do fígado pelos ductos biliares — ductos hepáticos direito e esquerdo — que se unem para formar o ducto hepático comum, que se une ao ducto cístico para formar o ducto colédoco. A produção hepática de bile é contínua; no entanto, entre as refeições ela se acumula e é armazenada na vesícula biliar, que também concentra a bile por meio da absorção de água e sais. Quando o alimento chega ao duodeno, a vesícula biliar envia a bile concentrada pelas vias biliares até o duodeno. ANATOMIA DE SUPERFÍCIE, FACES, REFLEXÕES PERITONEAIS E RELAÇÕES DO FÍGADO O fígado está situado principalmente no quadrante superior direito do abdome, onde é protegido pela caixa torácica e pelo diafragma (Figura 2.62). O fígado normal situa-se profundamente às costelas VII a XI no lado direito e cruza a linha mediana em direção à papila mamária esquerda. O fígado ocupa a maior parte do hipocôndrio direito e do epigástrio superior e estendese até o hipocôndrio esquerdo. O fígado move-se com as excursões do diafragma e na postura ereta sua posição é mais baixa devido à gravidade. Essa mobilidade facilita a palpação (ver, no boxe azul, “Palpação do fígado”, adiante). O fígado tem uma face diafragmática convexa (anterior, superior e algo posterior) e uma face visceral relativamente plana, ou mesmo côncava (posteroinferior), que são separadas anteriormente por sua margem inferior aguda, que segue a margem costal direita, inferior ao diafragma (Figura 2.63A). A face diafragmática do fígado é lisa e tem forma de cúpula, onde se relaciona com a concavidade da face inferior do diafragma, que a separa das pleuras, pulmões, pericárdio e coração (Figura 2.63A e B). Existem recessos subfrênicos — extensões superiores da cavidade peritoneal — entre o diafragma e as faces anterior e superior da face diafragmática do fígado. Os recessos subfrênicos são separados em recessos direito e esquerdo pelo ligamento falciforme, que se estende entre o fígado e a parede anterior do abdome. A parte do compartimento supracólico da cavidade peritoneal imediatamente inferior ao fígado é o recesso sub-hepático. O recesso hepatorrenal (bolsa de Morison) é a extensão posterossuperior do recesso sub-hepático, situada entre a parte direita da face visceral do fígado e o rim e a glândula suprarrenal direitos. O recesso hepatorrenal é uma parte da cavidade peritoneal dependente da gravidade em decúbito dorsal; o líquido que drena da bolsa omental flui para esse recesso (Figura 2.64B e E). O recesso hepatorrenal comunica-se anteriormente com o recesso subfrênico direito (Figura 2.63A e B). Lembrese de que normalmente todos os recessos da cavidade peritoneal são apenas espaços virtuais, contendo apenas líquido peritoneal suficiente para lubrificar as membranas peritoneais adjacentes. Figura 2.62 Anatomia de superfície do fígado. Localização, extensão e relação do fígado com a caixa torácica e a amplitude de movimentos na mudança de posição e excursão do diafragma. Figura 2.63 Faces do fígado e espaços virtuais relacionados. A. Este corte sagital esquemático do diafragma, fígado e rim direito mostra as duas faces do fígado e recessos peritoneais relacionados. B. Ressonância magnética, corte sagital, mostrando as relações apresentadas em A em uma pessoa viva. A face diafragmática do fígado é coberta por peritônio visceral, exceto posteriormente na área nua do fígado (Figura 2.64B a D), onde está em contato direto com o diafragma. A área nua é demarcada pela reflexão do peritônio do diafragma para o fígado, como as lâminas anterior (superior) e posterior (inferior) do ligamento coronário (Figura 2.63A). Essas lâminas encontram-se à direita para formar o ligamento triangular direito e divergem para a esquerda a fim de revestir a área nua triangular (Figura 2.64A a D). A lâmina anterior do ligamento coronário é contínua à esquerda com a lâmina direita do ligamento falciforme, e a lâmina posterior é contínua com a lâmina direita do omento menor. Próximo ao ápice (a extremidade esquerda) do fígado cuneiforme, as lâminas anterior e posterior da parte esquerda do ligamento coronário se • • • • • • encontram para formar o ligamento triangular esquerdo. A VCI atravessa um profundo sulco da veia cava na área nua do fígado (Figura 2.64B a D). A face visceral do fígado também é coberta por peritônio (Figura 2.64C), exceto na fossa da vesícula biliar (Figura 2.65B) e na porta do fígado — uma fissura transversal por onde entram e saem os vasos (veia porta, artéria hepática e vasos linfáticos), o plexo nervoso hepático e os ductos hepáticos que suprem e drenam o fígado. Ao contrário da face diafragmática lisa, a face visceral tem muitas fissuras e impressões resultantes do contato com outros órgãos. Duas fissuras sagitais, unidas centralmente pela porta do fígado transversal, formam a letra H na face visceral (Figura 2.65A). A fissura sagital direita é o sulco contínuo formado anteriormente pela fossa da vesícula biliar e posteriormente pelo sulco da veia cava. A fissura umbilical (sagital esquerda) é o sulco contínuo formado anteriormente pela fissura do ligamento redondo e posteriormente pela fissura do ligamento venoso. O ligamento redondo do fígado é o remanescente fibroso da veia umbilical, que levava o sangue oxigenado e rico em nutrientes da placenta para o feto (Figura 2. 65B). O ligamento redondo e as pequenas veias paraum-bilicais seguem na margem livre do ligamento falciforme. O ligamento venoso é o remanescente fibroso do ducto venoso fetal, que desviava sangue da veia umbilical para a VCI, passando ao largo do fígado. O omento menor, que encerra a tríade portal (ducto colédoco, artéria hepática e veia porta) segue do fígado até a curvatura menor do estômago e os primeiros 2 cm da parte superior do duodeno (Figura 2.66A). A margem livre e espessa do omento menor estende-se entre a porta do fígado e o duodeno (o ligamento hepatoduodenal) e envolve as estruturas que atravessam a porta do fígado. O restante do omento menor, que se assemelha a uma lâmina, o ligamento hepatogástrico, estende-se entre o sulco para o ligamento venoso do fígado e a curvatura menor do estômago. Além das fissuras, as impressões na face visceral (em áreas dela) (Figura 2.64C) refletem a relação do fígado com: Lado direito da face anterior do estômago (áreas gástrica e pilórica) Parte superior do duodeno (área duodenal) Omento menor (estende-se até a fissura do ligamento venoso) Vesícula biliar (fossa da vesícula biliar) Flexura direita do colo e colo transverso direito (área cólica) Rim e glândula suprarrenal direitos (áreas renal e suprarrenal) (Figura 2.66B). Figura 2.64 Relações peritoneais e viscerais do fígado. A. A face diafragmática cupuliforme do fígado encaixa-se na face inferior do diafragma. Os ligamentos falciforme e coronário dividem essa face nos lobos hepáticos direito e esquerdo (ver também D). B. O diagrama mostra reflexões peritoneais (ligamentos) e cavidade relacionadas com o fígado. O fígado teve suas fixações seccionadas e foi retirado de seu local, colocado à direita da peça e girado posteriormente, como ao virar a página de um livro. C. Na posição anatômica, a face visceral do fígado está voltada em direção inferior, posterior e para a esquerda. Nas peças embalsamadas são preservadas as impressões nos locais em que as estruturas adjacentes tocam essa face. D. As duas lâminas de peritônio que formam o ligamento falciforme separam-se sobre a face superior do fígado para formar a lâmina anterior do ligamento coronário, deixando a área nua do fígado sem revestimento peritoneal. E. Dos dois recessos da cavidade abdominopélvica dependentes da gravidade em decúbito dorsal, o recesso hepatorrenal é o superior e recebe a drenagem da bolsa omental e das porções abdominais superiores (supracólicas) do saco maior. VCI = veia cava inferior. LOBOS ANATÔMICOS DO FÍGADO Externamente, o fígado é dividido em dois lobos anatômicos e dois lobos acessórios pelas reflexões do peritônio a partir de sua superfície, as fissuras formadas em relação a essas reflexões e os vasos que servem ao fígado e à vesícula biliar. Esses “lobos” superficiais não são lobos verdadeiros como o termo geralmente é usado em relação às glândulas e têm apenas relação secundária com a arquitetura interna do fígado. O plano essencialmente mediano definido pela fixação do ligamento falciforme e a fissura sagital esquerda separa um lobo hepático direito grande de um lobo hepático esquerdo muito menor (Figuras 2.64A, C e D e 2.65). Na face visceral inclinada, as fissuras sagitais direita e esquerda passam de cada lado dos — e a porta do fígado transversal separa — dois lobos acessórios (partes do lobo hepático direito anatômico): o lobo quadrado anterior e inferiormente, e o lobo caudado posterior e superiormente. O lobo caudado foi assim denominado não em vista de sua posição caudal (não é), mas porque muitas vezes dá origem a uma “cauda” na forma de um processo papilar alongado (Figura 2.64C). O processo caudado estende-se para a direita, entre a VCI e a porta do fígado, unindo os lobos caudado e hepático direito (Figura 2.65B). Figura 2.65 Face visceral do fígado. A. Os quatro lobos anatômicos do fígado são definidos por características externas (reflexões peritoneais e fissuras). B. Estruturas que formam e ocupam as fissuras da face visceral. VCI = veia cava inferior. SUBDIVISÃO FUNCIONAL DO FÍGADO Embora não haja demarcação distinta interna, onde o parênquima parece contínuo, existe uma divisão em partes independentes do ponto de vista funcional, a parte direita e a parte esquerda do fígado (partes ou lobos portais), cujos tamanhos são muito mais semelhantes do que os dos lobos anatômicos; a parte direita do fígado, porém, ainda é um pouco maior (Figuras 2.67 e 2.68; Quadro 2.11). Cada parte recebe seu próprio ramo primário da artéria hepática e veia porta, e é drenada por seu próprio ducto hepático. Na verdade, o lobo caudado pode ser considerado um terceiro fígado; sua vascularização é independente da bifurcação da tríade portal (recebe vasos de ambos os feixes) e é drenado por uma ou duas pequenas veias hepáticas, que entram diretamente na VCI distalmente às veias hepáticas principais. O fígado pode ser ainda subdividido em quatro divisões e depois em oito segmentos hepáticos cirurgicamente ressecáveis, sendo cada um deles servido independentemente por um ramo secundário ou terciário da tríade portal, respectivamente (Figura 2.67). Segmentos hepáticos (cirúrgicos) do fígado. Exceto pelo lobo caudado (segmento posterior), o fígado é dividido em partes hepáticas direita e esquerda com base na divisão primária (1 a ) da tríade portal em ramos direito e esquerdo, sendo o plano entre as partes hepáticas direita e esquerda a fissura portal principal, na qual está a veia hepática média (Figura 2.67A a C). Na face visceral, esse plano é demarcado pela fissura sagital direita. O plano é demarcado na face diafragmática mediante extrapolação de uma linha imaginária — a linha de Cantlie (Cantlie, 1898) — que segue da fossa da vesícula biliar até a VCI (Figuras 2.67B e 2.68A e C). As partes direita e esquerda do fígado são subdivididas verticalmente em divisões medial e lateral pelas fissura portal direita e fissura umbilical, nas quais estão as veias hepáticas direita e esquerda (Figuras 2.67A, D e E e 2.68). A fissura portal direita não tem demarcação externa (Figura 2.65A). Cada uma das quatro divisões recebe um ramo secundário (2 o ) da tríade portal (Figura 2.67A). (Nota: a divisão medial da parte esquerda do fígado — divisão medial esquerda — é parte do lobo anatômico direito; a divisão lateral esquerda corresponde ao lobo anatômico esquerdo.) Um plano hepático transverso no nível das partes horizontais dos ramos direito e esquerdo da tríade portal subdivide três das quatro divisões (todas, com exceção da divisão medial esquerda), criando seis segmentos hepáticos, que recebem ramos terciários da tríade. A divisão medial esquerda também é contada como um segmento hepático, de modo que a parte principal do fígado tem sete segmentos (segmentos II a VIII, numerados em sentido horário), que também recebem um nome descritivo (Figuras 2.67A, D e E e 2.68). O lobo caudado (segmento I, levando o número total de segmentos a oito) é suprido por ramos das duas divisões e é drenado por suas próprias veias hepáticas menores. Embora o padrão de segmentação descrito seja o mais comum, os segmentos variam muito em tamanho e formato em razão da variação individual na ramificação dos vasos hepáticos e portas. A importância clínica dos segmentos hepáticos é explicada no boxe azul, “Lobectomias e segmentectomia hepáticas”, adiante. VASOS SANGUÍNEOS DO FÍGADO O fígado, como os pulmões, tem irrigação dupla (vasos aferentes): uma venosa dominante e uma arterial menor (Figura 2.67A). A veia porta traz 75 a 80% do sangue para o fígado. O sangue porta, que contém aproximadamente 40% mais oxigênio do que o sangue que retorna ao coração pelo circuito sistêmico, sustenta o parênquima hepático (células hepáticas ou hepatócitos) (Figura 2.69). A veia porta conduz praticamente todos os nutrientes absorvidos pelo sistema digestório para os sinusoides hepáticos. A exceção são os lipídios, que são absorvidos pelo sistema linfático e passam ao largo do fígado. O sangue da artéria hepática, que representa apenas 20 a 25% do sangue recebido pelo fígado, é distribuído inicialmente para estruturas não parenquimatosas, sobretudo os ductos biliares intra-hepáticos. Figura 2.66 Relações do fígado com outras vísceras abdominais, omento menor e tríade portal. A. O corte sagital anterior é feito no plano da fossa da vesícula biliar, e o corte sagital posterior é feito no plano da fissura do ligamento venoso. Esses cortes foram unidos por um corte coronal estreito no plano da porta do fígado. É mostrada a relação entre o fígado e as vísceras anteriores (intraperitoneais) do abdome. A tríade portal passa entre as lâminas do ligamento hepatoduodenal e entra no fígado pela porta do fígado. A artéria hepática comum segue entre as lâminas do ligamento hepatogástrico. B. Imagem de ressonância magnética (RM) coronal da parte inferior do tórax e do abdome mostrando a relação entre o fígado e as vísceras posteriores (retroperitoneais) do abdome. VCI = veia cava inferior. (B cortesia do Dr. W. Kucharczyk, Professor of Medical Imaging, University of Toronto, Toronto, ON, Canada.) A veia porta, curta e larga, é formada pela união das veias mesentérica superior e esplênica, posteriormente ao colo do pâncreas. Ascende anteriormente à VCI como parte da tríade portal no ligamento hepatoduodenal (Figura 2.66A). A artéria hepática, um ramo do tronco celíaco, pode ser dividida em artéria hepática comum, do tronco celíaco até a origem da artéria gastroduodenal, e artéria hepática própria, da origem da artéria gastroduodenal até a bifurcação da artéria hepática (Figuras 2.60A a C). Na porta do fígado, ou perto dela, a artéria hepática e a veia porta terminam dividindo-se em ramos direito e esquerdo; esses ramos primários suprem as partes direita e esquerda do fígado, respectivamente (Figura 2.67). Nas partes direita e esquerda do fígado, as ramificações secundárias simultâneas da veia porta e da artéria hepática suprem as divisões medial e lateral das partes direita e esquerda do fígado, com três dos quatro ramos secundários sofrendo ramificações adicionais (terciárias) para suprirem independentemente sete dos oito segmentos hepáticos. Figura 2.67 Segmentação hepática. A. As veias hepáticas direita, intermédia e esquerda seguem nos três planos ou fissuras [portal direita (D), portal principal (P) e umbilical (U)] que segmentam o fígado em quatro divisões verticais, sendo cada uma servida por um ramo secundário (2 o ) da tríade portal. Três divisões são subdivididas no plano portal transverso (T) em segmentos hepáticos, sendo cada um suprido por ramos terciários (3 o ) da tríade. A divisão medial esquerda e o lobo caudado também são considerados segmentos hepáticos, totalizando oito segmentos hepáticos cirurgicamente ressecáveis (segmentos I a VIII, que também recebem um nome, como mostram a Figura 2.67 e o Quadro 2.11). Cada segmento tem suas próprias vascularização intrassegmentar e drenagem biliar. As veias hepáticas são intersegmentares, drenando as porções dos vários segmentos adjacentes a elas. B e C. Injeção de látex nos ramos direito (vermelho) e esquerdo (azul) da veia porta mostra as partes direita e esquerda do fígado e a linha de Cantlie que as separa na face diafragmática. D e E. Injeção de diferentes cores de látex nos ramos secundários (segmentos IV, V e VIII) e terciários da veia porta mostra as divisões do fígado e os segmentos hepáticos I a VIII. VCI = veia cava inferior. Figura 2.68 Partes, divisões e segmentos do fígado. Cada parte, divisão e segmento tem um nome; os segmentos também são identificados por algarismos romanos. Quadro 2.11 Terminologia para as subdivisões do fígado. Termo anatômico Lobo hepático direito Lobo hepático esquerdo Lobo caudado Termo funcional/cirúrgico** Parte direita do fígado [lobo portal direito*] Parte esquerda do fígado [lobo portal esquerdo+] Parte posterior do fígado Divisão lateral direita Divisão medial direita Divisão medial esquerda Divisão lateral esquerda [Lobo caudado direito*] [Lobo caudado esquerdo+] Segmento posterior lateral Segmento VII [Área posterior superior] Segmento posterior lateral Segmento VIII [Área anterior superior] [Área superior medial] Segmento medial esquerdo Segmento lateral Segmento II [Área superior lateral] Segmento posterior Segmento anterior lateral direito Segmento VI [Área posterior inferior] Segmento anterior medial Segmento V [Área anterior inferior] Segmento IV [Área inferior medial = lobo quadrado] Segmento anterior lateral esquerdo Segmento III [Área lateral inferior] Segmento I **As designações apresentadas no quadro e na figura acima refletem a nova Terminologia Anatômica: Terminologia Anatômica Internacional (1998). A terminologia antiga está entre colchetes. No esquema da terminologia anterior, o lobo caudado era dividido em metades direita e esquerda, e *Ametade direita do lobo caudado era considerada uma subdivisão do lobo portal direito. +Ametade esquerda do lobo caudado era considerada uma subdivisão do lobo portal esquerdo. Figura 2.69 Fluxo de sangue e bile no fígado. A. Esta imagem de uma pequena parte de um lóbulo hepático ilustra os componentes da tríade portal interlobular e o posicionamento dos sinusoides e canalículos biliares. A imagem aumentada da superfície de um bloco de parênquima removido do fígado representado na figura B mostra o padrão hexagonal de lobos e a localização da parte A naquele padrão. B. Vias biliares extra-hepáticas, vesícula biliar e ductos pancreáticos. C. O ducto colédoco e o ducto pancreático entram na ampola hepatopancreática, que se abre na parte descendente do duodeno. Entre as divisões estão as veias hepáticas direita, intermédia e esquerda, que são intersegmentares em sua distribuição e função, drenando partes dos segmentos adjacentes. As veias hepáticas, formadas pela união das veias coletoras que, por sua vez, drenam as veias centrais do parênquima hepático (Figura 2.69), abrem-se na VCI logo abaixo do diafragma. A fixação dessas veias à VCI ajuda a manter o fígado em posição. • • DRENAGEM LINFÁTICA E INERVAÇÃO DO FÍGADO O fígado é um importante órgão produtor de linfa. Entre um quarto e metade da linfa recebida pelo ducto torácico provém do fígado. Os vasos linfáticos do fígado ocorrem como linfáticos superficiais na cápsula fibrosa do fígado subperitoneal (cápsula de Glisson), que forma sua face externa (Figura 2.66A), e como linfáticos profundos no tecido conjuntivo, que acompanham as ramificações da tríade portal e veias hepáticas (Figura 2.69A). A maior parte da linfa é formada nos espaços perissinusoidais (de Disse) e drena para os linfáticos profundos nas tríades portais intralobulares adjacentes. Figura 2.70 Drenagem linfática e inervação do fígado. A. O fígado é um importante órgão produtor de linfa, que flui em dois sentidos: a linfa da parte superior do fígado flui para os linfonodos torácicos superiores; a linfa da parte inferior flui para linfonodos situados na parte inferior do abdome. B. O plexo hepático, o maior derivado do plexo celíaco, acompanha os ramos da artéria hepática até o fígado, conduzindo fibras simpáticas e parassimpáticas. Os vasos linfáticos superficiais das partes anteriores das faces diafragmática e visceral do fígado e os vasos linfáticos profundos que acompanham as tríades portais convergem em direção à porta do fígado. Os vasos linfáticos superficiais drenam para os linfonodos hepáticos dispersos ao longo dos vasos e ductos hepáticos no omento menor (Figura 2.70A). Os vasos linfáticos eferentes dos linfonodos hepáticos drenam para os linfonodos celíacos que, por sua vez, drenam para a cisterna do quilo, um saco dilatado na extremidade inferior do ducto torácico (ver Figura 2.100). Os vasos linfáticos superficiais das partes posteriores das faces diafragmática e visceral do fígado drenam para a área nua do fígado. Aqui eles drenam para os linfonodos frênicos, ou unem-se aos vasos linfáticos profundos que acompanharam as veias hepáticas que convergem na VCI, e seguem com essa grande veia através do diafragma para drenar nos linfonodos mediastinais posteriores. Os vasos linfáticos eferentes desses linfonodos unem-se aos ductos linfático direito e torácico. Alguns vasos linfáticos seguem vias diferentes: Da face posterior do lobo hepático esquerdo em direção ao hiato esofágico do diafragma para terminarem nos linfonodos gástricos esquerdos Da face diafragmática central anterior ao longo do ligamento falciforme até os linfonodos paraesternais • • • • Ao longo do ligamento redondo do fígado até o umbigo e linfáticos da parede anterior do abdome. Os nervos do fígado são derivados do plexo hepático (Figura 2.70B), o maior derivado do plexo celíaco. O plexo hepático acompanha os ramos da artéria hepática e da veia porta até o fígado. Esse plexo é formado por fibras simpáticas do plexo celíaco e fibras parassimpáticas dos troncos vagais anterior e posterior. As fibras nervosas acompanham os vasos e os ductos biliares da tríade portal. Além da vasoconstrição, sua função não é clara. Ductos biliares e vesícula biliar Os ductos biliares conduzem bile do fígado para o duodeno. A bile é produzida continuamente pelo fígado, armazenada e concentrada na vesícula biliar, que a libera de modo intermitente quando a gordura entra no duodeno. A bile emulsifica a gordura para que possa ser absorvida na parte distal do intestino. O tecido hepático normal, quando seccionado, é tradicionalmente descrito como um padrão de lóbulos hepáticos hexagonais (Figura 2.69A), quando visto em pequeno aumento. Cada lóbulo tem uma veia central que atravessa seu centro, do qual se irradiam sinusoides (grandes capilares) e lâminas de hepatócitos em direção a um perímetro imaginário extrapolado das tríades portais interlobulares adjacentes (ramos terminais da veia porta e artéria hepática, e ramos iniciais dos ductos biliares). Embora comumente sejam considerados as unidades anatômicas do fígado, os “lóbulos” hepáticos não são entidades estruturais; em vez disso, o padrão lobular é uma consequência fisiológica dos gradientes de pressão e é alterado por doença. Como o ducto biliar não é central, o lóbulo hepático não representa uma unidade funcional como ácinos de outras glândulas. Entretanto, o lóbulo hepático é um conceito firmemente estabelecido e é útil para fins descritivos. Os hepatócitos secretam bile para os canalículos biliares formados entre eles. Os canalículos drenam para os pequenos ductos biliares interlobulares e depois para os grandes ductos biliares coletores da tríade portal intra-hepática, que se fundem para formar os ductos hepáticos direito e esquerdo (Figura 2.69B). Os ductos hepáticos direito e esquerdo drenam as partes direita e esquerda do fígado, respectivamente. Logo depois de deixar a porta do fígado, esses ductos hepáticos unem-se para formar o ducto hepático comum, que recebe no lado direito o ducto cístico para formar o ducto colédoco (parte da tríade portal extra-hepática do omento menor), que conduz a bile para o duodeno. DUCTO COLÉDOCO O ducto colédoco (antes chamado de ducto biliar comum) forma-se na margem livre do omento menor pela união dos ductos cístico e hepático comum (Figuras 2.65 e 2.69B). O comprimento do ducto colédoco varia de 5 a 15 cm, dependendo do local onde o ducto cístico se une ao ducto hepático comum. O ducto colédoco desce posteriormente à parte superior do duodeno e situa-se em um sulco na face posterior da cabeça do pâncreas. No lado esquerdo da parte descendente do duodeno, o ducto colédoco entra em contato com o ducto pancreático. Esses ductos seguem obliquamente através da parede dessa parte do duodeno, onde se unem para formar uma dilatação, a ampola hepatopancreática (Figura 2.69C). A extremidade distal da ampola abre-se no duodeno através da papila maior do duodeno (Figura 2.45C). O músculo circular ao redor da extremidade distal do ducto colédoco é mais espesso para formar o músculo esfíncter do ducto colédoco (L. ductus choledochus) (Figura 2.69C). Quando o esfíncter contrai, a bile não consegue entrar na ampola e no duodeno; portanto, reflui e segue pelo ducto cístico até a vesícula biliar, onde é concentrada e armazenada. A irrigação arterial do ducto colédoco (Figura 2.71) provém de: Artéria cística: que irriga a parte proximal do ducto Artéria hepática direita: que irriga a parte média do ducto Artéria pancreaticoduodenal superior posterior e artéria gastroduodenal: que irrigam a parte retroduodenal do ducto. A drenagem venosa da parte proximal do ducto colédoco e dos ductos hepáticos geralmente entra diretamente no fígado (Figura 2.72). A veia pancreaticoduodenal superior posterior drena a parte distal do ducto colédoco e esvazia-se na veia porta ou em uma de suas tributárias. Os vasos linfáticos do ducto colédoco seguem até os linfonodos císticos perto do colo da vesícula biliar, o linfonodo do forame omental e os linfonodos hepáticos (Figuras 2.70 e 2.71). Os vasos linfáticos eferentes do ducto colédoco seguem até os linfonodos celíacos. VESÍCULA BILIAR A vesícula biliar (7 a 10 cm de comprimento) situa-se na fossa da vesícula biliar na face visceral do fígado (Figuras 2.65B e • • • 2.72). Essa fossa rasa está situada na junção das partes direita e esquerda do fígado. A relação entre vesícula biliar e duodeno é tão íntima que a parte superior do duodeno no cadáver geralmente é tingida de bile (Figura 2.73B). Como o fígado e a vesícula biliar devem ser rebatidos para cima para expor a vesícula biliar (Figura 2.69B) em um acesso cirúrgico anterior (e os atlas costumam representá-la nessa posição), é fácil esquecer que em sua posição natural o corpo da vesícula biliar situa-se anterior à parte superior do duodeno, e seu colo e o ducto cístico situam-se imediatamente superiores ao duodeno (Figuras 2.37A e 2.37B). Figura 2.71 Irrigação arterial e drenagem linfática da vesícula biliar e das vias biliares. Os vasos linfáticos da vesícula biliar e vias biliares anastomosam-se superiormente com os linfáticos do fígado e inferiormente com os linfáticos do pâncreas; a maior parte da drenagem flui para os linfonodos celíacos. A vesícula biliar piriforme consegue armazenar até 50 ml de bile. O peritônio circunda completamente o fundo da vesícula biliar e une seu corpo e colo ao fígado. A face hepática da vesícula biliar fixa-se ao fígado por tecido conjuntivo da cápsula fibrosa do fígado. A vesícula biliar tem três partes (Figuras 2.69B, 2.72 e 2.73): Fundo: a extremidade larga e arredondada do órgão que geralmente se projeta a partir da margem inferior do fígado na extremidade da 9 a cartilagem costal direita na LMC (ver Figuras 2.30A e 2.31A) Corpo: parte principal, que toca a face visceral do fígado, o colo transverso e a parte superior do duodeno Colo: extremidade estreita e afilada, oposta ao fundo e voltada para a porta do fígado; normalmente faz uma curva em forma de S e se une ao ducto cístico (Figura 2.72). O ducto cístico (3 a 4 cm de comprimento) une o colo da vesícula biliar ao ducto hepático comum (Figura 2.73B e C). A túnica mucosa do colo forma a prega espiral (válvula espiral) (Figura 2.69B). A prega espiral ajuda a manter o ducto cístico aberto; assim, a bile pode ser facilmente desviada para a vesícula biliar quando a extremidade distal do ducto colédoco é fechada pelo músculo esfíncter do ducto colédoco e/ou músculo esfíncter da ampola hepatopancreática, ou a bile pode passar para o duodeno quando a vesícula biliar se contrai. A prega espiral também oferece resistência adicional ao esvaziamento súbito de bile quando os esfíncteres estão fechados e há aumento súbito da pressão intra-abdominal, como ao espirrar ou tossir. O ducto cístico segue entre as lâminas do omento menor, geralmente paralelo ao ducto hepático comum, ao qual se une para formar o ducto colédoco. Figura 2.72 Nervos e veias do fígado e sistema biliar. Os nervos são proeminentes ao longo da artéria hepática e do ducto colédoco e seus ramos. A inervação simpática é vasomotora no fígado e no sistema biliar. As veias do colo da vesícula biliar comunicam-se com as veias císticas ao longo dos ductos císticos e biliares. As pequenas veias císticas seguem da porção aderida da vesícula biliar até os sinusoides hepáticos. Figura 2.73 Posição normal da vesícula biliar e dos ductos biliares extra-hepáticos. A. Vesícula biliar mostrada por colangiografia retrógrada endoscópica. B. Corte sagital esquemático mostrando as relações com a parte superior do duodeno. C. Colangiografia retrógrada endoscópica das vias biliares. Na maioria das vezes o ducto cístico situa-se anteriormente ao ducto hepático comum. (A e C cortesia do Dr. G. B. Haber, University of Toronto, Toronto, ON, Canada.) A irrigação arterial da vesícula biliar e do ducto cístico provém principalmente da artéria cística (Figuras 2.71, 2.72 e 2.74A). A artéria cística normalmente origina-se da artéria hepática direita no triângulo entre o ducto hepático comum, o ducto cístico e a face visceral do fígado, o trígono cisto-hepático (triângulo de Calot) (Figura 2.72). Há variações na origem e no trajeto da artéria cística (Figuras 2.74B a C). A drenagem venosa do colo da vesícula biliar e do ducto cístico flui pelas veias císticas. Essas veias pequenas, em geral múltiplas, entram diretamente no fígado ou drenam através da veia porta para o fígado, depois de se unirem às veias que drenam os ductos hepáticos e a parte proximal do ducto colédoco (Figura 2.72). As veias do fundo e do corpo da vesícula biliar seguem diretamente até a face visceral do fígado e drenam para os sinusoides hepáticos. Como essa drenagem se faz de um leito capilar (sinusoidal) para outro, constitui um sistema porta adicional (paralelo). Figura 2.74 Variação na origem e no trajeto da artéria cística. A. A artéria cística geralmente origina-se da artéria hepática direita no trígono cisto-hepático (triângulo de Calot), limitado pelo ducto cístico, ducto hepático comum e face visceral da parte direita do fígado. B e C. Há variações na origem e trajeto da artéria cística em 24,5% das pessoas (Daseler et al., 1947), o que tem significado clínico durante a colecistectomia — remoção cirúrgica da vesícula biliar. A drenagem linfática da vesícula biliar se faz para os linfonodos hepáticos (Figura 2.71), frequentemente através dos linfonodos císticos localizados perto do colo da vesícula biliar. Os vasos linfáticos eferentes desses linfonodos seguem até os linfonodos celíacos. Os nervos para a vesícula biliar e ducto cístico (Figura 2.72) seguem ao longo da artéria cística a partir do plexo nervoso celíaco (fibras [de dor] aferentes viscerais e simpáticas), nervo vago (parassimpático) e nervo frênico direito (na verdade, fibras aferentes somáticas). A estimulação parassimpática causa contrações da vesícula biliar e relaxamento dos esfíncteres na ampola hepatopancreática. Entretanto, essas respostas geralmente são estimuladas pelo hormônio colecistocinina (CCK), produzido pelas paredes duodenais (em resposta à chegada de alimentos gordurosos) e que circula na corrente sanguínea. VEIA PORTA DO FÍGADO E ANASTOMOSES PORTOSSISTÊMICAS A veia porta do fígado (VP) é o principal canal do sistema venoso porta (Figuras 2.75A a B). Forma-se anteriormente à VCI e posteriormente ao colo do pâncreas (perto do nível da vértebra L I e do plano transpilórico) pela união das veias mesentérica superior e esplênica. Em aproximadamente um terço dos indivíduos, a VMI une-se à confluência das veias mesentérica superior e esplênica; portanto, as três veias formam a veia porta. Na maioria das pessoas, a VMI entra na veia esplênica (60% — ver Figura 2.56A) ou na VMS (40%). Figura 2.75 Tributárias da veia porta e anastomoses portossistêmicas. A. As anastomoses proporcionam uma circulação colateral em casos de obstrução no fígado ou veia porta. Aqui, as tributárias da veia porta são representadas em azul-escuro e as tributárias sistêmicas em azul-claro. A–D indicam locais de anastomoses. A está situado entre as veias esofágicas submucosas que drenam para a veia ázigo (sistêmica) ou a veia gástrica esquerda (portal); quando dilatadas formam as varizes esofágicas. B está entre as veias retais inferior e média, drenando para a veia cava inferior (sistêmica) e a veia retal superior, continuando como a veia mesentérica inferior (portal). As veias submucosas envolvidas normalmente apresentam-se dilatadas (varicosas), mesmo em recém-nascidos. Quando a túnica mucosa que as contém sofre prolapso, elas formam hemorróidas. (A aparência varicosa das veias e a ocorrência de hemorroidas não estão normalmente relacionadas com hipertensão porta, como se costuma afirmar.) C mostra veias paraumbilicais (portais) que se anastomosam com pequenas veias epigástricas da parede anterior do abdome (sistêmicas); isso pode produzir a “cabeça de Medusa” (Figura B2.24). D está nas faces posteriores (áreas nuas) de vísceras secundariamente retroperitoneais, ou o fígado, onde brotos de veias viscerais — por exemplo, a veia cólica, as veias esplênicas ou a própria veia porta (sistema porta) — anastomosam-se com veias retroperitoneais da parede posterior do abdome ou diafragma (sistema sistêmico). B. Angiografia por ressonância magnética (RM) (venografia porta) mostrando as tributárias e a formação da veia porta em uma pessoa viva. Embora seja um grande vaso, a VP segue um trajeto curto (7 a 8 cm), a maior parte do qual está contido no ligamento hepatoduodenal. À medida que se aproxima da porta do fígado, a veia porta divide-se em ramos direito e esquerdo. A veia porta recebe sangue com oxigenação reduzida, mas rico em nutrientes da parte abdominal do sistema digestório, inclusive vesícula biliar, pâncreas e baço, e o conduz ao fígado. Diz-se que há uma direção do fluxo sanguíneo na qual o sangue da veia esplênica, transportando os produtos da decomposição das hemácias no baço, segue principalmente para a parte esquerda do fígado. O sangue da VMS, rico em nutrientes absorvidos no intestino, segue principalmente para a parte direita do fígado. No fígado, seus ramos são distribuídos em um padrão segmentar (ver “Vasos sanguíneos do fígado”, anteriormente) e terminam em capilares expandidos, os sinusoides venosos do fígado (Figura 2.69A). As anastomoses portossistêmicas, nas quais o sistema venoso porta comunica-se com o sistema venoso sistêmico, formam-se na tela submucosa da parte inferior do esôfago, na tela submucosa do canal anal, na região periumbilical e nas faces posteriores (áreas nuas) de vísceras secundariamente retroperitoneais, ou no fígado (Figura 2.75; ver detalhes na legenda). Quando a circulação porta através do fígado é reduzida ou obstruída por doença hepática ou compressão física por um tumor, por exemplo, o sangue do sistema digestório ainda pode chegar ao lado direito do coração pela VCI por intermédio dessas vias colaterais. Essas vias alternativas estão disponíveis porque a veia porta e suas tributárias não têm válvulas; assim, o sangue pode fluir em sentido inverso para a VCI. No entanto, o volume de sangue forçado pelas vias colaterais pode ser excessivo, acarretando varizes (dilatação anormal das veias), com risco à vida (ver, no boxe azul, “Hipertensão porta”, adiante), se não houver construção cirúrgica de uma derivação da obstrução (ver, no boxe azul, “Anastomoses portossistêmicas”, adiante). BAÇO E PÂNCREAS Ruptura do baço Embora esteja bem protegido pelas costelas IX a XII (Figura 2.30B), o baço é o órgão abdominal lesado com maior frequência. A proximidade entre o baço e as costelas que normalmente o protegem pode ser prejudicial em caso de fraturas costais. Golpes fortes na região lateral esquerda podem fraturar uma ou mais dessas costelas, e os fragmentos ósseos cortantes podem lacerar o baço. Além disso, o traumatismo não penetrante de outras regiões do abdome que causam aumento súbito e acentuado da pressão intra-abdominal (p. ex., por impacto contra o guidom de uma motocicleta) pode causar a ruptura da fina cápsula fibrosa e do peritônio sobrejacente ao baço, rompendo sua polpa macia (ruptura do baço). A ruptura acarreta grande sangramento (hemorragia intraperitoneal) e choque. Esplenectomia e esplenomegalia O reparo de uma ruptura do baço é difícil; consequentemente, costuma-se realizar uma esplenectomia (remoção do baço) para evitar que haja hemorragia até a morte. Quando possível, a esplenectomia subtotal (parcial), é seguida por rápida regeneração. Mesmo a esplenectomia total geralmente não tem efeitos graves, sobretudo em adultos, porque a maioria de suas funções é assumida por outros órgãos reticuloendoteliais (p. ex., o fígado e a medula óssea), mas há maior suscetibilidade a algumas infecções bacterianas. Uma doença que acometa o baço, como a leucemia granulocítica, pode acarretar seu aumento a 10 vezes ou mais seu tamanho e peso normais (esplenomegalia). Às vezes há ingurgitamento esplênico associado a hipertensão (elevação da pressão arterial). O baço não costuma ser palpável no adulto. De modo geral, se for possível sentir sua margem inferior ao palpar abaixo da margem costal esquerda ao fim da inspiração (Figura B2.19A), ele está aumentado cerca de três vezes acima do seu tamanho “normal”. A esplenomegalia também ocorre em algumas formas de anemias hemolíticas ou granulocíticas, nas quais há destruição maior que o normal das hemácias ou dos leucócitos, respectivamente (Figura B2.19B). Nesses casos, a esplenectomia pode salvar a vida do paciente. Baço(s) acessório(s) No período pré-natal, podem se desenvolver um ou mais pequenos baços acessórios próximos do hilo esplênico. Eles podem estar parcial ou totalmente embutidos na cauda do pâncreas, entre as lâminas do ligamento gastroesplênico, no compartimento infracólico, no mesentério, ou muito próximo do ovário ou testículo (Figura B2.20). A maioria dos indivíduos afetados tem apenas um baço acessório. Os baços acessórios são relativamente comuns, em geral são pequenos (cerca de 1 cm de diâmetro, mas variam de 0,2 a 10 cm), e podem assemelhar-se a um linfonodo. A consciência da possibilidade de um baço acessório é importante, porque no caso de uma esplenectomia, os sintomas que indicaram a retirada do baço (p. ex., anemia esplênica) podem persistir se ele não for removido. Biopsia esplênica por agulha e esplenoportografia A relação entre o recesso costodiafragmático da cavidade pleural e o baço é clinicamente importante (ver Figura 2.31A). Esse espaço potencial desce até o nível da costela X na linha axilar média. Sua existência deve ser lembrada ao realizar uma biopsia esplênica com agulha, ou ao injetar material radiopaco no baço para visualização da veia porta (esplenoportografia). Se não houver cuidado, esse material pode entrar na cavidade pleural e causar pleurite (inflamação da pleura). Figura B2.19 Exame do baço. A. Demonstração da palpação do baço. B. Este baço de 4.200 g foi encontrado em uma necropsia. Figura B2.20 Possíveis localizações de baços acessórios. Os pontos indicam onde pode haver pequenos baços acessórios. Obstrução da ampola hepatopancreática e pancreatite Como o ducto pancreático se une ao ducto colédoco para formar a ampola hepatopancreática e perfura a parede duodenal, um cálculo biliar que siga pelas vias biliares extra-hepáticas pode alojar-se na extremidade distal mais estreita da ampola hepatopancreática, que se abre no cume da papila maior do duodeno (ver Figura 2.59A e B). Nesse caso, há obstrução dos sistemas de ductos colédoco e pancreático e não há entrada de bile nem de suco pancreático no duodeno. No entanto, a bile pode refluir e entrar no ducto pancreático, geralmente resultando em pancreatite (inflamação do pâncreas). Às vezes um refluxo semelhante de bile é causado por espasmos do músculo esfíncter da ampola hepatopancreática. Normalmente, o músculo esfíncter do ducto pancreático impede o refluxo de bile para o ducto pancreático; entretanto, se houver obstrução da ampola hepatopancreática, o fraco músculo esfíncter do ducto pancreático pode ser incapaz de resistir à pressão excessiva da bile na ampola hepatopancreática. Se houver um ducto pancreático acessório conectado ao ducto pancreático e que se abra no duodeno, pode compensar a obstrução do ducto pancreático ou o espasmo do músculo esfíncter da ampola hepatopancreática. Colangiopancreatografia retrógrada endoscópica A colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE) tornou-se um procedimento padrão para o diagnóstico de doença pancreática e biliar (Figura B2.21). Primeiro, é introduzido um endoscópio de fibra óptica através da boca, esôfago e estômago. A seguir, chega-se ao duodeno e é introduzida uma cânula na papila maior do duodeno e avançada sob controle fluoroscópico até o ducto de interesse (ducto colédoco ou ducto pancreático) para injeção de contraste radiológico. Figura B2.21 Colangiopancreatografia retrógrada endoscópica. Tecido pancreático acessório Não é incomum o surgimento de tecido pancreático acessório no estômago, duodeno, íleo ou divertículo ileal; entretanto, o estômago e o duodeno são os locais mais comuns. O tecido pancreático acessório pode conter células das ilhotas pancreáticas que produzem glucagon e insulina. Pancreatectomia No tratamento de algumas pessoas com pancreatite crônica, é removida a maior parte do pâncreas — um procedimento denominado pancreatectomia. As relações anatômicas e a vascularização da cabeça do pâncreas, ducto colédoco e duodeno tornam impossível retirar toda a cabeça do pâncreas (Skandalakis et al., 1995). Em geral, conserva-se a margem do pâncreas ao longo da margem medial do duodeno para preservar a vascularização duodenal. Ruptura do pâncreas O pâncreas está localizado centralmente no corpo. Consequentemente, não é palpável e está bem protegido de todos os traumatismos, com exceção dos traumatismos perfurantes mais importantes. O pâncreas, como o fígado, tem uma reserva funcional considerável. Por todas essas razões, o pâncreas, como órgão exócrino, não costuma ser uma causa importante de problemas clínicos (com exceção do diabetes, um distúrbio endócrino das células das ilhotas). A maioria dos problemas pancreáticos exócrinos é secundária a problemas biliares. A lesão pancreática pode resultar da compressão forçada, intensa e súbita do abdome, como a força de colisão contra o volante em um acidente de trânsito. Como o pâncreas tem posição transversal, a coluna vertebral atua como uma bigorna, e a força do traumatismo pode romper o pâncreas friável. A ruptura do pâncreas costuma romper seu sistema ductal, permitindo que o suco pancreático entre no parênquima da glândula e invada os tecidos adjacentes. A digestão do tecido pancreático e de outros tecidos pelo suco pancreático é muito dolorosa. Câncer de pâncreas O câncer da cabeça do pâncreas representa a maioria dos casos de obstrução extra-hepática dos ductos biliares. Devido às relações posteriores do pâncreas, o câncer da cabeça costuma comprimir e obstruir o ducto colédoco e/ou a ampola hepatopancreática. Isso causa obstrução, que resulta na retenção de pigmentos biliares, aumento da vesícula biliar e icterícia obstrutiva. A icterícia é a coloração amarelada da maioria dos tecidos do corpo, pele, túnicas mucosa e conjuntiva causada por pigmentos biliares circulantes. A maioria das pessoas com câncer do pâncreas tem adenocarcinoma ductal. Frequentemente há dor forte nas costas. O câncer do colo e do corpo do pâncreas pode causar obstrução da veia porta ou da veia cava inferior porque o pâncreas está localizado sobre essas grandes veias (ver Figura 2.60B). A substancial drenagem do pâncreas para linfonodos relativamente inacessíveis e o fato de que o câncer de pâncreas costuma apresentar metástase precoce para o fígado, pela veia porta, tornam quase inútil a ressecção cirúrgica do pâncreas canceroso. FÍGADO, DUCTOS BILIARES E VESÍCULA BILIAR Palpação do fígado O fígado pode ser palpado em decúbito dorsal por causa do movimento para baixo do diafragma e do fígado associado à inspiração profunda (ver Figura 2.62). Um método de palpação do fígado consiste em colocar a mão esquerda posteriormente atrás da parte inferior da caixa torácica (Figura B2.22). Em seguida, colocar a mão direita no quadrante superior direito da pessoa, lateralmente ao músculo reto do abdome e inferiormente à margem costal. A pessoa é instruída a inspirar profundamente enquanto o examinador comprime em direção posterossuperior com a mão direita e empurra anteriormente com a mão esquerda (Bickley, 2009). Abscessos subfrênicos A peritonite pode resultar na formação de abscessos localizados (coleções de exsudato purulento, ou pus) em várias partes da cavidade peritoneal. Um local comum de acúmulo de pus é o recesso subfrênico direito ou esquerdo. Os abscessos subfrênicos são mais comuns no lado direito devido à frequência de ruptura do apêndice vermiforme e de úlceras duodenais perfuradas. Como os recessos subfrênicos direitos e esquerdo são contínuos com o recesso hepatorrenal (as partes mais baixas [que sofrem mais a ação da gravidade] da cavidade peritoneal em decúbito dorsal), o pus de um abscesso subfrênico pode drenar para um dos recessos hepatorrenais (Figura 2.64E), sobretudo quando os pacientes estão acamados. Figura B2.22 Palpação da margem inferior do fígado. O abscesso subfrênico costuma ser drenado por uma incisão inferior a, ou através, do leito da costela XII (Ellis, 2010), evitando a abertura desnecessária da pleura ou peritônio. O abscesso subfrênico anterior frequentemente é drenado através de uma incisão subcostal inferior e paralela à margem costal direita. Lobectomias e segmentectomia hepáticas Quando se descobriu que as artérias e os ductos hepáticos direitos e esquerdos, assim como os ramos das veias portas direita e esquerda, não se comunicavam, tornou-se possível realizar lobectomias hepáticas, a retirada da parte direita ou esquerda do fígado, sem sangramento excessivo. A maioria das lesões do fígado acomete a parte direita do fígado. Mais recentemente, sobretudo desde o advento do bisturi cauterizante e da cirurgia a laser, tornou-se possível realizar segmentectomias hepáticas. Esse procedimento torna possível ressecar apenas aqueles segmentos que sofreram lesão grave ou são afetados por um tumor. As veias hepáticas direita, intermédia e esquerda servem como orientações para os planos (fissuras) entre as divisões hepáticas (Figura B2.23); entretanto, também representam uma importante causa de hemorragia que o cirurgião deve enfrentar. Embora o padrão de segmentação descrito na Figura 2.67A seja o mais comum, os segmentos variam muito em tamanho e formato em razão da variação individual na ramificação dos vasos hepáticos e portais. Toda ressecção hepática é empírica e exige ultrassonografia, injeção de contraste ou oclusão por cateter com balão para definir o padrão segmentar do paciente (Cheng et al., 1997). Uma lesão mais extensa que cause a desvascularização de grandes áreas do fígado ainda pode exigir lobectomia. Figura B2.23 Ultrassonografia (US) das veias hepáticas. VCI = veia cava inferior. Ruptura do fígado O fígado é facilmente lesado porque é grande, tem posição fixa e é friável (fragmenta-se com facilidade). Muitas vezes, uma costela fraturada que perfure o diafragma causa laceração do fígado. Devido à significativa vascularidade e à friabilidade do fígado, as lacerações costumam causar grande hemorragia e dor no quadrante superior direito. Nesses casos, o cirurgião deve decidir se deve remover o material estranho e o tecido contaminado ou desvitalizado por dissecção ou realizar uma segmentectomia. Artérias hepáticas aberrantes O tipo mais comum de artéria hepática direita ou esquerda que se origina como ramo terminal da artéria hepática própria (Figura B2.24A) pode ser parcial ou totalmente substituído por uma artéria aberrante (acessória ou substituta) que tenha outra origem. A origem mais comum de uma artéria hepática direita aberrante é a AMS (Figura B2.24B). A origem mais comum de uma artéria hepática esquerda aberrante é a artéria gástrica esquerda (Figura B2.24C). Variações nas relações das artérias hepáticas Na maioria das pessoas, a artéria hepática direita cruza anteriormente à veia porta (Figura B2.24D); entretanto, em algumas pessoas, a artéria cruza posteriormente à veia porta (Figura B2.24E). Na maioria das pessoas, a artéria hepática direita segue posteriormente ao ducto hepático comum (Figura B2.24G). Em alguns indivíduos, a artéria hepática direita cruza anteriormente ao ducto hepático comum (Figura B2.24F), ou a artéria hepática direita origina-se da AMS e, assim, não cruza o ducto hepático comum (Figura B2.24H). Hepatomegalia O fígado é um órgão macio e muito vascularizado que recebe grande volume de sangue imediatamente antes de entrar no coração. Tanto a VCI quanto as veias hepáticas não têm válvulas. Toda elevação da pressão venosa central é diretamente transmitida ao fígado, que aumenta de tamanho quando ingurgitado. O ingurgitamento temporário acentuado distende a cápsula fibrosa do fígado, causando dor ao redor das costelas inferiores, sobretudo no hipocôndrio direito. Esse ingurgitamento, principalmente associado ao aumento ou constância da atividade diafragmática, pode ser uma causa da “pontada do corredor”, talvez explicando por que esse fenômeno ocorre no lado direito. Além das doenças que causam ingurgitamento hepático como insuficiência cardíaca congestiva, doenças bacterianas e virais como a hepatite causam hepatomegalia (aumento do fígado). Quando o fígado está muito aumentado, sua margem inferior pode ser facilmente palpada abaixo da margem costal direita e pode até mesmo alcançar a margem pélvica no quadrante inferior direito do abdome. Os tumores também causam aumento do fígado. O fígado é um local comum de carcinoma metastático (cânceres secundários que se disseminam de órgãos drenados pelo sistema venoso porta, p. ex., o intestino grosso). As células cancerosas também podem passar do tórax para o fígado, sobretudo da mama direita, por causa das comunicações existentes entre os linfonodos torácicos e os vasos linfáticos que drenam a área nua do fígado. Os tumores metastáticos formam nódulos endurecidos e arredondados no parênquima hepático. Cirrose hepática O fígado é o local primário de desintoxicação das substâncias absorvidas pelo sistema digestório; sendo assim, é vulnerável à lesão celular e consequente fibrose, acompanhadas por nódulos regenerativos. Na cirrose hepática há destruição progressiva dos hepatócitos (Figura 2.69), que são substituídos por gordura e tecido fibroso. Embora muitos solventes industriais, como o tetracloreto de carbono, causem cirrose, o distúrbio é mais frequente em pessoas que sofrem de alcoolismo crônico. Figura B2.24 Variações das artérias hepáticas direita e esquerda. A cirrose alcoólica, a mais comum de muitas causas de hipertensão porta, é caracterizada por hepatomegalia e uma aparência “nodular” da superfície do fígado (ver Figura B2.30B, neste boxe azul, “Anastomoses portossistêmicas”, adiante) causada por alterações gordurosas e fibrose. O fígado tem grande reserva funcional, e assim os sinais metabólicos de insuficiência hepática demoram a aparecer. O tecido fibroso circunda os vasos sanguíneos intra-hepáticos e os ductos biliares, deixando o fígado firme e impedindo a circulação de sangue através dele (hipertensão porta). O tratamento da cirrose hepática avançada pode incluir a criação cirúrgica de uma anastomose portossistêmica ou portocava, com anastomose dos sistemas venosos porta e sistêmico (ver, neste boxe azul, “Anastomoses portossistêmicas”, adiante). Biopsia hepática A biopsia hepática permite obter tecido hepático para fins diagnósticos. Como o fígado está localizado no hipocôndrio direito, onde é protegido pela caixa torácica sobrejacente, a agulha costuma ser inserida através do 10 o espaço intercostal direito na linha axilar média. Antes de o médico fazer a biopsia, a pessoa é instruída a prender a respiração em expiração completa para reduzir o recesso costodiafragmático e diminuir o risco de lesão do pulmão e contaminação da cavidade pleural. Vesícula biliar móvel Na maioria das pessoas, a vesícula biliar está fixada à fossa da vesícula biliar na face visceral do fígado (Figura 2.72). No entanto, em cerca de 4% das pessoas a vesícula biliar está suspensa e unida ao fígado por um curto mesentério, o que aumenta sua mobilidade. As vesículas biliares móveis estão sujeitas à torção vascular e ao infarto (súbita insuficiência da irrigação arterial ou venosa). Variações nos ductos cístico e hepático Às vezes o ducto cístico segue ao longo do ducto hepático comum e adere intimamente a ele. O ducto cístico pode ser curto ou mesmo ausente. Em algumas pessoas, há união baixa dos ductos cístico e hepático comum (Figura B2.25A). Consequentemente, o ducto colédoco é curto e situa-se posteriormente à parte superior do duodeno, ou mesmo abaixo dela. Quando há união baixa, os dois ductos podem ser unidos por tecido fibroso, dificultando o clampeamento cirúrgico do ducto cístico sem lesar o ducto hepático comum. Por vezes, há união alta dos ductos cístico e hepático comum perto da porta do fígado (Figura B2.25B). Em outros casos, o ducto cístico espirala-se anteriormente sobre o ducto hepático comum, antes de se juntar a ele no lado esquerdo (Figura B2.25C). O conhecimento das variações das artérias e da formação do ducto colédoco é importante para os cirurgiões durante a ligadura do ducto cístico na colecistectomia (retirada cirúrgica da vesícula biliar). Ductos hepáticos acessórios Os ductos hepáticos acessórios (aberrantes) são comuns e ocupam posições de risco durante a colecistectomia. Um ducto acessório é um ducto segmentar normal que se une ao sistema biliar fora do fígado, em vez de dentro dele (Figura B2.26). Como drena um segmento normal do fígado, há saída de bile em caso de secção acidental durante a cirurgia (Skandalakis et al., 2009). De 95 vesículas biliares e ductos biliares estudados, sete tinham ductos acessórios: quatro uniam-se ao ducto hepático comum perto dos ductos císticos, dois se uniam ao ducto cístico, e um era um ducto de anastomose que ligava o ducto cístico ao ducto hepático comum (Grant, em Agur e Dalley, 2013). Figura B2.25 União dos ductos cístico e hepático comum. A. União baixa. B. União alta. C. Desvio de trajeto. Figura B2.26 Cálculos biliares Um cálculo biliar é uma concreção da vesícula biliar, ducto cístico ou outro ducto biliar formada principalmente por cristais de colesterol (Figura B2.27). Os cálculos biliares (colelitíase) são muito mais comuns em mulheres, e a incidência aumenta com a idade. Entretanto, os cálculos biliares são “silenciosos” (assintomáticos) em cerca de 50% das pessoas. Ao longo de um período de 20 anos, dois terços das pessoas assintomáticas com cálculos biliares continuam assintomáticas. Quanto mais tempo os cálculos permanecem latentes, menor é a probabilidade de surgimento de sintomas. Para que os cálculos biliares causem sintomas clínicos, devem alcançar tamanho suficiente para causar lesão mecânica da vesícula biliar ou obstrução das vias biliares (Townsend et al., 2012). A extremidade distal da ampola hepatopancreática é a parte mais estreita das vias biliares e é o local comum de impactação dos cálculos biliares. Os cálculos biliares também podem se alojar nos ductos hepáticos e císticos. Um cálculo alojado no ducto cístico causa cólica biliar (dor espasmódica intensa). Quando a vesícula biliar relaxa, o cálculo pode voltar para o seu interior. Se o cálculo obstruir o ducto cístico, há colecistite (inflamação da vesícula biliar) em razão do acúmulo de bile, o que causa aumento da vesícula biliar. Figura B2.27 Cálculos biliares (colelitíase). A vesícula biliar foi aberta, mostrando numerosos cálculos amarelos de colesterol. Outro local comum de impactação dos cálculos biliares é uma saculação anormal (bolsa de Hartmann) que aparece em distúrbios na junção do colo da vesícula biliar ao ducto cístico. Quando essa bolsa é grande, o ducto cístico origina-se de sua face superior esquerda, e não do que parece ser o ápice da vesícula biliar. Os cálculos biliares costumam acumular-se na bolsa. Caso haja ruptura de uma úlcera péptica duodenal, pode se formar uma falsa passagem entre a bolsa e a parte superior do duodeno, permitindo a entrada de cálculos biliares no duodeno. (Ver, neste boxe azul, “Cálculos biliares no duodeno”, a seguir). A dor causada pela impactação da vesícula biliar acomete a região epigástrica e depois se desloca para o hipocôndrio direito na junção da 9 a cartilagem costal com a margem lateral da bainha do músculo reto do abdome. A inflamação da vesícula biliar pode causar dor na parede torácica posterior ou no ombro direito devido à irritação do diafragma. Se não puder sair da vesícula biliar, a bile entra no sangue e causa icterícia (ver, neste boxe azul, “Câncer de pâncreas”, anteriormente). A ultrassonografia e a TC são técnicas não invasivas usadas comumente para localizar os cálculos. Cálculos biliares no duodeno A dilatação e a inflamação da vesícula biliar causadas pela impactação do cálculo biliar em seu ducto podem provocar aderências às vísceras adjacentes. A inflamação contínua pode romper (ulcerar) os limites teciduais entre a vesícula biliar e uma parte do sistema digestório aderido a ela, resultando em fístula colecistoentérica (Figura B2.28). Em vista de sua proximidade com a vesícula biliar, a parte superior do duodeno e o colo transverso são mais propensos a desenvolver uma fístula desse tipo. A fístula permitiria que um grande cálculo biliar, incapaz de atravessar o ducto cístico, entrasse no sistema digestório. Um grande cálculo que entre no intestino delgado desse modo pode ser aprisionado na papila ileal, provocando obstrução intestinal (íleo biliar). Uma fístula colecistoentérica também permite a entrada de gás do sistema digestório na vesícula biliar, o que produz um sinal radiológico diagnóstico. Figura B2.28 Colecistectomia As pessoas com cólica biliar grave geralmente têm a vesícula biliar removida. Muitas vezes a cirurgia aberta é substituída pela colecistectomia laparoscópica. Na maioria das vezes, a artéria cística origina-se da artéria hepática direita no trígono cisto-hepático (triângulo de Calot) (ver Figuras 2.72 e 2.74A). No uso clínico atual, o trígono cisto-hepático é definido inferiormente pelo ducto cístico, medialmente pelo ducto hepático comum, e superiormente pela face inferior do fígado. A dissecção cuidadosa do trígono cisto-hepático no início da colecistectomia protege essas estruturas importantes em caso de variação anatômica. Os erros durante a cirurgia da vesícula biliar costumam ser causados por não observação das variações comuns na anatomia do sistema biliar, sobretudo de sua vascularização. Antes de dividir qualquer estrutura e retirar a vesícula biliar, os cirurgiões identificam os três ductos biliares, além das artérias cística e hepática. Em geral, é a artéria hepática direita que corre risco durante a cirurgia e deve ser localizada antes da ligadura da artéria cística. Hipertensão porta Quando a cicatrização e a fibrose causadas por cirrose obstruem a veia porta no fígado, há aumento de pressão na veia porta e em suas tributárias, o que causa hipertensão porta. O grande volume de sangue que flui do sistema porta para o sistema sistêmico nos locais de anastomoses portossistêmicas pode provocar o surgimento de varizes, principalmente na parte inferior do esôfago. A dilatação das veias pode ser tão intensa que suas paredes se rompem, resultando em hemorragia (ver Figura B2.7). Figura B2.29 O sangramento de varizes (veias anormalmente dilatadas) esofágicas na extremidade distal do esôfago muitas vezes é grave e pode ser fatal. Nos casos graves de obstrução porta, as veias da parede anterior do abdome (normalmente tributárias da veia cava) que se anastomosam com as veias paraumbilicais (normalmente tributárias da veia porta) podem tornar-se varicosas e assemelhar-se a pequenas cobras que se irradiam sob a pele ao redor do umbigo. Esse distúrbio é denominado cabeça de Medusa em vista de sua semelhança com as serpentes na cabeça da Medusa, uma personagem da mitologia grega (Figura B2.29). Anastomoses portossistêmicas Um método comum para reduzir a hipertensão porta é desviar o sangue do sistema venoso porta para o sistema venoso sistêmico, criando uma comunicação entre a veia porta e a VCI. Essa anastomose portocava ou shunt portossistêmico pode ser feita quando esses vasos estão próximos, posteriormente ao fígado (Figura B2.30A a C). Outro recurso para diminuir a pressão porta é unir a veia esplênica à veia renal esquerda, após esplenectomia (anastomose ou shunt esplenorrenal) (Figura B2.30B a D) (Skandalakis et al., 2009). Figura B2.30 Anastomoses portossistêmicas (setas amarelas). VCI = veia cava inferior. Pontos-chave BAÇO E PÂNCREAS Baço: O baço é massa que tem polpa muito vascularizada (sinusoidal), circundada por delicada cápsula fibroelástica. ♦ É completamente recoberto por peritônio, exceto no hilo esplênico, onde se fixam o ligamento esplenorrenal (que conduz vasos esplênicos para o baço) e o ligamento gastroesplênico (que conduz os vasos gástricos curtos e gastromentais esquerdos até o estômago). ♦ O baço médio tem o tamanho aproximado da mão fechada, com uma considerável variação normal. ♦ O baço é o maior dos órgãos linfoides, mas não é vital. ♦ Como reservatório de sangue, normalmente é capaz de considerável expansão e contração temporária, mas pode sofrer aumento crônico muito maior em caso de doença. ♦ Embora seja protegido pelas costelas IX a XI esquerdas sobrejacentes, o baço é relativamente delicado e o órgão abdominal mais vulnerável ao trauma indireto. ♦ Golpes fortes no abdome podem causar súbito aumento da pressão intra-abdominal e ruptura do órgão, resultando em grande hemorragia intraperitoneal. Pâncreas: O pâncreas é uma glândula exócrina, que produz suco pancreático, secretado no duodeno para digestão, e endócrina, que produz insulina e glucagon, liberados na corrente sanguínea como hormônios. ♦ O pâncreas secundariamente retroperitoneal consiste em cabeça, processo uncinado, colo, corpo e cauda. ♦ A cabeça, à direita da AMS, é circundada pelo duodeno em forma de C e penetrada pela extremidade do ducto colédoco, enquanto sua extensão, o processo uncinado, situa-se posteriormente à AMS. ♦ O colo está situado anteriormente à AMS e à VMS, e esta se funde com a veia esplênica para formar a veia porta. ♦ O corpo situa-se à esquerda da AMS, seguindo transversalmente na parede posterior da bolsa omental e cruzando anteriormente sobre o corpo da vértebra L II e parte abdominal da aorta. ♦ A cauda entra no ligamento esplenorrenal enquanto se aproxima do hilo esplênico. ♦ A veia esplênica segue paralela e posteriormente à cauda e ao corpo do pâncreas enquanto vai do baço até a veia porta. ♦ O ducto pancreático principal segue um trajeto semelhante no pâncreas, continuando transversalmente na cabeça para se fundir ao ducto colédoco e formar a ampola hepatopancreática, que entra na parte descendente do duodeno. ♦ Como uma glândula endócrina, o pâncreas recebe irrigação abundante das artérias pancreaticoduodenais e esplênica. ♦ Embora receba fibras nervosas simpáticas vasomotoras e parassimpáticas secretomotoras, o controle da secreção pancreática é basicamente hormonal. O pâncreas é bem protegido por sua localização central no abdome. ♦ O pâncreas exócrino raramente causa problemas clínicos, embora o diabetes, associado ao pâncreas endócrino, seja cada vez mais comum. FÍGADO, DUCTOS BILIARES, VESÍCULA BILIAR E VEIA PORTA Fígado: O fígado tem muitas funções. ♦ É o maior órgão metabólico, sendo o primeiro a receber todos os alimentos absorvidos, com exceção das gorduras. ♦ Também é nossa maior glândula, funcionando como glândula intestinal extrínseca na produção de bile. ♦ O fígado ocupa praticamente toda a cúpula direita do diafragma e estende-se até o ápice da cúpula esquerda. Consequentemente, tem a proteção da caixa torácica inferior e movimenta-se com as excursões respiratórias. ♦ O fígado é dividido superficialmente pelo ligamento falciforme e sulco para o ligamento venoso em um grande lobo hepático direito anatômico e um esquerdo muito menor; as formações em sua face visceral demarcam os lobos caudado e quadrado. ♦ O fígado é coberto por peritônio, exceto pela área nua, demarcada por reflexões peritoneais que formam os ligamentos coronários. ♦ Com base em ramificações interdigitadas da tríade portal (veia porta, artéria hepática e ductos biliares intrahepáticos) e das veias hepáticas, o parênquima contínuo do fígado pode ser dividido em partes direita e esquerda do fígado (mais o lobo caudado). ♦ O fígado pode ser ainda subdividido em quatro divisões e, depois, em oito segmentos hepáticos cirurgicamente ressecáveis. ♦ O fígado, como os pulmões, tem irrigação dupla, com 75 a 80% do sangue chegando através da veia porta, atendendo às demandas nutricionais do parênquima hepático; 20 a 25% chegam via artéria hepática, levados principalmente para os elementos não parenquimatosos. A veia porta e a artéria hepática entram no fígado através da porta do fígado, de onde saem os ductos hepáticos. ♦ Três grandes veias hepáticas drenam diretamente para a VCI embutida na área nua do fígado. ♦ O fígado também é o maior órgão produtor de linfa do corpo. A face visceral do fígado drena por via abdominal, e sua face diafragmática drena por via torácica. Ductos biliares e vesícula biliar: Os ductos hepáticos direito e esquerdo drenam a bile produzida pelas partes direita e esquerda do fígado para o ducto hepático comum, que, assim, conduz toda a bile do fígado. ♦ O ducto hepático comum funde-se ao ducto cístico para formar o ducto colédoco, que conduz a bile até a parte descendente do duodeno. ♦ Quando o músculo esfíncter do ducto colédoco se fecha, a bile reflui nos ductos colédoco e cístico, enchendo a vesícula biliar, onde a bile é armazenada e concentrada entre as refeições. ♦ Embora a inervação parassimpática consiga dilatar o músculo esfíncter do ducto colédoco (e o músculo esfíncter da ampola hepatopancreática, mais fraco) e contrair a vesícula biliar, normalmente isso é uma resposta regulada por hormônios à chegada de gordura ao duodeno, com esvaziamento da bile acumulada para o duodeno. ♦ A vesícula biliar piriforme está fixada à face visceral do fígado, e seu fundo projeta-se a partir da margem inferior do fígado contra a parede anterior do abdome na interseção do plano transpilórico com a LMC direita. ♦ A vesícula biliar, o ducto cístico e o ducto colédoco superior são irrigados pela artéria cística, um ramo que se origina da artéria hepática direita no trígono cisto-hepático. ♦ Além da drenagem através das veias císticas que acompanham a artéria cística e entram na veia porta, as veias do fundo e do corpo da vesícula biliar formam um minissistema porta que drena diretamente para os sinusoides hepáticos profundamente à face visceral do fígado. Veia porta do fígado: A veia porta do fígado calibrosa, porém curta, formada posteriormente ao colo do pâncreas pela união da VMS com a veia esplênica, conduz todo o sangue venoso e nutrientes presentes no sangue do sistema digestório para o fígado. ♦ A veia porta termina na porta do fígado, bifurcando-se em ramos direito e esquerdo, que são distribuídos em padrão segmentar para as partes direita e esquerda do fígado. ♦ A veia porta atravessa o ligamento hepatoduodenal (margem livre do omento menor e limite anterior do forame omental) como parte de uma tríade portal extra-hepática (veia porta, artéria hepática, ducto colédoco). ♦ As anastomoses portossistêmicas oferecem uma possível via colateral pela qual o sangue pode voltar ao coração quando há obstrução da veia porta ou doença do fígado. No entanto, quando as vias colaterais precisam conduzir grandes volumes, podem surgir varizes esofágicas, que podem ser fatais. 

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