quinta-feira, 3 de maio de 2018

DIAFRAGMA

O diafragma é uma divisória musculotendínea, com dupla cúpula, que separa as cavidades torácica e abdominal. A face superior basicamente convexa fica voltada para a cavidade torácica, e a face inferior côncava fica voltada para a cavidade abdominal (Figura 2.91A e B). O diafragma é o principal músculo da inspiração (na verdade, da respiração, porque a expiração é amplamente passiva). Desce durante a inspiração; entretanto, apenas a parte central se movimenta, porque a periferia, como a origem fixa do músculo, está fixada à margem inferior da caixa torácica e às vértebras lombares superiores. O pericárdio, contendo o coração, situa-se na parte central do diafragma, deprimindo-o ligeiramente (Figura 2.92A). O diafragma curva-se superiormente nas cúpulas direita e esquerda; normalmente, a cúpula direita é mais alta do que a esquerda devido à presença do fígado. Durante a expiração, a cúpula direita alcança até a costela V e a cúpula esquerda ascende até o 5 o espaço intercostal. O nível das cúpulas do diafragma varia de acordo com: Fase da respiração (inspiração ou expiração) Postura (p. ex., decúbito dorsal ou ortostática) Tamanho e grau de distensão das vísceras abdominais. A parte muscular do diafragma está situada na periferia com fibras que convergem radialmente na parte aponeurótica central trilaminar, o centro tendíneo (ver Figura 2.91). O centro tendíneo não tem fixações ósseas e é dividido incompletamente em três partes, semelhante a uma folha de trevo larga (Figura 2.91B). Embora esteja perto do centro do diafragma, o centro tendíneo está mais próximo da parte anterior do tórax. Figura 2.91 Fixações, posição e características da face abdominal do diafragma. A. A parede e a caixa torácicas foram retiradas para mostrar as fixações e a convexidade da cúpula direita do diafragma. B. As partes carnosas esternal, costal e lombar do diafragma (delimitadas por linhas tracejadas) fixam-se centralmente ao centro tendíneo trifoliado, a inserção aponeurótica das fibras musculares do diafragma. O forame da veia cava, que a parte terminal da VCI atravessa para entrar no coração, perfura o centro tendíneo. A parte muscular adjacente do diafragma forma uma lâmina contínua; entretanto, para fins descritivos é dividida em três partes, de acordo com suas fixações periféricas: Parte esternal: formada por duas alças musculares que se fixam à face posterior do processo xifoide; essa parte nem sempre está presente Parte costal: formada por alças musculares largas que se fixam às faces internas das seis cartilagens costais inferiores e suas costelas adjacentes de cada lado; as partes costais formam as cúpulas direita e esquerda Parte lombar: originada de dois arcos aponeuróticos, os ligamentos arqueados medial e lateral, e das três vértebras lombares superiores; a parte lombar forma os pilares musculares direito e esquerdo que ascendem até o centro tendíneo. Os pilares do diafragma são feixes musculotendíneos que se originam das faces anteriores dos corpos das três vértebras lombares superiores, do ligamento longitudinal anterior e dos discos intervertebrais. O pilar direito, maior e mais longo do que o pilar esquerdo, origina-se das três ou quatro primeiras vértebras lombares. O pilar esquerdo origina-se das duas ou três primeiras. Como está situado à esquerda da linha mediana, é surpreendente constatar que o hiato esofágico é uma formação no pilar direito; entretanto, ao se acompanharem inferiormente as fibras musculares que limitam cada lado do hiato, observase que elas passam à direita do hiato aórtico. Os pilares direito e esquerdo e o ligamento arqueado mediano fibroso, que se une a eles enquanto se curva sobre a face anterior da aorta, formam o hiato aórtico. O diafragma também está fixado de cada lado aos ligamentos arqueados medial e lateral. O ligamento arqueado medial é um espessamento da fáscia que recobre o músculo psoas maior, estendendo-se entre os corpos das vértebras lombares e a extremidade do processo transverso de L I. O ligamento arqueado lateral cobre o músculo quadrado do lombo, continuando do processo transverso de L XII até a extremidade da costela XII. A face superior do centro tendíneo do diafragma está fundida à face inferior do pericárdio fibroso, a parte externa e forte do saco pericárdico fibrosseroso que envolve o coração. Vasos e nervos do diafragma As artérias do diafragma formam um padrão ramificado nas faces superior (torácica) e inferior (abdominal). A face superior do diafragma é irrigada pelas (Figura 2.92; Quadro 2.13) artérias pericardicofrênica e musculofrênica, ramos da artéria torácica interna, e pelas artérias frênicas superiores, ramos da parte torácica da aorta. A face inferior do diafragma é irrigada pelas artérias frênicas inferiores, que tipicamente são os primeiros ramos da parte abdominal da aorta; entretanto, podem originar-se do tronco celíaco. As veias que drenam a face superior do diafragma são as veias pericardicofrênica e musculofrênica, que desembocam nas veias torácicas internas e, no lado direito, uma veia frênica superior, que drena para a VCI. Algumas veias da curvatura posterior do diafragma drenam para as veias ázigo e hemiázigo (ver Capítulo 1). As veias que drenam o sangue da face inferior do diafragma são as veias frênicas inferiores. A veia frênica inferior direita geralmente desemboca na VCI, ao passo que a veia frênica inferior esquerda geralmente é dupla, um ramo passa anteriormente ao hiato esofágico e termina na VCI e o outro ramo, mais posterior, geralmente se une à veia suprarrenal esquerda. As veias frênicas direita e esquerda podem se anastomosar entre si. Figura 2.92 Vasos sanguíneos do diafragma. A. Artérias e veias da face superior do diafragma. B. Artérias e veias da face inferior do diafragma. Quadro 2.13 Estruturas neurovasculares do diafragma. Vasos e nervos Face superior do diafragma Face inferior do diafragma Irrigação arterial Aa. frênicas superiores da parte torácica da aorta Artérias musculofrênicas e pericardicofrênicas das artérias torácicas internas Aa. frênicas inferiores da parte abdominal da aorta Drenagem venosa Vv. musculofrênicas e pericardicofrênicas drenam para as Vv. torácicas internas; a V. frênica superior (lado direito) drena para a VCI Vv. frênicas inferiores; a veia direita drena para a VCI; a veia esquerda é duplicada e drena para a VCI e veia suprarrenal Drenagem linfática Linfonodos frênicos para os linfonodos paraesternais e pré-vertebrais Linfonodos lombares superiores; plexos linfáticos nas faces superior e inferior comunicam-se livremente Inervação Inervação motora: nervos frênicos (C3– C5) Inervação sensitiva: central por nervos frênicos (C3–C5), periférica por nervos intercostais (T5–T11) e nervos subcostais (T12) VCI = veia cava inferior. Os plexos linfáticos nas faces superior e inferior do diafragma comunicam-se livremente (Figura 2.93A). Os linfonodos frênicos anteriores e posteriores estão na face superior do diafragma. A linfa desses linfonodos drena para os linfonodos paraesternais, pré-vertebrais e frênicos. Os vasos linfáticos da face inferior do diafragma drenam para os linfonodos frênicos e lombares (cavais/aórticos) superiores. Os capilares linfáticos são densos na face inferior do diafragma, constituindo o principal meio de absorção de líquido peritoneal e de substâncias introduzidas por injeção intraperitoneal (IP). Toda a inervação motora do diafragma provém dos nervos frênicos direito e esquerdo, que se originam dos ramos anteriores dos segmentos C3–C5 da medula espinal e são distribuídos para a metade ipsilateral do diafragma a partir de sua face inferior (Figura 2.93B). A inervação sensitiva (dor e propriocepção) do diafragma também é feita principalmente pelos nervos frênicos. As partes periféricas do diafragma recebem sua inervação sensitiva dos nervos intercostais (seis ou sete inferiores) e dos nervos subcostais. Figura 2.93 Vasos linfáticos, linfonodos e nervos do diafragma. A. Os linfáticos são formados em dois plexos, um na face superior do diafragma e o outro na face inferior; os plexos se comunicam livremente. B. Os nervos frênicos são responsáveis por toda a inervação motora e pela maior parte da inervação sensitiva do diafragma. Os seis ou sete nervos intercostais inferiores e os nervos subcostais são responsáveis pela inervação sensitiva periférica. VCI = veia cava inferior. Aberturas do diafragma As aberturas do diafragma (forames, hiatos) permitem a passagem de estruturas (vasos, nervos e linfáticos) entre o tórax e o abdome (Figuras 2.91, 2.92 e 2.94). Existem três grandes aberturas para a VCI, o esôfago e a aorta, e diversas aberturas pequenas. FORAME DA VEIA CAVA O forame da veia cava é uma abertura no centro tendíneo basicamente para a VCI. Também atravessam o forame da veia cava os ramos terminais do nervo frênico direito e alguns vasos linfáticos em seu trajeto do fígado até os linfonodos frênicos médios e mediastinais. O forame da veia cava está localizado à direita do plano mediano na junção das lâminas direita e média do centro tendíneo. O forame da veia cava, a mais superior das três grandes aberturas do diafragma, situa-se no nível do disco entre as vértebras T VIII e T IX. A VCI está aderida à margem do forame; consequentemente, quando o diafragma se contrai durante a inspiração, alarga a abertura e dilata a VCI. Essas alterações facilitam o fluxo sanguíneo através dessa grande veia até o coração. Figura 2.94 Aberturas do diafragma. “8-10-12” é um recurso mnemônico útil relativo aos níveis das vértebras torácicas nos quais a veia cava inferior (VCI), o esôfago e a aorta penetram o diafragma. HIATO ESOFÁGICO O hiato esofágico é uma abertura oval para o esôfago no músculo do pilar direito do diafragma no nível da vértebra T X. Também dá passagem aos troncos vagais anterior e posterior, aos ramos esofágicos dos vasos gástricos esquerdos e a alguns vasos linfáticos. Há decussação (cruzamento) das fibras do pilar direito do diafragma inferiormente ao hiato, formando um esfíncter muscular para o esôfago que o constringe quando o diafragma se contrai. O hiato esofágico está situado superiormente e à esquerda do hiato aórtico. Na maioria dos indivíduos (70%), as duas margens do hiato são formadas por feixes musculares do pilar direito. Em outros (30%), um feixe muscular superficial do pilar esquerdo contribui para a formação da margem direita do hiato. HIATO AÓRTICO O hiato aórtico é a abertura posterior ao diafragma para a aorta descendente. Como a aorta não perfura o diafragma, os movimentos do diafragma não afetam o fluxo sanguíneo através dela durante a respiração. A aorta passa entre os pilares do diafragma, posteriormente ao ligamento arqueado mediano, que está no nível da margem inferior da vértebra T XII. O hiato aórtico também dá passagem ao ducto torácico e, algumas vezes, às veias ázigo e hemiázigo. PEQUENAS ABERTURAS NO DIAFRAGMA Além das três aberturas principais, há uma pequena abertura, o trígono (forame) esternocostal, entre as fixações esternal e costal do diafragma. Esse trígono dá passagem aos vasos linfáticos da face diafragmática do fígado e aos vasos epigástricos superiores. Os troncos simpáticos seguem profundamente ao ligamento arqueado medial, acompanhados pelos nervos esplâncnicos imos. Há duas pequenas aberturas em cada pilar do diafragma; uma dá passagem ao nervo esplâncnico maior e a outra, ao nervo esplâncnico menor. Ações do diafragma Quando o diafragma contrai, suas cúpulas são puxadas inferiormente, de modo que a convexidade do diafragma é um pouco achatada. Embora esse movimento frequentemente seja descrito como a “descida do diafragma”, apenas as cúpulas descem. A periferia permanece fixada às costelas e cartilagens das seis costelas inferiores. Quando desce, o diafragma empurra as vísceras abdominais inferiormente. Isso aumenta o volume da cavidade torácica e reduz a pressão intratorácica, resultando em entrada de ar nos pulmões. Além disso, o volume da cavidade abdominal diminui um pouco e a pressão intra-abdominal aumenta um pouco. Os movimentos do diafragma também são importantes na circulação porque o aumento da pressão intra-abdominal e a diminuição da pressão intratorácica auxiliam o retorno do sangue venoso para o coração. Quando o diafragma contrai, comprimindo as vísceras abdominais, o sangue na VCI é forçado superiormente para o coração. O diafragma alcança o nível superior máximo quando a pessoa está em decúbito dorsal (com a parte superior do corpo mais baixa, a posição de Trendelenburg). Nessa posição, as vísceras abdominais empurram o diafragma superiormente na cavidade torácica. Quando uma pessoa está em decúbito lateral, o hemidiafragma alcança um nível superior porque as vísceras o empurram mais naquele lado. Por outro lado, o nível do diafragma é inferior quando a pessoa está sentada ou de pé. Por essa razão, pessoas com dispneia preferem ficar sentadas, não deitadas; o volume pulmonar não corrente (de reserva) aumenta e o diafragma trabalha a favor da gravidade em vez de se opor a ela. • • • • • • PAREDE POSTERIOR DO ABDOME A parede posterior do abdome (Figuras 2.95 a 2.97) é formada principalmente por: Cinco vértebras lombares e discos IV associados (centralmente) Músculos da parede posterior do abdome, que incluem os músculos psoas, quadrado do lombo, ilíaco, transverso do abdome e oblíquos do abdome (lateralmente) Diafragma, que contribui para a parte superior da parede posterior Fáscia, inclusive a fáscia toracolombar Plexo lombar, formado por ramos anteriores dos nervos espinais lombares Gordura, nervos, vasos (p. ex., aorta e VCI) e linfonodos. Observando a anatomia da parede posterior do abdome apenas em diagramas bidimensionais, como a Figura 2.97, seria fácil supor que ela é plana. Ao observar um cadáver dissecado, ou um corte transversal como mostra a Figura 2.95A e B, é visível que a coluna vertebral lombar é uma proeminência central acentuada na parede posterior, que cria dois “sulcos” paravertebrais, um de cada lado. A parte mais profunda (posterior) desses sulcos é ocupada pelos rins e a gordura adjacente. A parte abdominal da aorta está na face anterior da coluna vertebral protrusa anteriormente. Em geral, é surpreendente constatar a proximidade entre a porção inferior da parte abdominal da aorta e a parede anterior do abdome em indivíduos magros (Figura B2.37C). Evidentemente, muitas estruturas situam-se anteriormente à aorta (AMS, partes do duodeno, pâncreas e veia renal esquerda, etc.) e, assim, essas “estruturas posteriores do abdome” podem se aproximar mais da parede anterior do abdome do que seria esperado em pessoas magras, sobretudo quando estão em decúbito dorsal. Fáscia da parede posterior do abdome A parede posterior do abdome é coberta por uma camada contínua da fáscia endoabdominal situada entre o peritônio parietal e os músculos (Figura 2.95B). A fáscia que reveste a parede posterior do abdome é contínua com a fáscia transversal que reveste o músculo transverso do abdome. É comum denominar a fáscia de acordo com a estrutura que reveste. A fáscia do músculo psoas que cobre o músculo psoas maior (bainha do músculo psoas) está fixada medialmente às vértebras lombares e à margem da pelve. A fáscia (bainha) do músculo psoas é espessa superiormente para formar o ligamento arqueado medial (Figura 2.91). A fáscia do músculo psoas funde-se lateralmente com a fáscia do músculo quadrado do lombo e a aponeurose toracolombar (Figura 2.95B). Inferiormente à crista ilíaca, a fáscia do músculo psoas é contínua com a parte da fáscia ilíaca que cobre o músculo ilíaco. A aponeurose toracolombar é um complexo fascial extenso fixado à coluna vertebral medialmente que, na região lombar, tem lâminas posterior, média e anterior com músculos inseridos entre elas (Figura 2.95B e C). É fina e transparente na região onde cobre as partes torácicas dos músculos profundos, mas é espessa e forte na região lombar. O revestimento dos músculos verticais profundos do dorso (músculo eretor da espinha) pelas lâminas posterior e média da aponeurose toracolombar na face posterior do tronco é comparável ao revestimento do músculo reto do abdome pela bainha do músculo reto do abdome na face anterior (Figura 2.95A). No entanto, essa bainha posterior é ainda mais notável do que a bainha do músculo reto do abdome, por causa da espessura de sua camada posterior e da fixação central às vértebras lombares, ao contrário das bainhas do músculo reto do abdome, que não têm sustentação óssea no local em que se fundem uma à outra na linha alba. A parte lombar dessa lâmina posterior, que se estende entre a costela XII e a crista ilíaca, fixa-se lateralmente aos músculos oblíquo interno e transverso do abdome, do mesmo modo que a bainha do músculo reto do abdome. Entretanto, ao contrário da bainha do músculo reto do abdome, a aponeurose toracolombar não se fixa ao músculo oblíquo externo do abdome; está fixada ao músculo latíssimo do dorso (Figura 2.95B e C). • • • Figura 2.95 Fáscia e aponeuroses da parede do abdome no nível dos hilos renais. A. As relações dos músculos, aponeuroses musculares e fáscia da parede do abdome são mostradas em corte transversal. Os três músculos planos da parede do abdome que formam as paredes laterais seguem entre formações aponeuróticas anteriores e posteriores complexas que revestem músculos verticais. As finas paredes anterolaterais (parecendo desproporcionalmente espessas aqui) são distensíveis. Embora flexível, a parede posterior do abdome sustenta peso e, assim, é reforçada pela coluna vertebral e músculos que atuam sobre ela; por isso, não é distensível. B. Detalhes da disposição das lâminas aponeurótica e fascial da parede posterior do abdome. Veja os detalhes referentes à parede anterior do abdome na Figura 2.5B. C. Vista dimensional da região mostrada no corte em B. VCI = veia cava inferior. A lâmina anterior da aponeurose toracolombar (fáscia do músculo quadrado do lombo), que reveste a face anterior do músculo quadrado do lombo — uma lâmina mais fina e transparente do que as outras duas — fixa-se às faces anteriores dos processos transversos das vértebras lombares, a crista ilíaca e a costela XII (Figuras 2.95B e 2.97). A lâmina anterior é contínua lateralmente com a origem aponeurótica do músculo transverso do abdome. Espessa-se superiormente para formar o ligamento arqueado lateral e está aderida inferiormente aos ligamentos iliolombares (Figura 2.97). Músculos da parede posterior do abdome Os principais pares de músculos na parede posterior do abdome (Figura 2.96; Quadro 2.14) são: Psoas maior: que segue em sentido inferolateral Ilíaco: situado ao longo das faces laterais da parte inferior do músculo psoas maior Quadrado do lombo: situado adjacente aos processos transversos das vértebras lombares e lateral às partes superiores do músculo psoas maior. As fixações, inervação e principais ações desses músculos são resumidas no Quadro 2.14. MÚSCULO PSOAS MAIOR O músculo psoas maior longo, espesso e fusiforme situa-se lateralmente às vértebras lombares (Figuras 2.96A e 2.97). Psoas é um termo grego que significa “músculo lombar”. (Os açougueiros referem-se aos músculos psoas dos animais como filé- mignon.) O músculo psoas maior segue em sentido inferolateral, profundamente ao ligamento inguinal, até chegar ao trocanter menor do fêmur. O plexo nervoso lombar está inserido na parte posterior do músculo psoas maior, anteriormente aos processos transversos lombares. MÚSCULO ILÍACO O ilíaco é um músculo triangular grande situado ao longo da face lateral da parte inferior do músculo psoas maior. A maior parte de suas fibras une-se ao tendão do músculo psoas maior. Juntos, os músculos psoas e ilíaco formam o músculo iliopsoas, o principal flexor da coxa. Também estabiliza a articulação do quadril e ajuda a manter a postura ereta nessa articulação. Os músculos psoas e ilíaco compartilham a flexão do quadril; entretanto, apenas o músculo psoas pode produzir movimento (flexão ou curvatura lateral) da coluna lombar. Figura 2.96 Músculos da parede posterior do abdome. Quadro 2.14 Músculos da parede posterior do abdome. Músculo Fixação superior Fixação inferior Inervação Principal ação Psoas maior* Processos transversos das vértebras lombares; laterais dos corpos das vértebras L XII a S V e discos intervertebrais interpostos Por um tendão forte no trocanter menor do fêmur Ramos anteriores dos nervos L1, L2, L3 Agindo inferiormente com o M. ilíaco, flete a coxa; agindo superiormente, flete a coluna vertebral lateralmente; é usado para equilibrar o tronco; na posição sentada, atua inferiormente com o M. ilíaco para fletir o tronco Ilíaco* Dois terços superiores da fossa ilíaca, asa do sacro e ligamentos sacroilíacos anteriores Trocanter menor do fêmur e corpo inferior a ele, e ao tendão do músculo psoas maior Nervo femoral (L2–L4) Flete a coxa e estabiliza a articulação do quadril; atua com o músculo psoas maior Quadrado do lombo Metade medial da margem inferior das costelas XII e extremidades dos processos transversos lombares Ligamento iliolombar e lábio interno da crista ilíaca Ramos anteriores dos nervos T12 e L1–L4 Estende e flete lateralmente a coluna vertebral; fixa a costela XII durante a inspiração *Os músculos psoas maior e ilíaco fundem-se inferiormente e formam coletivamente o músculo iliopsoas. Figura 2.97 Músculos e nervos da parede posterior do abdome. A maior parte do músculo psoas maior direito foi removida para mostrar que o plexo nervoso lombar é formado pelos ramos anteriores dos quatro primeiros nervos espinais lombares e que está na substância do músculo psoas maior. MÚSCULO QUADRADO DO LOMBO O músculo quadrado do lombo, quadrilateral, forma uma lâmina muscular espessa na parede posterior do abdome (Figuras 2.94A e B, 2.96 e 2.97). Situa-se adjacente aos processos transversos lombares e é mais largo inferiormente. Próximo da costela XII, o ligamento arqueado lateral cruza o músculo quadrado do lombo. O nervo subcostal passa posteriormente a esse ligamento e segue em sentido inferolateral sobre o músculo quadrado do lombo. Os ramos do plexo lombar seguem inferiormente sobre a face anterior deste músculo. Nervos da parede posterior do abdome Os componentes dos sistemas nervosos somático e autônomo (visceral) estão associados à parede posterior do abdome. Os nervos subcostais (ramos anterior de T12) originam-se no tórax, passam posteriormente aos ligamentos arqueados laterais até o abdome, e seguem em sentido inferolateral na face anterior do músculo quadrado do lombo (Figura 2.97). Eles atravessam os músculos transverso do abdome e oblíquo interno do abdome para inervar o músculo oblíquo externo do abdome e a pele da parede anterolateral do abdome. Os nervos espinais lombares (L1–L5) saem da medula espinal através dos forames IV inferiormente às vértebras correspondentes, onde se dividem em ramos posterior e anterior. Cada ramo tem fibras sensitivas e motoras. Os ramos posteriores seguem posteriormente para inervar os músculos do dorso e a pele sobrejacente, enquanto os ramos anteriores seguem lateral e inferiormente, para suprir a pele e os músculos da parte inferior do tronco e os membros inferiores. As partes iniciais dos ramos anteriores dos nervos espinais L1, L2 e, às vezes, L3 dão origem aos ramos comunicantes brancos, que conduzem fibras simpáticas pré-ganglionares para os troncos simpáticos lombares. A parte abdominal dos troncos simpáticos (troncos simpáticos lombares), formada por quatro gânglios simpáticos paravertebrais lombares e os ramos interganglionares que os unem, é contínua com a parte torácica dos troncos profundamente aos ligamentos arqueados mediais do diafragma. Os troncos lombossacrais descem nas faces anterolaterais dos corpos das vértebras lombares em um sulco formado pelo músculo psoas maior adjacente. Inferiormente, eles cruzam o promontório da base do sacro e continuam em sentido inferior até a pelve como a parte sacral dos troncos. Para a inervação da parede do abdome e dos membros inferiores, as sinapses entre as fibras pré-ganglionares e pós-- ganglionares ocorrem nos troncos simpáticos. As fibras simpáticas pós-ganglionares seguem da face lateral dos troncos através dos ramos comunicantes cinzentos até os ramos anteriores. Tornam-se os nervos toracoabdominais e subcostais e o plexo lombar (nervos somáticos), que propiciam estimulação vasomotora, sudomotora e pilomotora na parte inferior do tronco e no membro inferior. Os nervos esplâncnicos lombares originados na face medial dos troncos simpáticos lombares conduzem fibras simpáticas pré-ganglionares para a inervação das vísceras pélvicas. O plexo nervoso lombar forma-se anteriormente aos processos transversos lombares, dentro da fixação proximal do músculo psoas maior. Essa rede nervosa é formada pelos ramos anteriores dos nervos L1 a L4. Os nervos a seguir são ramos • • • • • • • • do plexo lombar; os três maiores são citados primeiro: O nervo femoral (L2–L4) emerge da margem lateral do músculo psoas maior, inerva o músculo ilíaco e passa profundamente ao ligamento inguinal/trato iliopúbico até a face anterior da coxa, suprindo os músculos flexores do quadril e extensores do joelho O nervo obturatório (L2–L4) emerge da margem medial do músculo psoas maior e segue até a pelve menor, passando inferiormente ao ramo superior do púbis (através do forame obturado) até a face medial da coxa, suprindo os músculos adutores O tronco lombossacral (L4, L5) passa sobre a asa do sacro e desce até a pelve para participar na formação do plexo sacral com os ramos anteriores dos nervos S1–S4 Os nervos ilioinguinal e ílio-hipogástrico (L1) originam-se do ramo anterior de L1, entrando no abdome posteriormente ao ligamento arqueado medial e seguindo inferolateralmente, anteriormente ao músculo quadrado do lombo. Seguem superior e paralelamente à crista ilíaca, perfurando o músculo transverso do abdome perto da EIAS. A seguir, eles atravessam os músculos oblíquos interno e externo do abdome para suprir os músculos abdominais e a pele das regiões inguinal e púbica. A divisão do ramo anterior de L1 pode ocorrer tão distalmente quanto a EIAS, de modo que muitas vezes apenas um nervo (L1) cruza a parede posterior do abdome em vez de dois O nervo genitofemoral (L1, L2) perfura o músculo psoas maior e segue inferiormente sobre sua face anterior, profundamente à fáscia do músculo iliopsoas; divide-se lateralmente às artérias ilíacas comum e externa em ramos femoral e genital O nervo cutâneo femoral lateral da coxa (L2, L3) segue inferolateralmente sobre o músculo ilíaco e entra na coxa profundamente ao ligamento inguinal/trato iliopúbico, logo medialmente à EIAS; inerva a pele na face anterolateral da coxa Um nervo obturatório acessório (L3, L4) é encontrado em quase 10% das pessoas. É paralelo à margem medial do músculo psoas, anterior ao nervo obturatório, cruzando superiormente ao ramo superior do púbis, bem próximo da veia femoral. Embora os ramos maiores (femoral, obturatório e tronco lombossacral) tenham posições regulares, deve-se prever a variação na disposição dos ramos menores do plexo lombar. Vasos da parede posterior do abdome O principal feixe neurovascular do tronco inferior, que inclui a parte abdominal da aorta, a veia cava inferior e o plexo nervoso periarterial aórtico, segue na linha mediana da parede posterior do abdome, anteriormente aos corpos das vértebras lombares (Figuras 2.70B e 2.89). PARTE ABDOMINAL DA AORTA A maioria das artérias que irriga a parede posterior do abdome origina-se da parte abdominal da aorta (Figura 2.98A; Quadro 2.15). As artérias subcostais originam-se da parte torácica da aorta e têm distribuição inferior à costela XII. A parte abdominal da aorta tem aproximadamente 13 cm de comprimento. Começa no hiato aórtico no diafragma, no nível da vértebra T XII, e termina no nível da vértebra L IV, dividindo-se nas artérias ilíacas comuns direita e esquerda. A parte abdominal da aorta pode ser representada na parede anterior do abdome por uma faixa (com cerca de 2 cm de largura) que se estende de um ponto mediano, aproximadamente 2,5 cm superiormente ao plano transpilórico, até um ponto ligeiramente (2 a 3 cm) inferior e à esquerda do umbigo, no nível do plano supracristal (plano dos pontos mais altos das cristas ilíacas) (Figura 2.98B). Em crianças e adultos magros, a porção inferior da parte abdominal da aorta está suficientemente próxima da parede anterior do abdome para que suas pulsações possam ser detectadas ou aparentes quando a parede está relaxada (ver, no boxe azul, “Pulsações da aorta e aneurisma aórtico abdominal”, adiante). As artérias ilíacas comuns divergem e seguem em sentido inferolateral, acompanhando a margem medial dos músculos psoas até a margem da pelve. Aí cada artéria ilíaca comum divide-se em artérias ilíacas interna e externa. A artéria ilíaca interna entra na pelve. (Seu trajeto e os ramos são descritos no Capítulo 3.) A artéria ilíaca externa segue o músculo iliopsoas. Logo antes de deixar o abdome, a artéria ilíaca externa dá origem às artérias epigástrica inferior e circunflexa ilíaca profunda, que irrigam a parede anterolateral do abdome. Relações da parte abdominal da aorta. Da parte superior para a inferior, as relações anteriores importantes da parte abdominal da aorta são: Plexo e gânglio celíacos (Figuras 2.55B e 2.71) • • • • Corpo do pâncreas e veia esplênica (Figura 2.71) Veia renal esquerda (Figuras 2.83 e 2.92B) Parte horizontal do duodeno Alças de intestino delgado. A parte abdominal da aorta desce anteriormente aos corpos das vértebras T XII a L IV (Figura 2.98A). As veias lombares esquerdas seguem posteriormente à aorta para chegar à VCI (Figura 2.99). À direita, a aorta está relacionada com veia ázigo, cisterna do quilo, ducto torácico, pilar direito do diafragma e gânglio celíaco direito. À esquerda, a aorta está relacionada com o pilar esquerdo do diafragma e o gânglio celíaco esquerdo. Ramos da parte abdominal da aorta. Pode-se descrever que os ramos da parte descendente da aorta (torácica e abdominal) originam-se e seguem nos três “planos vasculares”, e podem ser classificados como viscerais ou parietais e pares ou ímpares (Figura 2.98A e C; Quadro 2.15). O par de ramos parietais da aorta serve ao diafragma e à parede posterior do abdome. Pode-se considerar que a artéria sacral mediana, um ramo parietal ímpar, ocupa um quarto plano (posterior), porque se origina na face posterior da aorta imediatamente proximal à sua bifurcação. Embora seja bem menor, também poderia ser considerada uma “continuação” mediana da aorta, caso em que seus ramos laterais, as artérias lombares imas e os ramos sacrais laterais, também seriam incluídos como parte dos pares de ramos parietais. Figura 2.98 Artérias da parede posterior do abdome — ramos da aorta. A. Ramos da parte abdominal da aorta. B. Ramos da porção superior da parte abdominal da aorta. C. Planos vasculares nos quais são distribuídos os ramos da parte abdominal da aorta. Quadro 2.15 Ramos da parte abdominal da aorta. Plano vascular Classe Distribuição Ramos abdominais (artérias) Nível vertebral 1. Linha mediana anterior Visceral ímpar Sistema digestório Tronco celíaco T XII Mesentérica superior L I Mesentérica inferior L III Suprarrenal L I 2. Lateral Visceral par Órgãos urogenitais e endócrinos Renal L I Gonadal (testicular ou ovárica) L II 3. Posterolateral Parietal par (segmentar) Diafragma; parede do corpo Subcostal L II Frênica inferior T XII Lombar L I-L IV VEIAS DA PAREDE POSTERIOR DO ABDOME As veias da parede posterior do abdome são tributárias da VCI, com exceção da veia testicular ou ovárica esquerda, que desemboca na veia renal esquerda em vez de drenar para a VCI (Figura 2.99). A VCI, a maior veia do corpo, não tem válvulas, exceto uma válvula variável, não funcional em seu óstio no átrio direito do coração. A VCI conduz o sangue mal oxigenado dos membros inferiores, da maior parte do dorso, das paredes do abdome e das vísceras abdominopélvicas. O sangue das vísceras abdominais atravessa o sistema venoso porta e o fígado antes de entrar na VCI através das veias hepáticas. Figura 2.99 Veia cava inferior (VCI) e suas tributárias. A assimetria nas veias renais e ilíacas comuns reflete a posição da VCI à direita da linha mediana. A veia cava inferior (VCI) começa anteriormente à vértebra L V pela união das veias ilíacas comuns. Essa união ocorre aproximadamente 2,5 cm à direita do plano mediano, inferiormente à bifurcação da aorta e posteriormente à parte proximal da artéria ilíaca comum direita (ver Figura 2.76). A VCI ascende à direita dos corpos das vértebras L III a L V e sobre o músculo psoas maior direito até a direita da aorta. A VCI deixa o abdome através do forame da veia cava no diafragma e entra no tórax no nível da vértebra T VIII. Como se forma um nível vertebral abaixo da bifurcação da aorta e atravessa o diafragma quatro níveis vertebrais acima do hiato aórtico, o comprimento total da VCI é 7 cm maior do que o da parte abdominal da aorta, embora a maior parte do comprimento adicional seja intra-hepática. A VCI recolhe o sangue pouco oxigenado dos membros inferiores e sangue não portal do abdome e da pelve. Quase todo o sangue do sistema digestório é recolhido pelo sistema porta e segue pelas veias hepáticas até a VCI. As tributárias da VCI correspondem ao par de ramos viscerais e parietais da parte abdominal da aorta. As veias que correspondem aos ramos viscerais ímpares da aorta são tributárias da veia porta. Por fim, o sangue que elas conduzem entra na VCI através das veias hepáticas, depois de atravessar o fígado. Os ramos correspondentes aos ramos viscerais pares da parte abdominal da aorta incluem a veia suprarrenal direita, as veias renais direita e esquerda e a veia gonadal direita (testicular ou ovárica). As veias suprarrenal e gonadal esquerdas drenam indiretamente para a VCI porque são tributárias da veia renal esquerda. Os pares de ramos parietais da VCI incluem as veias frênicas inferiores, a 3 a (L3) e 4 a (L4) veias lombares, e as veias ilíacas comuns. As veias lombar ascendente e ázigo unem a VCI e a VCS, direta ou indiretamente pelas vias colaterais (ver, no boxe azul, “Vias colaterais para o sangue venoso abdominopélvico”, adiante). VASOS LINFÁTICOS E LINFONODOS DA PAREDE POSTERIOR DO ABDOME Os vasos linfáticos e linfonodos situam-se ao longo da aorta, VCI e vasos ilíacos (Figura 2.100A). Os linfonodos ilíacos comuns recebem linfa dos linfonodos ilíacos externos e internos. A linfa dos linfonodos ilíacos comuns segue para os linfonodos lombares direitos e esquerdos. A linfa do sistema digestório, fígado, baço e pâncreas segue ao longo do tronco celíaco e das artérias mesentéricas superior e inferior até os linfonodos pré-aórticos (linfonodos celíacos e mesentéricos superiores e inferiores) dispersos ao redor das origens dessas artérias na aorta. Os vasos eferentes desses linfonodos formam os troncos linfáticos intestinais, que podem ser únicos ou múltiplos, e participam na confluência dos troncos linfáticos que dá origem ao ducto torácico (Figura 2.100B). Os linfonodos lombares (cavais e aórticos) direitos e esquerdos situam-se de ambos os lados da VCI e da aorta. Esses linfonodos recebem linfa diretamente da parede posterior do abdome, rins, ureteres, testículos ou ovários, útero e tubas uterinas. Também recebem linfa do colo descendente, pelve e membros inferiores através dos linfonodos ilíacos comuns e mesentéricos inferiores. Os vasos linfáticos eferentes dos grandes linfonodos lombares formam os troncos linfáticos lombares direito e esquerdo. A extremidade inferior do ducto torácico está situada anteriormente aos corpos das vértebras L I e L II, entre o pilar direito do diafragma e a aorta. O ducto torácico começa com a convergência dos principais ductos linfáticos do abdome, que em apenas uma pequena proporção de indivíduos assume a forma do saco ou dilatação de paredes finas, comumente representada, a cisterna do quilo (Figura 2.100B). A cisterna do quilo varia muito em tamanho e formato. Na maioria das vezes há apenas uma convergência simples ou plexiforme nesse nível dos troncos linfáticos lombares direito e esquerdo, o(s) tronco(s) linfático(s) intestinal(is) e um par de troncos linfáticos torácicos descendentes, que conduzem a linfa dos seis espaços intercostais inferiores de cada lado. Consequentemente, quase toda a drenagem linfática da metade inferior do corpo (drenagem linfática profunda inferior ao nível do diafragma e toda a drenagem superficial inferior ao nível do umbigo) converge no abdome para desembocar no início do ducto torácico. O ducto torácico ascende através do hiato aórtico no diafragma até o mediastino posterior, onde recebe mais drenagem parietal e visceral, sobretudo do quadrante superior esquerdo do corpo. Por fim, o ducto termina entrando no sistema venoso na junção das veias subclávia esquerda e jugular interna (ângulo venoso esquerdo). Figura 2.100 Vasos linfáticos e linfonodos da parede posterior do abdome e troncos linfáticos do abdome. A. A figura mostra os linfonodos parietais. B. Troncos linfáticos abdominais. Toda a drenagem linfática da metade inferior do corpo converge no abdome para desembocar no início do ducto torácico. VCI = veia cava inferior; VCS = veia cava superior. DIAFRAGMA Soluços Os soluços são contrações espasmódicas, involuntárias do diafragma, que causam inspirações súbitas, rapidamente interrompidas por fechamento espasmódico da glote que controla a entrada de ar e produz um som característico. Os soluços são provocados pela irritação das terminações nervosas aferentes ou eferentes ou de centros bulbares no tronco encefálico que controlam os músculos da respiração, em especial o diafragma. Os soluços têm muitas causas, como indigestão, irritação do diafragma, alcoolismo, lesões cerebrais e lesões torácicas e abdominais, todas elas comprometendo os nervos frênicos. Secção de um nervo frênico A secção de um nervo frênico no pescoço resulta em paralisia completa e, por fim, atrofia da parte muscular da metade correspondente do diafragma, exceto nas pessoas que têm um nervo frênico acessório (ver Capítulo 8). A paralisia de um hemidiafragma pode ser reconhecida nas radiografias por sua elevação permanente e movimento paradoxal. Ver, no boxe azul, “Paralisia do diafragma”, no Capítulo 1. Dor referida diafragmática A dor diafragmática irradia-se para duas áreas diferentes em razão da diferença na inervação sensitiva do diafragma (Quadro 2.12). A dor provocada pela irritação da pleura diafragmática ou do peritônio diafragmático é referida na região do ombro, a área de pele suprida pelos segmentos C3–C5 da medula espinal (ver, no boxe azul, “Dor visceral referida”, anteriormente). Esses segmentos também enviam ramos anteriores para os nervos frênicos. A irritação de regiões periféricas do diafragma, inervadas pelos nervos intercostais inferiores, é mais localizada, sendo referida na pele sobre as margens costais da parede anterolateral do abdome. Ruptura do diafragma e herniação das vísceras A ruptura do diafragma e a herniação das vísceras podem resultar de um súbito e grande aumento da pressão intratorácica ou intra-abdominal. A causa comum dessa lesão é o traumatismo grave do tórax ou do abdome durante um acidente automobilístico. A maioria das rupturas do diafragma ocorre no lado esquerdo (95%) porque a grande massa do fígado, intimamente associada ao diafragma no lado direito, propicia uma barreira física. Em geral, há uma área não muscular de tamanho variável, denominada trígono lombocostal, entre as partes costal e lombar do diafragma (ver Figuras 2.91 e 2.97). Esta parte do diafragma normalmente é formada apenas por fusão das fáscias superior e inferior do diafragma. Em caso de hérnia traumática do diafragma, pode haver herniação do estômago, intestino delgado e mesentério, colo transverso e baço através dessa área para o tórax. A hérnia de hiato, a protrusão de parte do estômago para o tórax através do hiato esofágico, já foi analisada neste capítulo. As estruturas que atravessam o hiato esofágico (troncos vagais, vasos frênicos inferiores esquerdos, ramos esofágicos dos vasos gástricos esquerdos) podem ser lesadas em procedimentos cirúrgicos no hiato esofágico (p. ex., reparo de uma hérnia de hiato). Hérnia diafragmática congênita Na hérnia diafragmática congênita (HDC), há herniação de parte do estômago e do intestino através de um grande defeito posterolateral (forame de Bochdalek) no diafragma (Figura B2.34). A herniação quase sempre ocorre à esquerda devido à presença do fígado à direita. Esse tipo de hérnia decorre do desenvolvimento complexo do diafragma. O defeito posterolateral do diafragma é a única anomalia congênita relativamente comum do diafragma e acomete cerca de 1 em cada 2.200 recém-nascidos (Moore, Persaud e Torchia, 2012). Com as vísceras abdominais no espaço limitado da cavidade pulmonar pré-natal, um pulmão (geralmente o esquerdo) não tem espaço para se desenvolver normalmente ou para ser insuflado após o nascimento. Em vista da consequente hipoplasia pulmonar, a taxa de mortalidade nesses recémnascidos é alta (cerca de 76%). PAREDE POSTERIOR DO ABDOME Abscesso do músculo psoas Embora a prevalência de tuberculose (TB) tenha diminuído muito, atualmente está havendo um ressurgimento da TB, sobretudo na África e na Ásia, às vezes em proporções pandêmicas, devido à AIDS e à resistência aos medicamentos. A TB da coluna vertebral é bastante comum. A infecção pode disseminar-se pelo sangue para as vértebras (disseminação hematogênica), sobretudo durante a infância. Um abscesso causado por tuberculose na região lombar tende a se disseminar das vértebras para a fáscia do músculo psoas, onde provoca o surgimento de um abscesso do músculo psoas (Figura B2.35). Consequentemente, a fáscia do músculo psoas torna-se mais espessa, formando um tubo forte, semelhante a uma meia. O pus do abscesso segue inferiormente ao longo do músculo psoas dentro desse tubo de fáscia sobre a margem da pelve e profundamente ao ligamento inguinal. O pus geralmente alcança a superfície na parte superior da coxa. O pus também pode chegar à fáscia do músculo psoas através do mediastino posterior quando há acometimento das vértebras torácicas. Figura B2.34 Hérnia diafragmática congênita (HDC). A. Imagem de necropsia. B. Imagem radiográfica em um recém-nascido. Figura B2.35 Abscesso do músculo psoas (seta). A parte inferior da fáscia ilíaca frequentemente torna-se tensa e eleva uma prega que segue até a face interna da crista ilíaca. A parte superior dessa fáscia é frouxa e pode formar uma bolsa, a fossa iliacossubfascial, posterior à prega supracitada. Parte do intestino grosso, como o ceco e/ou apêndice vermiforme no lado direito e o colo sigmoide no lado esquerdo, pode ser aprisionada nessa fossa, provocando dor considerável. Dor abdominal posterior O músculo iliopsoas tem relações extensas e clinicamente importantes com os rins, ureteres, ceco, apêndice vermiforme, colo sigmoide, pâncreas, linfonodos lombares e nervos da parede posterior do abdome. Quando uma dessas estruturas está doente, o movimento do músculo iliopsoas geralmente causa dor. Quando há suspeita de inflamação intra-abdominal, é realizado o teste do iliopsoas. A pessoa é instruída a deitar-se sobre o lado não afetado e a estender a coxa no lado afetado contra a resistência da mão do examinador (Bickley, 2009). A ocorrência de dor com essa manobra é considerada sinal do psoas positivo. A inflamação aguda do apêndice vermiforme, por exemplo, causa um sinal do psoas positivo à direita (Figura B2.36). Como o músculo psoas situa-se ao longo da coluna vertebral e o músculo ilíaco cruza a articulação sacroilíaca, a doença das articulações intervertebrais e sacroilíacas pode causar espasmo do iliopsoas, um reflexo de proteção. O adenocarcinoma do pâncreas em estágios avançados invade os músculos e os nervos da parede posterior do abdome, causando dor excruciante em razão da proximidade entre o pâncreas e a parede posterior do abdome. Simpatectomia lombar parcial O tratamento de alguns pacientes com doença arterial nos membros inferiores inclui uma simpatectomia lombar parcial, a retirada cirúrgica de dois ou mais gânglios simpáticos lombares por secção de seus ramos comunicantes. O acesso cirúrgico aos troncos simpáticos costuma ser extraperitoneal lateral, pois os troncos simpáticos estão no tecido adiposo extraperitoneal no espaço retroperitoneal (Figura 2.97). O cirurgião afasta os músculos da parede anterior do abdome e desloca o peritônio em sentido medial e anterior para expor a margem medial do músculo psoas maior, ao longo da qual está o tronco simpático. Muitas vezes a aorta se superpõe um pouco ao tronco esquerdo. O tronco simpático direito é coberto pela VCI. A proximidade entre os troncos simpáticos e a aorta e a VCI também torna esses grandes vasos vulneráveis à lesão durante simpatectomia lombar. Sendo assim, o cirurgião os afasta com cuidado para expor os troncos simpáticos que, em geral, estão situados no sulco entre o músculo psoas maior lateralmente e os corpos vertebrais lombares medialmente. Não raro esses troncos estão encobertos por gordura e tecido linfático. Sabendo que a identificação dos troncos simpáticos não é fácil, deve-se ter grande cuidado para não remover acidentalmente parte do nervo genitofemoral, vasos linfáticos lombares ou ureter. Figura B2.36 Base anatômica do sinal do psoas. Pulsações da aorta e aneurisma aórtico abdominal Como a aorta está situada posteriormente ao pâncreas e ao estômago, um tumor desses órgãos pode transmitir pulsações da aorta que poderiam ser confundidas com um aneurisma aórtico abdominal, uma dilatação localizada da aorta (Figura B2.37A e B). A palpação profunda da região média do abdome pode detectar um aneurisma, que geralmente resulta de fraqueza congênita ou adquirida da parede arterial (Figura B2.37C e D). As pulsações de um grande aneurisma podem ser detectadas à esquerda da linha mediana; a massa pulsátil pode ser facilmente deslocada de um lado para outro. Um exame de imagem confirma o diagnóstico em casos questionáveis. A ruptura aguda de um aneurisma aórtico abdominal está associada a dor intensa no abdome ou no dorso. Quando não é diagnosticado, a taxa de mortalidade desse aneurisma é de quase 90% devido à grande perda de sangue (Swartz, 2009). Os cirurgiões podem reparar um aneurisma mediante sua abertura, inserção de uma prótese e sutura da parede do aneurisma sobre o enxerto para protegê-la. Muitos problemas vasculares que antigamente eram tratados com reparo aberto, inclusive o reparo de aneurismas, estão sendo tratados agora por meio de procedimentos de cateterização endovascular. Quando a parede anterior do abdome está relaxada, sobretudo em crianças e adultos magros, a porção inferior da parte abdominal da aorta pode ser comprimida contra o corpo da vértebra L IV por pressão firme sobre a parede anterior do abdome, na região do umbigo (Figura B2.37C e D). Essa pressão pode ser usada para controlar a hemorragia na pelve ou nos membros inferiores. Vias colaterais para o sangue venoso abdominopélvico Existem três vias colaterais, formadas por veias avalvulares do tronco, para retorno do sangue venoso ao coração quando a VCI é obstruída ou ligada. Duas dessas vias (uma com participação das veias epigástricas superior e inferior e a outra, da veia toracoepigástrica) já foram analisadas neste capítulo, junto com a parede anterior do abdome. A terceira via colateral inclui o plexo venoso peridural no interior da coluna vertebral (ilustrado e analisado no Capítulo 4, Dorso), que se comunica com as veias lombares do sistema caval inferior e as tributárias do sistema venoso ázigo, que faz parte do sistema caval superior. Figura B2.37 A parte inferior da VCI tem uma história de desenvolvimento complexa porque é formada por partes de três conjuntos de veias embrionárias (Moore, Persaud e Torchia, 2012). Portanto, as anomalias da VCI são relativamente comuns e a maioria delas, como a persistência da VCI esquerda, ocorre inferiormente às veias renais (Figura B2.38). Essas anomalias resultam da persistência das veias embrionárias no lado esquerdo, que normalmente desaparecem. Caso haja uma VCI esquerda, esta pode cruzar para o lado direito no nível dos rins. Figura B2.38 Pontos-chave DIAFRAGMA E PAREDE POSTERIOR DO ABDOME O diafragma é a divisória musculotendínea, com dupla cúpula, que separa as cavidades torácica e abdominal, além de ser o principal músculo da inspiração. ♦ Sua porção muscular origina-se na abertura inferior do tórax, anular, de onde o diafragma eleva-se de forma oblíqua, penetrando a caixa torácica e formando um centro tendíneo comum. ♦ A cúpula direita (mais alta por causa do fígado subjacente) eleva-se quase até o nível do mamilo, ao passo que a cúpula esquerda é um pouco mais baixa. ♦ A porção central é ligeiramente deprimida pelo coração dentro do pericárdio e se funde à face mediastinal do centro tendíneo. Na posição respiratória neutra, o centro tendíneo situa-se no nível do disco entre T VIII e T IX e da sínfise xifosternal. ♦ Quando estimuladas pelos nervos frênicos, as cúpulas são puxadas para baixo (descem), comprimindo as vísceras abdominais. Quando a estimulação cessa e o diafragma relaxa, ele é empurrado para cima (ascende) pelo efeito associado da descompressão das vísceras e do tônus dos músculos da parede anterolateral do abdome. ♦ O diafragma é perfurado pela VCI e nervos frênicos no nível da vértebra T VIII. ♦ As fibras do pilar direito do diafragma formam um hiato esfincteriano para o esôfago no nível da vértebra T X. ♦ A parte descendente da aorta e o ducto torácico seguem posteriormente ao diafragma no nível da vértebra T XII, na linha mediana entre os pilares, superpostos pelo ligamento arqueado mediano que os une. ♦ As artérias e veias frênicas superiores e inferiores suprem a maior parte do diafragma, com drenagem suplementar pelas veias musculofrênicas e ázigo/hemiázigo. ♦ Além da inervação motora exclusiva, os nervos frênicos suprem a maior parte da pleura e peritônio que cobrem o diafragma. ♦ As partes periféricas do diafragma recebem inervação sensitiva dos nervos intercostais inferiores e subcostais. ♦ O trígono lombocostal esquerdo e o hiato esofágico são possíveis locais de hérnias adquiridas através do diafragma. Os defeitos congênitos na região lombocostal esquerda são responsáveis pela maioria das hérnias diafragmáticas congênitas. Fáscia e músculos: Grandes formações aponeuróticas complexas cobrem as partes centrais do tronco, anterior e posteriormente, formando densas bainhas centrais que abrigam músculos verticais e têm fixação lateral nos músculos planos da parede anterolateral do abdome. ♦ A aponeurose toracolombar é a formação aponeurótica posterior. Além de revestir o músculo eretor da espinha entre suas lâminas posterior e média, circunda o músculo quadrado do lombo entre suas lâminas média e anterior. ♦ A lâmina anterior, parte da fáscia parietal do abdome, é contínua medialmente com a fáscia do músculo psoas (que reveste o músculo psoas) e lateralmente com a fáscia transversal (que reveste o músculo transverso do abdome). ♦ A fáscia do músculo psoas, que é tubular, proporciona uma possível via para a disseminação de infecções entre a coluna vertebral e a articulação do quadril. ♦ A fáscia parietal do abdome que cobre as faces anteriores dos músculos quadrado do lombo e psoas é mais espessa sobre as faces superiores dos músculos, formando os ligamentos arqueados lateral e medial, respectivamente. ♦ Uma camada muito variável de gordura extraperitoneal interpõe-se entre a fáscia parietal do abdome e o peritônio. É mais espessa nos sulcos paravertebrais da região lombar, formando o corpo adiposo pararrenal (gordura paranéfrica). ♦ Os músculos da parede posterior do abdome são o quadrado do lombo, o psoas maior e o ilíaco. Nervos: Os troncos simpáticos lombares levam fibras simpáticas pós-ganglionares ao plexo lombar para distribuição com os nervos somáticos, e fibras parassimpáticas pré-ganglionares ao plexo aórtico abdominal, e este inerva, por fim, as vísceras pélvicas. ♦ Com exceção do nervo subcostal (T12) e do tronco lombossacral (L4–L5), os nervos somáticos da parede posterior do abdome são produtos do plexo lombar, formados pelos ramos anteriores de L1–L4 profundamente ao músculo psoas. ♦ Apenas o nervo subcostal e os derivados do ramo anterior de L1 (nervos ílio-hipogástrico e ilioinguinal) têm distribuição abdominal — para os músculos e a pele das regiões inguinal e púbica. Todos os outros nervos seguem até os músculos e a pele do membro inferior. Artérias: Com exceção das artérias subcostais, as artérias que irrigam a parede posterior do abdome originam-se da parte abdominal da aorta. ♦ A parte abdominal da aorta desce do hiato aórtico, seguindo nas faces anteriores das vértebras T XII a L IV, imediatamente à esquerda da linha mediana, e bifurca-se nas artérias ilíacas comuns no nível do plano supracristal. ♦ Os ramos da aorta originam-se e seguem em três planos vasculares: anterior (ramos viscerais ímpares), lateral (ramos viscerais pares) e posterolateral (ramos parietais pares). ♦ A artéria sacral mediana pode ser considerada um pequeno prosseguimento da aorta, que continua a dar origem a pares de ramos parietais para as vértebras lombares inferiores e o sacro. Veias: As veias da parede posterior do abdome são principalmente tributárias diretas da VCI, embora algumas entrem indiretamente através da veia renal esquerda. ♦ VCI: é a maior veia e não tem válvulas; • forma-se no nível da vértebra L V pela união das veias ilíacas comuns; • ascende até o nível da vértebra T VIII, atravessando o forame da veia cava no diafragma e entrando no coração quase simultaneamente; • drena o sangue mal oxigenado do corpo abaixo do diafragma; e • recebe a drenagem venosa das vísceras abdominais indiretamente através da veia porta, fígado e veias hepáticas. ♦ Com exceção das veias hepáticas, as tributárias da VCI correspondem principalmente aos pares de ramos viscerais laterais e aos pares de ramos parietais posterolaterais da parte abdominal da aorta. ♦ Existem três vias colaterais (duas incluindo a parede anterior do abdome, e uma com a participação do canal vertebral) para devolver o sangue ao coração em caso de obstrução da VCI. Vasos linfáticos e linfonodos: A drenagem linfática das vísceras abdominais segue retrogradamente ao longo das ramificações dos três ramos viscerais ímpares da parte abdominal da aorta. ♦ A drenagem linfática da parede do abdome funde-se àquela dos membros inferiores, e ambas as vias seguem a irrigação arterial retrogradamente a partir daquelas partes. ♦ Por fim, toda a drenagem linfática das estruturas inferiores ao diafragma, mais a drenagem dos seis espaços intercostais inferiores pelos troncos linfáticos torácicos descendentes, desemboca no início do ducto torácico no nível de T XII, posteriormente à aorta. ♦ A origem do ducto torácico pode ter a forma sacular de uma cisterna do quilo.

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